Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. — Parece que os males insólitos e repentinos não são mais de se temerem.
1. — Pois, assim como a esperança é relativa ao bem, assim o temor o é ao mal. Ora, a experiência concorre para o aumento da esperança, no bem. Logo, também no mal concorre para o aumento do temor.
2. Demais — O Filósofo diz, que os mais temidos não são os da ira arrebatada, mas os brandos e os astutos. Ora, como se sabe, os primeiros são mais levados por movimentos súbitos. Logo, as coisas súbitas são menos temíveis.
O quarto discute-se assim. — Parece que o temor não pode ser temido.
1. — Pois, conservamos, pelo temor tudo o que tememos perder; assim, quem teme perder a saúde a conserva, temendo. Se pois o temor for temido, nós nos livraremos de temer temendo-o. Ora, isto é inadmissível.
2. Demais — Temer é fugir. Ora, ninguém foge de si mesmo. Logo, o temor a si mesmo não teme.
3. Demais — O temor é relativo ao futuro. Ora, quem teme já tem temor. Logo, não pode temê-lo.
Mas, em contrário, podemos amar o amor e condoer-nos da dor. Logo, pela mesma razão, também podemos temer o temor.
(IIª IIªº, q. 144, ª 2).
O terceiro discute-se assim. — Parece que pode haver temor do mal da culpa.
1. — Pois, diz Agostinho, que por um casto temor o homem teme a separação de Deus. Ora, dele só nos separa a culpa, conforme aquilo da Escritura (Is 59, 2): as vossas iniqüidades são as que fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. Logo, pode haver temor do mal da culpa.
2. Demais — Como diz Túlio, tememos, quando futuro, aquilo com que nos contristamos, quando presente. Ora, podemos nos condoer ou contristar com o mal da culpa. Logo, podemos também temê-lo.
O segundo discute-se assim. — Parece que não há temor de mal natural.
1. — Pois, diz o Filósofo, que o temor nos desperta o conselho. — Ora, não deliberamos sobre o que acontece naturalmente, como diz o mesmo autor. Logo, não há temor do mal natural.
2. Demais — Os males naturais como a morte e outros, estão sempre iminentes ao homem. Se pois houvesse temor de tais males, viveríamos sempre a temer.
3. Demais — A natureza não move para o que lhe é contrário. Ora, o mal da natureza dela mesma provém. Logo, não é natural fugirmos desse mal. E, portanto, não há temor natural de um mal natural, ou da natureza.
(IIª IIªe, q. 19, a . 1, 2).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o bem é objeto do temor.
1. — Pois, como diz Agostinho, não tememos senão perder o objeto amado quando possuído, ou não possuí-lo quando esperado. Ora, o que amamos é bom. Logo, o temor tem o bem como objeto próprio.
2. Demais — O Filósofo diz, que é terrível o poder, e o governar a outrem. Ora, o poder é um bem. Logo, o bem é o objeto do temor.
Em seguida devemos tratar do objeto do temor. E sobre esta questão seis artigos se discutem:
O quarto discute-se assim. — Parece que Damasceno assinala inconvenientemente seis espécies de temor, a saber: a indolência, o pejo, a vergonha, a admiração, o estupor e a agonia.
1. — Pois, como diz o Filósofo, o temor é relativo ao mal que contrista. Logo, as espécies do temor devem corresponder às da tristeza. Ora, há quatro espécies de tristezas. Logo, deve haver só quatro espécies de temor, que lhes correspondam.
2. Demais — O que consiste num ato nosso depende do nosso poder. Ora, o temor é relativo ao mal que sobrepuja o nosso poder, como já dissemos. Logo, a indolência, o pejo e a vergonha, que respeitam a nossa operação, não devem ser considerados espécies do temor.
O terceiro discute-se assim. — Parece que há um temor natural.
1. — Pois, diz Damasceno: a alma tem o temor natural de ser, contra a sua vontade, separada do corpo.
2. Demais — O temor nasce do amor, como já se disse. Ora, há um amor natural, segundo Dionísio. Logo, há também um temor natural.
3. Demais — O temor se opõe à esperança, como já se disse. Ora, há uma esperança da natureza, como se vê claramente na Escritura (Rm 4, 18), onde se diz que Abraão, contra a esperança da natureza acreditou na esperança da graça. Logo, há também um temor da natureza.
O segundo discute-se assim. — Parece que o temor não é uma paixão especial.
1. — Pois, diz Agostinho: a quem o medo não desanima, nem a cobiça perturba, nem a agrura, i. é, a tristeza macera, nem a agita a alvoroçada e vã alegria. Por onde se vê que, removido o temor, removidas ficam todas as demais paixões. Logo, não é uma paixão especial, mas, geral.
2. Demais — O Filósofo diz, que a busca e a aversão desempenham, no apetite, o mesmo papel que, no intelecto, a afirmação e a negação. Ora, a negação e a afirmação não são atividades especiais do intelecto, mas podem se referir a muitas coisas. Logo, o mesmo se dá com a aversão, no apetite. Ora, o temor não é senão um afastamento do mal. Logo, não é uma paixão especial.
O primeiro discute-se assim. — Parece que o temor não é paixão da alma.
1. — Pois, como diz Damasceno, o temor é uma virtude que supõe a sístole, i. é, a contração, e é desiderativa da essência. Ora, nenhuma virtude é paixão, conforme Aristóteles o prova. Logo, o temor não é paixão.
2. Demais — Toda paixão é efeito de uma presença proveniente do agente. Ora, o temor não se refere a nada de presente, mas sim, ao futuro, como diz Damasceno. Logo, o temor não é paixão.