O primeiro discute-se assim. – Parece que Deus não pode ser temido.
1. – Pois, o objeto do temor é um mal futuro, como já se estabeleceu, Ora, Deus, a bondade mesma, é isento de todo mal. Logo, Deus não pode ser temido.
2. Demais. – O temor opõe-se à esperança. Ora, temos esperança em Deus. Logo, não podemos simultaneamente, temê-la.
3. Demais. – Como diz o Filósofo, tememos aquilo que nos causa mal. Ora, Deus não nos causa nenhum mal, mas sim, nós mesmos, conforme aquilo da Escritura. A tua perdição, ó Israel, toda vem de ti; só em mim está o teu auxilio, Logo, Deus não deve ser temido.
Mas, em contrário, a Escritura: Quem não te temerá, ó rei das gentes? E, noutro lugar: Se eu sou o Senhor, onde está o temor que se me deve?
SOLUÇÃO. – A esperança tem duplo objeto: um é o bem futuro em si mesmo, que esperamos alcançar; o outro, o auxílio de alguém com o qual contamos para obter o que esperamos. Por onde, também o temor pode ter duplo objeto: um, o mal mesmo, que queremos evitar; o outro, a realidade donde esse mal pode proceder. Ora, do primeiro modo, Deus, que é a bondade mesma, não pode ser objeto do temor; mas o pode, do segundo, porque podemos ser ameaçados de um mal, quer proveniente dele, quer relativamente a ele. – Proveniente dele, pode nos ameaçar o mal da pena, que não é um mal absoluto, mas relativo, e, ao contrário, um bem absoluto. Pois, como o bem implica ordem para o fim, de que o mal é a privação, mal absoluto é o que exclui a ordem para o fim último, e esse é o mal da culpa. Por seu lado, o mal da pena é certamente um mal, por privar de um bem particular; mas é um bem absoluto, por depender da ordem do fim último. - Relativamente a Deus porém, podemos cair no mal da culpa se nos separarmos dele. - Ora, deste modo Deus pode e deve ser temido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe se o mal que procuramos evitar é o objeto do temor.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Devemos distinguir em Deus a justiça pela qual pune os pecadores e a misericórdia, pela qual nos salva. Ora, a consideração da sua justiça provoca-nos o temor; e a da misericórdia, a esperança. E assim, a luzes diversas, Deus é o objeto da esperança e do temor.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O mal da culpa não tem por autor Deus, mas a nós mesmos, por nos afastarmos dele. O mal da pena, ao contrário, tem Deus como autor, por ter a natureza de bem; pois é justo, porque é justamente que uma pena nos é infligida, embora seja, primordialmente, a paga merecida pelo nosso pecado. E nesse sentido diz a Escritura: Deus não fez a morte, mas os ímpios a chamaram para si com mãos e palavras: