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Artigo 8 - Se devemos amar mais aquele que nos é mais chegado pela origem carnal.

O oitavo discute-se assim. – Parece que não devemos amar mais aquele que nos é mais chegado pela origem carnal.

1. – Pois, diz a Escritura: O homem amável no trato será mais amigo do que um irmão. E Valério Máximo diz, que o vínculo da amizade é fortíssimo e de nenhum modo inferior aos laços do sangue. Pois, é mui certo e sabido de todos que estes são obra fortuita da sorte do nascimento; aquele é contraído pela vontade livre, fundado no juízo sólido de cada um. Logo, não devemos amar os que nos são chegados pelo sangue mais que os outros.

2. Demais. – Diz Ambrósio: Não vos amo, a vós que gerei para o Evangelho, menos do que se os tivesse como filhos carnais: pois, a natureza, no amar, não é mais diligente que a graça. Certamente devemos amar mais aos que consideramos como havendo de existir perpetuamente conosco, do que aqueles que só nesta vida conosco conviverão. Logo, os que nos são chegados pelo sangue não devemos amá-los mais do que os que nô-lo são de qualquer outro modo.

3. Demais. – O amor se prova por obras, diz Gregório. Ora, há certos para com os quais devemos provar, por obras, o nosso amor, mais do que para com os chegados pelo sangue; assim como, num exército, devemos amar mais ao chefe que ao pai. Logo, os que nos são chegados pelo sangue não são os que mais devemos amar.

Mas, em contrário, um dos preceitos do Decálogo ordena especialmente que honremos os pais, como se vê na Escritura. Logo, os que nos são chegados por origem carnal devemos amá-los mais especialmente.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, devemos amar mais, com caridade, os que nos são mais chegados, quer por serem mais intensamente amados, quer por serem amados por maior número de razões. Ora, a intensidade do amor depende da união entre amante e amado. Portanto, o amor que devotamos a pessoas diversas deve ser medido pelas razões diversas da união; de modo que cada um seja amado mais pela razão que funda a união por causa da qual é amado. E ulteriormente, um amor tem para com outro a mesma relação que uma, com outra união.

Por onde, devemos dizer que a amizade aos que nos são chegados pelo sangue se funda na união da origem natural; a dos concidadãos, na comunhão civil; a amizade dos companheiros de armas, na comunhão bélica. Portanto, no que pertence à natureza, devemos amar mais os que nos são consanguíneos; no pertencente à convivência social, os concidadãos: e, no concernente à guerra, os companheiros de armas. Por isso, o Filósofo diz, que a cada relação devemos atribuir o que lhe é próprio e conveniente. E é assim que se faz ordinariamente: convidamos os parentes as solenidades do casamento, e ainda somos obrigados, acima de tudo, a garantir a subsistência dos pais e a honrá­los. E o mesmo se dá em outros casos.

E assim também, se compararmos as uniões umas com as outras, vemos que a união fundada na origem natural é a principal e a mais estável, por se fundar no pertencente à substância mesmo dela. Ao passo que as outras uniões são supervenientes e podem desvanecer­se. Por onde, a amizade pelos nossos consanguíneos é mais estável; mas as outras amizades podem ser mais fortes conforme ao que cada uma tem de próprio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– A amizade pelos companheiros é contraída por eleição própria nossa. Por isso, nos atos dependentes da nossa eleição, essa amizade prepondera sobre a dos consanguíneos, de modo que combinamos mais com eles pelos nossos atos. Mas a amizade pelos consanguíneos é mais estável, como tendo existência mais natural e prevalecendo, no atinente à natureza. Por isso, somos mais obrigados a provê-los com o necessário.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ambrósio se refere ao amor quanto aos benefícios advenientes da participação da graça, isto é, da educação dos costumes. E a esta luz, devemos cuidar, antes, dos nossos filhos espirituais, que geramos espiritualmente, do que dos filhos pelo corpo, que estamos mais obrigados a prover com subsídios materiais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O ser o chefe do exército mais obedecido, na guerra, que o pai, não prova seja este, absolutamente falando, menos amado. Mas é, relativamente, menos amado, isto é, no referente ao amor fundado na comunhão bélica.

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