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Artigo 10 - Se a caridade pode diminuir.

O décimo discute-se assim. – Parece que a caridade pode diminuir.

1. – Pois, os contrários tem naturalmente o mesmo objeto. Ora, diminuição e aumento são contrários. Logo, como a caridade é susceptível de aumento, segundo se disse, resulta que também o é de diminuição.

2. Demais. – Agostinho, dirigindo-se a Deus, diz: Ama-te menos quem, juntamente contigo, ama também a outro ser; e o alimento da caridade é a diminuição da cobiça. Donde se colhe que também, inversamente, o aumento da cobiça implica na diminuição da caridade. Ora, a cobiça, que leva a amar outro ser que não Deus, pode crescer no homem. Logo, a caridade pode diminuir.

3. Demais. – Como diz Agostinho, Deus não torna um homem justo, justificando-o de modo tal que, mesmo que ele venha a abandona-lo, nele permaneça o que Deus obrou. Donde se pode concluir, por semelhança, que Deus, conservando no homem a sua caridade, nele obra do mesmo modo que quando lha infundiu de novo. Ora, quando infundiu a caridade de novo, infundiu-a Deus, menos, em quem menos preparado estava. Logo, também ao conservá­la, menos, a conserva em quem menos para ela se prepara. Portanto, a caridade pode diminuir.

Mas, em contrario, a Escritura compara a caridade ao fogo: as suas lâmpadas, isto é, as da caridade, são umas lâmpadas de jogo e de chamas. Ora, o fogo, enquanto permanece, sempre sobe. Logo, a caridade pode subir, enquanto subsistir; mas, descer, isto é, diminuir, não pode.

SOLUÇÃO. – A quantidade que tem a caridade, relativamente ao seu objeto próprio, não pode nem diminuir nem aumentar, como já dissemos. Mas, como pode aumentar a quantidade que ela tem, relativamente ao sujeito, devemos então considerar se, também por esse lado, pode diminuir. Ora, se o pode, há de sê-lo por um ato ou pelo cessar do ato. Pela cessação do ato diminuem as virtudes adquiridas pelo atos, que também às vezes se corrompem, como já dissemos. Por isso, tratando da amizade, o Filósofo diz que o não buscar, isto é, o não chamar mais pelo amigo ou não falar com ele, dissolve muitas amizades. - E isto se dá porque a conservação de um efeito depende da sua causa. Ora, a causa da virtude adquirida é o ato humano. Por onde, cessando os atos humanos, a virtude adquirida diminui, e afinal desaparece totalmente. O que não sucede com a caridade, não causada por atos humanos, mas só por Deus como já dissemos. Donde se conclui que, mesmo cessando o ato, ela nem por isso diminui ou desaparece, se o cessar do ato não for causado por algum pecado.

Donde se conclui que a diminuição da caridade só pode ser causada por Deus ou por algum pecado. Ora, Deus não causa em nós nenhuma deficiência, senão como pena, quando nos priva da graça, em punição do pecado. Por onde, só pode diminuir a caridade; para infligir uma pena; e esta só é devida ao pecado. Donde se conclui que se a caridade diminuir, a causa dessa diminuição há de ser o pecado, afetiva ou meritôriamente. - Ora, de nenhum desses modos, o pecado mortal diminui a caridade, pois a elimina de todo: efetivamente, por todo pecado mortal contrariar à caridade, como a seguir se dirá; e também meritoriamente, pois quem encontra a caridade, pecando mortalmente, faz-se digno de Deus o privar dela. - Semelhantemente, também a caridade não pode diminuir pecado venial, nem e efetiva, nem meritoriamente. Efetivamente não, porque esse pecado não atinge a caridade, cujo objeto é o fim último. Ora, o pecado venial é uma desordem relativa aos meios conducentes ao fim. E não fica diminuído o amor do fim por agirmos desordenadamente em relação aos meios. Assim, pode se dar que um enfermo, por amar demais a saúde, proceda desordenadamente no observar a dieta. E também, nas ciências especulativas, as falsas opiniões, relativas às deduções dos princípios, não lhes diminuem a certeza. Semelhantemente, o pecado venial não merece a diminuição da caridade. Pois, quem comete um delito de pouca monta não merece sofrer pena a ele desproporcionada. Nem Deus se afasta do homem, mais que o homem, dele. Por onde, quem procede desordenadamente em relação aos meios não merece sofrer detrimento na caridade, pela qual se ordena ao fim último.

Por isso e consequentemente, a caridade não pode de nenhum modo diminuir, diretamente falando. Indiretamente porém, pode se chamar diminuição da caridade a uma disposição para a corrupção da mesma, causada pelo pecado venial ou também pelo cessar do exercício das obras de caridade.

DONDE RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Os contrários tem o mesmo objeto, quando o sujeito se comporta igualmente em relação a ambos. Ora, a caridade não se composta igualmente em relação ao aumento e à diminuição; pois, pode haver uma causa de ela aumentar, mas não, de diminuir, como já dissemos. Logo, a objeção não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há uma dupla cobiça; A que põe o seu fito nas criaturas. E esta causa totalmente a morte da caridade, sendo para ela um veneno, como diz Agostinho: E isso faz Deus ser menos amado do que deve sê-lo, pela caridade; e não diminuindo-a, mas, eliminando-a totalmente. E assim deve entender-se o lugar citado: Ama-te menos quem, juntamente contigo, ama também a outro ser; pois, Agostinho acrescenta: porque não o ama por causa de ti. Ora, tal não se dá com o pecado venial, mas só com o mortal. Pois, o que amamos, cometendo um pecado venial, por Deus o amamos, habitual, embora não, atualmente, - Há, porém, outra cobiça do pecado venial, que sempre diminui pela caridade. Mas, essa não pode diminuí-la pela razão já exposta.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A infusão da caridade supõe o movimento do livre arbítrio, como já dissemos. Por onde, o que diminui a intensidade do livre arbítrio, provoca uma disposição para ser menor a caridade infundida. Mas, para a conservação da caridade não é necessário a intervenção do livre arbítrio; pois, do contrário, ela não subsistiria nos adormecidos. Por onde, um impedimento à intensidade da intervenção do livre arbítrio não diminui a caridade.

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