O terceiro discute-se assim. — Parece que há um temor natural.
1. — Pois, diz Damasceno: a alma tem o temor natural de ser, contra a sua vontade, separada do corpo.
2. Demais — O temor nasce do amor, como já se disse. Ora, há um amor natural, segundo Dionísio. Logo, há também um temor natural.
3. Demais — O temor se opõe à esperança, como já se disse. Ora, há uma esperança da natureza, como se vê claramente na Escritura (Rm 4, 18), onde se diz que Abraão, contra a esperança da natureza acreditou na esperança da graça. Logo, há também um temor da natureza.
Mas, em contrário. — O que é natural encontra-se comumente nos seres animados e nos inanimados. Ora, nestes não há temor. Logo, o temor não é natural.
Solução. — Chama-se natural o movimento para o qual a natureza inclina; o que de dois modos pode dar-se. — De um modo porque o todo se aperfeiçoa pela natureza, sem nenhuma operação da potência apreensiva; assim, mover-se para cima é o movimento natural ao fogo como crescer o é aos animais e às plantas. — De outro modo, natural é o movimento para o qual a natureza inclina, embora se complete só pela apreensão; pois, como já dissemos, o movimento das potências cognitiva e apetitiva reduzem-se à natureza como ao primeiro princípio. E deste modo também os atos mesmos da potência apreensiva, como o inteligir, o sentir e o lembrar-se se chamam naturais, bem como o movimento do apetite animal.
E deste modo podemos dizer que o temor é natural, e distingue-se do não-natural, pela diversidade do objeto. Pois, o temor, segundo o Filósofo, é relativo ao mal que corrompe e do qual a natureza foge, por causa do seu desejo natural de existir; donde vem o dizermos que esse temor é natural. E além disso, o temor é relativo ao mal que contrista, que não repugna à natureza, mas ao desejo do apetite; e tal temor não é natural. Pois, como já dissemos, a distinção entre o amor de concupiscência e o prazer se fundam no que é natural e no que não o é.
Porém, segundo a primeira acepção da palavra natural é mister saber-se que certas paixões da alma, como o amor, o desejo e a esperança, se chamam às vezes naturais; outras porém não podem se chamar assim. E isto porque o amor e o ódio, o desejo e a aversão implicam uma certa inclinação para buscar o bem e fugir do mal, inclinação essa que também pertence ao apetite natural. Por onde, há um certo amor natural; e podemos dizer que o desejo ou a esperança existe de certo modo também nos seres naturais privados de conhecimento. As outras paixões da alma, porém, implicam certos movimentos para os quais não basta, de nenhum modo, a inclinação natural. Ou porque essas paixões implicam o sentido ou conhecimento; e, assim, como já dissemos, a apreensão sendo necessária para haver prazer e dor, não podemos dizer que os seres privados de conhecimento se deleitam ou sofram dor. Ou porque tais movimentos são contrários à essência da inclinação natural; assim é que a desesperança foge do bem, por causa de alguma dificuldade; e o temor, seguindo nisso a inclinação natural evita atacar o mal contrário, o natural. Por onde, tais paixões não se atribuem de nenhum modo aos inanimados.
E daqui se deduzem claras as respostas às objeções.