O quarto discute-se assim. — Parece que o temor não pode ser temido.
1. — Pois, conservamos, pelo temor tudo o que tememos perder; assim, quem teme perder a saúde a conserva, temendo. Se pois o temor for temido, nós nos livraremos de temer temendo-o. Ora, isto é inadmissível.
2. Demais — Temer é fugir. Ora, ninguém foge de si mesmo. Logo, o temor a si mesmo não teme.
3. Demais — O temor é relativo ao futuro. Ora, quem teme já tem temor. Logo, não pode temê-lo.
Mas, em contrário, podemos amar o amor e condoer-nos da dor. Logo, pela mesma razão, também podemos temer o temor.
Solução. — Como já dissemos, é capaz de nos aterrar só o que provém de uma causa extrínseca; e não o que provém da nossa vontade. Ora, o temor provém, em parte, de uma causa extrínseca e, em parte, é da alçada da vontade. Provém de causa extrínseca por ser uma paixão conseqüente à fantasia do mal iminente. E neste sentido podemos temê-lo, i. é, temer que esteja iminente a necessidade de temer, pela iminência de algum mal extremo. É porém da alçada da vontade, por obedecer o apetite inferior à razão, o que nos faculta repelir o temor. E, neste sentido, o temor não pode ser temido, como diz Agostinho. Mas como alguém poderia se servir das razões que ele aduz, para mostrar que o temor de nenhum modo pode ser temido, é necessário respondê-las.
Donde a resposta à primeira objeção. — Nem todos os temores são um só temor; mas a diversidade das coisas temidas acarreta a dos temores. Por onde, nada impede nos preservemos de um temor por meio de outro; e assim, por meio deste conservemo-nos sem temer.
Resposta à segunda. — Sendo um temor pelo qual tememos o mal iminente e outro o pelo que tememos o temor mesmo desse mal, não se segue que o mesmo fuja de si próprio, ou que o mesmo seja a fuga de si próprio.
Resposta à terceira. — Por causa da diversidade dos temores, já referida, podemos por um temor presente temer um futuro temor.