Category: Santo Tomás de Aquino
34. — Como foi dito, o Espírito Santo nos faz amar, desejar e pedir retamente o que nos convém amar, desejar e pedir (no. 3). Este Espírito produz em nós, primeiro, o temor que nos leva a procurar a santificação do nome de Deus, para, em seguida, nos dar o dom da piedade. A piedade é, propriamente, uma afeição terna e devotada por um pai e também por um homem caído na miséria.
27. — Este é o primeiro pedido, no qual pedimos que o nome de Deus seja manifestado em nós e por nós proclamado.
Ora, o nome de Deus é antes de tudo, admirável, porque em todas as criaturas opera obras maravilhosas. O Senhor declara no Evangelho (Mc 16,17): Em meu nome, expulsarão os demônios, falarão novas línguas, e se beberem algum veneno mortal, este não lhes fará mal algum.
17. — Entre as disposições necessárias àquele que reza, a confiança tem uma importância considerável. Quem pede alguma coisa a Deus, diz São Tiago, (1,6) faça-o com confiança e sem hesitação.
O Senhor, no princípio da Oração que nos ensinou, expõe os motivos que fazem nascer a confiança.
11. — Perguntamos: como é que Deus é Pai? E quais são nossas obrigações para com Ele devido à sua paternidade?
Chamamo-lo Pai, por causa do modo especial com que nos criou. Criou-nos à sua imagem e semelhança, imagem e semelhanças estas, que não imprimiu em nenhuma outra criatura inferior ao homem. Não é ele teu Pai, teu Criador que te estabeleceu? (Dt 32, 6).
PRÓLOGO
I. As cinco qualidades requeridas para todas as orações.
1. — A Oração Dominical, entre todas, é a oração por excelência, pois possui as cinco qualidades requeridas para qualquer oração. A oração deve ser: confiante, reta, ordenada, devota e humilde.
(In Psalm.XXVI).
O segundo discute-se assim. — Parece que a deficiência não é causa do temor.
1. — Pois, os que têm poder são os mais temidos. Ora, a deficiência é contrária ao poder. Logo, não é causa do temor.
2. Demais — Os que vão ser decapitados sofrem a máxima deficiência. Ora, eles não temem, como diz Aristóteles. Logo, a deficiência não é causa do temor.
3. Demais — Lutar supõe força e não deficiência: Ora, os competidores temem os que concorrem com eles, como diz Aristóteles. Logo, a deficiência não é causa do temor.
Mas, em contrário. — Os contrários são causas uns dos outros. Ora, as riquezas, a força, a multidão dos amigos e o poder excluem o temor, segundo Aristóteles. Logo, a falta desses elementos é a causa do temor.
Solução. — Como já dissemos, podemos descobrir dupla causa do temor: uma, como disposição material de quem teme; a outra, como causa eficiente, da parte de quem é temido.
Quanto ao primeiro ponto, a deficiência é em si mesma causa do temor; pois é por alguma deficiência de forças que não podemos facilmente repelir o mal iminente. Contudo, para causar o temor é preciso tenha a deficiência certa medida. Pois é menor a deficiência que causa o temor do mal futuro, que a consecutiva ao mal presente, que provoca a tristeza. E ainda seria maior a deficiência, se ficasse totalmente eliminado o sentimento do mal, ou o amor do bem, cujo contrário é temido.
Quanto ao segundo, a força e a robustez, em si mesma, é causa do temor. Pois, é por apreendermos, como nocivo o que é forte, que não lhe podemos repelir os efeitos. Pode porém acontecer, acidentalmente, que no caso vertente uma deficiência cause o temor; assim quando é causa de alguém querer nos fazer mal, por uma injustiça, p. ex., ou porque foi lesado antes, ou teme sê-lo.
Donde a resposta à primeira objeção. — A objeção formulada relativamente à causa do temor procede se se trata da causa eficiente.
Resposta à segunda. — Os que vão ser decapitados são presas da paixão de um mal presente. Por onde, esse defeito excede a medida do temor.
Resposta à terceira. — Os competidores temem, não por causa do poder com que podem lutar, mas por deficiência de poder; donde o não confiarem em que hão-de vencer.
(In Psalm.XVIII).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o amor não é causa do temor.
1. — Pois, o que provoca alguma coisa é causa da mesma. Ora, o temor provoca o amor de caridade, como diz Agostinho. Logo, o temor é causa do amor e não inversamente.
2. Demais — Como diz o Filósofo, tememos sobretudo aqueles de quem esperamos algum mal iminente. Ora, somos levados mais ao ódio do que ao amor daqueles de quem esperamos algum mal. Logo, o temor é causado mais pelo ódio do que pelo amor.
3. Demais — Como já se disse, o que provém de nós mesmos não se manifesta como temível. Ora, o que procede do amor provém, especificamente, do íntimo do coração. Logo, o temor não é causado pelo amor.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É certo que não há outra causa de temor senão a de perdermos o objeto amado quando possuído, ou não possuí-lo quando esperado. Logo, todo temor é causado por amarmos alguma coisa. Portanto, o amor é causa do temor.
Solução. — Os objetos das paixões da alma estão para ela como as formas para os seres naturais ou artificiais; pois as paixões se especificam pelos seus objetos, como os seres naturais pelas suas formas. Por onde, assim como a causa da forma o é daquilo que ela constitui; assim, tudo o que, de qualquer modo, é causa do objeto, é causa da paixão. Ora, a causa de um objeto pode ser eficiente ou dispositiva material. Assim, o objeto do prazer é o bem aparente conveniente e conjunto, cuja causa eficiente é o que produz a conjunção, a conveniência, a bondade ou a aparência desse bem. Por outro lado, a causa dispositiva material é o hábito, ou qualquer disposição pelo qual se nos torna conveniente ou aparente o bem conjunto.
Assim pois no caso em questão, o objeto do temor é o mal considerado como tal, como futuro e próximo e ao qual não podemos resistir facilmente. E portanto o que nos pode causar esse mal é causa efetiva do objeto do temor, e por conseqüência do próprio temor. O que porém nos torna de tal modo dispostos que temamos o mal de que acabamos de falar, é causa do temor e do seu objeto, como disposição material. E deste modo o amor é causa do temor. Pois, é de amarmos um bem que se nos torna mal o que dele nos priva; e por isso o tememos como um mal.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já dissemos, o temor em si mesmo e primariamente diz respeito ao mal de que foge, e oposto a algum bem amado, e portanto, nasce do amor. Secundariamente porém respeita aquilo por que provém o mal. E assim, acidentalmente, às vezes provoca o amor, i. é, quando tememos sermos punidos por Deus, observamos-lhe os mandamentos; donde, o início da esperança, que provoca o amor, como já dissemos.
Resposta à segunda. — Começamos por ter ódio à pessoa de quem esperamos o mal; mas, começa a ser amada desde que dela começamos a esperar o bem. Pois, desde o princípio era amado o bem, a que contraria o mal temido.
Resposta à terceira. — A objeção procede relativamente à causa eficiente de um mal temível, ao passo que o amor é causa do mal a modo de disposição material, como já dissemos.
Em seguida devemos tratar da causa do temor. E sobre esta questão dois artigos se discutem:
O sexto discute-se assim. — Parece que não é mais para temer aquilo que não tem remédio.
1. — Pois, para haver temor é preciso reste alguma esperança de salvação, como se disse. Ora, quando o mal não tem remédio não há nenhuma esperança de salvação. Logo, os males dessa natureza não são temidos de modo nenhum.
2. Demais — Não podemos dar nenhum remédio ao mal da morte; pois por força da só natureza não podemos voltar da morte à vida. Entretanto a morte não é o que mais tememos, como diz o Filósofo. Logo, não é o que não tem remédio o que mais tememos.