O primeiro discute-se assim. — Parece que o temor não é paixão da alma.
1. — Pois, como diz Damasceno, o temor é uma virtude que supõe a sístole, i. é, a contração, e é desiderativa da essência. Ora, nenhuma virtude é paixão, conforme Aristóteles o prova. Logo, o temor não é paixão.
2. Demais — Toda paixão é efeito de uma presença proveniente do agente. Ora, o temor não se refere a nada de presente, mas sim, ao futuro, como diz Damasceno. Logo, o temor não é paixão.
3. Demais — Toda paixão da alma é um movimento do apetite sensitivo, consecutivo à apreensão do sentido. Ora, o sentido não apreende o futuro, mas, sim, o presente. E o temor, referindo-se a um mal futuro, não pode ser paixão da alma.
Mas, em contrário, Agostinho enumera o temor entre as outras paixões da alma.
Solução. — Entre os outros movimentos da alma, o temor é, depois da tristeza, o que principalmente implica a noção de paixão. Pois, como já dissemos, ao conceito de paixão pertence: — primeiro, ser um movimento da virtude passiva, para o qual o seu objeto está como um motor ativo, pois, a paixão é um efeito do agente. E deste modo também consideramos paixões o sentir e o inteligir. — Segundo e mais propriamente, chama-se paixão o movimento da virtude apetitiva. — E, ainda mais propriamente, o movimento da virtude apetitiva servida por um órgão corpóreo, acompanhado de certa transmutação corpórea. — E enfim, propríssimamente, chamam-se paixões os movimentos que acarretam alguma nocividade.
Ora, é manifesto que o temor, sendo relativo ao mal, pertence à potência apetitiva que, em si mesma, respeita o bem e o mal. Pertence ao apetite sensitivo, por ser acompanhado de certa transmutação, que é a contração, como diz Damasceno. E implica além disso relação com o mal, enquanto este pode de algum modo, levar-nos de vencida. Por onde, mui verdadeiramente lhe cabe a natureza de paixão; vem contudo depois da tristeza, relativa ao mal presente, porque o temor é relativo ao mal futuro, que não move como o presente.
Donde a resposta à primeira objeção. — Virtude designa um certo princípio de ação; por isto, na medida em que os movimentos interiores da potência apetitiva são princípios de atos exteriores, chamam-se virtudes. O Filósofo porém nega seja a paixão uma virtude, pois, a virtude é um hábito.
Resposta à segunda. — Assim como a paixão do corpo natural provém da presença corpórea do agente, assim a da alma, da presença animal do agente, sem presença corporal ou real; e isso se dá quando o mal, realmente futuro, se torna presente pela apreensão da alma.
Resposta à terceira. — O sentido não apreende o futuro; mas, apreendendo o presente, o animal é movido, por um instinto natural, a esperar um bem futuro ou a temer um futuro mal.