Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. ─ Parece que não podemos confessar a outrem, que não ao nosso sacerdote próprio, por privilégio ou ordem do superior.
1. ─ Pois, um privilégio não pode ser tolerado com prejuízo de outrem. Ora, seria em prejuízo do sacerdote próprio se outro ouvisse a confissão do seu súdito. Logo, não podemos obter tal por privilégio, licença ou ordem do superior.
2. Demais. ─ O empecilho ao cumprimento de um mandamento divino não pode ser concedido por ordem nem privilégio de nenhum homem. Ora, é mandamento divino imposto aos reitores das igrejas, que conheçam de vista as suas ovelhas, o que fica impedido se outro, que não o sacerdote próprio, ouvir-lhes a confissão. Logo, não pode isso ser mandado por privilégio nem ordem de nenhum homem.
3. Demais. ─ Quem ouve a confissão de outrem é o juiz próprio deste; do contrário não poderia ligá-la e absolvê-lo. Ora, um mesmo homem não pode ter vários juízes ou sacerdotes próprios; pois, então, estaria obrigado a obedecer a muitos, o que seria impossível, no caso de mandarem coisas contrárias ou incompatíveis umas com as outras. Logo, não nos podemos confessar senão ao sacerdote próprio, mesmo com licença do superior.
4. Demais. ─ Faz injúria ao sacerdote quem o reitera sobre a matéria idêntica; ou pelo menos age inutilmente. Ora, quem confessou a outro sacerdote, está obrigado a confessar de novo ao sacerdote próprio, se este o exigir; pois não ficou livre da obediência que o obriga a tal. Logo, não podemos licitamente confessar a outrem que não ao nosso sacerdote próprio.
Mas, em contrário. ─ Em matéria de ordem, quem tem uma pode permitir que lhe faça as funções a quem tem ordem semelhante. Ora, o superior, como o bispo, pode ouvir em confissão quem pertence à paróquia de qualquer presbítero; pois, além disso, reserva para si certos casos, por ser o reitor principal. Logo, também pode cometer a outro sacerdote que ouça esse mesmo penitente.
2. Demais. ─ Tudo o que pode o inferior pode o superior. Ora, o sacerdote próprio pode dar ao seu paroquiano licença de confessar a outro. Logo e com muito maior razão, o pode o seu superior.
3. Demais. ─ O poder que o sacerdote tem sobre o povo, do bispo o recebeu. Ora, em virtude desse poder é que pode ouvir confissão. Logo e pela mesma razão, também o pode outro a quem o bispo deu esse poder.
SOLUÇÃO. ─ Um sacerdote pode ficar de dois modos impedido de ouvir confissão: por falta de jurisdição e por impossibilidade de exercer a ordem, como se dá com os excomungados, os degradados e semelhantes. Mas, quem tem jurisdição pode fazer o que esta lhe faculta. Por onde, quem está impedido de ouvir em confissão, por falta de jurisdição, pode obter licença para si, de quem tiver jurisdição imediata sobre o confidente, para lhe ouvir a confissão e absolver, quer obtenha licença do sacerdote próprio, quer do bispo, quer do Papa. Mas, se por impossibilidade de executar a ordem, não puder ouvir, pode obter licença de ouvi-la de quem pode remover o impedimento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não se causa prejuízo a alguém senão subtraindo-lhe o favor que lhe foi concedido. Ora, o poder de jurisdição não foi cometido a ninguém, como favor; mas, para utilidade do povo e glória de Deus. Por onde, se os prelados superiores entenderem necessário, para a salvação do povo e a glória de Deus, cometer a outros a jurisdição, nenhum prejuízo sofrem os prelados inferiores, salvo àqueles que buscam as suas próprias
coisas e não as que são de Jesus Cristo; e que superintendem no rebanho, não pelo apascentar, mas para serem apascentados por ele.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O reitor da Igreja deve de dois modos de conhecer de vista as suas ovelhas. ─ Primeiro, pela consideração atenta do seu comportamento externo, com a qual deve vigiar o rebanho que lhe foi confiado. E para esse conhecimento não é preciso creia no súdito, mas deve, quanto possível, inquirir da certeza do fato. ─ De outro modo, pela manifestação da confissão. E desse conhecimento não pode ter maior certeza senão crendo na confissão do súdito; pois, esta é feita para informar a consciência do confessor. Por isso, no foro da confissão se crê no confitente, quer fale por si quer contra si; não porém no Foro do juízo externo. Por onde, para esse conhecimento basta creia no súdito, que diz ter-se confessado a um sacerdote com poder de absolver. E assim é claro que tal conhecimento não fica impedido pelo privilégio conferido a outro, de assim ouvir confissão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Inconveniente seria se dois fossem constituídos igualmente chefes sobre o mesmo povo. Mas inconveniente não há se, desses dois constituídos chefes sobre um mesmo povo, um é mais principal que o outro. Ora, é assim que o pároco, o bispo e o Papa têm a direção imediata do mesmo povo; e cada um deles pode confiar ao outro o que é matéria da sua jurisdição. ─ Mas o que é o superior mais principal pode fazê-lo de dois modos. ─ Ou por constituir o outro em seu vigário; e assim o Papa e o bispo constituem os seus penitenciários. E então esse assim constituído é mais principal que o prelado inferior; assim, o penitenciário do Papa é mais principal que o bispo; e o penitenciário do bispo, que o sacerdote pároco, e a esse mais principal está o confitente obrigado a obedecer. ─ De outro modo, constituindo-o coadjutor desse sacerdote. E como o coadjutor depende daquele a quem deve coadjuvar, por isso o coadjutor é menos principal. Portanto o penitente não está obrigado a lhe obedecer tanto quanto ao sacerdote próprio.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Ninguém está obrigado a confessar pecados que não tem. E portanto, quem tiver confessado a um bispo penitenciário, ou a quem tiver recebido licença do bispo; se os pecados foram perdoados tanto da parte da Igreja como da parte de Deus, não está obrigado a confessá-los ao sacerdote próprio, embora este o exija. Mas, por causa da determinação da Igreja, sobre a confissão que devemos fazer ao sacerdote próprio uma vez no ano, deve comportar-se do mesmo modo que quem só tem pecados veniais. Pois, esse tal deve confessar só os pecados veniais, como certos dizem; ou confessar que está livre de pecado mortal. E o sacerdote deve, no foro da sua consciência crê-lo, e a Isso está obrigado. ─ Se porém estivesse obrigado a confessar de novo, não se confessou antes em vão; pois, quanto maior for o número de sacerdotes a que alguém se confesse, tanto mais se lhe perdoa a pena, quer por causa do pejo de confessar, considerado como pena satisfatória, quer em virtude do poder das chaves. De modo que nos poderíamos confessar tantas vezes, que nos livrássemos totalmente da pena. Nem a reiteração constitui desrespeito para com o sacramento, salve quando este confere a santificação imprimindo caráter ou pela matéria da consagração, o que nada se dá na penitência. E por isso é bom que quem ouve confissão pela autoridade de bispo induza o confitente a confessar ao sacerdote próprio. E se não o quiser, nem por isso deixe de lhe dar a absolvição.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que não é necessário confessarmos ao nosso sacerdote próprio.
1. ─ Pois, Gregório diz: Pela nossa autoridade apostólica e por dever de caridade, ordenamos que aos sacerdotes monges, representantes dos Apóstolos, seja lícito pregar, batizar, dar a comunhão, rezar pelos pecadores, impor penitência e perdoar os pecados. Ora, os monges não tendo cura d'alma, não são sacerdotes próprios de ninguém. Logo, como a confissão se faz em vista da absolvição, basta que a façamos a qualquer sacerdote,
2. Demais. ─ Assim como o sacerdote é o ministro deste sacramento, assim também o é da Eucaristia. Ora, qualquer sacerdote pode administrar a Eucaristia. Logo, qualquer sacerdote pode ministrar o sacramento da penitência. Logo, não devemos fazê-lo ao sacerdote próprio.
3. Demais. ─ O ao que estamos obrigados não depende da nossa eleição. Ora, não depende da nossa eleição o sacerdote a quem devemos confessar, como está claro em Agostinho. Assim, diz: Quem quer confessar os pecados, para receber a graça, busque um sacerdote com o poder de perdoar e reter. Logo, parece não ser necessário confessarmos ao sacerdote próprio.
4. Demais. ─ Certos há, como os prelados, que, não tendo superior, não têm sacerdote próprio. Ora, esses estão obrigados também à confissão. Logo, nem sempre estamos obrigados a confessar ao sacerdote próprio.
5. Demais. ─ O que foi instituído por motivo de caridade não pode colidir com a caridade, como diz Bernardo. Ora, a confissão, instituída por motivo de caridade, colidiria com a caridade, se estivéssemos obrigados a confessar a um só sacerdote. Por exemplo, se o pecador soubesse ser o seu sacerdote herético; ou que o solicitaria ao mal: ou fraco e inclinado ao pecado ouvido em confissão; ou se fosse com probabilidade considerado como revelador da confissão; ou se o pecador lhe devesse confessar o pecado contra ele cometido. Logo, parece que nem sempre devemos confessar ao sacerdote próprio.
6. Demais. ─ Não se nos deve fazer dificuldade no que nos é necessário à salvação, a fim de não nos ficar impedido o caminho da mesma. Ora, grande dificuldade seria se devêssemos necessariamente confessar a um só homem; pois, poderia ser isso causa de muitos se absterem da confissão, por temor, vergonha ou motivos semelhantes. Logo, sendo a confissão de necessidade para a salvação, não se nos deve impor a obrigação de confessar ao sacerdote próprio.
Mas, em contrário, uma decretal de Inocêncio, instituindo que todos, de ambos os sexos, se confessem uma vez por ano ao sacerdote próprio.
2. Demais. ─ Assim como o bispo está para a sua diocese, assim o sacerdote para a sua paróquia. Ora, não é lícito a um bispo exercer os seus deveres episcopais na diocese de outro, segundo o determinam os cânones. Logo, não é lícito a um sacerdote ouvir em confissão o paroquiano de outro.
SOLUÇÃO. ─ Em relação aos outros sacramentos não é necessário que quem se achega a eles pratique nenhum ato, mas basta recebê-los ─ como se dá com o batismo e os demais; mas, para o sujeito constituído árbitro da sua vontade, colher o fruto do sacramento, é necessário que pratique o ato de, por assim dizer, remover o obstáculo de simulação. Na penitência, porém, o ato de quem se achega ao sacramento é da substância deste, pois, a contrição, a confissão e a satisfação são partes da penitência, e são atos do penitente. Ora, os nossos atos, tendo em nós o seu princípio, não nos podem ser dispensados por outrem, senão por império. Por onde, é necessário, que o constituído dispensador deste sacramento, seja tal que possa mandar fazer agir. Ora, só pode ter império sobre outrem quem sobre ele tiver jurisdição. Por isso este sacramento exige necessariamente, não somente que o ministro tenha a ordem, como no caso dos demais sacramentos, mas também a jurisdição. Por isso, como quem não é sacerdote não pode conferir este sacramento, assim também não o pode quem não tem jurisdição. Daí o ser necessário fazermos a confissão, não só a um sacerdote, mas ao sacerdote próprio. E como o sacerdote não absolve senão obrigando à prática de um certo ato, só aquele pode absolver que tem o império para obrigar a fazê-lo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Gregório se refere aos monges que têm jurisdição, como aos que foi cometido a cura de alguma paróquia. E desses certos diziam, mas falsamente, que pelo fato mesmo de serem monges, não podiam absolver nem impor penitência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O sacramento da Eucaristia não exige o império sobre ninguém; ora, o contrário se dá com este sacramento, como se disse. Por isso a objeção não colhe. ─ E contudo não é lícito receber a Eucaristia de outrem que não o sacerdote próprio, embora recebamos verdadeiramente o sacramento, se o recebermos de outrem.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A escolha de um sacerdote discreto não nos é cometida, de modo a podermos fazê-la por nosso arbítrio; mas, havendo licença do superior, se por acaso o nosso sacerdote próprio fosse menos idôneo para dar ao pecado um remédio salutar.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Porque aos prelados incumbe dispensar os sacramentos, os quais só pelos puros devem ser tratados, por isso lhes foi concedido pelo direito que possam escolher os seus confessores próprios, que como tais lhes são superiores; assim como um médico é curado por outro, não enquanto médico, mas enquanto doente.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Nesses casos, quando o penitente teme com probabilidade algum perigo, para si ou para o sacerdote, em virtude da confissão a este feita, deve recorrer ao superior ou obter dele licença de confessar a outro. E se não conseguir obter licença, o caso se julga identicamente do de quem não teve ensejo de encontrar sacerdote. E então deve, de preferência, escolher um leigo a quem se confesse. Nem se transgride assim nenhum preceito da Igreja, porque os preceitos de direito positivo não ultrapassam a intenção do legislador, que é o fim do preceito; e este é a caridade, segundo o Apóstolo. Nem se faz por aí nenhuma injúria ao sacerdote, pois, merece perder o seu privilégio quem abusa do poder que lhe foi concedido.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O ser necessário confessarmos ao nosso sacerdote próprio não nos dificulta a via para a salvação, mas ao contrário, garante-nos o caminho por ela. Pois, pecaria o sacerdote que não fosse fácil em dar licença de nos confessar a outro. Pois, muitos são de tal modo fracos que prefeririam antes morrer sem confissão, que confessar ao sacerdote que recusaram. E por isso, os demasiado solícitos em conhecer, pela confissão, a consciência dos seus súditos, preparam laços de danação para muitos, e portanto, para si próprios.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que, fora do caso de necessidade, ninguém, a não ser o sacerdote, pode ouvir confissão de pecados veniais.
1. ─ Pois, um sacramento pode ser dispensado por um leigo, em razão da necessidade. Ora, a confissão dos pecados veniais não é necessária. Logo, não pode ser cometida a um leigo.
2. Demais. ─ Contra os pecados veniais se ordena a extrema unção, como a penitência. Ora, aquela não pode ser ministrada por um leigo, conforme o diz a Escritura. Logo, nem o pode ser a confissão dos pecados veniais.
Mas, em contrário, Beda, conforme a letra do Mestre das Sentenças.
SOLUÇÃO. ─ Pelo pecado venial não ficamos separados nem dos sacramentos da Igreja nem de Deus. Por isso não precisamos da colação de nova graça nem de nos reconciliarmos com a Igreja. Por onde, não é necessário confessemos o pecado venial ao sacerdote. E como a confissão feita mesmo a um leigo é um sacramental, embora não sacramento perfeito, e procede da caridade, por isso pode o leigo perdoar o pecado venial, como somos deste perdoados batendo no peito e tomando água benta.
Donde se deduz a resposta à primeira objeção. ─ Pois, para sermos perdoados dos pecados veniais, não precisamos receber o sacramento, bastando receber um sacramental, como a água benta ou outro semelhante.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A extrema unção não é dada diretamente contra os pecados veniais: nem nenhum outro sacramento o é.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que em nenhum caso é lícito confessar a outrem, que não o sacerdote.
1. ─ Pois, a confissão sacramental é uma acusação, como o diz a definição dada. Ora, dispensar o sacramento só cabe ao ministro dele. Mas, sendo o sacerdote o ministro do sacramento da penitência, parece que a ninguém mais se deve fazer a confissão.
2. Demais. ─ A confissão, em qualquer juízo, se ordena à sentença. Ora, no foro contencioso, a sentença dada por outrem que não o próprio juiz, é nula; por isso, a confissão não deve ser feita senão ao juiz. Ora, o juiz, no foro da consciência é o sacerdote, que tem o poder de ligar e de absolver. Logo, não deve a confissão ser feita a outro.
3. Demais. ─ Como qualquer pode ministrar o batismo, desde que um leigo batizou, mesmo sem necessidade, não deve o batismo ser reiterado pelo sacerdote. Ora, quem se confessar a um leigo em caso de necessidade, está obrigado a confessar-se de novo ao sacerdote, desde que desapareça o caso de necessidade. Logo, a confissão não deve ser feita a um leigo, em caso de necessidade. Mas, em contrário, é o que dispõe a letra do mestre das sentenças.
SOLUÇÃO. ─ Assim como o batismo é um sacramento de necessidade para a salvação, assim também a penitência Ora, o batismo, sendo um sacramento de necessidade para a salvação, tem duplo ministro: um ─ o sacerdote, a quem cabe o dever de batizar; outro ─ o a quem, em razão da necessidade, é cometida a dispensação do batismo. E assim também o ministro da penitência, que tem o dever de ouvir a confissão que lhe é feita, é o sacerdote; mas em caso de necessidade também um leigo pode fazer as vezes do sacerdote, de modo que lhe possa a confissão ser feita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No sacramento da penitência não somente há uma que é a parte do ministro, a saber, a absolvição e a satisfação imposta, mas ainda outra que é a de quem recebe o sacramento, o que também é da essência deste, e é a contrição e a confissão. Quanto à satisfação provém em parte, do ministro, pela impor; e em parte do penitente, pela cumprir. E para a plenitude do sacramento ambos devem concorrer, quanto possível. Mas, em caso de necessidade, deve o penitente fazer o que lhe cumpre, isto é, ter contrição e confessar a quem puder. E quem lhe ouve a confissão, embora não possa ministrar o sacramento na sua plenitude, de modo a fazer o que faria o sacerdote, isto é, dar a absolvição, a falta contudo do sacerdote é suprida pelo Sumo Sacerdote. E nem por isso a confissão feita a um leigo, por falta de sacerdote, deixa de ser sacramental, de certo modo, embora não seja um sacramento perfeito, porque lhe falta a parte que incumbe ao sacerdote.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora um leigo não seja juiz do que ouve em confissão, contudo absolutamente falando, em razão da necessidade, profere um juízo sobre o confitente, pois este por falta de sacerdote se lhe sujeita.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pelos sacramentos o homem há de reconciliar-se não só com Deus, mas também com a Igreja. Ora, reconciliar-se com Deus não o pode sem que chegue até ele a santificação da Igreja. Mas, no batismo a santificação da Igreja nos chega mediante o elemento externo mesmo que é aplicado, santificado pela palavra de vida, por qualquer um, segundo a forma da Igreja. E por isso quem foi uma vez batizado, por quem quer que seja, não precisa ser batizado de novo. Mas, na penitência, a santificação da Igreja não nos chega senão pelo ministro, porque não há nenhum elemento material externamente aplicado, que pela santificação confira a graça invisível. Por onde, embora quem se confessou, em artigo de necessidade, a um leigo, tenha alcançado o perdão de Deus, porque cumpriu como pôde o propósito concebido de se confessar segundo o mandamento de Deus, contudo ainda não está por aí reconciliado com a Igreja, de modo que deva ser admitido aos seus sacramentos, sem primeiro ser absolvido por um sacerdote; assim como aquele que foi batizado pelo batismo de desejo não é admitido à Eucaristia. E portanto é necessário se confesse de novo a um sacerdote, quando puder e tiver ensejo de o fazer. E sobretudo porque, como se disse, não houve sacramento, o qual pois é necessário seja ministrado; de modo que pela recepção mesma dele se consiga um efeito mais pleno; e se cumpra o mandamento de receber o sacramento da penitência.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não é necessário confessar a um sacerdote.
1. ─ Pois, a confessar não estamos obrigados senão por instituição divina. Ora, a instituição divina nos é proposta na Escritura: Confessai os vossos pecados uns aos outros, onde não se faz menção do sacerdote. Logo, não devemos confessar ao sacerdote.
2. Demais. ─ A penitência é um sacramento de necessidade para a salvação, como o batismo. Ora, no batismo, por necessidade do sacramento, qualquer homem é ministro. Logo, também na penitência. Portanto, basta confessar a qualquer.
3. Demais. ─ A confissão é necessária a fim de ser imposto ao penitente o modo da satisfação. Ora, às vezes quem não é sacerdote poderia com mais discernimento do que muitos sacerdotes, dar ao penitente o modo de satisfazer. Logo, não é necessário fazer a confissão ao sacerdote.
4. Demais. ─ A confissão foi estabelecida na Igreja para os chefes conhecerem de vista o seu rebanho. Ora, às vezes o chefe prelado não é sacerdote. Logo, a confissão nem sempre deve ser feita ao sacerdote.
Mas, em contrário. ─ A absolvição do penitente, para a qual é feita a confissão, só podem dá-la os sacerdotes a quem foi cometido o poder das chaves. Logo, a confissão deve ser feita ao sacerdote.
2. Demais. ─ A confissão foi prefigurada na ressurreição de Lázaro morto. Ora, o Senhor só aos discípulos mandou que desligassem a Lázaro, como o refere o Evangelho. Logo, aos sacerdotes deve ser feita a confissão.
SOLUÇÃO. ─ A graça dada nos sacramentos desce da cabeça para os membros. E por isso só aquele é ministro dos sacramentos ─ pelos quais é dada a graça ─ que tem o ministério sobre o verdadeiro corpo de Cristo. O que é próprio só do sacerdote, que pode consagrar a Eucaristia. E portanto, como no sacramento da penitência é conferida a graça, só o sacerdote é ministro deste sacramento. Por onde, só a ele se deve fazer a confissão sacramental, que deve ser feita a um ministro da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Tiago se exprime na pressuposição da instituição divina. Pois, por ter precedido a instituição divina sobre a confissão a ser feita aos sacerdotes, por lhes ter sido dado nos Apóstolos, o poder de perdoar os pecados ─ como lemos na Escritura, por isso devemos entender que Tiago advertiu os fiéis a fazerem a confissão aos sacerdotes.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O batismo é sacramento de mais necessidade para a salvação do que a penitência, quanto à confissão e a absolvição. Porque às vezes o batismo não pode ser preterido sem perigo para a salvação eterna, como se da com as crianças, que não têm o uso da razão. O mesmo porém não se passa com a confissão e a absolvição, de que só os adultos são capazes, e para os quais a contrição com o propósito de confessar e o desejo da absolvição bastam para livrar da morte eterna. E portanto não há símile entre o batismo e a confissão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Na satisfação não devemos atender só à intensidade da pena, mas também à virtude dela como parte do sacramento. E assim exige um dispensador dos sacramentos; embora: a intensidade da pena também possa ser determinada por outrem que não um sacerdote.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Conhecer as ovelhas de vista pode ser necessário de dois modos. ─ Primeiro, para dar a cada um o seu lugar no rebanho de Cristo. E assim, conhecer de vista as ovelhas é o objeto do cuidado e da solicitude pastoral, que às vezes incumbe aos não sacerdotes. ─ Segundo, para que se lhe dê o remédio conveniente à salvação. E então, conhecer as ovelhas de vista é dever daquele que deve ministrar o remédio à salvação, isto é, sacramento da Eucaristia e outros, isto é, do sacerdote. Ora, a esse conhecimento das ovelhas é que se ordena a confissão.
Em seguida devemos tratar do ministro da confissão.
E nesta questão discutem-se sete artigos:
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a confissão não é ato da virtude de penitência.
1. ─ Pois, o ato dessa virtude é a sua causa. Ora, a causa da confissão é a esperança do perdão, como resulta da definição dada. Logo, parece que é ato da esperança e não da penitência.
2. Demais. ─ A vergonha de acusar os pecados é parte da temperança. Ora, a confissão tem a sua eficácia desse pejo de nos acusarmos, como resulta da definição dada antes. Logo, é ato de temperança e não de penitência.
3. Demais. ─ O ato de penitência se funda na misericórdia divina. Ora, a confissão se funda, antes, na sabedoria de Deus, por causa da veracidade que nela deve existir. Logo, não é ato de penitência.
4. Demais. ── A penitência tem por motivo determinante o artigo do símbolo que trata do juízo, pois, tem ela no temor a sua origem. Ora, o artigo determinante da confissão é a vida eterna, pois, tem ela a sua causa na esperança do perdão. Logo, não é um ato de penitência.
5. Demais. ─ A virtude da veracidade exige nos mostremos tal como somos. Ora, isso o confitente o faz. Logo, a confissão é ato da virtude chamada veracidade e não da penitência.
Mas, em contrário. ─ A penitência se ordena à destruição do pecado. Ora, a isso mesmo também se ordena a confissão. Logo, é um ato de penitência.
SOLUÇÃO. ─ Em matéria de virtude devemos considerar que, quando ao objeto de uma virtude se acrescenta a noção especial de bondade e de dificuldade, é necessário uma virtude especial. Assim, dispender suntuosamente constitui a magnificência, embora os gastos medíocres e os presentes geralmente pertençam à liberalidade, como está claro em Aristóteles. E o mesmo se dá com a confissão da verdade, a qual, embora, absolutamente falando, pertença à virtude
da veracidade, contudo, enquanto se lhe acrescenta uma certa razão de bondade, entra a pertencer a outra virtude. Por isso diz o Filósofo, que a confissão feita em juízo não pertence à virtude da veracidade, mas antes, à justiça. E semelhantemente, a confissão dos benefícios de Deus, para louvor divino, não pertence à virtude da veracidade, mas à de latria. E assim também a confissão dos pecados para conseguir o perdão deles não pertence, de modo elicíto, à virtude da
veracidade, como certos dizem, mas à virtude da penitência. Mas, de modo imperativo, pode pertencer a muitas virtudes, enquanto o ato da confissão pode ser reduzido ao fim de muitas virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A esperança é a causa da confissão, não como dela elicíta, mas como sendo ela imperante.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A vergonha de acusarmos os pecados, na referida definição, não é posta como causa da confissão, pois, é antes de natureza a impedir o ato da confissão. Mas é antes concausa para libertar da pena, enquanto essa vergonha já é por si mesma uma certa pena; assim como também o poder das chaves da Igreja é concausa da confissão para o referido fim.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Por uma certa adaptação, as partes da penitência podem adaptar-se aos três atributos das pessoas. Assim, a contrição responderá à misericórdia ou à bondade, por causa da dor do mal; a confissão, à sabedoria, por causa de manifestação de verdade; a satisfação, ao poder por causa do trabalho em satisfazer. E como a contrição é a primeira parte da penitência, e dá a eficácia às outras partes, por isso julgamos do mesmo modo, de toda a penitência, como da contrição.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Como a confissão procede, antes, da esperança que do temor, por isso se funda, antes, no artigo da vida eterna, a que respeita a esperança, que no artigo do juízo, a que respeita o temor; embora a penitência, em razão da contrição se comporte de maneira inversa.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A resposta resulta clara do que foi dito.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a confissão não é um ato de virtude.
1. ─ Pois, todo ato de virtude é de direito natural, porque por natureza somos aptos para a virtude, como diz o Filósofo. Ora, a confissão não é de direito natural. Logo, não é ato de virtude.
2. Demais. ─ Um ato de virtude pode ser próprio, antes do inocente, que de quem pecou. Ora, a confissão do pecado, de que falamos, não pode convir ao inocente. Logo, não é um ato de virtude.
3. Demais. ─ A graça dos sacramentos de certo modo difere da graça das virtudes e dos dons. Ora, a confissão é um dos sacramentos. Logo, não é ato de virtude.
Mas, em contrário. ─ Os preceitos da lei têm por matéria os atos de virtude. Ora, a confissão constitui objeto de preceito. Logo, é ato de virtude.
2. Demais. ─ Não merecemos senão pelos atos de virtude. Ora, a confissão é meritória, porque abre o céu, como diz à letra o Mestre das Sentenças. Logo, parece que é ato de virtude.
SOLUÇÃO. ─ Para um ato ser considerado virtuoso basta, como dissemos, implique por natureza alguma condição pertencente à virtude. Embora, porém, nem tudo o necessário à virtude importe a confissão, esta importa entretanto, como o seu próprio nome o indica, a manifestação do que temos em consciência; e assim a boca e o coração convêm simultaneamente no mesmo. Por onde, o proferir com a boca o que não está no coração não é confissão, mas ficção. Pois, é condição da virtude falarmos com a boca o que temos no coração. Por onde, a confissão é genericamente um bem e é um ato de virtude. Pode porém ser mal feita se não for acompanhada das circunstâncias devidas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─A fazer uma confissão verdadeira, ao modo devido, a quem deve fazê-lo e quando o deve, em geral inclina a razão natural. E assim, a confissão é de direito natural. Mas a determinação das circunstâncias de tempo, de modo, da matéria da confissão e da pessoa a quem devemos fazê-la, tudo isso e instituição do direito divino, na confissão de que tratamos. E assim é claro que direito natural inclina à confissão, mediante direito divino, pelo qual as circunstâncias são determinadas; assim se dá também em tudo o que é de direito positivo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora o inocente possa ter habitualmente aquela virtude cujo objeto é o pecado cometido, não a tem contudo atualmente, no estado de inocência. Por isso, também a confissão dos pecados, da qual agora tratamos, não cabe ao inocente, embora seja ato de virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a graça dos sacramentos e a graça das virtudes sejam diferentes, não são contudo contrárias, mas dispares. Por isso não há inconveniente em o mesmo que é ato de virtude, enquanto procedente do livre arbítrio informado pela graça, seja também sacramento ou parte do sacramento, enquanto remédio ordenado contra o pecado.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que Agostinho define mal a confissão, quando diz: A confissão é a que faz descobrir a doença latente, pela esperança do perdão. Ora, a doença contra a qual se ordena a confissão é o pecado. Ora, o pecado às vezes já está descoberto. Logo, não se devia dizer que a confissão é o remédio de uma doença latente.
2. Demais. ─ O princípio da penitência é o temor. Ora, a confissão faz parte da penitência. Logo, não devia pôr a esperança como causa da penitência, mas antes, o temor.
3. Demais. ─ O que está posto sob sigilo não está descoberto, mas antes oculto. Ora, o pecado que confessamos o é sob o sigilo da confissão. Logo, não é descoberto o pecado na confissão, mas antes, é oculto.
4. Demais. ─ Há outras definições diferentes dessa. Assim Gregório diz, que a confissão é a revelação dos pecados e a abertura violenta das chagas da alma. Outros dizem que a confissão é a declaração dos pecados a um sacerdote aprovado. Outros ainda dizem assim: A confissão é a acusação sacramental do delinquente, satisfatória em virtude do pejo e do poder das chaves da Igreja, e que obriga a cumprir a penitência anexa. Logo, parece que a referida definição, não contendo tudo quanto as outras contém, é insuficiente.
SOLUÇÃO. ─ Várias coisas devemos considerar no mesmo ato da confissão. Primeiro, a substância mesma do ato ou o seu gênero, que é uma certa manifestação; segundo, a sua matéria, a saber, o pecado; terceiro, a quem é feita, isto é, o sacerdote; quarto, a sua causa, a saber, a esperança do perdão; quinto, o seu efeito, a absolvição de uma parte da pena e a obrigação a solver a outra parte. Ora, a primeira definição, a de Agostinho, toca na substância do ato quando se refere ao descobrimento; e na matéria da confissão, quando diz - doença latente; e na causa, quando diz - pela esperança do perdão. E as outras definições se referem a algum dos outros pontos assinalados, como o poderá ver quem quiser nisso atentar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ─ Embora o sacerdote às vezes saiba como homem o pecado do penitente, contudo não o conhece como Vigário de Cristo; como também o juiz sabe às vezes de certas coisas como homem, que ignora como juiz. E nesse ponto, o sacerdote fica informado pela confissão. - Ou devemos responder, que embora o ato exterior esteja descoberto, contudo o ato interior, que é o mais principal, está oculto. E por isso é necessário seja revelado pela confissão.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A confissão pressupõe a caridade, que dá a vida ao pecador, como diz à letra o Mestre das Sentenças. Ao passo que na contrição é que é dada a caridade. Quanto ao temor servil e desacompanhado da esperança, é condição prévia para a caridade. Mas quem tem a caridade é movido antes da esperança que do temor. Por onde causa da confissão é considerada antes a esperança que o temor.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O pecado, em qualquer confissão, é descoberto ao sacerdote e oculto aos outros pelo sigilo da confissão.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Não é preciso que toda definição abranja tudo o que implica a coisa definida. Por isso há certas definições ou atribuições que encaram uma coisa e outras, outra.
Em seguida devemos tratar da quididade da confissão.
E nesta questão se discutem três artigos: