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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 3 - Se podemos esperar para outrem a felicidade eterna.

O terceiro discute-se assim. – Parece que podemos esperar para outrem a felicidade eterna.

1. – Pois, diz o Apóstolo. Tendo por certo isto mesmo que quem começou em vós a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo. Ora, a perfeição desse dia será a felicidade eterna. Logo, podemos esperar para outrem essa felicidade.

2. Demais. – O que pedimos a Deus esperamos haver de alcançar dele. Ora, pedimos a Deus que leve os outros à felicidade eterna, conforme àquilo da Escritura: Orai uns pelos outros, para serdes salvos. Logo, podemos esperar para outrem a felicidade eterna.

3. Demais. – A esperança e o desespero têm o mesmo objeto. Ora, podemos desesperar da felicidade eterna alheia; do contrário, Agostinho teria dito inutilmente: de ninguém devemos desesperar, enquanto viver. Logo, também podemos esperar para outrem a vida eterna.

Mas, em contrário, Agostinho: só pode haver esperança daquilo que interessa à pessoa a quem a atribuímos.

SOLUÇÃO. – Podemos ter esperança de urna coisa, de dois modos. Primeiro, de modo absoluto; e então ela só pode ser a de um bem difícil que nos diga respeito. De outro modo, por pressuposição de outrem; e então, pode haver esperança também do que a outrem pertence. Para evidenciá-lo, devemos saber que o amor e a esperança diferem em o amor implicar a união do amante com o objeto amado; ao passo que a esperança implica um certo movimento ou tendência do apetite para um bem difícil. Ora, a união, operando-se entre seres distintos, o amor pode dizer diretamente respeito a outrem, a quem por ele nos unimos, considerando-o como nós mesmos. O movimento, porém, sempre tende para o termo próprio proporcionado ao móvel. Por onde, a esperança visa diretamente o bem próprio, e não o pertencente a outrem. Mas, pressuposta a união do amor com outrem, já então podemos desejar e esperar para ele, como para nós mesmos. E sendo assim, podemos esperar para outrem a vida eterna, quando com ele estamos unidos pelo amor. E como, pela mesma virtude da caridade, amamos a Deus, a nós mesmos e ao próximo, assim também, pela mesma virtude da esperança, esperamos para nós e para outrem.

E daqui se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Artigo 2 - Se a felicidade eterna é o objeto próprio da esperança.

O segundo discute-se assim. – Parece que a felicidade eterna não é o objeto próprio da esperança.

1. – Pois, o homem não espera o que lhe excede totalmente a capacidade da alma, como o é o ato da esperança. Ora, a felicidade eterna excede totalmente a capacidade da alma humana, conforme ao Apóstolo, quando diz, que nem jamais veio ao coração do homem. Logo, a felicidade não é o objeto próprio da esperança.

2. Demais. – Um pedido traduz a esperança, conforme a Escritura: Descobre ao Senhor o teu caminho e espera nele e ele fará. Ora, o homem pede licitamente a Deus, não só a felicidade eterna, mas ainda os bens da vida presente, tanto espirituais como temporais; e também o ficar livre de males - conforme claramente o diz a Oração Dominical, males que não existirão na felicidade eterna. Logo, esta não é o objeto próprio da esperança.

3. Demais. – O objeto da esperança é um bem difícil. Ora, para o homem, há bens mais difíceis de serem alcançados, que a felicidade eterna. Logo, esta não é o objeto próprio da esperança.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Temos uma esperança que peneira, isto é, que faz penetrar, até as causas do interior do véu, isto é, a felicidade celeste, como o expõe a Glosa a esse lugar. Logo; o objeto da esperança é a felicidade eterna.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a esperança, de que agora tratamos se reporta a Deus, em cujo auxílio confia para conseguir o bem esperado. Ora, o efeito há de ser proporcionado à causa. Portanto, o bem que própria e principalmente devemos esperar de Deus é o bem infinito, proporcionado à virtude divina, que nos auxilia; pois, da virtude infinita é próprio levar ao bem infinito. E este bem é a vida eterna, consistente no gozo do próprio Deus. Mas, de Deus não lhe podemos esperar nada menos que o que ele próprio é; pois, a sua bondade, pela qual comunica o bem às criaturas, não é menor que a sua essência. Por onde, o objeto próprio e principal da esperança é a felicidade eterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A felicidade eterna não penetra tão perfeitamente o coração do homem, durante esta vida, que ele a possa conhecer tal qual é; mas, pela ideia geral do bem perfeito, pode ele apreendê-la, o que provoca o movimento da esperança para essa felicidade. Por isso, o Apóstolo diz sinaladamente que a esperança penetra até as causas do interior do véu. Pois, o que esperamos ainda nos está velado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quaisquer outros bens não devemos pedir a Deus senão ordenadamente à felicidade eterna. Por onde, a esperança, principalmente, visa tal felicidade; ao passo que os demais bens, que pedimos a Deus, a visam secundariamente e em dependência dela. Assim, a fé busca a Deus, principalmente; e secundariamente, o que se ordena a Deus, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem aspira a algo de grande, parece-lhe pequeno tudo quanto seja menor que o objeto dessa aspiração. Assim também, a quem espera a felicidade eterna, nada é difícil comparado com essa esperança. Mas, pode haver dificuldades, se se leva em consideração a capacidade de quem espera. E assim sendo, podemos esperar essas coisas difíceis, ordenadamente ao objeto principal.

Artigo 1 - Se a esperança é uma virtude.

O primeiro discute-se assim. – Parece não ser a esperança uma virtude.

1. – Pois, ninguém pode usar mal da virtude, como diz Agostinho: Ora, podemos usar mal da esperança, porque ela comporta, como as outras paixões, um meio e dois extremos. Logo, a esperança não é uma virtude.

2. Demais. – Nenhuma virtude procede do mérito, porque, como diz Agostinho: Deus obra em nós a virtude, sem a nossa cooperação. Ora, a esperança provém da graça e do mérito, no dizer do Mestre das Sentenças. Logo, a esperança não é uma virtude.

3. Demais. – A virtude é uma disposição do que é perfeito, diz Aristóteles Ora, a esperança é uma disposição de quem é imperfeito, porque ainda não tem o que espera. Logo, a esperança não é uma virtude.

Mas, em contrário, Gregório diz, que as três filhas de Job significam as três virtudes: fé, esperança e caridade. Logo, a esperança é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude torna bom quem a tem, e a sua obra. Logo e necessariamente, todo ato humano bom há de corresponder a alguma virtude humana. Mas o bem de tudo o que é regulado e medido consiste na observância da regra própria; assim, chamamos boa à roupa que não vai além nem fica aquem da medida devida. Ora, como já dissemos, os atos humanos têm dupla medida: uma próxima e homogênea, que é a razão; outra, suprema e sem igual, que é Deus. Logo, todo ato humano que esteja de acordo com a razão ou que se refira a Deus é bom. Ora, o ato da esperança, de que agora tratamos, refere-se a Deus. Pois, como já dissemos quando tratamos da paixão da esperança. o seu objeto é um bem futuro, difícil, porém, possível de ser obtido. Mas, uma coisa pode nos ser possível de dois modos: por nós mesmos, ou por outrem como se vê claramente em Aristóteles. Ora, quando esperamos uma coisa, como nos sendo possível, por meio do auxílio divino, a nossa esperança se refere a Deus mesmo, em cujo auxilio confiamos. Por onde é claro, que a esperança é uma virtude, pois, torna bom o homem e fá-lo obedecer à regra devida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Nas paixões, o meio termo da virtude consiste na obediência à razão reta: ora, nisto mesmo também consiste a essência da virtude. Por onde, o homem atinge o bem da virtude da esperança, quando por ela busca a regra devida, que é Deus. Portanto, ninguém pode usar mal da esperança, que busca a Deus, como não o pode, da virtude moral obediente à razão; pois, o fato mesmo de se lhe submeter já é usar bem da virtude. Embora a esperança, de que agora tratamos não seja uma paixão, mas um hábito do intelecto, como a seguir se demonstrará.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz-se que a esperança provém do mérito, levando-se em consideração aquilo mesmo que é esperado; isto é, quando esperamos alcançar a felicidade, por graça ou por mérito. Ou levando-se em consideração o ato da esperança perfeita. Mas o hábito mesmo da esperança, pelo qual esperamos a felicidade, não é causado pelo mérito, mas puramente pela graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem espera é, certo, imperfeito, relativamente ao que espera obter e que ainda não tem. Mas é perfeito por já se haver submetido à regra própria, que é Deus, com cujo auxílio conta.

Artigo 2 - Se a Lei Antiga estabeleceu convenientemente os preceitos relativos à ciência e ao intelecto.

O segundo discute-se assim. – Parece que a Lei Antiga estabeleceu inconvenientemente os preceitos relativos à ciência e ao intelecto.

1. – Pois, ciência e intelecto dizem respeito ao conhecimento. Ora, este precede a ação e a dirige. Logo, os preceitos pertinentes à ciência e ao intelecto devem preceder aos que respeitam a ação. Mas sendo os primeiros preceitos da Lei os do decálogo, conclui-se que, entre estes, deviam estabelecer-se alguns pertinentes à ciência e ao intelecto.

2. Demais. – Devemos aprender antes de ensinar; pois, antes de ensinarmos aos outros, aprendemos de outrem. Ora, a Lei Antiga estabeleceu certos preceitos sobre o ensino. Uns, afirmativos, como quando preceitua. Tu as ensinarás a teus filhos e a teus netos, Outros proibitivos, como quando diz: Vós não ajuntareis nem tirareis nada às palavras que eu vos digo.

3. Demais. – A ciência e o intelecto são mais necessários ao sacerdote que ao rei. Por isso, diz a Escritura: Os lábios do sacerdote serão os guardas da ciência e da sua boca é que os  mais buscarão a inteligência da lei. E noutro lugar: Porque tu rejeitaste a ciência, também eu te rejeitarei a ti, para não exerceres as funções do meu sacerdócio. Ora, ao rei a Escritura manda, que aprenda a ciência da lei. Logo, com muito maior razão deveria mandar os sacerdotes estudarem a lei.

4. Demais. – Quem está dormindo não pode meditar no que pertence à ciência e ao intelecto; e também fica impedido dessa meditação por ocupações estranhas a ela. Logo, a lei ordena inconvenientemente. E tu as meditarás assentado em sua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te para dormir e ao levantar-te. Logo, a Lei Antiga estabeleceu inconvenientemente os preceitos atinentes à ciência e ao intelecto.

Mas, em contrário, a Escritura: Ouvindo todos estes preceitos digam: Eis aqui um povo sábio e entendido.

SOLUÇÃO. – Três coisas podemos considerar relativas à ciência e ao intelecto: primeiro, a aceitação deles; segundo, o seu uso; terceiro, a sua conservação. – Assim, são aceitos pelo ensino e pela aprendizagem; e sobre uma e outra coisa a Lei estabeleceu ordenações. Pois, diz: E estas palavras, que eu hoje te intimo, estarão gravadas no teu coração; o que é atinente à aprendizagem, pois, é próprio do discípulo aplicar a mente ao que se lhe diz. E o que se acrescenta. E tu as referirás a teus filhos - diz respeito ao ensino. – Em segundo lugar, o uso da ciência e do intelecto consiste em meditarmos no que sabemos ou inteligimos, E por isso a Lei acrescenta: E as meditarás assentado em tua casa. – Por fim, a conservação se faz pela memória. E por isso diz mais a Lei: E as alarás como um sinal na tua mão; e elas atarão e se moverão diante dos teus olhos; e as escreverás no limiar e nas portar da tua casa. E todas estas disposições levam à memória perene dos mandamentos de Deus. Pois, o que nos ocorre sempre aos sentidos, quer ao do tato - quando temos sempre uma coisa nas mãos; quer ao da vista ­ como as coisas que nos estão sempre ante os olhos da mente; ou aquilo a que sempre e muitas vezes devemos recorrer, como a porta da casa; tudo isso não pode delir-se da nossa memória. Por onde, diz a Lei mais manifestamente: Não te esqueças das causas que teus olhos viram, e elas se não apaguem do teu coração por todos os dias da tua vida. E esses mandamentos se lêm, ainda mais abundantemente, no Testamento Novo, tanto no ensino evangélico como no apostólico.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Como diz a Lei isto mostrareis a vossa sabedoria e inteligência aos poucos. Querendo dar a entender que a ciência e o intelecto dos fiéis de Deus consistem nos preceitos da Lei. Por onde, devem-se propor, primeiro, os preceitos da Lei  e, depois, os homens devem ser levados à ciência - ou inteligência deles. Por isso, os referidos preceitos não deviam ser postos entre os do decálogo, que são os primeiros.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também a Lei estabeleceu preceitos atinentes ao ensino, como se disse. Mas o ensino é ordenado mais expressamente que a aprendizagem, porque, pertence aos maiores, que usam do seu direito e dependem imediatamente da Lei, aos quais devem ser dados os preceitos da mesma. Ao passo que a aprendizagem pertence aos menores, que devem receber dos maiores os preceitos da lei.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A ciência da Lei faz de tal modo parte dos deveres do sacerdote, que se deve entender que quando lhe foi imposta a sua obrigação, lhe foi também imposta essa ciência. Por onde, não havia necessidade de se estabelecerem preceitos especiais sobre a instrução dos sacerdotes. Ora, o ensino da lei de Deus não faz parte, assim, das obrigações do rei, por ser ele constituído chefe temporal do povo. Por isso a Lei preceitua especialmente seja o rei instruído, pelos sacerdotes, no pertencente à lei de Deus.

RESPOSTA À QUARTA. – O preceito citado da Lei não deve ser entendido como significando que o homem deva, mesmo dormindo, meditar na lei de Deus. Mas que, dormindo, isto é, quando vai dormir, medite nela, porque então, quando estiver dormindo, surgir-lhe-ão melhores fantasmas, porque os movimentos do estado de vigília perduram durante o sono, como claramente o diz o Filósofo. Semelhantemente, ordenado está que, em todos os seus atos, medite o homem na Lei; não que sempre medite nela, atualmente, mas por ela regule tudo o que fizer.

Artigo 1 - Se a lei antiga devia estabelecer preceitos relativos à crença.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a lei antiga devia estabelecer preceitos relativos à crença.

1. – Pois, um preceito é relativo ao que é devido e necessário. Ora, sobretudo é necessário ao homem crer, conforme aquilo da Escritura: sem fé é impossível agradar a Deus. Logo, era muito necessário dar preceitos sobre a fé.

2. Demais. – O Novo Testamento está contido no Velho, como o figurado, na figura, segundo já se viu. Ora, o Novo Testamento estabelece expressamente mandamentos sobre a fé, como se vê claro pelo lugar seguinte: Credes em Deus, crede também a mim. Logo, a Lei Antiga devia também dai preceitos sobre a fé.

3. Demais. – Pela mesma razão por que se ordena um ato de virtude, proíbem-se os vícios opostos. Ora, a Lei Antiga estabelece muitos preceitos que proíbem a infidelidade, como, por exemplo: Não terás deuses estrangeiros diante de mim. E noutro lugar manda que os judeus não ouçam as palavras de profeta, ou de sonhador que os queira desviar da fidelidade a Deus. Logo, a Lei Antiga também devia dar preceitos sobre a fé.

4. Demais. – A confissão é um ato de fé, como se disse. Ora, a Lei Antiga dá preceitos sobre a confissão e a promulgação dos artigos da fé. Assim, manda que, os judeus deem aos filhos que interrogarem, a razão da observância pascal; que seja morto quem disseminar doutrinas contra a fé. Logo, a Lei Antiga devia conter preceitos de fé.

5. Demais. – Todos os livros do Antigo Testamento estão contidos na Lei Antiga. Por isso, o Senhor diz que está escrito na Lei: Com ódio injusto me tem em aborrecimento; o que está de fato na Escritura. Ora, na mesma se diz. Vós os que temeis ao Senhor, crede-o. Logo, a Lei Antiga deu preceitos sobre a fé.

Mas, em contrário, o Apóstolo chama à Lei Antiga Lei das obras, e a divide, por oposição, da Lei da fé. Logo, a Lei Antiga não deu preceitos sobre a fé.

SOLUÇÃO. – Só para os seus súditos é que um senhor dá leis; por onde, os preceitos de qualquer lei pressupõem a sujeição de quem recebe a quem dá. Ora, o homem está sujeito a Deus, primeiramente, pela fé, conforme aquilo da Escritura. É necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus, Logo, os preceitos da lei pressupõem a fé. E por isso que é de fé vem antes, dos preceitos da Lei, segundo está dito: Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito; e, semelhantemente outro lugar diz primeiro: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; e logo em seguida começa a dar os preceitos. Ora, a fé contém muitos ensinamentos ordenados à crença em Deus, em quem devemos acima de tudo crer, primária e principalmente, conforme já dissemos Por onde, pressuposta a fé em Deus, pela qual a nossa mente se lhe sujeita, podem ser dados preceitos sobre as outras matérias de fé. Assim, Agostinho diz que muitos mandamentos nos foram dados sobre a fé, explicando aquele lugar: Ele é o meu mandamento. Mas no regime da Lei Antiga as verdades ocultas da fé não deviam ser reveladas ao povo. Por isso, suposta a fé num Deus único, a Lei Antiga não estabeleceu mais nenhum preceito sobre o que se devia crer.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ E a fé necessária, como princípio da vida espiritual. Por isso, deve ser pressuposta ao recebimento da Lei.

RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar citado também o Senhor pressupõe algo da fé, a saber, a crença em um só Deus, quando diz – Credes em Deus: mas ordena ainda que se tenha fé na encarnação, pela qual um mesmo Deus é homem; fé que se tomou explícita pela do Novo Testamento. Por isso acrescenta: Crede também a mim.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os preceitos proibitivos dizem respeito aos pecados, que corrompem a virtude. Ora esta se corrompe por defeitos particulares como já dissemos. Por onde, pressuposta a fé num Deus único, a Lei Antiga estabeleceu preceitos proibitivos para afastar os homens desses defeitos particulares, que poderiam corromper a fé.

RESPOSTA À QUARTA. – Mesmo a confissão ou a doutrina da fé pressupõe, por esta, o homem sujeito a Deus. Por isso foi possível à Lei Antiga estabelecer preceitos relativos, antes, à confissão ou à doutrina da fé, do que a esta em si mesma.

RESPOSTA À QUINTA. – Também o lugar aduzido pressupõe a fé, pela qual cremos na existência de Deus. Por isso, o texto começa dizendo – Vós, os que temeis o Senhor - o que não poderia ser sem a fé. E o que se segue ­ crede-o - refere-se a certas e especiais verdades da fé e sobretudo à promessa de Deus aos que lhe obedecerem. Por isso, acrescenta: E não vos faltará a vossa recompensa.

Artigo 3 - Se a cegueira da mente e o embotamento do sentido não nascem dos vícios carnais.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a cegueira da mente e o embotamento do sentido não nascem de vícios carnais.

1 – Pois, Agostinho retratando-se do que escrevera: - Deus, que só aos puros permitiste conhecer a verdade - diz: pode-se responder que muitos, embora imundos, podem conhecer muitas verdades. Ora, os vícios carnais é que nos tornam imundos. Logo, a cegueira da mente e o embotamento do sentido não são causados pelos vícios carnais.

2. Demais. – A cegueira da mente e o embotamento do sentido são defeitos da parte intelectiva da alma, ao passo que os vícios carnais vêm da corrupção da carne. Ora, a carne não age sobre a alma, mas antes, ao contrário. Logo, os vícios carnais não causam a cegueira da mente e o embotamento do sentido.

3. Demais. – Um ser sofre mais fortemente a ação de um agente próximo do que de um afastado. Ora, mais próximos da mente são os vícios espirituais, que os carnais. Logo, a cegueira da mente e o embotamento do sentido são causados, mais, pelos vícios espirituais que pelos carnais.

Mas, em contrário, diz Gregório, que o embotamento do sentido intelectual nasce da gula; e a cegueira da mente, da luxúria.

SOLUÇÃO. – A perfeição da operação intelectual do homem vem da abstração dos fantasmas sensíveis. Por onde, quanto mais o seu intelecto se libertar desses fantasmas, tanto mais poderá penetrar o inteligível e ordenar todos os sensíveis. Por isso, Anaxágoras diz, que há de o intelecto ser puro, para imperar; e há de o agente dominar a matéria para poder movê-la, como diz o Filósofo. Ora, é manifesto que o prazer concentra-se no objeto com que nos deleitamos. Donde o dizer o Filósofo, que cada um faz otimamente aquilo em que se compraz e de nenhum modo, ou debilmente, o que lhe é contrário. Ora, os vícios carnais - a gula e a luxúria - consistem nos prazeres do tacto, isto é, nos da mesa e nos venéreos, os veementíssimos de todos os prazeres corpóreos. Por isso, esses vícios levam o homem a concentrar o seu afeto sobretudo nas coisas corpóreas, o que, por consequência, lhe debilita a atividade intelectual. Tanto mais, porém, a debilita a luxúria do que a gula, quanto mais os prazeres venéreos são de veemência superior aos da mesa. Por isso, da luxúria nasce a cegueira da mente, que exclui quase totalmente o conhecimento dos bens espirituais; e da gula, o embotamento do sentido, que torna o homem fraco para apreender esses inteligíveis. E inversamente, as virtudes opostas - a abstinência e a castidade - dispõem o homem soberanamente para a perfeição da atividade intelectual. Donde o dizer a Escritura Deus deu a estes meninos, isto é, aos abstinentes, a ciência e o conhecimento de todos os livros e de toda a sabedoria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Os que se entregam aos vícios carnais podem, por vezes, especular subtilmente sobre certos inteligíveis, por causa da agudeza do engenho natural ou de um hábito adquirido. Mas necessária e frequentemente, a tendência deles há se de desviar dessa contemplação, pelos prazeres corpóreos. Por onde, os imundos, embora possam conhecer certas verdades, a imundície os impede.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A carne não age sobre a parte intelectiva, alterando-a; mas impedindo-lhe a operação, da maneira supradita.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quanto mais contrários à mente forem os vícios carnais, tanto mais profundamente lhe perturbam as tendências. E portanto, tanto mais lhe impedem a contemplação.

Artigo 2 - Se o embotamento do sentido difere da cegueira da mente.

O segundo discute-se assim. – Parece que o embotamento do sentido não difere da cegueira da mente.

1. –Pois, a cada contrário se opõe um só contrário. Ora, ao dom do intelecto se opõe o embotamento, como claramente o diz Gregório. Mas também se lhe opõe a cegueira da mente, porque o intelecto designa um princípio compreensivo. Logo, o embotamento do sentido é o mesmo que a cegueira da mente.

2. Demais. – Gregório, falando do embotamento, chama-lhe embotamento do sentido intelectual. Ora, ter esse sentido embotado não é senão ter deficiente a inteligência, o que é próprio da cegueira da mente. Logo, o embotamento do sentido é o mesmo que esta cegueira.

3. Demais. – Se a cegueira da mente e o embotamento do sentido diferem, hão de diferir sobretudo por ser aquela voluntária como já se disse e este, um defeito natural. Ora, defeito natural não é pecado. Logo, sendo assim, o embotamento da mente não constituiria pecado; o que vai contra Gregório que o enumera entre os vícios nascidos da gula.

Mas, em contrário, causas diversas produzem efeitos diversos. Ora, Gregório, no mesmo lugar, diz, que o embotamento do sentido nasce da gula; e a cegueira da mente, da luxúria. Ora, são vícios diferentes a luxúria e a gula. Logo, também o embotamento do sentido e a cegueira da mente.

SOLUÇÃO. – O embotamento se opõe à agudeza. Ora, chama-se agudo ao que é penetrante; por isso denomina-se boto o que é obtuso e não pode penetrar. Mas, se diz, por uma certa semelhança, que os sentidos corpóreos penetram o meio, por perceberem, à distância, o objeto, ou por poderem, como penetrando, perceber o que há de mínimo e mais íntimo no objeto. Por isso diz-se que tem sentidos corpóreos agudos quem pode perceber de longe o sensível, vendo, ouvindo ou cheirando. E ao contrário, de sentidos embotados é quem só percebe, de perto, objetos sensíveis grandes.

Ora, por semelhança com os sentidos do corpo, também se diz que há um sentido intelectual, cujo objeto são certos extremos primeiros, no dizer de Aristóteles; como também os sentidos conhecem os sensíveis, que são uns como princípios do conhecimento. O sentido intelectual porém não percebe o seu objeto por meio da distância corpórea mas, por certos outros meios. Assim, pelas propriedades de um ser, percebe-lhe a essência e, pelo efeito, a causa. Donde o dizer­se que é agudo de sentido intelectual quem, apreendendo as propriedades de um ser, ou ainda os efeitos, compreende-lhe a natureza e pode atingir até às mínimas condições a serem nele consideradas. Boto, de inteligência, ao contrário, se chama a quem não pode alcançar o conhecimento da verdade de um objeto senão por abundante exposição que dele se lhe faça; e portanto não pode também atingir a compreensão perfeita de tudo o que constitui a essência do objeto.

Por onde, o embotamento do sentido intelectual implica uma certa debilidade da mente no considerar os bens espirituais; e a cegueira da mente importa na omnímoda privação do conhecimento deles. E uma e outra coisa se opõem ao dom do intelecto, pelo qual o homem conhece os bens espirituais, apreendendo-os, e penetra-lhes subtilmente o íntimo. O embotamento, porém, tem natureza de pecado, assim como a cegueira da mente, por serem voluntários; isso bem o mostra quem, preso pelo afeto às coisas carnais, enfada-se ou descura-se de penetrar com agudeza os bens espirituais.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Artigo 1 - Se a cegueira da mente é pecado.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a cegueira da mente não é pecado.

1 – Pois, o que escusa o pecado não pode ser pecado. Ora, a cegueira da mente o escusa, segundo a Escritura. Se vós fôsseis cegos, não teríeis  culpa. Logo, a cegueira da mente não é pecado.

2. Demais. – A pena difere da culpa. Ora, a cegueira da mente é uma pena, como claramente o diz a Escritura: Obseca o coração deste povo. Pois, sendo um mal e provindo de Deus, não pode ser senão pena. Logo, a cegueira da mente não é pecado.

3. Demais. – Todo pecado é voluntário, como diz Agostinho. Ora, a cegueira da mente não é voluntária, porque, no dizer do mesmo todos gostam de conhecer a verdade luminosa; o que está concorde com a Escritura. A luz é doce e é coisa deleitável aos olhos ao ver o sol. Logo, a cegueira da mente não é pecado.

Mas, em contrário, Gregório a cegueira da mente é considerada um dos vícios causados pela luxúria.

SOLUÇÃO. – Assim como a cegueira corporal é privação do princípio da visão corpórea, assim também a da mente é a privação do princípio da visão mental ou intelectual. – Ora, este princípio é tríplice. – Um é o lume da razão natural, o qual, pertencendo à natureza específica da alma racional, esta nunca fica privada dele. Pode porém às vezes ficar-lhe impedido o ato próprio pelas potências inferiores, de que o intelecto humano precisa para inteligir, como bem o mostram os dementes e os furiosos, segundo foi dito na Primeira Parte. ­ Outro princípio da visão intelectual é um certo lume habitual acrescentado ao lume natural da razão. E desse a alma pode ficar às vezes privada, e isso constitui a cegueira, que é uma pena, pois considera-se pena a privação do lume da graça. Por isso, de certos diz a Escritura: A sua malicia os cegou. – O terceiro princípio da visão intelectual é um princípio inteligível, por meio do qual o homem intelige os objetos. Ora, esse princípio inteligível a mente humana pode levar em conta ou não. Neste último caso, por dois motivos. Ou por a vontade espontaneamente se desviar da consideração desse princípio, conforme aquilo da Escritura. Não quis instruir-se para fazer o bem. Ou por ocupar-se a mente com coisas que, sendo mais amadas a desviam da contemplação de tal princípio segundo aquilo da Escritura. Caiu jogo de cima, isto é, o da concupiscência, e não viram o sol. Ora, de um e de outro modo a cegueira da mente é pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A cegueira que escusa o pecado é a proveniente do defeito natural de não poder ver.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto à cegueira como pena.

RESPOSTA À TERCEIRA – Inteligir a verdade é, em si mesmo, agradável a todos. Pode porém, acidentalmente, ser odioso a alguém, quando é impedimento do que é mais amado.

Artigo 4 - Se o homem pode pecar contra o Espírito Santo, sem ter cometido antes outros pecados.

O quarto discute-se assim. – Parece que o homem não pode pecar contra o Espírito Santo, sem ter cometido antes outros pecados.

1. – Pois, pela ordem natural devemos passar do perfeito para o imperfeito; o que bem o mostram os bons, conforme aquilo da Escritura: A vereda dos justos, como luz que resplandece, vai adiante e cresce até o dia perfeito. Mas, para os maus, chama-se dia perfeito ao mal máximo, como está claro no Filósofo. Ora, sendo gravíssimo o pecado contra o Espírito Santo, resulta que o homem só pode chegar a cometê-lo depois de ter cometido outros menores.

2. Demais. – Pecar contra o Espírito Santo é pecar por pura malícia, ou por eleição. Ora, isso o homem não o pode, antes de ter pecado muitas vezes. Pois, como diz o Filósofo, embora todo homem possa praticar atos injustos, não o pode, contudo, inicialmente e por eleição, como o injusto. Logo, o pecado contra o Espírito Santo não pode ser cometido senão depois de cometidos outros pecados.

3. Demais. – A penitência e a impenitência têm o mesmo objeto. Ora, aquela é própria aos pecados passados. Logo, também esta, que é uma espécie de pecado contra o Espírito Santo. Portanto, o pecado contra o Espírito Santo pressupõe pecados anteriores.

Mas, em contrário, como diz a Escritura, a Deus é fácil o enriquecer de repente ao pobre. Logo e ao contrário, é possível que a malícia sugerida pelo demônio subitamente nos leve a cometer o pecado gravíssimo contra o Espírito Santo.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos pecar contra o Espírito Santo é, de certo modo, pecar por puríl malícia. Ora, de dois modos podemos pecar por pura malícia, segundo já foi dito. ­ Primeiro, por inclinação habitual, o que não é propriamente pecar contra o Espírito Santo. E deste modo, não podemos, inicialmente, pecar por pura malícia; pois, é necessário tenham precedido outros atos pecaminosos, causas do hábito que inclina ao pecado. – De outro modo, podemos pecar por pura malícia, rejeitando, por desprezo, os meios que nos livrariam do pecado; o que é propriamente pecar contra o Espírito Santo, como já dissemos. Mas isto também pressupõe, quase sempre outros pecados; pois, como diz a Escritura, o ímpio, depois de haver chegado ao profundo dos pecados, despreza tudo. Pode contudo acontecer que, no primeiro ato do pecado, pequemos contra o Espírito Santo por desprezo: em seguida, pela liberdade do arbítrio; depois, por muitas disposições precedentes, ou ainda, por algum motivo conducente veementemente ao mal e por um débil afeto pelo bem. Por isso, os varões perfeitos, nunca, ou só uma ou outra vez, pode acontecer que pequem, inicialmente, contra o Espírito Santo. Donde o dizer Orígenes. Penso que, quem um posto no sumo grau de perfeição, não pode abandoná-lo ou cair subitamente, senão aos poucos e por partes. E a mesma razão vale se considerarmos o pecado contra o Espírito Santo, literalmente, como blasfêmia contra o mesmo. Pois, tal blasfêmia, de que fala o Senhor, procede sempre da malícia do desprezo. Se porém, considerarmos o pecado contra o Espírito Santo como a impenitência final, segundo o entende Agostinho, desaparece a questão; porque, o pecado contra o Espírito Santo exige a prática continuada dos pecados, até ao fim da vida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Como se dá geralmente, também o mal e o bem começam do imperfeito para o perfeito, quando o homem progride tanto neste como naquele; mas isto não impede que uma pessoa comece por um bem ou um mal, maior ou menor, do que aquele por onde começa outra. Por onde, um começo, considerado genericamente pode ser perfeito, tanto na ordem do bem como na do mal, embora seja imperfeito quanto à série na qual o homem progride tanto no bem como no mal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto ao pecado por malícia, quando procedente de uma inclinação habitual.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Considerada a impenitência no sentido que lhe dá Agostinho, enquanto implica a obstinação no pecado até o fim, então é claro que, tanto ela como a penitência pressupõe pecados anteriores. Mas, se tomarmos a impenitência enquanto habitual, considerada como uma espécie de pecado contra o Espírito Santo, então é manifesto que pode existir a impenitência, mesmo antes de qualquer pecado. Pois, quem nunca pecou pode ter o propósito de, se vier a pecar, fazer ou não penitência.

Artigo 3 - Se o pecado contra o Espírito Santo é irremissível.

O terceiro discute-se assim. – Parece que o pecado contra o Espírito Santo não é irremissível.

1. – Pois, diz Agostinho. De ninguém devemos desesperar, porque a paciência do Senhor pode levar à penitência. Ora, se algum pecado fosse irremissível, poderíamos desesperar de certos pecadores. Logo, o pecado contra o Espírito Santo não é irremissível.

2. Demais. – Nenhum pecado pode ser perdoado se Deus não restituir a vida espiritual à alma. Ora, não há doença que um médico onipotente não possa curar, diz a Glosa aquilo da Escritura. O que perdoa todas as luas maldades, Logo, o pecado contra o Espírito Santo não é irremissível.

3. Demais. – Pelo livre arbítrio podemos buscar tanto o bem como o mal. Ora, durante a vida, podemos abandonar a prática da virtude, pois até os anjos do céu caíram. Donde o dizer a Escritura Entre os seus anjos achou crime; quanto mais aqueles que moram em casas de lodo? Logo e pela mesma razão, podemos, depois de cometido qualquer pecado, voltar ao estado de justiça. Portanto, o pecado contra o Espírito Santo não é irremissível.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Todo o que disser alguma palavra contra o Espírito Santo não se Lhe perdoará nem neste mundo nem no outro. E Agostinho: Tão grande é a gravidade deste pecado que exclui a humildade que nos leva à súplica.

SOLUÇÃO. – De tantos modos se considera irremissível o pecado contra o Espírito Santo, quantas as acepções em que pode ser tomado. ­ Assim, se considerarmos como pecado contra o Espírito Santo a impenitência final, então é irremissível, porque não pode de nenhum modo ser perdoado. Pois, o pecado mortal em que o homem persevera até a morte, não sendo perdoado nesta vida, pela penitência, não o será também na futura.

Nas outras duas acepções, porém, é considerado irremissível; não que não possa de nenhum modo ser perdoado, mas, porque, por natureza, não merece o perdão. E isto de dois modos. – Primeiro, quanto à pena. Pois, quem peca por ignorância ou fraqueza merece menor pena que quem peca por pura malícia, que não tem nenhuma desculpa por onde se lhe minore a pena. Semelhantemente, quem blasfema contra o Filho do homem, cuja divindade não reconhece, pode merecer uma certa desculpa, por causa da fraqueza da carne, que nele via. E, por isso, merece pena menor que quem blasfema contra a divindade mesma atribuindo ao diabo as obras do Espírito Santo; pois esse nenhuma desculpa tem para que lhe seja minorada a pena. Por isso, se diz, segundo a exposição de Crisóstomo que aos judeus não se lhes perdoou esse pecado, nem nesta vida nem na outra. Pois, nesta, sofreram, por ele, a pena que lhes infligiram os romanos; e na futura, a pena do inferno. Também Atanásio dá o exemplo dos antepassados deles que, primeiro, se opuseram a Moisés, por falta de água e de pão, o que o Senhor suportou pacientemente, pois tinham desculpa na fraqueza da carne. Mas depois pecaram mais gravemente, quase blasfemando contra o Espírito Santo, por atribuírem aos ídolos os benefícios de Deus, que os tirara do Egito, dizendo. Estes são, ó Israel, os teus deuses que te tiraram da terra do Egito. Por isso, o Senhor fez com que fossem punidos temporalmente, pois, foram quase vinte e três mil homens os que caíram mortos naquele dia. E além disso ameaçou-as da pena futura, dizendo: Eu, porém, no dia da vingança visitarei também este pecado deles.

De outro modo, podemos entender que esse pecado não merece perdão, por causa da culpa. Pois dizemos que uma doença é incurável, por natureza, quando exclui tudo o que poderia curá-la; por exemplo, quando priva da virtude da natureza ou produz a repulsa do alimento e do remédio; embora Deus possa curar tal doença. Assim também, considera-se irremissível, por natureza, o pecado contra o Espírito Santo, por excluir os meios que levam à remissão dos pecados. Mas isto não impede possa perdoá-lo e saná-lo a omnipotência e a misericórdia de Deus, que às vezes restitui a tais pecadores, quase miraculosamente, a saúde espiritual.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – De ninguém devemos desesperar, nesta vida, considerando a omnipotência e a misericórdia de Deus. Mas considerando a natureza do pecado, certos são chamados pela Escritura, filhos da infidelidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe, quanto à omnipotência de Deus e não, quanto à condição do pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Pelo livre arbítrio, somos nesta vida, sempre convertíveis; contudo às vezes rejeitamos na medida em que nos é possível, os meios que poderiam converter-nos ao bem. Por onde, a esta luz, o pecado é irremissível, embora Deus possa perdoá-lo.

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