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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 6 ─ Se pode alguém ser dispensado de confessar a um homem.

O sexto discute-se assim. Parece que se pode ser dispensado de confessar a um homem
 
1. Pois, os preceitos de direito positivo podem ser dispensados pelos prelados da Igreja. Ora, tal é a confissão. Logo, pode alguém ser dispensado de confessar.
 
2. Demais. ─ O que por alguém foi instituído pode pelo mesmo ser dispensado. Ora, lemos que a confissão não foi instituída por Deus, mas pelo homem: Confessai os vossos pecados uns aosoutros. Ora, o Papa tem o poder de dispensar no que foi instituído pelos Apóstolos, tal o caso dos bígamos. Logo, também pode dispensar da confissão.
 
Mas, em contrário. A penitência, da qual faz parte a confissão, é sacramento necessário à salvação, como o batismo. Ora, como ninguém pode dispensar do batismo, também ninguém pode dispensar da confissão.
 
SOLUÇÃO. Os ministros da Igreja foram instituídos na Igreja divinamente fundada. Por isso a instituição da Igreja é pressuposta às obras dos ministros; assim como a obra da criação o foi à da natureza. E estando a Igreja fundada na fé e nos sacramentos, por isso não pertence aos ministros da Igreja instituir sacramentos novos ou suprimir os já instituídos; o que só pertence ao poder de excelência privativo de Cristo, fundamento da Igreja. Por onde, assim como o Papa não pode dispensar ninguém de receber o batismo para salvar-se, assim também não pode dispensar, de modo que se salvasse sem a confissão, enquanto esta obriga pela força mesmo do sacramento. Mas pode dispensar da confissão, enquanto obriga por preceito da Igreja, de modo que se possa diferir mais a confissão, do que o permita a legislação da Igreja.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Os preceitos de direito divino não obrigam menos que os de direito natural. Por onde, assim como não pode haver dispensa em matéria de direito natural, assim também não em matéria de direito divino positivo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. O preceito da confissão não foi primitivamente instituído pelo homem, embora fosse promulgado por Tiago; mas recebeu de Deus a sua instituição, embora não nos diga a Escritura expressamente que o tivesse ele instituído. Contudo encontramos nela uma prefiguração dele, quando confessavam os seus pecados a João os que, pelo batismo deste, se preparavam à graça de Cristo, e quando o Senhor remeteu os leprosos aos sacerdotes que, embora não fossem sacerdotes do Novo Testamento, contudo neles estava significado o sacerdócio do Novo Testamento.

Art. 5 ─ Se estamos obrigados a confessar sem demora.

O quinto discute-se assim. Parece que estamos obrigados a confessar sem demora. 
 
1. Pois, diz Hugo Vitorino: Não podendo alegar necessidade, não ficamos excusados do desprezo. Ora, todos estamos obrigados a evitar o desprezo. Logo, estamos obrigados a confessar sem demora, desde que pudermos.
 
2. Demais. Todos estamos obrigados a nos esforçar mais por evitar a doença espiritual que a doença do corpo. Ora, quando temos o corpo doente, se tardamos a chamar o médico, será em detrimento da nossa saúde. Logo, parece que não podemos, sem detrimento da nossa salvação, deixar de confessar os nossos pecados, sem demora, a um sacerdote, se deles tivermos cópia.
 
3. Demais. O que devemos sem termo, devemos sem dilação. Ora, sem termo devemos a confissão a Deus. Logo, devemos fazê-la sem demora.
 
Mas, em contrário. Na Decretal se determina simultaneamente o tempo da confissão e o de receber a Eucaristia. Ora, ninguém peca não recebendo a Eucaristia antes do tempo determinado pelo direito. Logo, também não peca se não confessa antes desse tempo.
 
2. Demais. Quem omite ao que está obrigado por preceito peca mortalmente. Quem portanto não confessasse sem dilação, quando tem cópia de sacerdotes se tivesse obrigação de confessar sem demora, pecaria mortalmente: e pela mesma razão em tempo diverso, e assim por diante. E assim incorreríamos em muitos pecados mortais, só por uma demora na confissão. O que não é razoável.
 
SOLUÇÃO. Sendo o propósito de confessar conexo com a contrição, então estamos obrigados a esse propósito quando o estamos à contrição. Isto é, quando os pecados se nos ocorrem à memória, sobretudo se estamos em perigo de morte, ou em situação tal em que incorrêssemos em pecado, não obtendo a remissão deles. Tal o caso do sacerdote obrigado a celebrar, não havendo cópia de sacerdotes, e que pelo menos está obrigado à contrição e ao propósito de confessar.
 
Quanto à confissão atual, de dois modos estamos obrigados a ela. 
 
Primeiro, acidentalmente, quando estamos obrigados ao que não podemos fazer, sem termos confessado. Então estamos obrigados a fazê-lo: como quando devemos receber a Eucaristia a que ninguém, em estado de pecado mortal, pode achegar-se, senão depois de ter confessado, se tem cópia de sacerdotes e a necessidade não urge. E dai a obrigação imposta pela Igreja a todos, de se confessarem uma vez por ano, porque instituiu que uma vez no ano, a saber, na Páscoa, todos recebem a sagrada comunhão; e portanto antes desse tempo todos estão obrigados a confessar.
 
De outro modo, estamos obrigados a confissão, em si mesma considerada. E então a mesma razão há de diferir a confissão e o batismo, pois ambos são sacramentos necessários à salvação. Ora, a receber o batismo ninguém está obrigado, que teve o propósito de o receber, de modo que pecasse mortalmente não o recebendo sem dilação. Nem há tempo nenhum determinado além do qual, diferindo o batismo, pecará mortalmente. Mas pode acontecer que haja ou não pecado mortal em diferir o batismo. E isso devemos ponderá-lo levando em conta a causa da dilação; pois, como diz o Filósofo, a vontade não retarda em fazer o que quer senão por alguma causa racional. Por onde, se a causa da dilação do batismo implicar pecado mortal, como se o fosse por desprezo ou motivo semelhante, a dilação será pecado mortal; do contrário, não. E assim o mesmo passa com a confissão, que não é de maior necessidade que o batismo. E como o necessário à salvação estamos obrigados a cumpri-lo nesta vida, por isso, havendo perigo iminente de morte, ainda essencialmente falando estamos então obrigados a fazer a confissão ou a receber o batismo. E por isso também Tiago estabeleceu simultaneamente o preceito de fazer a confissão e de receber a extrema unção.
 
Por isso é considerada provável a opinião dos que dizem não estarmos obrigados a confessar sem demora, não obstante ser perigoso diferi-lo. Outros porém dizem que o contrito está obrigado a confessar sem demora, oferecendo-se oportunidade, segundo a razão desta. Nem importa que a decretal prefixe o termo de confessarmos uma vez no ano; porque a Igreja não tem a intenção de tolerar a demora, mas de proibir a negligência de uma dilação maior. Por onde, essa Decretal não excusa da culpa da dilação quanto ao foro da consciência; mas excusa da pena, no foro da Igreja, de privação de sepultura devida, no caso de morte sobreveniente antes do referido tempo. Mas esta opinião parece demasiado severa. Pois, os preceitos afirmativos não obrigam imediatamente, mas só em tempo determinado. Não porque então possam ser facilmente cumpridos, pecando assim mortalmente quem não desse esmola, do supérfluo, sempre que um pobre se lhe oferecesse ─ o que é falso; mas porque o tempo impõe urgente necessidade. E portanto, não implica em pecarmos mortalmente o não confessarmos logo, oferecendo-se oportunidade, mesmo se não esperamos melhor oportunidade; mas quando a circunstancia da necessidade do tempo nô-lo impuser. Nem é por tolerância da Igreja, que não estejamos obrigados à confissão imediata, mas pela natureza do preceito afirmativo. E por isso o dever era menor, antes de estatuído pela Igreja.
 
Outros porém dizem que os seculares não estão obrigados a confessar antes do tempo da quaresma, que lhes é o tempo da penitência; ao passo que os religiosos estão obrigados a fazê-lo sem dilação, porque todo tempo é para eles tempo de penitência. ─ Mas nada disto é. Pois, os religiosos não estão obrigados a mais que os outros homens, senão ao que por voto se obrigaram.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Hugo se refere aos que morrem sem sacramento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Não é de necessidade para a saúde do corpo que médico seja chamado imediatamente, salvo quando a urgência da cura o exige. E o mesmo se dá com a doença espiritual.
 
RESPOSTA ÀTERCEIRA. A retenção da coisa alheia contra a vontade do dono contraria a um preceito negativo, que obriga sempre e para sempre. E por isso há sempre a obrigação de restituir sem demora. Diferente porém é o que passa com o cumprimento de um preceito afirmativo, que obriga sempre mas não para sempre. Por isso ninguém está obrigado a cumpri-lo sem dilação.

Art. 4 ─ Se podemos licitamente confessar um pecado que não cometemos.

O quarto discute-se assim. Parece que podemos licitamente confessar um pecado que não cometemos.
 
1. Pois, como diz Gregório, é próprio das boas almas reconhecer culpa onde ela não existe. Logo, é próprio das boas almas acusarem-se de culpas que não cometeram.
 
2. Demais. Quem se considera por humildade inferior a um pecador manifesto merece por isso louvores. Ora, o que pensamos em nosso coração é lícito confessarmos oralmente. Logo, pode licitamente confessar que cometeu um pecado mais grave que o que realmente tem.
 
3. Demais. Às vezes duvidamos se um pecado é mortal ou venial. E então, segundo parece, devemos confessá-lo como mortal. Logo, devemos às vezes confessar o pecado que não temos.
 
4. Demais. A satisfação é regulada pela confissão. Ora, podemos satisfazer por um pecado que não cometemos. Logo, também confessar um pecado que não fizemos.
 
Mas, em contrário. ─ Quem diz ter feito o que não fez, mente. Ora, ninguém deve mentir na confissão, porque toda mentira é pecado. Logo, ninguém deve confessar o pecado que não fez.
 
2. Demais. No juízo externo nenhum crime pode ser imputado a ninguém, que não possa ser provado por testemunhas idôneas. Ora, a testemunha, no foro da penitência, é a consciência. Logo, ninguém deve acusar-se de pecado que não tenha na consciência.
 
SOLUÇÃO. Pela confissão deve o penitente manifestar-se ao seu confessor. Ora, quem revela ao sacerdote coisa diversa da que na consciência tem, quer boa quer má, não se lhe manifesta, mas antes se lhe oculta. Logo, a confissão não é idônea; pois, para o ser, há de a boca estar de acordo com o coração, de modo que a boca só acuse o que há no coração.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. De dois modos podemos reconhecer uma culpa onde ela não existe. Primeiro, entendendo-se que esse reconhecimento se refere à substância do ato. E então não é verdadeiro o lugar citado. Pois, não tem boa mente, mas mente errada, quem confesse ter cometido o que não cometeu. De outro modo, quanto à condição do ato. E então é verdadeiro o dito de Gregório, que o justo teme não haja, da sua parte, algum defeito num ato em si mesmo bom. E nesse sentido diz a Escritura: Eu me temia de todas as minhas obras. Por isso é próprio da alma boa que esse temor existente no coração também o acuse a boca.
 
Donde também se deduz a resposta à segunda objeção, Porque o justo e verdadeiramente humilde não se reputa pior por ter praticado um ato que fosse genericamente pior; mas porque teme delinquir mais gravemente, pela soberba, nas boas obras que pratica.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Quando duvidamos se um pecado é mortal estamos obrigados a confessá-lo, enquanto subsiste a dúvida. Porque quem comete ou omite um ato, do qual duvida se é pecado mortal, peca mortalmente, expondo-se ao perigo. E do mesmo modo a perigo se expõe quem deixa de confessar o de que duvida se é pecado morta1. Não deve porém afirmar que é mortal, mas expô-lo como duvidoso e pedir o juízo do sacerdote, a quem incumbe discernir entre lepra e lepra.
 
RESPOSTA À QUARTA. Quem satisfaz pelo pecado que não cometeu não incorre em mentira, como incorre quem confessou o pecado que não crê haver cometido. Se porém acusar o pecado que não fez, mas que crê ter feito, não mente. E portanto não peca, se falar de acordo com o que lhe vai no coração.

Art. 3 ─ Se todos estão obrigados à confissão.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que nem todos estão obrigados à confissão.
 
1. Pois, como diz Jerônimo, a penitência é a segunda tábua depois do naufrágio. Ora, muitos, depois do batismo, não sofreram nenhum naufrágio. Logo, nem lhes é preciso fazer penitência. E assim, nem a confissão, que é parte da penitência.
 
2. Demais. A confissão deve ser feita ao juiz, em qualquer foro. Ora, há certos que não têm nenhum juiz come superior. Logo, também não estão obrigados à confissão.
 
3. Demais. Há certos que só têm pecado veniais. Ora, não estamos obrigados a confessá-los, Logo, nem iodos estão obrigados à confissão.
 
Mas, em contrário; a confissão se divide, por contrariedade, da satisfação e da contrição. Ora, todos estão obrigados à contrição e à satisfação. Logo, também todos estão obrigados à confissão.
 
2. Demais. Está claro por uma decretal, que todos, de ambos os sexos, chegados aos anos de discrição, estão obrigados a confessar os pecados.
 
SOLUÇÃO. De dois modos estamos obrigados à confissão. Primeiro, por direito divino, por isso mesmo que ela é um remédio. E então, nem todos estão obrigados à confissão, mas só aqueles que caíram rio pecado mortal, depois do batismo. De outro modo, por preceito de direito positivo. E então, estão obrigados todos, por instituição da Igreja, feita no Concílio Geral, sob Inocêncio III. Quer para que cada um se reconheça como pecador, pois, todos pecaram e precisam da graça de Deus. Quer para nos achegarmos à Eucaristia com muito maior reverência. Quer para os reitores das igrejas reconhecerem os seus súditos, a fim de se não esconder o lobo dentro do rebanho.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Embora nesta vida mortal depois do batismo, possamos evitar o naufrágio, que é o pecado mortal, não podemos contudo evitar os pecados veniais, que nos dispõem ao naufrágio, contra o que também é ordenada a penitência. Por isso há também lugar para a penitência nos que não pecam mortalmente; e por consequência, para a confissão.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Ninguém há que não tenha a Cristo como juiz, a quem, mediante o seu vigário, devemos confessar. O qual vigário, embora possa nos ser inferior, em razão de uma prelatura de que nos achemos investidos, contudo nos é superior, enquanto somos pecador e êle, ministro de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Por força do sacramento não está ninguém obrigado a confessar os pecados veniais; mas por força da instituição da Igreja, quando não temos outros pecados a confessar. Ou podemos responder, segundo certos, que pela decretal referida, não estão obrigados senão os que têm pecados mortais; o que se deduz das expressões que dizem que devem confessar todos os pecados; e isso não se pode entender dos veniais, pois ninguém está obrigado a os confessar todos. E, neste sentido, quem não tem pecados mortais não está obrigado à confissão dos veniais; mas basta, para cumprir o preceito da Igreja, apresentar-se a um sacerdote e dizer que não tem consciência de nenhum pecado mortal; e isto se lhe reputa a confissão.

Art. 2 ─ Se a confissão é de direito natural.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que a confissão é de direito natural.
 
1. Pois, Adão e Caim não estavam obrigados senão aos preceitos da lei natural. Ora, foram censurados por não terem confessado os seus pecados. Logo, a confissão dos pecados é de direito natural.
 
2. Demais. Os preceitos existentes tanto na Lei Velha Como na Nova são de direito natural. Ora, a confissão existia na Lei Velha, como diz Isaías: Faze o teu arrazoado, se algum fundamento tens para te justificar. Logo, é de direito natural.
 
3. Demais. Job não estava sujeito senão à lei natural. Ora, ele confessava os pecados, como o refere a Escritura: Se encobri como homem o meu pecado. Logo, é de direito natural.
 
Mas, em contrário. Isidoro diz, que o direito natural é o mesmo para todos. Ora, a confissão não na fazem todos do mesmo modo. Logo, não é de direito natural.
 
2. Demais A confissão se faz a quem tem o poder das chaves. Ora, poder das chaves da Igreja não foi instituído por direito natural. Logo, nem a confissão.
 
SOLUÇÃO. Os sacramentos são umas como proclamações da fé; por isso hão-se de lhe proporcionar a elas. Ora, a fé é superior ao conhecimento da razão natural. Por isso os sacramentos também são superiores ao ditame da razão natural. E como o direito natural não no gerou a opinião, mas uma certa virtude inata infundiu em nós, como diz Túlio, por isso os sacramentos não são de direito natural, mas de direito divino, superior à natureza. Mas às vezes também se chama natural aquilo que o Criador impôs a uma determinada coisa. Contudo, propriamente se chama natural o causado pelos princípios da natureza. E sobrenaturais são as obras que Deus se reserva à sua ação, sem o ministério da natureza; quer nas obras milagrosas, quer nas revelações dos mistérios, quer na instituição dos sacramentos. E assim a confissão, que tem necessidade sacramental, não é de direito natural, mas divino.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Adão foi censurado por não ter reconhecido o seu pecado na presença de Deus; pois, a confissão feita a Deus pelo reconhecimento do pecado é de direito natural. Ora, presentemente tratamos da confissão feita ao homem. ─ Ou devemos responder que confessar o pecado, num caso, é de direito natural, isto é, quando alguém constituído em juízo é interrogado pelo juiz. Pois então o pecador não deve mentir excusando ou negando o seu pecado; e disso foram repreendidos Adão e Caim. Mas a confissão que fazemos espontaneamente a um homem para conseguir a remissão dos pecados, de Deus, é de direito natural.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Os preceitos da lei natural permanecem do mesmo modo na lei de Moisés e na Lei Nova. Mas a confissão, embora de certo modo já existisse na lei de Moisés, não existia porém do mesmo modo que na Lei Nova nem na lei da natureza. Pois, na lei da natureza bastava o reconhecimento do pecado interior, perante Deus. Mas na lei de Moisés era preciso manifestar o pecado por algum sinal exterior, como pela oblação da vítima pelo pecado, por onde também podia o pecador revelar-se aos outros como tal. Mas não era preciso o pecador manifestar em especial o pecado cometido ou as circunstancias do pecado, como o era na Lei Nova.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Job se refere àquela dissimulação do pecado feita pelo acusado, negando o pecado ou excusando-o, como se pode concluir da Glosa ao mesmo lugar.

Art. 1 ─ Se a confissão é necessária à salvação.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a confissão não é necessária à salvação.
 
1. Pois, o sacramento da penitência foi ordenado à remissão da culpa. Ora, a culpa é suficientemente perdoada pela infusão da graça. Logo, para fazer penitência do pecado não é necessária a confissão.
 
2. Demais. O pecado que contraímos e tem em outro a sua causalidade deve receber desse outro o seu remédio. Logo, o pecado atual, que de movimento próprio cometemos, é necessário receba só de nós mesmos o seu remédio. Ora, a sanar esse pecado é que se ordena a penitência. Logo, a confissão não é necessária para a penitência.
 
3. Demais. ─ A certos lhes foi o pecado perdoado sem que deles leiamos que tivessem confessado; tal o caso de Pedro, de Madalena e também de Paulo. Ora, a graça de remitir os pecados não tem agora menor eficácia do que tinha então. Logo, nem é agora de necessidade para a salvação, que confessemos.
 
4. Demais. A confissão é exigida, no juízo, para ser infligida a pena, segundo a quantidade da culpa. Ora, podemos nos infligir a nós mesmos uma pena maior que a que nos fosse infligida por outro. Logo, parece que a confissão não é necessária à salvação.
 
Mas, em contrário. Boécio diz: Se queres ser curado pelo médico é necessário que lhe descubras o teu mal. Ora, necessário à salvação é que recebamos um remédio aos nossos pecados. Logo, também é de necessidade à salvação que descubramos a nossa doença pela confissão.
 
2. Demais. No juízo secular não é o juiz o mesmo que o réu. Ora, o juízo espiritual é mais ordenado. Logo, o pecador, que é o réu, não deve ser juiz de si mesmo, mas deve ser julgado por outro. Portanto, é necessário que lhe confesse.
 
SOLUÇÃO. A paixão de Cristo, sem cuja virtude não pode ser perdoado o pecado original nem o atual, em nós opera pela recepção dos sacramentos, que dela tiram a sua eficácia. Por onde, para a remissão da culpa, tanto atual como original, é necessário o sacramento da Igreja ou atualmente recebido; ou pelo menos em desejo, se o que exclui o sacramento for, não o desprezo, mas a injunção da necessidade. E por consequência, os sacramentos ordenados contra a culpa, com a qual não pode haver salvação, são de necessidade para a salvação. E portanto, assim como o batismo, pelo qual é apagado o pecado original, é de necessidade para a salvação, assim também o é o sacramento da penitência. E assim como quem pede o batismo se submete aos ministros da Igreja, a quem pertence dispensar o sacramento, assim também, confessando o seu pecado, sujeita-se ao ministro da Igreja afim de alcançar o perdão, mediante o sacramento da penitência por êle dispensado. E o ministro não pode aplicar o remédio conveniente se não conhecer o pecado o que se dá pela confissão do pecador. Por onde, a confissão é de necessidade para a salvação daquele que caiu em pecado mortal atual.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO, A infusão da graça basta para a remissão da culpa; mas, depois da culpa perdoada, o pecador ainda é devedor da pena temporal. Mas, para se conseguir a infusão da graça foram ordenados os sacramentos da graça, e antes de os recebermos, atual ou intencionalmente,não alcançamos a graça, como se dá no batismo, O mesmo passa com a confissão. E além disso: pelo pejo da confissão; pelo poder das chaves, a que se o confitente sujeita; pela satisfação que vai junta e que o sacerdote modera segundo a qualidade dos pecados de que tomou conhecimento na confissão ─ fica expiada a pena temporal. ─ Mas do facto de a confissão obrar para o perdão da pena não se deduz que seja de necessidade para a salvação; porque é temporal a pena a que permanecemos ligados depois do perdão da culpa; portanto, mesmo sem a expiação feita nesta vida, haveria caminho para a salvação. Mas é de necessidade para a salvação por operar a remissão da culpa ao modo referido.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. O pecado contraído por obra de outrem, isto é, o original, pode absolutamente ter um remédio externo, como se dá com as crianças. Mas o pecado atual, que por si mesmo o pecador cometeu, não pode ser expiado se não houver alguma cooperação do pecador. Contudo não basta por si mesmo para expiar o pecado, assim como por si mesmo foi suficiente para cometê-lo. Porque o pecado, por parte da conversão, é finito, e foi por essa conversão que o pecador abraçou o pecado; mas é infinito por parte da aversão, sendo por aí que há de começar a remissão do pecado, pois, o último na geração é o primeiro na resolução, como diz Aristóteles. Por onde e necessariamente há de o pecado atual receber de outrem o seu remédio.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Embora não tenhamos notícia da confissão dessas personagens citadas, contudo ela bem pode ter-se realizado; pois, muitas coisas se fizeram, que não estão escritas. ─ E além disso, Cristo tem o poder de excelência nos sacramentos. Por onde, sem o pertinente ao sacramento, podia conferir a realidade dele.
 
RESPOSTA À QUARTA. A satisfação não bastaria para expiar a pena do pecado, pela quantidade da pena que se impõe como satisfação; mas basta enquanto parte do sacramento, a virtude sacramental. Por onde, é necessário sejam os sacramentos ministrados por dispensadores. E portanto a confissão é necessária.

Questão 6: Da confissão quanto a sua necessidade.

Em seguida devemos tratar da confissão. A respeito da qual seis questões temos a considerar. Primeiro, da necessidade da confissão Segundo, da sua quididade. Terceiro, do seu ministro. Quarto, da sua qualidade. Quinto, do seu efeito. Sexto, do seu sigilo.
 

Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 3 ─ Se uma pequena contrição basta para apagar grandes pecados.

O terceiro discute-se assim. Parece que não basta uma pequena contrição para apagar grandes pecados.
 
1. Pois, a contrição é um remédio do pecado. Ora, um remédio material, suficiente para curar um mal corpóreo menor, não basta para curar um maior. Logo, uma contrição mínima não basta para apagar pecados máximos.
 
2. Demais. Como se disse acima, e necessário termos contrição maior dos pecados maiores. Ora, a contrição não apaga o pecado senão nas condições exigidas. Logo, uma contrição mínima não apaga todos os pecados.
 
Mas em contrário. Qualquer graça santificante dele totalmente a culpa mortal, que com ela não pode coexistir. Ora, qualquer contrição é uma graça santificante informada. Logo, por pequena que seja, dele todas as culpas.
 
SOLUÇÃO. A contrição, como se disse muitas vezes, implica dupla dor.  Uma racional que é a displicência do pecado cometido. E essa pode ser de tal modo pequena que não baste a ser o que por natureza é a contrição; como p. ex, se desagradasse o pecado menos do que deve desagradar a separação do fim. Assim, também o amor pode ser a tal ponto remisso que não baste a constituir a caridade. Outra é a dor sensível. E a fraqueza dessa não impede a existência da contrição; porque não tem uma relação essencial com a contrição, mas lhe está anexa quase acidentalmente. E além disso, não depende de nós. ─ Donde, pois, devemos concluir que por pequena que seja a dor, contanto que seja suficiente a constituir a contrição, dele totalmente a culpa.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Os remédios espirituais têm uma eficácia infinita por causa da virtude infinita que neles opera. Por isso o remédio que basta a sanar um pequeno pecado basta também a sanar um grande; talo batismo, que desata os grandes e os pequenos pecados. E o mesmo se dá com a contrição, contanto que esta essencialmente exista.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ É consequêncía necessária tenhamos maior dor do pecado maior, que do menor, pois aquele mais repugna ao amor, causa da dor. Mas quem tivesse de um pecado maior uma dor tão grande quanto a nossa, de um pecado menor, isso lhe bastaria à remissão da culpa.

Art. 2 ─ Se a contrição pode delir totalmente o reato da pena.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que a contrição não pode delir totalmente o reato da pena.
 
1. Pois, a satisfação e a confissão se ordenam a liberar do reato da pena, ora, ninguém é de tal modo contrito que não deva confessar e satisfazer. Logo, a contrição nunca é tanta que possa delir totalmente o reato.
 
2. Demais. Na penitência deve haver uma certa compensação entre a pena e a culpa. Ora, certas culpas provêm dos membros do corpo. Logo, sendo necessário, para haver a recompensa devida à pena, que, pelas causas em que alguém peca, por essas seja também atormentado, parece que nunca poderá a pena de tal pecado ser absolvida pela contrição.
 
3. Demais. A dor da contrição é finita. Ora, há certos pecados, como os mortais, merecedores de pena infinita. Logo, de nenhum modo pode ser tão grande a contrição que possa apagar totalmente a pena.
 
Mas, em contrário, Deus aceita de preferência o afeto do coração, ao ato externo. Ora, pelos atos externos somos absolvidos tanto da pena como da culpa. Logo e semelhantemente, pelo afeto do coração, que é a contrição.
 
2. Demais. Um exemplo para o caso em discussão nos é dado pelo ladrão, a quem foi dito: Hoje estarás comigo no Paraíso, por causa de um único ato de penitência.
 
Quanto a saber se o reato é totalmente e sempre apagado pela contrição, já indagamos antes, quando isso mesmo tratamos, a respeito da penitência.
 
SOLUÇÃO. A intensidade da contrição pode ser considerada à dupla luz. Primeiro, relativamente à caridade, causa da displicência. E assim pode ter o ato de caridade tal intensidade, que a contrição daí resultante merecerá não só a remoção da culpa, mas também a absolvição de toda pena. De outro modo, relativamente à dor sensível, que a vontade excita na contrição. E sendo também essa e de certo modo uma pena, pode ter uma intensidade tal que baste a apagar tanto a culpa como a pena.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Ninguém pode estar certo de ter uma contrição suficiente a delir tanto a pena como a culpa Por isso estamos todos obrigados a confessar e a satisfazer; sobretudo que a contrição não seria verdadeira sem ser acompanhada do propósito de confessar. O que deve ser efetivado, mesmo por causa do preceito dado sobre a confissão.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Assim como a alegria interior redunda também para as partes exteriores do corpo, assim também a dor interior deriva para os membros exteriores. Donde dizer a Escritura: o espírito triste seca os ossos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. A dor da contrição embora finita quanto à intensidade ─ como também é finita a pena devida ao pecado mortal contudo tem virtude infinita, pela caridade que a informa. E assim, pode contribuir para apagar a culpa e a pena.

Art. 1 ─ Se a remissão do pecado é efeito da contrição.

O primeiro discute-se assim. Parece que a remissão do pecado não é efeito da contrição.
 
1. Pois, só Deus pode perdoar os pecados. Ora, da contrição nós somos de certo modo a causa, porque é um ato nosso. Logo, a contrição não é a causa da remissão.
 
2. Demais. A contrição é um ato de virtude. Ora, a virtude resulta da remissão do pecado, porque virtude e culpa não podem coexistir na alma. Logo, a contrição não é a causa da remissão da culpa.
 
3. Demais. Só a culpa nos impede de receber a Eucaristia. Ora, o contrito não deve, antes da contrição, achegar-se à Eucaristia. Logo, ainda não recebeu a remissão da culpa.
 
Mas, em contrário, àquilo da Escritura Sacrifício para Deus é o espírito atribulado, etc. diz a Glosa: a contrição do coração é o sacrifício pelo qual são perdoados os pecados.
 
2. Demais. A virtude e o vício corrompem-se e geram-se pelas mesmas causas, como diz Aristóteles. Ora, o pecado é cometido pelo amor desordenado do coração. Logo, pela dor causada e pelo amor ordenado da caridade, é perdoado. E assim a contrição dele o pecado.
 
SOLUÇÃO. A contrição pode ser considerada à dupla luz: como parte do sacramento ou como ato de virtude. E de ambos os modos é causa da remissão do pecado, mas diversamente. Pois, como parte do sacramento, primeiro contribui para a remissão dos pecados instrumentalmente, como se dá com os outros sacramentos, segundo estabelecemos. Mas como ato de virtude, então, é a quase causa material da remissão do pecado, pois, a disposição é de certo modo necessária à justificação; ora, a disposição se reduz à causa material, entendendo-se por disposição a que dispõe a receber a matéria. Mas diferente é a disposição do agente a agir, pois essa se reduz ao gênero da causa eficiente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Só Deus é a causa eficiente principal da remissão do pecado; mas a causa dispositiva pode também estar em nós. E semelhantemente, a causa sacramental; porque as formas dos sacramentos são as palavras por nós pronunciadas, que têm a virtude instrumental de produzir a graça, pela qual são perdoados os pecados.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. A remissão do pecado a uma luz precede a virtude e a infusão da graça e, a outra, é-lhes consecutiva. E enquanto consecutivo, o ato ilícito da virtude pode ser causa da remissão do pecado.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Dispensar a Eucaristia pertence aos ministros da Igreja. E portanto, antes da remissão dos pecados pelos ministros da Igreja, ninguém deve se aproximar da Eucaristia, embora tenha a sua culpa perdoada da parte de Deus.

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