Category: Santo Tomás de Aquino
Em seguida devemos tratar do efeito da contrição.
Nesta questão discutem-se três artigos:
O terceiro discute-se assim. ─ Mesmo depois desta vida parece que as almas têm contrição dos pecados.
1. ─ Pois, o amor da caridade causa displicência do pecado. Ora, depois desta vida permanece nas almas a caridade, quanto ao ato e quanto ao hábito, porque a caridade nunca jamais há de acabar, como diz o Apóstolo. Logo, permanece a displicência pelo pecado cometido, que é essencialmente a contrição.
2. Demais. ─ Devemos ter maior dor da culpa, que da pena. Ora, as almas do purgatório têm dor da pena sensível e da dilação da glória. Logo e muito mais, têm dor da culpa que cometeram.
3. Demais. ─ A pena do purgatório é satisfatória pelo pecado. Ora, a satisfação tira a sua eficácia da contrição Logo, a contrição permanece depois desta vida.
Mas, em contrário. - A contrição faz parte do sacramento da penitência. Ora, os sacramentos não permanecem depois desta vida. Logo, nem a contrição.
2. Demais. ─ A contrição pode ser grande a ponto de delir tanto a culpa como a pena. Se, pois, as almas do purgatório pudessem ter contrição, ser-lhes-ia possível, em virtude dessa contrição, o perdão do reato da pena e a total liberação da pena sensível ─ o que é falso.
SOLUÇÃO. ─ Três elementos devemos considerar na contrição: o seu gênero, que é a dor; a sua forma, porque é o ato de virtude informado pela graça; e a sua eficácia porque é um ato meritório, sacramental e de certo modo satisfatório. Por onde, as almas que estão na pátria não podem, depois desta vida, ter contrição, por terem a isenção da dor, isenção produzida pela plenitude da alegria. Do seu lado, as que estão no inferno, também não podem ter contrição; porque, embora tenham a dor, falta-lhes contudo a graça que a informa. Quanto às do purgatório, têm dor dos pecados informada pela graça; mas não meritória, por não estarem em estado de merecer. Ao passo que nesta vida todos os três elementos supra referidos podem existir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. ─ A caridade não causa a referida dor senão naqueles que são susceptíveis de dor. Ora, a plenitude da alegria dos bem-aventurados exclui toda capacidade de dor. Por onde, embora tenham caridade, não podem contudo ter contrição.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As almas do purgatório têm dor dos pecados. Mas essa dor não é contrição, por lhes faltar a eficácia da contrição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essas penas, que as almas sofrem no purgatório, não podem chamar-se propriamente satisfação, porque esta implica uma obra meritória. Mas, em sentido lato, chama-se satisfação a solução da pena devida.
O segundo discute-se assim. - Parece que não devemos ter dor incessante do pecado.
1. ─ Pois, devemos às vezes nos alegrar; assim, àquilo do Apóstolo - Alegrai-vos incessantemente no Senhor, diz a Glosa, que é necessário nos alegrarmos. Ora, não podemos ter ao mesmo tempo alegria e dor. Logo, não é mister tenhamos dor incessante do pecado.
2. Demais. ─ O que é em si mesmo mal e deve ser evitado não o devemos praticar, senão sendo necessário como remédio: tal o caso do emprego do fogo e do ferro na arte de curar. Ora, a tristeza é em si mesma um mal, segundo aquilo da Escritura: Afugenta para longe de ti a tristeza. E acrescenta a causa: Porque a tristeza tem morto a muitos e não há utilidade nela. E o mesmo diz Filósofo expressamente. Logo, não devemos ter dor do pecado senão a suficiente para o deliro Ora, logo depois do primeiro ato de contrição o pecado fica delido. Portanto não é preciso ter mais dor dele.
3. Demais. ─ Bernardo diz: A dor é boa, não sendo incessante; pois, devemos misturar o mel com o absinto. Logo, parece que não é preciso termos dor incessante.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Tenha sempre dor o penitente e com isso se regozige.
2. Demais. ─ Os atos constitutivos da beatitude devemos praticá-los incessantemente, tanto quanto possível. Ora, tal é a dor do pecado, como está claro no Evangelho: Bem-aventurados os que choram. Logo, devemos ter uma dor continuada, tanto quanto possível.
SOLUÇÃO. ─ Os atos de virtude implicam tal condição, que não são susceptíveis de aumento nem de diminuição, como o prova o Filósofo. Por onde, sendo a contrição, pela displicência que ela implica no apetite racional, ato da virtude de penitência, não poderá nunca haver nela aumento, nem quanto à intensidade nem quanto à duração; senão enquanto o ato de uma virtude impede o ato de outra, mais necessário num determinado tempo. Por isso, se pudermos manter incessantemente o ato dessa displicência, é melhor; contanto que vaquemos aos atos das outras virtudes, oportunamente e segundo for necessário. - As paixões, ao contrário, são susceptíveis de aumento e de diminuição, quanto à sua intensidade e quanto à sua duração. Por onde, assim como a paixão da dor, assumida pela vontade, deve ser moderadamente intensa, assim também deve durar moderadamente; pois, durando em excesso, levar-nos-ia à alma o desespero, a pusilanimidade e misérias semelhantes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A alegria do século fica impedida pela dor da contrição; mas não a alegria que tem Deus por objeto, pois tem como sua matéria a própria dor.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Eclesiástico se refere à tristeza do século. E o Filósofo, à tristeza como paixão, da qual devemos usar moderadamente enquanto conduz ao fim assumido.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Bernardo se refere à dor como paixão.
O primeiro discute-se assim. - Parece que esta vida não é toda tempo de contrição.
1. ─ Pois, assim como devemos ter dor do pecado cometido, assim também vergonha. Ora, o pejo do pecado não dura toda a vida; pois, como diz Ambrósio, não tem de que envergonhar-se quem foi perdoado do pecado. Logo, nem deve ter contrição, que e a dor do pecado.
2. Demais. ─ A Escritura diz: A caridade perfeita lança fora ao temor, porque o temor anda acompanhado de pena. Ora, a dor também implica a pena. Logo, no estado da caridade perfeita não pode existir a dor da contrição.
3. Demais. ─ Não pode haver dor do passado, que propriamente tem por objeto o mal presente, salvo se o mal presente conserva alguma causa do mal passado. Ora, às vezes chegamos nesta vida a um estado em que nada permanece do pecado, nem disposição, nem culpa, nem qualquer reato. Logo, não devemos mais ter dor desse pecado.
4. Demais. ─ O Apóstolo diz: Aos que amam a Deus, todas as causas contribuem para seu bem, até mesmo os pecados, como diz a glosa. Logo, não é necessário que, depois de lhe terem sido perdoados os pecados, deles tenham dor.
5. Demais. ─ A contrição é parte da penitência, que se divide, por contrariedade, da satisfação. Ora, não devemos satisfazer sempre. Logo, não devemos ter sempre contrição dos pecados.
Mas em contrário. - Agostinho diz: onde acaba a dor acaba a penitência; onde já não há penitência também já não há perdão. Logo, como não devemos perder o perdão concedido, resulta que devemos ter sempre dor dos pecados.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Não estejas sem temor da ofensa que te foi remitida. Logo, devemos ter sempre dor dos pecados para alcançar a remissão deles.
SOLUÇÃO. ─ A contrição encerra dupla dor: uma, da razão, que é o detestarmos o pecado que cometemos; outra, da parte sensitiva, resultante da primeira. E quanto a ambas, o tempo da contrição é o estado de toda a vida presente. ─ Pois, enquanto viandamos nesta vida, procuramos arredar os óbices que nos impedem ou retardam a chegada ao termo. Por onde, como os pecados pretéritos retardam a nossa rota para Deus, por não podermos recuperar o tempo que nela devíamos empregar, é necessário vivermos na contrição durante o tempo desta vida, quanto à detestação do pecado. ─ Semelhantemente, também quanto à dor sensível, assumida como pena pela vontade. Pois, tendo merecido a pena eterna, pelo pecado, e tendo pecado contra um Deus eterno, devemos, mudada a pena eterna em temporal, ter sempre dor dos pecados, no que é eterno ao nosso modo, isto é, durante todo o tempo desta vida. E por isto diz Hugo de S. Vitor, que Deus, absolvendo-nos da culpa e da pena eternas, liga-nos pelo vínculo da detestação perpétua do pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O pejo respeita o pecado só pela torpeza deste. Por onde, já não há lugar para ele, depois que a culpa do pecado foi perdoada. Mas permanece a dor, cujo objeto é a culpa, não sé enquanto torpe, mas também pelo mal que causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O temor servil excluído pela caridade, se opõe à caridade em razão dessa ser virtude, que implica numa pena. Mas a dor da contrição é causada pela caridade, como se disse. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora pela penitência o pecador recobre a graça primitiva e a imunidade do reato da pena, não poderá nunca mais recobrar, porém, a dignidade da primitiva inocência. Por onde, sempre permanecem nele traços do pecado passado.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como não devemos fazer o mal para alcançar o bem, assim não devemos nos comprazer com o mal, por provir dele, ocasionalmente e por obra da divina providência, o bem. Pois, desse bem causa não foi o pecado, mas antes, impedimento; quem o causou foi a divina providência e com isso devemos nos regozijar, ao mesmo tempo que devemos detestar o pecado.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A satisfação depende da pena aplicada, que deve ser infligida ao pecado. Por isso pode ficar determinado o não ser preciso satisfazer mais. Ora, essa pena precipuamente se proporciona à culpa, quanto à conversão, donde ela tira a sua finidade. Ao passo que a dor da contrição corresponde à culpa, quanto à aversão, donde lhe advém uma certa afinidade. E assim a verdadeira contrição deve existir sempre. Nem há nenhum inconveniente em fazer cessar um ato posterior, deixando permanecer o anterior.
Em seguida devemos tratar do tempo da contrição.
Sobre o que três artigos se discutem:
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que não deve ser maior a dor de um pecado, que de outro.
1. ─ Pois, Jerônimo louva a Paula porque chorava os mínimos pecados como se fossem grandes. Logo, não devemos ter dor, antes de um, que de outro.
2. Demais. ─ O movimento da contrição é súbito. Ora, um movimento súbito não pode ser simultaneamente mais intenso e mais remisso ─ Logo, a contrição não deve ser maior, de um, que de outro pecado.
3. Demais. ─ A contrição tem por objeto o pecado, sobretudo porque afasta de Deus. Ora, todos os pecados mortais convêm pela aversão pois, todos nos privam da graça, pela qual nos unimos a Deus. Logo, devemos ter igual contrição de todos pecados mortais.
Mas, em contrário. ─ A Escritura diz: o número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Ora, os golpes se regulam pela contrição dos pecados; pois, a contrição vai junto com o propósito de satisfazer. Logo, devemos ter mais contrição de um pecado, que de outro.
2. Demais. ─ Devemos ter contrição do que devíamos ter evitado. Ora, devemos evitar de preferência o pecado mais grave, se temos necessidade de cometer um, de dois. Logo e semelhantemente, ter maior dor do pecado mais grave.
SOLUÇÃO. ─ Podemos encarar a contrição a dupla luz. ─ Primeiro, enquanto responde a cada pecado em particular. E assim, quanto à dor do afeto superior, é necessário termos dor maior do pecado maior; por haver maior razão, que é a ofensa de Deus, de termos mais dor de um, que de outro; pois, Deus mais se ofende de um ato mais desordenado. E também semelhantemente, devendo uma culpa maior ter maior pena, também a dor da parte sensitiva, enquanto assumida, por eleição, para expiar o pecado, sendo uma como pena dele, deve ser maior, do pecado maior. Mas enquanto por Impressão do apetite superior, nasce no interior, a intensidade da dor depende da disposição da parte inferior, para receber a impressão da superior, e não da extensão do pecado. ─ De outro modo podemos encarar a contrição, enquanto recai simultaneamente sobre todos os pecados, como no ato da justificação. E essa contrição, ou procede da consideração de cada pecado em particular e então, embora seja um só ato, contudo nele subsiste virtualmente a distinção dos pecados; ou pelo menos vai junto com o propósito de pensar em cada um deles e então habitualmente é maior de um, que de outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. ─ Paula não foi louvada por ter tido dor igual de todos os pecados, mas porque tinha tal dor dos pecados pequenos como se fossem grandes, por comparação com a dor que outros têm dos pecados. Mas, ela própria teria dor maior de pecados maiores.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nesse movimento subitâneo da contrição, embora não se possa descobrir uma intenção atual, correspondente aos diversos pecados, contudo há aí uma intenção ao modo que já foi dito. E também de outro modo, enquanto que cada pecado se relaciona com que, nessa contrição geral, o contrito faz objeto da sua dor, a saber, a ofensa de Deus. Pois, quem ama um todo, lhe ama também parcialmente as partes, embora não em ato; e, deste modo, enquanto elas se ordenam para o lado, certas mais, certas menos. Assim, quem ama uma comunidade, ama a cada um, virtualmente, mais e menos, segundo cada qual concorre para o bem comum. E semelhantemente, quem tem dor de haver ofendido a Deus, sente Implicitamente dor de cada pecado cometido de modos diversos, enquanto por ofender mais ou menos a Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora qualquer pecado mortal afaste de Deus e prive da graça, contudo uns mais afastam, que outros, quanto maior for a dissonância que, mais que outros, causam com a sua desordem, relativamente à bondade divina.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a dor da contrição não pode ser excessiva.
1. ─ Pois, nenhuma dor pode ser mais imoderada que a que destrói o seu sujeito próprio. Ora, a dor da contrição sendo tão intensa a ponto de acarretar a morte ou a corrupção do corpo, é louvável. Assim, diz Anselmo: Oxalá as entranhas de minh'alma engordem de modo a dessecarem a medula de meus ossos! E Agostinho se confessa digno de perder a vista, chorando os seus pecados. Logo, a dor da contrição não pode ser excessiva.
2. Demais. ─ A dor da contrição procede do amor da caridade. Ora, o amor de caridade não pode ser excessivo. Logo, nem a dor da contrição.
Mas, em contrário. ─ Toda virtude moral se corrompe por excesso e por defeito. Ora, a contrição é um ato da virtude moral da penitência, sendo parte da justiça. Logo, a dor dos pecados pode ser excessiva.
SOLUÇÃO. ─ A contrição, enquanto dor racional de displicência, pela qual o pecado desagrada enquanto ofensa de Deus, não pode ser excessiva; assim como nem o amor de caridade, que aumenta essa displicência, pelo seu acréscimo mesmo, pode ser excessivo. Mas o pode, quanto à dor sensível, assim como também excessiva pode ser a aflição exterior do corpo. Pois, em todos esses casos devemos tomar como medida a conservação do sujeito e da boa disposição suficiente para fazermos o que devemos. Donde o dizer o Apóstolo: o vosso culto racional.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Anselmo desejava que o desenvolvimento da devoção lhe dessecasse a medula do corpo, não quanto ao humor natural, mas quanto aos desejos e as concupisciências corpóreas. ─ E quanto a Agostinho, embora se reconhecesse digno de perder os olhos do corpo, por causa do pecado, porque todo pecador é digno não só da morte eterna, mas também da temporal, contudo não queria que os olhos se lhe cegassem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A objeção colhe, da dor existente na razão. Quanto à terceira, procede da dor da parte sensitiva.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a contrição não é a maior dor de que a natureza é susceptível.
1. ─ Pois, a dor é o senso de uma lesão. Ora há certas lesões, como a de um ferimento, que se sentem mais que a do pecado. Logo, a contrição não é a dor máxima.
2. Demais. ─ Pelo efeito formamos o nosso juízo sobre a causa. Ora, o efeito da dor são as lágrimas. Ora, como às vezes o contrito não derrame materialmente lágrimas pelos pecados, que contudo derrama quando lhe morre um amigo, ou quando sofre um ferimento ou coisa semelhante, resulta que a contrição não é a dor máxima.
3. Demais. ─ Quanto mais uma coisa sofre aimixão do seu contrário, tanto menos intensidade tem. Ora, a dor da contrição vai de mistura com muita alegria; pois, o contrito se alegra com a liberação, a esperança do perdão e de muitas coisas semelhantes. Logo, é uma dor mínima.
4. Demais. ─ A dor da contrição é uma espécie de displicência. Ora, há muitas coisas que desagradam mais ao contrito, que os pecados passados; assim, não preferiria sofrer as penas do inferno a deixar de pecar; nem tão pouco ter sofrido, ou ainda sofrer todas as penas temporais; do contrário se achariam poucos contritos. Logo, a dor da contrição não é máxima.
Mas, em contrário. ─ Segundo Agostinho, toda dor é fundada no amor. Ora, o amor da caridade, em que se funda a dor da contrição, é o máximo. Logo, também máxima é a dor da contrição.
2. Demais. ─ Temos dor do mal. Logo, do maior mal devemos ter maior dor. Ora, a culpa é maior dor que a pena. Logo, a dor da culpa, que é a contrição, excede todas as outras dores.
SOLUÇÃO. ─ Na contrição há duas sortes de dor. ─ Uma está na vontade mesma, e tal dor é essencialmente a contrição, que outra causa não é senão a displicência dos pecados passados. E tal dor, na contrição, excede todas as outras dores. ─ Pois, quanto mais uma causa agrada, tanto mais o seu contrário desagrada. Ora, o fim último agrada sobre todas as coisas, pois, todas são desejadas por causa dele. Por onde, o pecado, que afasta do fim último, deve desagradar sobre todas as causas. ─ Outra dor é a da parte sensitiva, causada pela dor que acabamos de ver; ou por necessidade natural, enquanto que as potências inferiores seguem o movimento das superiores; ou por eleição, segundo que a pessoa penitente provoca em si mesmo essa dor, para ter contrição dos pecados. E de nenhum modo será essa a dor máxima. Pois, as potências inferiores se movem mais veementemente pelos seus objetos próprios do que pela redundância das potências superiores. Por onde, quanto mais a operação das potências superiores agir sobre os objetos das inferiores, tanto mais estas obedecerão ao movimento daquelas. Por isso, maior dor é a que sofre a parte sensitiva por uma lesão sensível, que a que nela redunda, da razão. E semelhantemente, maior é a redundante da razão que delibera sobre causas corpóreas, do que a redundante da razão quando considera o espiritual. Por onde, a dor da parte sensitiva, proveniente da displicência que a razão tem do pecado, não é maior dor que as outras de que ela é susceptível. E semelhantemente, nem a dor voluntàriamente assumida, quer porque o afeto interior não obedece discricionariamente ao superior, de modo que no apetite inferior resulte uma paixão tão intensa e tal, como ordena o superior; quer também porque das paixões se serve a razão, nos atos das virtudes, segundo uma certa medida, que às vezes a dor, não acompanhada da virtude, não observa mas excede.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como a dor sensível é provocada pelo sofrimento de uma lesão, assim a dor interior pelo conhecimento do que é nocivo. Por onde embora a lesão do pecado não seja percebida pelos sentidos externos, contudo o senso interior da razão percebe que é máxima.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As alterações corpóreas resultam imediatamente das paixões da parte sensitiva e, mediante estas, das afeições da parte apetitiva superior. Donde vem que, da dor sensível, ou ainda do sensível vizinho mais prontamente defluem as lágrimas corpóreas, do que da dor da contrição espiritual.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa alegria, que o penitente tem da dor, não diminui a displicência, por lhe não ser contrária; mas a aumenta, porque todas as atividades se intensificam com o prazer que lhes é próprio, segundo Aristóteles. Assim, quem se compraz em aprender uma ciência melhor a aprende. E semelhantemente, quem se compraz com a displicência tem-na mais veemente. Mas bem pode ser que essa alegria tempere a dor resultante da razão para a parte sensitiva.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A intensidade da displicência de alguma causa deve ser correlata à quantidade da malícia da mesma. Ora, a malícia da culpa mortal se mede por aquele contra quem se peca, enquanto não merecedor dele ; e por quem peca, enquanto lhe é nociva. E como devemos amar mais a Deus que a nós mesmos, por isso devemos odiar mais a culpa, enquanto ofensa de Deus, que enquanto nos é nociva. ─ Ora, é-nos nociva principalmente por nos separar de Deus. E por aí, essa separação de Deus, que é uma certa pena, deve nos desagradar mais que a própria culpa, pois é aquela a que produz este mal; pois, o odiado por causa de outra causa é menos odiado; mas menos que a culpa, enquanto ofensa de Deus. ─ Ora, entre todas as penas a ordem da malícia depende da quantidade do mal. Por onde, sendo o mal máximo o que nos priva do bem máximo, a máxima das penas será a separação de Deus. Mas há outra quantidade de malícia, acidental, a que deve a displicência atender, segundo a razão de presente e de pretérito; pois, o que é pretérito já não existe; e por isso implica noção de menor malícia e bondade. Donde vem que o homem refoge, antes, sofrer um mal presente ou futuro, do que ter horror do pretérito. Por isso, nenhuma paixão da alma responde diretamente ao pretérito, assim como a dor responde do mal presente e o temor, ao futuro. Por onde, de dois males passados a nossa alma aborrece mais aquele cujo efeito permanece maior no presente ou é mais temido no futuro, mesmo se no passado foi menor. E como o efeito da culpa precedente não é percebido às vezes como efeito de uma pena passada ─ quer por ser a culpa mais perfeitamente sanada, que uma determinada pena; quer por ser uma deficiência corporal mais manifesta que a espiritual ─ por isso também o homem bem disposto às vezes concebe em si maior horror da pena precedente, que da culpa precedente, embora estivesse preparado, antes, a sofrer a mesma pena, que a cometer a mesma culpa. - Mas também devemos considerar, comparando a culpa com a pena, que certas penas vão inseparavelmente unidas à ofensa de Deus, como a separação dele; e certas outras acrescentam a perpetuidade, como a pena do inferno. Logo, da pena que tem anexa a ofensa, dessa devemos nos acautelar, do 'mesmo modo que da culpa. Mas a que acrescenta a perpetuidade deve, absolutamente falando, ser mais fugida, que a culpa. Se porém, delas separarmos a idéia de ofensa e só considerarmos a de pena, têm menos malícia que a culpa, enquanto ofensa de Deus. E por isso devem desagradar menos. - E devemos também saber que embora tal deva ser a disposição do contrito, não deve contudo sobre ela ser interrogado. Porque não podemos nós facilmente medir os nossos afetos: e às vezes o que menos nos desagrada parece nos desagradar mais, por estar mais próximo ao dano sensível, que nos é mais conhecido.
Em seguida devemos tratar da intensidade da contrição.
Sobre a qual se discutem três artigos:
O sexto discute-se assim. ─ Parece que não devemos ter contrição de cada pecado mortal.
1. ─ Pois, o movimento de contrição implica numa justificação instantânea. Ora, num instante não nos podemos lembrar de cada pecado. Logo, não é necessário ter contrição de cada pecado.
2. Demais. ─ A contrição devemo-la ter dos pecados, por nos afastarem eles de Deus; pois, a conversão para a criatura, sem a aversão de Deus, não exige a contrição, Ora, todos os pecados mortais convêm pela aversão. Logo, basta de todo uma só contrição.
3. Demais. ─ Os pecados mortais atuais têm maior conveniência entre si, do que o atual com o original. Ora, um só batismo dele todos os pecados atuais e o original. Logo, uma contrição geral dele todos os pecados mortais.
Mas, em contrário. ─ Doenças diversas se curam com remédios diversos; assim, não cura os olhos o que se aplica ao calcanhar, como diz Jerônimo. Ora, a contrição é um remédio particular contra um pecado mortal. Logo não basta ter uma contrição geral de todos os pecados mortais.
2. Demais. ─ A contrição se completa pela confissão. Ora, é necessário confessar cada um dos pecados mortais. Logo, também o é ter contrição de cada um.
SOLUÇÃO. ─ A contrição pode ser considerada a dupla luz: quanto ao seu princípio e quanto ao seu termo. E chamo princípio da contrição o pensar no pecado e ter dor dele, embora não a dor de contrição, mas a de atrição. Quanto ao termo da contrição, é dor referida, já informada pela graça. Ora, relativamente ao seu princípio a contrição deve recair sobre cada um dos pecados que repassamos na memória. Mas, relativamente ao termo, basta seja ela uma contrição geral de todos os pecados; pois, então, esse movimento opera em virtude de todas as disposições precedentes.
Donde se deduz clara a resposta à primeira objeção.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora todos os pecados mortais convenham na aversão, contudo diferem pela causa e pelo modo da aversão e pelo maior afastamento de Deus. E isto segundo a diversidade da conversão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O batismo age em virtude dos méritos de Cristo, que teve uma virtude infinita para delir todos os pecados; e por isso um só desses méritos basta contra todos os pecados. Mas, na contrição, com o mérito de Cristo é necessário o nosso ato. Por onde, é necessário que ela recaia sobre cada pecado em particular, pois não tem virtude infinita. - Ou devemos responder que o batismo é uma geração espiritual; mas a penitência, quanto à contrição e as outras partes, é uma como cura espiritual a modo de alteração. Pois, é claro que na geração corporal de um ser, resultante de corrupção de outro, pela mesma geração ficam removidos todos os acidentes contrários ao ser gerado, que vieram do ser corrupto; ao passo que na alteração fica removido apenas o acidente contrário ao que é o termo da alteração. E semelhantemente, um só batismo dele simultaneamente todos os pecados, trazendo uma nova vida; enquanto que a penitência não dele todos os pecados, se não recair sobre cada um em particular. Logo, é necessário ter contrição de cada um e confessá-los de per si.