Category: Santo Tomás de Aquino
Em seguida devemos tratar do efeito da confissão.
Sobre o que se discutem cinco artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que o tempo não foi concriado com a matéria informe.
1. — Pois, diz Agostinho, falando a Deus: Duas coisas encontro que fizeste não sujeitas ao tempo, a saber, a matéria prima corpórea e a natureza angélica. Logo, o tempo não foi concriado com a matéria informe.
2. Demais. — O tempo se divide em diurno e noturno. Ora, no princípio, não havia noite nem dia, mas somente depois, quando Deus separou a luz das trevas. Logo, no princípio, não havia tempo.
3. Demais. — O tempo é o número do movimento do firmamento o qual, como se lê na Escritura, foi feito no segundo dia. Logo, no princípio não havia tempo.
4. Demais. — O movimento, sendo anterior ao tempo, devia, mais que o tempo, ser das coisas criadas em primeiro lugar.
5. Demais. — Como o tempo, assim também o lugar é uma medida extrínseca. Logo, não há porque se conte, entre os primeiros seres criados, antes o tempo que o lugar.
Mas, em contrário, diz Agostinho que a criatura espiritual e corporal foi criada no princípio do tempo.
Solução. — Comumente se diz que os seres primeiramente criados foram quatro: a natureza angélica, o céu empíreo, a matéria corpórea e o tempo. Mas deve-se atender a que tal doutrina não procede, segundo a opinião de Agostinho. Pois, no lugar supracitado, admite dois seres como sendo os primeiros criados, a saber, a natureza angélica e a matéria corpórea, sem mencionar o céu empíreo. Ora, estes dois seres — a natureza angélica e a matéria informe, precedem à formação, não pela duração, mas pela natureza; mas, como pela natureza precedem à formação, assim também do mesmo modo, precedem o movimento e o tempo. Portanto, este não pode ser conumerado com elas. — A enumeração supra procede, porém, segundo a opinião de outros Santos Padres, que ensinam ter a informidade da matéria precedido, pela duração, à formação; e então é necessário supor, para essa duração, um tempo; de outro modo, não se pode conceber medida para tal duração.
Donde a resposta à primeira objeção. — O dito de Agostinho se funda em que a natureza angélica e a matéria informe precedem o tempo, quanto à origem ou natureza.
Resposta à segunda. — Assim como, segundo os outros Santos Padres, a matéria, de certo modo, era informe e, só depois, foi formada, assim também o tempo foi, de certo modo informe e, depois, foi formado e se dividiu em dia e noite.
Resposta à terceira. — Se o movimento do firmamento não teve início imediatamente, desde o princípio, então o tempo que o precedeu não foi o número desse movimento, mas de algum outro movimento, que foi o primeiro. Pois, é acidental ao tempo ser o número do movimento do firmamento enquanto esse movimento é o primeiro de todos. Se porém o movimento primeiro fosse outro, desse a medida seria o tempo, porque todas as coisas se medem pela primeira do gênero. Logo, é necessário concluir-se que, desde o princípio, imediatamente, houve algum movimento ao menos segundo a sucessão dos conceitos e dos afetos, na mente angélica. Ora, não se pode compreender o movimento sem o tempo, pois, este não é senão a enumeração da prioridade e da posterioridade no movimento.
Resposta à quarta. — Entre os primeiro seres criados, contando-se os que têm uma relação geral com as coisas, há-se de contar o tempo, que serve de medida comum; não, porém, o movimento que só é relativo a um sujeito móvel.
Resposta à quinta. — Compreende-se que haja lugar no céu empíreo, que contém todas as coisas. E como o lugar se refere aos seres permanentes, foi concriado total e simultaneamente com eles. Porém o tempo, que não é permanente, foi concriado com a matéria informe, no seu princípio; e, assim, ainda agora, não há no tempo outra atualidade, salvo o momento presente.
O quarto discute-se assim. - Parece não serem necessárias à confissão as dezesseis condições enumeradas pelos mestres nos versos seguintes:
Seja simples, humilde a confissão, pura, fiel,
E freqüente, clara, discreta, voluntária, verecunda,
íntegra, secreta, lacrimosa, pronta
Forte e acusadora e disposta a obedecer.
1. ─ Pois, a fé, a simplicidade e a fortaleza são em si mesmas virtudes. Logo, não devem ser postas como condições da confissão.
2. Demais. ─ Puro é o que não tem nenhuma virtude. Semelhantemente, simples é o que repugna à composição e à mistura. Logo, é supérfluo o uso dessas duas palavras.
3. Demais. ─ O pecado uma vez cometido ninguém está obrigado a confessá-lo senão uma vez. Logo, se não recairmos no pecado, não é preciso fazer confissão frequente.
4. Demais. ─ A confissão se ordena à satisfação. Ora, a satisfação às vezes é pública. Logo, a confissão nem sempre deve ser secreta.
5. Demais. ─ O que não depende de nós não pode ser de nós exigido. Ora, verter lágrimas não depende de nós. Logo, não pode ser exigido do confitente.
SOLUÇÃO. ─ Das referidas condições umas são necessárias à confissão, outras são para a perfeição dela.
As necessárias à confissão, ou lh'o são enquanto ato de virtude, ou enquanto parte do sacramento.
Quanto às necessárias, elas o são ou em razão da virtude, genericamente considerada, ou em razão da virtude especial de que são atos, ou em razão mesma do ato.
A virtude genericamente considerada pertencem quatro condições, como diz Aristóteles. ─ A primeira, é que tenhamos ciência. E, quanto a essa, a confissão se diz discreta, enquanto que a prudência é necessária a todos os atos virtuosos. E essa discrição consiste em confessarmos os pecados maiores mais ponderadamente. ─ A segunda condição é ser de livre eleição, porque os atos virtuosos devem ser voluntários. Por isso se diz ─ voluntária. ─ A terceira condição é que pratiquemos o ato para alguma coisa, isto é, para o fim devido. E por isso, diz que deve ser pura, isto é, que a intenção seja reta. - A quarta, que pratiquemos o ato com firmeza. E por isso diz que deve ser forte, de modo que não ocultemos a verdade por vergonha.
Demais, a confissão é ato da virtude de penitência. ─ E essa tem o seu início no horror pela torpeza do pecado. E por isso a confissão deve ser verecunda, de modo que não nos jactemos dos pecados por alguma vaidade do século que se infiltre nela. ─ Depois, a confissão nos leva à dor do pecado cometido. E por isso deve ser lacrimosa. ─ E em terceiro lugar, termina na humilhação de nós mesmos. E por isso deve ser humilde, de modo que nos confessemos miseráveis e enfermos. Mas, pela sua natureza mesma, o ato da confissão deve ser manifestativo. Cuja manifestação pode ser impedida por quatro obstáculos. ─ Primeiro, pela falsidade. E por isso diz fiel, isto é, verdadeira. ─ Segundo, pela obscuridade das palavras. E contra isso diz ─ clara, de modo a não empregar palavras obscuras. ─ Terceiro, pela multiplicação das palavras. E contra ela diz - simples, de modo a não declararmos na confissão senão os pecados realmente cometidos. ─ Quarto, que não ocultemos nada do que devemos revelar. E contra isso diz ─ íntegra.
Enquanto parte do sacramento, a confissão concerne ao juízo do sacerdote, ministro do sacramento. E por isso é necessário seja ela acusadora, por parte do confitente; disposta a obedecer, às ordens do sacerdote; secreta, quanto à condição do foro, em que se tratam coisas ocultas da consciência. Mas para a confissão ser frutuosa há de ser frequente, e prontal; isto é, devemos confessar sem demora.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nenhum inconveniente há em a condição de uma virtude ser implicada no ato de outra, imperado pela primeira. Ou que a mediedade, própria principalmente de uma virtude, também pertença a outras por participação.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A condição pura exclui à intenção má, de que nos purificamos; e a de ser simples exclui a mistura de elemento estranho.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O que a objeção refere não é de necessidade para a confissão, mas para ser perfeita.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Para evitar escândalo dos outros, que poderiam inclinar-se ao pecado por causa dos pecados ouvidos, não deve a confissão ser feita em público, mas ocultamente. Quanto à pena satisfatória ninguém com ela se escandaliza, pois às vezes por um pecado pequeno ou nulo fazem-se tais obras satisfatórias.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Devemos entendê-lo das lágrimas da alma.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que podemos confessar por meio de outrem ou por escrito.
1. ─ Pois, a confissão é necessária para se abrirmos a consciência do penitente ao sacerdote. Ora, podemos manifestar a nossa consciência ao sacerdote por meio de outrem ou por escrito. Logo, basta confessar por escrito ou por meio de outrem.
2. Demais ─ Certos não são entendidos pelo sacerdote próprio por causa da diversidade de línguas; e esses não podem confessar senão mediante terceiros. Logo, o sacramento não exige necessariamente que nos confessemos por nós mesmo. E assim, parece que basta à salvação nos confessemos por outrem, de qualquer modo.
3. Demais. ─ O sacramento exige necessàriamente que nos confessemos ao sacerdote próprio, como do sobredito resulta. Ora, às vezes o sacerdote próprio está ausente e não lhe pode falar diretamente o penitente, que porém lhe poderia manifestar a consciência por escrito. Logo, parece que por escrito lh'a deve manifestar.
Mas, em contrário. ─ Estamos obrigados à confissão dos pecados como o estamos à da fé. Ora, a confissão da fé deve ser feita oralmente, como diz o Apóstolo. Logo, também a dos pecados.
2. Demais. ─ Quem por si mesmo pecou deve por si mesmo fazer penitência. Ora, a confissão é parte da penitência. Logo, o penitente deve confessar-se diretamente.
SOLUÇÃO. ─ A confissão não só é ato de virtude, mas também parte do sacramento. Embora, pois, baste que de qualquer modo a façamos, enquanto ato de virtude, não obstante a dificuldade de um modo ser talvez menos que a de outro, contudo, enquanto parte do sacramento, implica um ato determinado, assim como também os outros sacramentos têm matéria determinada. É assim como no batismo, para significar a ablução interior, toma-se aquele elemento de que sobretudo nos servimos para lavar, assim, no ato sacramental, para nos manifestarmos como devemos, praticamos aquele ato pelo qual sobretudo costumam nos manifestar, isto é, as nossas palavras próprias. Quanto aos outros modos, foram aplicados como suplemento desse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como no batismo não basta uma ablução qualquer, mas é preciso fazê-lo com o elemento determinado, assim também não basta na penitência manifestar os pecados de qualquer modo, mas é necessário os manifestemos por um ato determinado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os que não podem usar da linguagem, como o mudo, ou que não falam uma língua estrangeira, basta confessarem por escrito, por sinais ou por um intérprete, porque não é possível exigir de um homem mais de que ele pode; embora ninguém possa ou deva receber o batismo senão com a água. Por ser a água um elemento absolutamente exterior e nos ser dada por outrem. Ora, o ato da confissão nós mesmos é que o praticamos; e portanto quando não podemos praticá-lo de um modo, devemos confessar como podemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Na ausência do nosso sacerdote próprio podemos fazer a confissão mesmo a um leigo. E por isso não é necessário fazê-la por escrito; porque é mais necessário o ato da confissão que aquele a quem a fazemos.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não é necessário a confissão ser íntegra, de modo que se confessassem todos os pecados a um só sacerdote.
1. ─ Pois, a vergonha contribui para a diminuição da pena. Ora, quanto maior o número dos sacerdotes a que nos confessemos tanto maior será a vergonha sofrida. Logo, será mais frutuosa a confissão quando feita a vários sacerdotes.
2. Demais. ─ A confissão é necessária na penitência a fim de a pena ser aplicada ao pecador segundo o arbítrio do sacerdote. ─ Ora, diversos sacerdotes podem impor uma pena suficiente a pecados diversos. Logo, não é necessário confessar todos os pecados a um só sacerdote.
3. Demais. ─ Pode acontecer que, depois da confissão feita e da satisfação completa, recordemo-nos de algum pecado mortal que a memória não teve presente, enquanto confessávamos; e que então não tenhamos o ensejo de tornar a encontrar o sacerdote próprio, a quem confessamos antes. Logo, só poderemos confessar esse pecado a outro. E então seriam pecados diversos confessados a sacerdotes diversos.
4. Demais. ─ Ao sacerdote não devemos fazer confissão dos pecados senão em vista da absolvição. Ora, às vezes o sacerdote, que ouve a confissão, pode absolver certos pecados, mas não todos. Logo, pelo menos em tal caso não é preciso a confissão ser íntegra.
Mas, em contrário. ─ A hipocrisia é impedimento à penitência. Ora, fazer por partes a confissão constitui hipocrisia, como diz Agostinho. Logo, a confissão deve ser íntegra.
2. Demais. ─ A confissão faz parte da penitência. Ora, a penitência deve ser íntegra. Logo, também a confissão.
SOLUÇÃO. ─ Na medicina corporal é necessário que o médico conheça não somente e a doença para a qual deve dar remédio, mas ainda a disposição total do enfermo. Porque uma doença se agrava com a sobrevivência de outra e o remédio, que curaria daquela, poderá ser contraproducente em relação a esta. E o mesmo se dá com os pecados: um se agrava com a sobrevivência de outro e o que para um seria o remédio conveniente poderia ser incentivo para o outro, pois, às vezes pode alguém estar contaminado de pecados contrários, como o ensina Gregório. Por onde, a confissão exige necessàriamente confessemos todos os pecados que temos na memória; não o fazendo, não haverá confissão, mas simulação dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora se multiplique o pejo quando se confessem pecados diversos a sacerdotes diversos, contudo esse pejo multiplicado não é de tanta intensidade de como o pejo único com que confessamos simultaneamente todos os nossos pecados. Por que cada pecado considerado de per si não mostra má disposição do pecador, igual a que revela quando considerado juntamente com os outros. Pois, num pecado só às vezes caímos por ignorância ou fraqueza; ao passo que a multidão dos pecados revela a malícia do pecador, ou a sua grande corrupção.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A pena imposta por diversos sacerdotes não seria suficiente; porque cada um consideraria o pecado confessado só em si mesmo, sem a gravidade que ele recebe pela adjunção de outro; e às vezes a pena aplicada a um viria a promover outro. ─ E além disso, o sacerdote ao ouvir a confissão faz às vezes de Deus. E por isso a confissão lhe deve ser feita do mesmo modo por que o é a Deus pela contrição. Por onde, assim como a contrição não existiria senão extensiva a todos os pecados, também confissão não haveria sem se confessarem todos os pecados ocorrentes à memória.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Certos dizem que quando nos recordamos do que tínhamos esquecido, devemos de novo confessar, mesmo o que já tínhamos confessado; e sobretudo se não pudermos nos confessar de novo ao mesmo sacerdote de antes que nos conhecia todos os pecados, de modo que o mesmo sacerdote seria então o que nos conhecesse totalmente a gravidade da culpa. ─ Mas isto não é necessário. Porque o pecado tira de si mesmo a sua gravidade e da sua adjunção com outro. Ora, aos pecados que confessamos manifestamos a gravidade, que em si mesmos tinham. Mas para o sacerdote conhecer a gravidade, sob o duplo aspecto referido, do pecado cuja confissão nos esquecemos, basta revelá-lo explicitamente ao nos confessar de novo, falando dos outros em geral, dizendo que, tendo confessado muitos outros, desse nos esquecemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora o sacerdote não possa absolver de todos os pecados, contudo o penitente está obrigado a lhe confessar todos, a fim de ele conhecer a gravidade total da culpa; e aqueles que não pode absolver remeta ao superior.
O terceiro discute-se assim. — Parece que o céu empíreo não foi criado simultaneamente com a matéria informe.
1. — Pois, se o céu empíreo é alguma coisa, deve ser corpo sensível e, portanto, móvel. Ora, não é móvel porque, se o fosse, o seu movimento o depreenderíamos pelo de algum corpo aparente, fato nunca verificado. Logo, tal céu não foi criado simultaneamente com a matéria informe.
2. Demais. — Agostinho diz que os corpos inferiores são regidos pelos superiores em uma certa ordem. Se, pois, o céu empíreo é o corpo supremo, necessário é tenha alguma influência nos corpos inferiores. Ora, tal não se dá, sobretudo se esse céu for considerado imóvel; porque só o corpo movido pode mover. Logo, o céu empíreo não foi criado simultaneamente com a matéria informe.
3. Demais. — Nem vale dizer que o céu empíreo é o lugar da contemplação e não é destinado a efeitos naturais. Pois, Agostinho diz: Nós, enquanto percebemos, com a mente, algo de eterno, não estamos neste mundo. Por onde se vê que a contemplação eleva a mente acima dos seres corpóreos. Logo, não há um lugar corpóreo deputado à contemplação.
4. Demais. — Entre os corpos celestes há um que é diáfano, em parte, e, em parte, lúcido, a saber, o céu sideral. Há também o céu totalmente diáfano, chamado, por alguns, céu aquoso ou cristalino. Se, pois, há algum céu superior, esse há de ser totalmente lúcido. Ora, tal não pode ser, porque então o ar seria continuamente iluminado, sem que nunca fosse noite. Logo, o céu empíreo não foi criado simultaneamente com a matéria informe.
Mas, em contrário, comenta Estrabo: no dito da Escritura: — No princípio criou Deus o céu e a terra — céu significa não o firmamento visível, mas o empíreo, isto é, ígneo.
Solução. — O céu empíreo é uma doutrina de Estrabo, Beda e Basílio, sendo concordes em o considerarem como o lugar dos bem-aventurados. Assim, Estrabo e Beda dizem que, logo depois de criado, ficou cheio de anjos. Basílio também afirma: Assim como os danados são precipitados na últimas trevas, assim a remuneração das boas obras se realiza nessa luz de além mundo, onde aos bem-aventurados está o domicílio do descanso. Porém esses autores entre si diferem quanto aos fundamentos de tal doutrina. Assim, Estrabo e Beda admitem o céu empíreo pelo identificarem com o firmamento, que foi feito, não no princípio, mas no segundo dia. Porém o fundamento de Basílio está em que não se deve supor tenha Deus começado, absolutamente, a sua obra pelas trevas; objeção dos maniqueus, que chamam ao Deus do Testamento Velho Deus das trevas.
Mas tais razões não são muito cogentes. Pois, essa questão do firmamento, do qual se lê que foi feito no segundo dia, é resolvida de um modo por Agostinho e de outro por outros Santos Padres. Santo Agostinho resolve a questão das trevas dizendo que a informidade, pela qual elas são designadas, não precedeu à formação, quanto à duração, mas quanto à origem. Para os outros, porém, não sendo as trevas nenhuma criatura, senão a privação da luz, elas atestam que a divina sapiência estabeleceu primeiro num estado de imperfeição as coisas que criou do nada, levando-as, depois, a um estado perfeito.
De maneira que a questão formulada pode ser convenientemente resolvida considerando-se a condição mesma da glória. Pois, dupla é a glória esperada na remuneração futura: uma espiritual; outra corporal, consistindo, não só na glorificação dos corpos humanos, mas também na total inovação do mundo. Ora, a glória espiritual já começou, desde o princípio do mundo, na beatitude dos anjos, igualmente prometida aos santos, pela Escritura. E por isso convinha que, também desde o princípio, a glória corporal começasse em algum corpo, isento desde o princípio da servidão da corrupção e da mutabilidade; e totalmente lúcido, como o será toda criatura corpórea, depois da ressurreição futura. E tal é o céu chamado empíreo, i. é, ígneo, não pelo ardor, mas pelo esplendor.
Devemos saber, porém, que Agostinho diz que Porfírio discernia os anjos, dos demônios, atribuindo a estes os lugares aéreos e àqueles os etéreos ou empíreos. Mas Porfírio, sendo platônico, considerava esse céu sidéreo como ígneo, chamando-lhe, por isso, empíreo ou etéreo, derivando de ser o nome de éter inflamado e não de ter o movimento veloz, como quer Aristóteles. E isto aqui se diz, não vá ninguém pensar que Agostinho concebia o céu empíreo como os modernos agora o concebem.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os corpos sensíveis são móveis em virtude da natureza mesma do mundo, pois o movimento da criatura corpórea causa a multiplicação dos elementos. Mas, na consumação última da glória, cessará o movimento dos corpos; e tal era necessário que fosse, desde o princípio, a disposição do céu empíreo.
Resposta à segunda. — Muito provável é que o céu empíreo, segundo alguns, sendo destinado ao estado da glória, não tenha influência sobre os corpos inferiores, subordinados a outra ordem, como destinados ao decurso natural das coisas. — Porém é mais provável sentir que assim como os supremos anjos assistentes, embora não sejam enviados, como quer Dionísio, influem todavia sobre os médios e os últimos, que são os enviados; assim também o céu empíreo, embora não movido, influi sobre os corpos movidos. E por isso pode-se dizer que não é algo de transitivo e adveniente, pelo movimento, o que influi sobre o primeiro céu movido, mas algo de fixo e de estável; p. ex. a virtude de conter ou causar, ou algo de semelhante que implique uma dignidade.
Resposta à terceira. — O lugar corpóreo é atribuído à contemplação, não por necessidade, mas por congruência, para que a claridade exterior convenha com a interior. Por isso, Basílio diz que o espírito assistente não podia estar imerso em trevas, mas possuía, em si, o hábito de existir na luz e na alegria.
Resposta à quarta. — Como diz Basílio, é certo que o céu foi feito tomando a forma redonda; com um corpo espesso e de tal modo forte que possa separar as coisas extrínsecas das internas. Por isso foi constituída, necessariamente, depois dele, uma região abandonada, sem luz, por estar excluído o fulgor, irradiante na parte superior. Mas, sendo o corpo do firmamento, embora sólido, diáfano por não interceptar a luz — pois, vemos a das estrelas, não obstante os céus intermédios — pode-se, de outro modo, dizer que o céu empíreo tem luz não condensada, emitindo raios, como o corpo do sol, porém mais sutil; ou tem a claridade da glória, diferente da claridade natural.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a confissão não pode ser informe.
1. ─ Pois, diz a Escritura: A confissão, depois de o homem estar morto, fenece, tornando-se como num puro nada. Ora, quem não tem caridade está morto, porque ela é a alma da vida. Logo, sem caridade não pode haver confissão.
2. Demais. ─ A confissão divide-se, por contrariedade, da contrição e da satisfação. Ora, a contrição e a satisfação nunca podem existir sem a caridade. Logo, nem a confissão.
3. Demais. ─ Na confissão há de a boca concordar com o coração, pois, o próprio nome de confissão assim o exige. Ora, quem ainda tem afeto ao pecado, que confessa, não tem o coração de acordo com a boca, pois, tem o coração preso ao pecado, que de boca condena.
Mas, em contrário. ─ Todos estão obrigados a confessar os pecados mortais. Ora, quem confessou, estando ainda em estado de pecado mortal, não está mais obrigado a confessar os mesmos pecados; pois, como ninguém sabe se tem caridade, ninguém poderá saber que se confessou. Logo, não é necessário ser a confissão informada pela caridade.
SOLUÇÃO. ─ A confissão é um ato de virtude e parte do sacramento. ─ Ora, enquanto ato de virtude é um ato propriamente meritório. E então a confissão não vale sem a caridade, princípio do mérito. ─ Mas enquanto parte do sacramento, torna o confitente dependente do sacerdote, que tem o poder das chaves da Igreja, e pela confissão conhece a consciência do confitente. E assim, pode confessar mesmo quem não tem contrição, pois, pode expor ao sacerdote os seus pecados e sujeitar-se ao poder das chaves da Igreja. E embora não receba então o fruto da absolvição, contudo poderá colhê-lo desde que desapareça a sua dissimulação. O mesmo se dá também com os outros sacramentos. Por isso não está obrigado a renovar a confissão quem se a ela achega dissimuladamente; mas está obrigado a confessar depois a sua dissimulação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa autoridade deve entender-se quanto à percepção do fruto da confissão, que não recebe ninguém sem ter a caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A contrição e a satisfação se fazem a Deus; mas a confissão, ao homem. Por isso é da natureza da contrição e da satisfação que o homem esteja unido a Deus pela caridade; mas não, da natureza da confissão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem conta os pecados que tem fala verdade. E assim o coração concorda com a palavra ou com as palavras quanto à substância da confissão, embora discorde do fim da confissão.
Em seguida devemos tratar da qualidade da confissão.
Sobre a qual discutem-se quatro artigos:
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que a pena temporal, cujo reato permanece depois da penitência, não é determinada segundo a gravidade da culpa.
1. ─ Pois, é determinada pela intensidade do deleite que houve no pecado, segundo aquilo da Escritura: Quanto ela se tem glorificado e tem vivido em deleites, tanto lhe dai de tormento e prantos. Ora, às vezes, onde há maior deleite ai é menor a culpa; porque os pecados carnais, que causados de maior deleite que os espirituais, têm menor culpa. Logo, a pena não é determinada pela gravidade da culpa.
2. Demais. ─ Do mesmo modo estamos obrigados pelos preceitos morais, na Lei Nova como na Lei Antiga. Ora, na Lei Velha os pecados eram punidos com a pena de sete dias, isto é, o pecador ficava imundo por sete dias. Logo, como no Testamento Novo se impõe a pena de sete anos por um pecado mortal, resulta que a gravidade da pena não se mede pela da culpa.
3. Demais. ─ Maior é o pecado de homicídio, no leigo, que o da fornicação, no sacerdote; porque a circunstância tirada da espécie do pecado mais o agrava, que a tirada da condição da pessoa. Ora, ao leigo se lhe impõem, pelo homicídio, sete anos de penitência; e ao sacerdote, pela fornicação, uma penitência de dez anos, segundo os cânones. Logo, a pena não é imposta conforme a gravidade da culpa.
4. Demais. ─ O pecado máximo é o cometido contra o corpo mesmo de Cristo; pois, tanto mais grave é o pecado quanto mais elevada é a pessoa contra quem se peca. Ora, pela infusão do sangue de Cristo, contido no sacramento do altar, se impõe a penitência só de quarenta dias, ou pouco mais; ao passo que pela fornicação simples é imposta a de sete anos, segundo os Cânones. Logo, a quantidade da pena não deve proporcionar-se à gravidade da culpa.
Mas, em contrário, a Escritura: Eu a julgarei contrapondo uma a outra medida, quando ela for rejeitada. Logo, a medida do juízo, que pune o pecado, depende da gravidade da culpa.
2. Demais. ─ O homem se reduz à igualdade da justiça pela pena infligida. Ora, isto não seria se a gravidade da culpa não respondesse à da pena. Logo, uma responde à outra.
SOLUÇÃO. ─ A pena, depois da punição da culpa, é exigida por dois motivos: para pagar o devido e como remédio. Pode, pois, a determinação da pena ser considerada a dupla luz. ─ Primeiro, quanto ao débito. E assim a gravidade da pena radicalmente corresponde à da culpa, antes que desta se perdoe alguma parte; mas desde que esta foi perdoada, como o que levou a perdoá-la é a principal das causas que lhe podem atenuar a pena, resta depois disso menos a perdoar, por outra causa; pois, quanto mais, por motivo da contrição, foi perdoado, da pena, tanto menos resta a ser perdoado pela confissão. Segundo, como remédio ou para aquele que pecou ou para os outros. E assim, às vezes a um pecado menor se lhe aplica pena maior. Quer porque ao pecado de um só, se pode mais dificilmente resistir que ao pecado do outro ─ assim ao jovem se impõe, pela fornicação, pena maior que ao velho, embora peque menos. Quer porque em um, como no sacerdote, o pecado é mais perigoso. ─ Ou porque a multidão é mais inclinada a esse pecado; e assim a pena de um amedronta os outros. ─ Por onde, no foro da penitência a pena há de ser imposta levando-se em conta esse duplo elemento. E portanto nem sempre se há de impor pena maior ao pecado maior. Mas, a pena do purgatório só visa ao pagamento do débito; pois, já não haverá mais lugar para o pecado. Por isso essa pena é determinada só pela gravidade do pecado, levando-se em conta, porém a intensidade da contrição, a confissão e a absolvição, pois, todas essas são causas de se perdoar uma parte da pena. E por isso também há de o sacerdote levá-las em conta ao impor a satisfação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essas palavras aludem a duas partes da culpa: A glorificação e o prazer. Das quais a primeira respeita à soberba do pecador, que resiste a Deus; o segundo, ao prazer do pecado. Embora às vezes haja menor prazer numa culpa maior, sempre há nela contudo maior soberba. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essa pena de sete dias não era expiativa da pena devida ao pecado; por isso, se o pecador morresse depois desses dias seria punido no purgatório. Mas fazia expiar algumas irregularidades, como a faziam expiar todos os sacrifícios legais. ─ Nem por isso, contudo, deixa o homem, em igualdade de circunstâncias, de pecar mais gravemente no regime da Lei Nova que no da Velha; por causa da mais ampla santificação que recebeu no batismo; e por causa das benefícios maiores conferidos por Deus ao gênero humano. O que se conclui das palavras do Apóstolo: Quantos maiores tormentos credes vós que merece o que pisar aos pés o Filho de Deus, e tiver em conta de profano o sangue do Testamento em que foi santificado? Nem contudo é uma verdade universal, que seja exigido por cada pecado mortal sete anos de penitência; mas essa é uma como regra comum, aplicável à maior parte dos casos; que porém não se deve aplicar, consideradas as diversas circunstâncias dos pecados.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O bispo e o sacerdote pecam com maior perigo para si e para os outros. Por isso mais solicitamente procuram os Cânones afastá-los do pecado, que os outros, impondo-lhes maior pena, como remédio; embora na realidade não lhes fosse devida tanta. Por isso no purgatório não se lhe há de exigir tão grave pena.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa pena se deve entender aplicável quando o fato aludido se der contra a vontade do sacerdote. Pois se espontaneamente fizesse a efusão, seria digno de pena muito mais grave.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que no fim da vida o penitente não pode ser absolvido por qualquer sacerdote.
1. ─ Pois, para absolver é preciso ter jurisdição, como se disse. Ora, o sacerdote não adquire jurisdição sobre quem faz penitência no fim da vida. Logo, não pode absolvê-lo.
2. Demais. ─ Quem, em artigo de morte recebe o sacramento do batismo, de outrem que não o sacerdote próprio, não deve ser de novo batizado pelo sacerdote próprio. Se portanto, qualquer sacerdote pode, em artigo de morte, absolver de qualquer pecado, não deverá o penitente, se sarar, recorrer ao seu sacerdote. O que é falso, do contrário o sacerdote não deveria conhecer de vista o seu rebanho.
3. Demais. ─ Em artigo de morte, assim como um sacerdote estranho pode batizar, assim também um não sacerdote. Ora, quem não é sacerdote não pode nunca absolver no foro da penitência. Logo, nem o sacerdote, aquele que, em artigo de morte, não lhe está sujeito.
Mas, em contrário. ─ A necessidade espiritual é maior que a corporal. Ora, quem está na última necessidade pode usar das coisas de outrem, mesmo contra a vontade do dono, para obviar à sua necessidade corporal. Logo, também em artigo de morte, para ocorrer à necessidade espiritual, podemos ser absolvidos por um sacerdote que não o próprio.
2. Demais. ─ O mesmo dizem as autoridades citadas pelo Mestre das Sentenças.
SOLUÇÃO. ─ Qualquer sacerdote, exerce o seu poder das chaves indistintamente sobre todos e quanto a todos os pecados; mas o não poder absolver de todos os pecados, é porque, em virtude da ordenação da Igreja, tem uma jurisdição limitada ou absolutamente nula. Mas, como a necessidade não conhece lei, por isso, em artigo de urgente necessidade, não fica pela ordenação da Igreja, impedido de absolver, mesmo sacramentalmente, desde que tem o poder das chaves. E o penitente fica tão bem absolvido por um sacerdote estranho como o ficaria pelo próprio. Nem só dos pecados pode então ser absolvido por qualquer sacerdote, mas também da excomunhão tenha ela sido imposta por quem for. E também esta absolvição depende da jurisdição, delimitada por lei positiva da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Pode um exercer a jurisdição de outrem, por vontade deste, pois, a jurisdição é susceptível de ser delegada. Ora, como a Igreja permite a qualquer sacerdote absolver em artigo de morte, por isso mesmo pode exercer a jurisdição alguém que dela careça.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Quem foi absolvido, em artigo de morte, de seus pecados, não precisa depois recorrer ao seu sacerdote próprio para ser de novo absolvido deles; mas basta comunicar-lhe que o foi. Nem, do mesmo modo, é necessário que, absolvido da excomunhão, vá ao juízo, que seria o competente para o absolver, a fim de pedir a absolvição, mas só para oferecer satisfação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O batismo tem a sua eficácia, da santificação mesma da matéria; e portanto quem o receber, seja de quem for, recebe o sacramento. Mas, a virtude sacramental da penitência consiste na santificação do ministro. E portanto quem confessa a um leigo, embora cumpra, de sua parte, a confissão sacramental, não recebe contudo a absolvição sacramental. Isso porém lhe contribui para a diminuição da pena, em virtude do mérito da confissão, e da pena; mas não obtém a diminuição da pena, diminuição que resultaria do poder das
chaves. E portanto é necessário confessar de novo a um sacerdote. E quem morrer tendo confessado apenas do modo referido será mais punido, depois desta vida, do que se houvesse confessado a um sacerdote.