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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 — Se a penitência está convenientemente dividida em penitência anterior ao batismo, penitência dos pecados mortais e penitência dos pecados veniais.

O quarto discute-se assim. — Parece que a penitência está inconvenientemente dividida em penitência anterior ao batismo, penitência dos pecados mortais e penitência dos pecados ve­niais.
 
1. — Pois, a penitência é a segunda tábua depois do batismo, como se disse; sendo o ba­tismo a primeira tábua. Logo, o que é anterior ao batismo não deve ser considerado espécie da penitência.
2. Demais. — O que pode destruir o mais também pode destruir o menos. Ora, o pecado mortal é maior pecado que o venial. Logo, a penitência dos pecados mortais também serve para os veniais. Portanto, não se devem distin­guir diversas espécies de penitência.
 
3. Demais. — Assim como depois do batis­mo pecamos venial e mortalmente, assim também antes do batismo. Se, portanto, antes do batismo, distingue-se a penitência dos pecados veniais da dos mortais, pela mesma razão deve­mos fazer essa distinção antes do batismo. Logo, a penitência não se divide convenientemente nas três espécies referidas.
 
Mas, em contrário, Agostinho dá as três referidas espécies de penitência.
 
SOLUÇÃO. — Essa divisão é da penitência como virtude. Ora, devemos considerar que qualquer virtude regula a sua ação pelas exigências da circunstância de tempo, como das outras circunstâncias. Donde, também a virtu­de da penitência se conforma atualmente com as prescrições da Lei Nova. Ora, pertence à pe­nitência fazer-nos detestar os pecados passados, com o propósito de começar uma vida melhor, que é como o fim da penitência. E como os atos morais se especificam pelo fim, como esta­belecemos na Segunda Parte, resulta por conseqüência que as diversas espécies de penitência se deduzem das diversas mudanças que o penitente tem em vista. Ora, há uma tríplice mu­dança que o penitente pode visar. - A primeira, renascer para uma vida nova. E isso pertence à penitência anterior ao batismo. - A segunda mudança é a reforma da vida passada já cor­rompida. E isso pertence à penitência dos pe­cados mortais, depois do batismo. - A terceira mudança é para uma vida de atividade mais perfeita. E isso pertence à penitência dos pe­cados veniais, que se perdoam por um fervoroso ato de caridade, como dissemos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A penitência anterior ao batismo não é sacramento, mas um ato de virtude preparatório ao sacramento do batismo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A penitência, que apaga os pecados mortais, apaga também os ve­niais, mas não ao inverso. Por isso essas duas espécies de penitência estão entre si como o per­feito para o imperfeito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Antes do batismo não há pecados veniais nem mortais. E como o venial não pode ser perdoado sem que o seja o mortal, como dissemos, por isso, antes do batis­mo não se distingue entre penitência dos pecados mortais e dos veniais.

Art. 3 — Se as três partes referidas são partes integrantes da penitência.

O terceiro discute-se assim. — Parece que as três partes referidas não são partes integran­tes da penitência.
 
1. — Pois, a penitência, como se ordena con­tra o pecado. Ora, o pecado de coração de boca e de obras são partes subjetivas do pecado e não partes integrantes; pois, qualquer delas se chama pecado. Logo, também a contrição do coração, a confissão oral e a obra satisfatória não são partes integrantes da confissão.
 
2. Demais. — Nenhuma parte integrante compreende em si outras partes que se dela dis­tinguem. Ora, a contrição contém em si a con­fissão e o propósito da satisfação. Logo, não são partes integrantes.
 
3. Demais. — O todo se constitui, simultâ­nea e igualmente, das suas partes integrantes; assim, a linha, das suas partes. Ora, tal não se dá no caso vertente. Logo, os referidos elemen­tos não são partes integrantes da penitência.
 
Mas, em contrário. - Partes integrantes se chamam aquelas com que se completa a perfei­ção do todo. Ora, as três partes referidas inte­gram a perfeição mesma da penitência. Logo são partes integrantes da penitência.
 
SOLUÇÃO. — Certos consideraram essas três partes como partes subjetivas da penitência. ­Mas isto não pode ser. Porque cada parte subjetiva encerra igual e simultaneamente, a vir­tude do todo; assim tudo o existente de poder ativo na animalidade, como tal, se manifesta em cada uma das espécies animais, que são si­multânea e igualmente as divisões do gênero animal. O que não se dá com o nosso caso. Por isso outros disseram que são partes potenciais. - O que também não pode ser verdade. Porque em cada parte potencial está o todo na totalidade da sua essência; assim a essência total da alma está em qualquer das suas potên­cias. O que não se dá no caso vertente. Donde se conclui, que as referidas partes são partes integrantes da penitência; e a essência delas exige, que o todo não esteja em cada uma das partes, nem na totalidade da sua virtude, nem na totalidade da sua essência, mas em to­das simultaneamente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O pecado, sendo por essência mau pode consu­mar-se na desordem de um só dos elementos dos nossos atos, como dissemos. Por isso, o pecado que se consuma só no coração, é uma espécie de pecado. Outra espécie é a do que se consuma por palavras e por obras. E a terceira espécie é a do que se consuma no coração e por obras. E de tal pecado as como partes integrantes são as que se consumam no coração, por palavras e pelas obras. Ora, o mesmo passa com a penitência, que tem, como partes integrantes, o que lhe advém do coração, da boca e das obras.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma parte integran­te pode conter o todo, embora, não na sua essên­cia; pois, os alicerces contêm de certo modo todo o edifício, virtualmente. E é desta maneira que a contrição abrange virtualmente toda a peni­tência.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Todas as partes in­tegrantes ordenam-se umas para as outras, de certo modo. Mas umas ocupam uma ordem ape­nas local, quer se sigam umas às outras, como as partes de um exército; quer se toquem como as partes de um acervo; quer constituam um conjunto, como as partes de uma casa; quer formem uma continuidade, como as partes de uma linha. Mas outras partes supõem, além dessa, uma ordem de virtudes ativas, como as partes de um animal, das quais a primeira em virtude ativa é o coração, dependendo as outras, entre si, numa certa ordem de virtudes ativas. A terceira ordenação de partes é a temporal, como as partes do tempo e do movimento. Por onde, as partes da penitência mantêm entre si uma ordem de virtudes ativas e de tempo, que são os atos; mas não uma ordem de situação, porque não têm posição.

Art. 2 — Se são convenientemente assinaladas as seguintes partes da penitência — a contrição, a confissão e a satisfação.

O segundo discute-se assim. — Parece que não são convenientemente assinaladas as se­guintes partes da penitência - a contrição, a confissão e a satisfação.
 
1. — Pois, a contrição existe no coração; e assim constitui penitência interior. Ao passo que a confissão se faz pela boca e a satisfação pelas obras; e assim essas duas últimas pertencem à penitência exterior. Ora, a penitência interior não é sacramento; mas só a penitência exterior, dependente dos sentidos. Logo, não estão convenientemente assinaladas essas partes da penitência.
 
2. Demais. — Pelos sacramentos da Lei Nova é conferida a graça, como se disse. Ora, pela satisfação nenhuma graça é conferida. Logo, a satisfação não é parte do sacramento.
 
3. Demais. — Não é o mesmo ser fruto e parte de uma coisa. Ora, a satisfação é fruto da penitência, segundo aquilo da Escritura: Fa­zei frutos dignos da penitência. Logo, não é parte da penitência.
 
4. Demais. — A penitência se ordena con­tra o pecado. Ora, o pecado podemos cometê-lo só no coração, pelo consentimento, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, também a penitência. Portanto, não devem considerar-se partes da penitência a confissão oral e a satis­fação das obras.
 
Mas, em contrário. — Parece que devemos distinguir várias partes na penitência. Pois, parte do homem se considera, não só o corpo, que é a sua matéria; mas também a alma, que é a sua forma. Ora, os três elementos referidos, sendo atos do penitente, constituem a ma­téria dela; sendo a forma a absolvição dada pelo sacerdote. Logo, a absolvição do sacerdote deve ser considerada a quarta parte da penitência.
 
SOLUÇÃO. — Há duas espécies de partes, como o ensina Aristóteles: a parte da essência e a parte da quantidade. As partes da essência são, naturalmente, a forma e a matéria; e logicamente, o gênero e a diferença. Ora, deste modo, em cada sacramento distinguimos a ma­téria e a forma como partes da essência deles; por isso dissemos que os sacramentos consistem em realidades e palavras. Mas como a quanti­dade faz parte da matéria, as partes quantita­tivas são partes da matéria. E assim, especial­mente no sacramento da penitência distingui­mos partes, como dissemos, relativas aos atos do penitente, que são a matéria deste sacra­mento. Mas, como dissemos, compensa-se de um modo a ofensa na penitência e, de outro, na justiça vindicativa. Pois, na justiça vindicativa a compensação depende arbítrio do juiz e não da vontade do ofensor ou do ofendido. Ao pas­so que na penitência a compensação da ofensa se realiza segundo a vontade do pecador e o arbítrio de Deus contra quem pecou. Porque aí não se requer só a reintegração da igualdade da justiça, como no caso da justiça vindicativa, mas ainda a reconciliação da amizade, o que se rea­liza pela recompensa do ofensor segundo a von­tade do ofendido. Assim, pois, exige-se, da parte do penitente: primeiro, a vontade de com­pensar, o que se realiza pela contrição; segundo, a sujeição ao arbítrio do sacerdote, representante de Deus, o que se realiza pela confissão, e terceiro, recompensar segundo o arbítrio do ministro de Deus, e isso se opera pela satis­fação. Por onde, a contrição, a confissão e a satisfação se consideram partes da penitência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­A contrição existe, essencialmente no coração e pertence à penitência interior; mas virtualmen­te, pertence à penitência exterior, isto é, enquanto implica o propósito de confessar e satisfazer.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A satisfação confe­re a graça, enquanto querida, e a aumenta, en­quanto executada, como o faz o batismo com os adultos, conforme dissemos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A satisfação é parte do sacramento da penitência, e fruto da virtude da penitência.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Mais elementos re­querem o bem, que procede de uma causa íntegra, que o mal, que nasce de qualquer deleito, segundo Dionísio. Por isso, embora o pecado se con­sume no consentimento do coração, contudo para ser completa, a penitência requere a contrição do coração, a confissão oral e a obra satisfa­tória.

Art. 1 — Se devemos distinguir partes na penitência.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devemos distinguir partes na penitência.
 
1. — Pois, é por via dos sacramentos que a virtude divina obra secretamente a nossa salva­ção. Ora, a virtude divina é una e simples. Logo, não devemos distinguir parte na penitência, que é um sacramento.
 
2. Demais. — A penitência tanto é virtude como sacramento. Ora, enquanto virtude, não tem partes, porque a virtude é um hábito, que é uma simples qualidade da alma, semelhantemente, não devemos atribuir partes à penitên­cia, como sacramento, porque não distinguimos partes no batismo e nos outros sacramentos. Logo, de nenhum modo devemos introduzir par­tes na penitência.
 
3. Demais. — A matéria da penitência é o pecado, como se disse. Ora, no pecado não dis­tinguimos partes. Logo, nem na penitência de­vemos distingui-las.
 
Mas, em contrário, as partes são as que integram a perfeição de um ser. Ora, a perfeição da penitência se integra por muitos elementos, a saber: a contrição, a confissão e a satisfação. Logo, a penitência tem partes.
 
SOLUÇÃO. — Partes de um todo se chamam as em que ele materialmente se divide; pois, as partes estão para o todo, como a matéria para a forma. Por isso Aristóteles coloca as partes no gênero da causa material; mas o todo, no gê­nero da causa formal. Por isso, onde quer que encontremos uma pluralidade material, aí en­contraremos partes. Ora, como dissemos da pe­nitência são os atos humanos a matéria. Por onde, sendo vários os atos humanos necessá­rios à perfeição da penitência, a saber - a con­trição, a confissão e a satisfação, como se dirá mais abaixo, resulta que o sacramento da peni­tência tem partes.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todos os sacramentos têm a simplicidade em razão da virtude divina que neles obra. Ora, a virtude divina, por causa da sua magnitude, pode obrar por um só ou por muitos. Razão por que podemos distinguir partes em certos sacramentos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A penitência, como virtude, não é susceptível de partes; pois, os atos humanos, multiplicados na penitência, não se relacionam com o hábito da virtude como partes, mas como efeitos. Donde se conclui que a penitência é susceptível de partes como sacramento, do qual os atos humanos consti­tuem a matéria. Ao passo que esses atos não constituem a matéria dos outros sacramen­tos, que é a realidade exterior; ou simples, como a água ou composta, como o óleo, ou crisma. Por isso os outros sacramentos não são suscep­tíveis de partes.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os pecados são a matéria remota da penitência, isto é, enquanto ma­téria ou objeto dos atos humanos, que consti­tuem a matéria própria da penitência, como sa­cramento.

Questão 90: Das partes da penitência em geral

Em seguida devemos tratar das partes da penitência. E primeiro em geral, segundo, de cada uma em especial.
 
Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 6 — Se pela penitência subseqüente também as obras mortas, isto é, não feitas com caridade, revivem.

O sexto discute-se assim. — Parece que pela penitência subsequente, mesmo as obras mortas, isto é, não feitas com caridade, revivem.
 
1. — Pois, é mais difícil chegar a vida eter­na o mortificado — o que nunca se dá na ordem da natureza — que o ser vivificado o que nunca foi vivo — pois, de seres não vivos podem ser naturalmente gerados certos seres vivos. Ora, as obras mortificadas revivem pela penitência, como se disse. Logo, e com maior razão, as obras mortas podem reviver.
 
2. Demais. — Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, a causa pela qual as obras pertencentes ao gênero das boas obras, feitas sem caridade, não foram vivas, foi a falta da caridade e da graça. Ora, essa falta desaparece pela penitência. Logo, pela penitência as obras mortas revivem.
 
3. Demais. — Jerônimo, comentando o lu­gar da Escritura — Semeaste muito, diz: Quan­do vires alguém praticar, entre muitas obras pecaminosas, certas que são justas, não creias seja Deus tão injusto a ponto de esquecer-se de umas poucas obras boas por causa de muitas más. Ora, isto sobretudo se dá quando os males pas­sados são apagados pela penitência. Logo, pa­rece que pela penitência Deus remunera as obras boas praticadas, antes da penitência, no estado de pecado; e isso é vivificá-las.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Se eu distribuir todos os meus bens em sustento dos pobres e se entregar o meu corpo para ser quei­mado se todavia, não tiver caridade, nada disto me aproveita. Ora, assim não seria se ao me­nos fossem vivifica das pela penitência subse­quente. Logo, a penitência não vivifica as obras mortificadas.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos dizer que uma obra é morta. — Primeiro, efetivamente, isto é, por ser causa da morte. E neste sentido dizemos que as obras do pecado são mor­tas, segundo aquilo do Apóstolo: O sangue de Cristo limpará a nossa consciência das obras da morte. Ora, essas obras mortas a penitência não as vivifica, mas antes as destrói; segundo ainda o Apóstolo, não lançando de novo o fundamento da penitência das obras mortas. — Noutro sen­tido as obras mortas assim se chamam privativamente, isto é, por carecerem da vida espiritual, procedente da caridade, pela qual a alma se nos une com Deus, de qual vive, como o corpo, pela alma. E neste sentido também a fé sem a ca­ridade se chama morta, segundo a Escritura: A fé sem obras é morta. Também neste sentido to­das as obras genericamente boas, se forem feitas sem caridade, chamam-se mortas; isto é, por não procederem do principio da vida; como se dissés­semos que o som de uma citara da uma voz morta. Por onde, a diferença entre obras de morte e de vida se funda na relação com o prin­cipio donde procedem. Ora, as obras não podem resultar duas vezes do seu principio, porque passam e não podem tornar a ser numerica­mente as mesmas. Por isso é impossível obras mortas tornarem a reviver pela penitência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Na ordem natural, tanto os seres mortos como os mortificados estão privados do princípio vital. Ora, as obras se chamam mortificadas, não rela­tivamente ao principio donde procederam, mas em relação a um impedimento intrínseco. Mor­tas porém se chamam relativamente ao seu princípio. Logo, não colhe a comparação.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As obras do gênero das boas, feitas sem caridade, chamam-se mor­tas por falta da caridade e da graça, como seus principias. Ora, a penitência subsequente não faz com que procedam desse tal princípio. Por isso, a objeção não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus se lembra das boas obras que praticamos no estado de pecado; não para as remunerar na vida eterna, o que só cabe às obras vivas, isto é, às feitas com caridade. Mas lhes dá uma remuneração temporal. Assim, diz Gregório: Se o rico do Evangelho não tivesse feito algum bem e não tivesse por ele recebido já em vida uma remuneração, não lhe diria de nenhum modo Abraão — Recebeste bens em tua vida — Ou também podemos referir esse lem­brar-se das boas obras no abrandamento da con­denação contra o pecador pronunciada. Donde o dizer Agostinho: Não podemos dizer que fosse melhor ao cismático martirizado evitar todos os sofrimentos padecidos, negando a Cristo. De modo que o lugar do Apóstolo — Se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, de nada me aproveita — seja entendido como significando que nada aproveita para alcançar o reino dos céus; mas que apro­veita para abrandar os suplícios da condenação final.

Art. 5 — Se as obras mortificadas pelo pecado revivem pela penitência.

O quinto discute-se assim. — Parece que as obras mortificadas pelo pecado não revivem pela penitência.
 
1. — Pois, assim como pela penitência subsequente se perdoam os pecados passados, assim também pelo pecado subsequente são mortifica­das as obras anteriormente feitas com caridade. Ora, os pecados perdoados pela penitência não tornam, como se disse. Logo, parece que tam­bém as obras mortificadas, pela caridade não revivem.
 
2. Demais. — Dizemos que as obras são mortificadas, por semelhança com os animais que morrem como se disse. Ora, o animal mor­to não pode voltar de novo à vida. Logo, nem as obras mortificadas podem de novo reviver pela penitência.
 
3. Demais. — As obras feitas com caridade merecem a glória conforme a intensidade da graça ou da caridade. Ora, pode dar-se que, pela penitência, retornemos a um estado de me­nor graça ou caridade. Logo, não conseguiremos a glória relativa ao mérito das obras anteriores. E assim parece, que as obras mortificadas pelo pecado não revivem.
 
Mas, em contrário, aquilo da Escritura — Eu vos recompensarei os anos, cujos frutos comeu o gafanhoto, diz a Glosa: Não sofrerei se perca a abundância que perdestes pela perturbação do vosso espírito. Ora, essa abundância é o mérito das boas obras, perdido pelo pecado. Logo, pela penitência revivem as obras meritórias anterior­mente praticadas.
 
SOLUÇÃO. — Certos disseram, que as obras meritórias, mortificadas pelo pecado subsequen­te, não revivem pela subsequente penitência, con­siderando que essas obras não permanecem de modo a poderem ser vivificadas de novo. — Mas isto não as pode impedir de se vivificarem. Pois; a virtude de conduzir à vida eterna, e que cons­titui a vida delas, não a têm só enquanto atual­mente existem; mas ainda depois de deixarem de existir em ato, enquanto permanecem na aceitação divina. Pois assim permanecem, em si mesmas consideradas mesmo depois de mor­tificadas pelo pecado; porque Deus sempre acei­tará essas obras, como foram feitas, e os santos se regozijarão com elas, segundo aquilo da Es­critura: Guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. Mas o não serem eficazes, para conduzir à vida eterna quem as fez, pro­vém do impedimento do pecado sobreveniente que tornou o autor delas indigno da vida eterna. Mas esse impedimento desaparece pela penitên­cia, enquanto que por ela se perdoam os peca­dos. Donde se conclui que as obras, primeiro mortificadas, recuperam pela penitência a eficá­cia de conduzir o seu autor a vida eterna, e isso é reviverem. Por onde é claro que as obras mor­tificadas revivem pela penitência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — — As obras do pecado ficam em si mesmas apaga­das pela penitência; de modo que delas, pela misericórdia de Deus, não permanece nem a mancha nem o reato. Ao contrário, as obras feitas com caridade não são mortificadas por Deus, mas lhe permanecem na aceitação; encontram porém obstáculo da parte do homem, que as pratica. E assim, removido o impedimento da parte do homem, autor delas, Deus dá da sua parte, o que essas obras mereciam.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As obras feitas com caridade não são em si mesmas mortificadas como dissemos; mas só pelo impedimento super­veniente por parte do autor delas. Ora, os ani­mais morrem em si mesmos considerados, quan­do privados do princípio vital. Logo, o símile não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O que pela penitên­cia ressurge a um estado de menor caridade, alcança por certo o prêmio essencial, conforme a intensidade da caridade em que vive. Terá porém alegria maior com as obras feitas no estado da primeira caridade, que com as que praticou no estado ulterior — e isso constitui um prêmio acidental

Art. 4 — Se as obras virtuosas feitas com caridade, podem ser mortificadas.

O quarto discute-se assim. — Parece que as obras virtuosas feitas com caridades não podem ser mortificadas.
 
1. — Pois, o não existente não é susceptível de qualquer mudança. Ora, morrer é passar da vida para a morte. Logo, como as obras virtuo­sas, depois de feitas, já não existem, parece que não podem já ser mortificadas.
 
2. Demais. — Pelas obras virtuosas feitas com caridade merecemos a vida eterna. Ora, subtrair o prêmio a quem o merece é injustiça, de que Deus não é capaz. Logo, não é possível as obras virtuosas feitas com caridade serem mortificadas pelo pecado subsequente.
 
3. Demais. — O mais forte não pode ser destruído pelo mais fraco. Ora, as obras de ca­ridade são mais fortes que quaisquer pecados; pois, como diz a Escritura, a caridade cobre todos os delitos. Logo, parece que as obras feitas com caridade não podem ser mortificadas pelo peca­do mortal.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Se o justo se apartar da sua justiça, de nenhuma das obras de justiça que tiver leito se fará memória.
 
SOLUÇÃO. — Os seres vivos perdem pela mor­te as suas operações vitais. Por isso, em vir­tude de uma certa semelhança, dizemos que estão mortificadas as coisas impedidas de pro­duzir o seu efeito ou operação própria. Ora, o efeito das obras virtuosas, feitas com caridade, é levar à vida eterna. E esta fica impedida pelo pecado mortal subsequente, que priva da graça. E assim, dizemos que as obras feitas com cari­dade são mortificadas pelo pecado mortal sub­sequente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como as obras pecaminosas passam em ato, mas ficam em reato, assim as obras feitas com caridade, depois de passadas em ato, per­manecem pelo mérito na aceitação de Deus. E sendo assim, são mortificadas, enquanto ficamos impedidos de obter a recompensa delas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Sem injustiça pode­mos ficar privados das recompensas que mere­cemos, quando delas nos tornamos indignos pela culpa subsequente. Pois, o que já recebemos as vezes justamente o perdemos, por nossa culpa.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é pelo poder das obras pecaminosas que são mortificadas as obras anteriormente feitas com caridade; mas, pela liberdade da vontade, em virtude da qual pode­mos decair do bem para o mal.

Art. 3 — Se pela penitência recobramos a nossa anterior dignidade.

O terceiro discute-se assim. — Parece que pela penitência não recobramos a nossa anterior dignidade.
 
1. — Pois, aquilo da Escritura — A virgem de Israel caiu — diz a Glosa: Não nega que ressurja a virgem, mas que possa ressurgir; pois a ovelha que uma vez se transviou, embora re­conduzida aos ombros do Pastor, não ascende contudo a uma tão grande glória, como a que nunca aberrou. Logo, pela penitência não reco­bramos a nossa anterior dignidade.
 
2. Demais. — Jerônimo diz: Os que não conservarem a dignidade do grau da sua vida divina contentem-se com salvar a alma; pois, retornar ao grau anterior é difícil. E Inocên­cio Papa (I) diz, que os cânones constituídos em Nicéia excluem os penitentes, mesmo dos ínfimos graus do clericato. Logo, pela penitência não recobramos a nossa dignidade anterior.
 
3. Demais. — Antes de pecarmos podemos ascender a um grau mais elevado. Mas isso não é dado ao penitente, depois do pecado. Assim, diz a Escritura: Os levitas que se apararam longe de mim, nunca se achegarão a mim para fazerem a função do sacerdócio. E uma dispo­sição do concilio Hilerdense determina: Os que servem aos santos altares se forem vítimas da lamentável fragilidade da carne e, os olhos pos­tos em Deus, fizerem penitência, recobrem os lugares dos seus ofícios, mas não possam ser promovidos a mais altas dignidades. Logo, pela penitência não recobramos a nossa anterior dignidade.
 
Mas, em contrário, como se lê na mesma distinção, Gregório, escrevendo a Secundino, diz: Depois de ter dado a devida satisfação, permi­timos que possa, um readquirir as suas honras. E o concilio Agatense dispõe: Os clérigos con­tumazes, conforme o permitir a ordem da digni­dade, sejam corrigidos pelo bispo; mas de modo que, quando emendados pela penitência, reco­brem o grau da sua dignidade.
 
SOLUÇÃO. — Pelo pecado perde o homem uma dupla dignidade — uma relativa a Deus; a outra, relativa à Igreja. Ora, relativamente a Deus, perde duas dignidades. — Uma principal, pela qual era contado entre os filhos de Deus, em virtude da graça. E esta dignidade a recupera pela penitência. O que é significado pelo filho pródigo, ao qual arre­pendido o pai mandou restituir o seu primeiro vestido, o anel e os sapatos. — A outra dignidade que perde, e essa secundária, é a inocência. Dela, como lemos no mesmo lugar, se gloriava o filho mais velho, dizendo: Há tantos anos que te sirvo sem transgredir mandamento algum teu. E tal dignidade o penitente não na pode recuperar. Mas as vezes adquire uma outra maior, conforme o diz Gregório: Os que re­fletem na sua aberração de Deus, compensam suas perdas precedentes com os lucros subsequentes. Maior alegria por isso causam ao céu, assim como também o chefe, no combate, mais ama o soldado que, voltando, depois de ter fu­gido, ataca o inimigo mais impetuosamente, que o que nunca voltou as costas mas também nunca lutou com coragem. A dignidade eclesiástica perde-a o clérigo pelo pecado, se se tornou indigno do exercício dela. E essa não na pode recuperar. — Primei­ro, se não fizer penitência. Por isso Isidoro es­creve como lemos na referida distinção: Os cânones ordenam que recuperem os graus que ocupavam, os que deram a satisfação da peni­tência, ou fizeram uma condigna confissão dos pecados. Mas, ao contrário, os que não se emen­dam do vício da sua corrupção, não recuperem o grau das dignidades que tinham, nem a graça da comunhão. — Segundo, se fizer com negligência a penitência. Donde o dizer-se na mesma dis­tinção: Quando esses clérigos penitentes não derem quaisquer mostras de humilde compun­ção, de nenhuma assiduidade na oração, de nenhuma prática do jejum ou de leituras pie­dosas, não podemos prever a negligência com que, se as recobrarem, exercerão as suas primi­tivas dignidades. — Terceiro, se cometer algum pecado que implique irregularidade. Por isso, na mesma distinção, dispõe um cânone de um con­cílio convocado pelo Papa Martinho: Quem desposar uma viúva, ou, mulher abandonada pelo marido, não seja admitido ao clericato. Se nele se intrometeu subrepticiamente, seja expulso. Semelhantemente, quem, depois do batismo, for réu de homicídio por ato, por conselho ou de­fesa do assassino. Isto porém não é em razão do pecado, mas da irregularidade. — Quarto, por causa do escândalo. Por isso lemos na mesma distinção: Os surpreendidos ou apanhados publicamente na prática do perjúrio, do furto ou da fornicação ou de outros crimes, decaiam das suas dignidades, segundo o estatuído pelos sa­grados cânones. Pois, seria escândalo para o povo de Deus ter essas pessoas como superiores. Os que porém se confessarem em particular a um sacerdote de terem cometido esses pecados às ocultas, se tratarem de as expiar por jejuns, esmolas, vigílias e santas práticas, a esses tam­bém, conservadas as suas dignidades próprias, seja prometida a esperança do perdão da misericórdia de Deus. E ainda: Se os crimes irro­gados não foram estabelecidos por uma sentença judicial ou não são notórios de nenhum outro modo, salvo os homicidas, não podem, depois da penitência, ser afastados do exercício das ordens já recebidas ou de as receberem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O que se dá com a recuperação da virgindade também se dá com a da inocência, concernente à dignidade secundária relativamente a Deus.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com as palavras ci­tadas, Jerônimo não quer dizer que é impossível, mas difícil, recuperarmos, depois do pecado, a nossa primitiva dignidade. Porque isto não é concedido senão ao perfeito penitente, como se disse. — Quanto às prescrições dos cânones, que parece proibirem essa concessão, responde Agostinho escrevendo a Bonifácio: Não é porque desesperasse de poder perdoar, mas pelo rigor da sua disciplina, que a Igreja proibiu receber o cle­ricato, a ele voltar ou nele permanecer, a quem fez penitência de algum crime. O contrário seria pôr em discussão o poder das chaves dado à Igre­ja e do qual foi dito: Tudo o que tiverdes desata­do na terra será desatado no céu. E depois acrescenta: Assim, o santo rei Davi fez penitência dos seus crimes e contudo permaneceu na sua dignidade. E S. Pedro fez profunda penitência de ter negado ao Senhor, derramando amaríssi­mas lágrimas; e contudo permaneceu Apóstolo. Mas nem por isso julguemos supervacâneo o es­tudo daqueles que, mais tarde, aumentaram as humilhações da penitência, quando já isso nenhum detrimento causava à penitência. Ti­nham, como creio aprendido pela experiência que o apego ao poder das dignidades tornava, fictícia a penitência de certos pecadores.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — E essa disposição se entende dos que fazem penitência pública e não podem por isso ser alçados depois a uma digni­dade maior. Assim também Pedro, depois da negação, foi constituído pastor das ovelhas de Cristo, como lemos no Evangelho. Ao que diz Crisóstomo: Pedro, depois da negação e da pe­nitência, ficou com maior confiança em Cristo. Pois, aquele que na Ceia não ousava interrogar e pediu a João que o fizesse em seu lugar, a esse foi confiada depois a chefia sobre seus irmãos, e não só não cometeu a outrem o interrogar o que lhe concernia, mas, quanto ao mais, ele pró­prio interrogou o Mestre em nome de João.

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