O segundo discute-se assim. — Parece que os sacramentos não procedem só da instituição divina.
1. — Pois, as instituições divinas nô-las transmite a Escritura. Ora, há certas práticas sacramentais de que nenhuma menção faz a Escritura Sagrada. Assim, o crisma pelo qual os homens são confirmados; o óleo com o qual são ungidos os sacerdotes; e muitas outras palavras e atos, de que se usa nos sacramentos. Logo os sacramentos não procedem só da instituição divina.
2. Demais. — Os sacramentos são uns sinais.
Ora, as coisas sensíveis têm naturalmente uma significação. Nem se pode dizer que Deus se compraz com umas significações e não com outras, pois ele aprova tudo quanto fez. E é procedimento próprio do demônio aliciar a algum fim por meio de certos sinais. Assim, diz Agostinho: Criaturas que os demônios não fizeram, mas que são a obra de Deus, os atraem a habitar nelas por encantos que variam segundo suas diversas espécies. Não por alimentos, como se dá com os animais, mas por sinais, como convém aos espíritos. Logo, parece que os sacramentos não precisam ser instituídos por Deus.
3. Demais. — Os Apóstolos fizeram as vezes de Deus no mundo, donde o dizer o Apóstolo: Pois eu também a indulgência de que usei, se de alguma tenha usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo, isto é, como o próprio Cristo o fizesse. Donde se conclui que os Apóstolos e os seus sucessores podiam instituir novos sacramentos.
Mas, em contrário, faz uma instituição quem lhe dá vigor e virtude, como o demonstram os que instituem leis. Ora, a virtude dos sacramentos vem só de Deus, como do sobredito resulta. Logo, só Deus pode instituir o sacramento.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito se infere os sacramentos produzem, como instrumentos, efeitos espirituais. E, o instrumento tira a sua virtude do agente principal. Ora, o agente, com respeito ao sacramento, é duplo, a saber: quem o institui e quem usa do sacramento instituído, aplicando-o à produção do seu efeito. Mas, a virtude do sacramento não pode provir de quem usa dele, que não age senão como ministro. Donde se conclui que a virtude do sacramento procede de quem o instituiu. Logo, provindo à virtude do sacramento só de Deus, resulta por consequência que só Deus é o instituidor dos sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As práticas instituídas pelos homens, no ministrar os sacramentos, não são de necessidade para a existência deles; mas constituem uma certa solenidade, a eles acrescentada para excitar a devoção e a reverência nos que· os recebem. Pois o que o sacramento implica necessàriamente, o próprio Cristo o instituiu que é Deus e homem. E embora tudo não tenha sido comunicado pela Escrituras, a Igreja, contudo o tem da tradição familiar dos Apóstolos, como o diz o Apóstolo: No tocante às demais causas e as ordenarei quando for.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As coisas sensíveis têm uma certa aptidão, por sua natureza, a significar efeitos espirituais; mas essa aptidão é determinada a uma significação especial, por instituição divina. Por isso diz Hugo de S. Victor, que o sacramento significa em virtude de uma instituição. Deus, porém escolheu de preferência certas coisas, de entre outras, para as significações sacramentais, não porque a isso lhes reduzisse os efeitos, mas para que a significação fosse mais conveniente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os Apóstolos e os seus sucessores são os vigários de Deus quanto ao regime da Igreja constituída pela fé e pelos sacramentos da fé. Por onde, assim como não lhes era lícito constituir outra Igreja, assim também não lhes era permitido comunicar outra fé nem instituir outros sacramentos; mas está dito, que pelos sacramentos que emanaram do lado de Cristo pendente da cruz, foi fabricada a Igreja de Cristo.