O terceiro discute-se assim. – Parece que o temor do mundo nem sempre é um mal.
1. – Pois, o que constitui o temor do mundo é o nosso respeito dos homens. Ora, certos são recriminados pelos não respeitarem, como aquele juiz iníquo, de que fala o Evangelho, que não temia a Deus nem respeitava os homens. Logo, parece que o temor do mundo nem sempre é um mal.
2. Demais. – No temor do mundo parece se fundarem as penas infligidas pelo poder secular. Ora, essas penas levam a bem agir, conforme o diz a Escritura Querer tu não temer a potestade? Obra bem e terás louvor dela mesma. Logo, o temor do mundo nem sempre é mau.
3. Demais. – O que existe em nós naturalmente não parece ser mau, porque os nossos dons naturais procedem de Deus. Ora, é nos natural temer detrimento em nosso próprio corpo e a perda dos bens temporais, com que se sustenta a vida presente. Logo, parece que o temor do mundo nem sempre é mau.
Mas, em contrário, a Escritura: Não temais aos que matam ao corpo, proibindo assim o temor do mundo. Ora, Deus não proíbe senão o mal. Logo, o temor do mundo é mau.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, os atos morais denominam-se e especificam-se pelos seus objetos. Ora, o objeto próprio do movimento apetitivo é o bem final. Por onde, todo movimento apetitivo especifica-se e denomina-se pelo fim próprio. Assim, quem chamasse cobiça ao amor do trabalho, porque por cobiça é que os homens trabalham não lhe daria uma denominação própria. Pois os cobiçosos não buscam o trabalho como fim, mas como meio, pois o fim que têm em vista são as riquezas. Por onde, chama-se propriamente cobiça ao desejo ou amor das riquezas, o que é um mal. E deste modo, amor do mundo se chama propriamente aquele que põe no mundo a sua finalidade. Portanto, o amor do mundo é sempre um mal. Ora, o temor nasce do amor pois tememos perder o que amamos, como com clareza o diz Agostinho. Por onde, o temor do mundo é o procedente do amor do mundo, como de má raiz. E por isso este temor, em si mesmo, é sempre um mal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podemos respeitar os homens de dois modos. Enquanto há neles algo de divino, como, por exemplo, o bem da graça ou da virtude, ou, pelo menos, o da imagem natural de Deus; e a esta luz são recriminados os que não os respeitam. De outro modo, podemos respeitá-los, quando agem contra Deus. E neste sentido são louvados os que não os respeitam, como o diz a Escritura, de Elias ou Eliseu: Este não temeu a príncipe algum em seus dias.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando as potestades seculares infligem penas para fazer afastarem-se os homens do pecado, são ministros, de Deus, conforme aquilo da Escritura. Porquanto ele é ministro de Deus, vingador em ira contra aquele que obra mal. E assim sendo, temer o poder secular não é próprio do temor do mundo, mas do temor servil ou do inicial.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É natural ao homem procurar evitar sofra detrimento no seu próprio corpo e danos nos seus bens temporais. Mas que, por esse motivo, se divorcie da justiça, encontra a razão natural. Por isso, o Filósofo diz que há certas coisas as obras do pecado às quais nenhum temor deve nos obrigar. Pois seria pior cometer tais pecados que sofrer quaisquer penas.