O décimo terceiro discute-se assim. – Parece que a ordem da caridade não subsiste na pátria.
1. – Pois, diz Agostinho: A caridade perfeita consiste em amarmos mais os bens maiores e, menos, os menores, Ora, na pátria, a caridade será perfeita. Logo, amaremos lá, mais, ao melhor que nós ou ao que nos for chegado.
2. Demais. – Amamos mais aquele a quem maior bem queremos. Ora, quem está na pátria quer maior bem ao que já o tem mais; do contrário a sua vontade não se conformaria em tudo com a vontade divina. Porque, na pátria, goza ele maior bem quem for melhor. Logo, nela, cada um amará o que for melhor e, portanto, mais a outrem, que a si mesmo, e mais a um estranho que a um parente.
3. Demais. – Na pátria, Deus será a razão total de amar, pois, então, se cumprirá aquilo da Escritura: Para que Deus seja tudo em todos. Logo, mais amado será quem estiver mais próximo de Deus. E portanto, cada um amará mais o que for melhor e ao estranho mais que o parente.
Mas, em contrário, a glória não destrói, mas aperfeiçoa a natureza. Ora, a ordem da caridade, supra-estabelecida, procede da natureza mesma; pois, todos os seres se amam a si mesmos mais que aos outros. Logo, a referida ordem da caridade subsistirá na pátria.
SOLUÇÃO. – A ordem da caridade, no concernente ao amor de Deus sobre todas as coisas, há de necessariamente subsistir na pátria. E isto se dará, de modo perfeito, quando o homem gozar perfeitamente de Deus. Mas, quanto a ordem que regula a cada um, mas suas relações, com os outros, é necessário distinguir. Porque, como já dissemos, podemos distinguir os graus do amor, ou pelos diferentes bens que desejamos, ou pela intensidade dele. Pelo primeiro modo, amamos mais os melhores que nós e menos, os menos bons. Pois, cada bemaventurado quer que os outros tenham o que lhes é devido pela divina justiça, por causa da perfeita conformidade da vontade humana com a divina. E nem, então, será tempo de ganhar, pelo mérito, maior prêmio, como se dá nesta vida, em que podemos desejar melhor virtude e melhor prêmio; pois, na pátria, a nossa vontade se fixará no determinado por Deus. Do segundo modo, porém, nós nos amaremos a nós mesmos mais que o próximo, ainda o melhor que nós; pois a intensidade do ato de amor provém do sujeito amante, como já dissemos. E por isso, Deus também confere a cada um de nós o dom da caridade, para, primeiro, ordenarmos para ele a nossa mente, o que constitui o amor de nós mesmos; e segundo, para querermos que os outros se ordenem para Deus, ou, que essa ordem opere conforme o seu modo devido.
Quanto à ordem dos próximos, um para com os outros, amaremos, absolutamente falando, com amor de caridade, o melhor que nós. Pois, toda a vida da bem-aventurança consiste no ordenar-se da mente para Deus. Por onde, toda a ordem do amor dos bem-aventurados será observada relativamente a Deus, de modo a cada um amar mais e ter como lhe sendo mais chegado o que estiver mais próximo de Deus. Cessará, então, a Providência, imprescindível nesta vida, e que nos obriga a prover, mais que a outro, ao que nos for mais chegado em virtude de alguma necessidade. Por cuja razão, nesta vida, pela inclinação mesma da caridade mais o que nos é mais chegado, e quem devemos consagrar maior afeto da caridade. Poderá dar-se, porém, que, no céu, amemos quem nos for chegado, por muitas razões, pois, da alma do bemaventurado não desaparecerão as causas honestas do amor. Contudo, a todas essas razões sobrelevará incomparavelmente a razão de amar fundada na proximidade de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quanto aos que nos são chegados, a objeção deve ser concedida. Mas, quanto a nós mesmos, havemos de nos amar mais que aos outros, e tanto mais quanto mais perfeita for a caridade. Porque a perfeição desta ordena o homem perfeitamente para Deus, o que implica o amor de si próprio, como já se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe relativamente à ordem do amor, quanto ao grau do bem que queremos ao amado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Cada um terá em Deus a razão total de amar, por ser ele o bem total do homem. Dado porém por impossível que Deus não fosse o bem do homem, não teríamos razão de amá-lo. E, portanto na ordem do amor, é necessário que, depois de Deus, o homem se ame sobretudo a si mesmo.