Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a extrema unção não tem o poder de perdoar os pecados.
1. Pois, o que se pode fazer por um meio não há necessidade de se empregar outro. Ora quem recebe a extrema unção teve necessidade de recorrer, antes, à penitência, para alcançar perdão dos pecados. Logo, pela extrema unção não se perdoam os pecados.
2. Demais. ─ Nos pecados só há três elementos: a mácula, o reato da pena e as relíquias do pecado. Ora, a extrema unção não apaga a mácula do pecado, sem a contrição; esta a apaga, mesmo sem a unção. Nem tão a pena pois, mesmo depois de convalescido o doente, estaria obrigado a cumprir a satisfação imposta. Nem, ainda, as relíquias da culpa; porque, depois dela, perduram as disposições resultantes dos atos precedentes, como o demonstra a convalescência da doença. Logo, de nenhum modo, a extrema unção produz a remissão dos pecados.
2. Demais. ─ A remissão dos pecados não acontece sucessiva, mas instantaneamente. A extrema unção, porém, não é toda simultânea, pois requerem-se inúmeras unções. Logo, seu efeito não é a remissão dos pecados.
Mas, em contrário, a Escritura: Se estiver em alguns pecados, ser-lhes-ão perdoados.
2. Demais. ─ Todo sacramento da lei nova confere a graça. Ora, a graça produz a remissão dos pecados. Logo, a extrema unção, sendo sacramento da Lei Nova, contribui para a remissão do pecado.
SOLUÇÃO. ─ Cada sacramento foi instituído principalmente para um efeito, embora possa também produzir outros por consequência. E como um sacramento realiza o que figura, por isso, da significação mesma dele se deve deduzir o seu efeito principal. Ora, este sacramento é aplicado a modo de remédio, como o batismo a modo de oblução. E o fim de um remédio é curar da doença. Por onde, este sacramento foi principalmente instituído para curar a doença do pecado. E assim como o batismo é uma regeneração espiritual e a penitência, uma ressurreição da mesma natureza, assim também a extrema unção é uma cura ou medicação espiritual. Ora, assim como a medicação corporal pressupõe a vida do corpo no medicado, assim a espiritual pressupõe a vida espiritual. Por isso este sacramento não é aplicado contra os defeitos que excluem a vida espiritual, isto é, contra o pecado original ou mortal; mas contra aqueles defeitos que nos enfermam espiritualmente, privando-nos do perfeito vigor para os atos da vida da graça ou da glória. E essa deficiência outra coisa não é senão uma debilidade ou ineptidão, herança do pecado atual ou original. Contra essa debilidade é que nos fortificamos por este sacramento.
Mas, como essa fortificação resulta da graça, incompatível com o pecado, por isso e consequentemente, encontrando um pecado mortal ou venial, apaga-lhe a culpa, contanto que lhe não oponha óbice quem recebe tal sacramento, como o dissemos da Eucaristia e da confirmação. Por isso, Tiago também se refere condicionalmente à remissão do pecado, dizendo: Se estiver em alguns pecados, ser-lhes-ão perdoados, quanto à culpa. Mas nem sempre dele o pecado, pelo não encontrar sempre; mas sempre o perdoa, no concernente à referida debilidade, a que certos chamam relíquias do pecado.
Outros porém dizem, que a extrema unção foi principalmente instituída contra o pecado venial, que não podemos durante esta vida curar perfeitamente; por isso, o sacramento dos que dela se vão se ordena em especial contra o pecado venial. ─ Mas esta opinião não é verdadeira. Pois, também a penitência apaga suficientemente nesta vida a culpa dos pecados veniais. O não podermos porém evitá-los, depois de cumprida a penitência, não exclui o efeito da penitência precedente. O que, demais, concerne à debilidade referida.
Por onde, devemos pensar que o efeito principal deste sacramento é a remissão das relíquias do pecado; e por consequência, também a culpa deles, quando existir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora possamos colher o efeito principal de um sacramento sem o recebermos a este atualmente, ou sem o sacramento, ou por outro sacramento e por via de consequência, nunca porém o poderemos colher sem a intenção de receber o referido sacramento. Por onde, como a penitência foi principalmente instituída contra a culpa atual, qualquer outro sacramento, que apague por via de consequência a culpa atual, não exclui a necessidade da penitência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A extrema unção perdoa de certo modo o pecado, nos seus três elementos referidos. ─ Pois, embora a mácula da culpa não possa ser perdoada sem a contrição, contudo este sacramento, pela graça que infunde, faz com que esse ato do livre arbítrio contra o pecado seja a contrição; como também pode se dar com a Eucaristia e a confirmação. ─ Semelhantemente, também diminui o reato da pena temporal; mas, por via de consequência, por eliminar a debilidade, pois, uma mesma pena mais levemente a suporta um forte que um fracasso. Por onde, não é necessário seja por isso diminuída a medida da satisfação. ─Quanto ao que aqui se entende pelas relíquias do pecado não são as disposições como consequências dos atos, que são uns hábitos incoativos; mas uma certa debilidade espiritual existente na alma mesma; eliminada a qual, ainda que perdurem os mesmos hábitos ou disposições, não pode contudo inclinar-se do mesmo modo a alma para os pecados.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─Sendo muitas as ações ordenadas a um só efeito, a ultima é formal em relação a todas as precedentes e age em virtude delas. Por onde, a graça se infunde pela última unção, que confere o efeito do sacramento.
O nono discute-se assim. ─ Parece que a referida oração não é a forma própria deste sacramento.
1. ─ Pois, nas formas dos outros sacramentos se faz menção da matéria, como se dá com a confirmação. Ora, tal não se passa com as referidas palavras. Logo, não são uma boa forma.
2. Demais. ─ Assim como a misericórdia divina é a que produz em nós o efeito deste sacramento, assim também nos outros sacramentos não se faz menção dessa misericórdia, mas antes, da Trindade e da paixão. Logo, o mesmo se deveria dar aqui.
3. Demais. ─ Na letra do Mestre se referem dois efeitos deste sacramento. Ora, nas palavras, citadas não se menciona senão um, a saber, a remissão dos pecados; e nada, da cura do corpo a que Tiago ordena a oração da fé, quando diz: A oração da fé salvará o enfermo. Logo, a forma referida é imprópria.
SOLUÇÃO. ─ A oração referida é a forma própria deste sacramento. Porque o refere, quando diz: por esta santa unção; e o que nele obra: a divina misericórdia; e o seu efeito: a remissão dos pecados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A matéria deste sacramento pode ser deduzida do ato da unção; não porém a da confirmação do ato expresso na forma. Logo, não há símile.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A misericórdia supõe e concerne a miséria. E como este sacramento é ministrado a quem é miserável, isto é, enfermo por isso, antes aqui que alhures se faz menção da misericórdia.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A forma deve exprimir o efeito principal e que sempre o sacramento produz, se não opuser obstáculos quem o recebe. Ora, efeito tal não é a saúde do corpo, conforme do sobredito resulta, embora às vezes daí resulte. Em razão do que, Tiago atribui este efeito à oração, que é a forma deste sacramento.
O oitavo discute-se assim. ─ Parece que a forma deste sacramento deve ser proferida por uma oração indicativa e não deprecativa.
1. ─ Pois, todos os sacramentos da Lei Nova produzem um determinado efeito. Ora, a certeza do efeito não se exprime, nas formas dos sacramentos, senão por uma oração indicativa, quando se diz: Isto é o meu corpo, ou, Eu te batizo, etc. Logo, a forma deste sacramento deve ser uma oração indicativa.
2. Demais. ─ Nas formas dos sacramentos deve estar expressa a intenção do ministro, necessária para a validade deles. Ora, a intenção de conferir o sacramento não se exprime senão por uma oração indicativa. Logo, etc.
3. Demais. ─ Em certas Igrejas se pronunciam estas palavras, na colação deste sacramento: Eu vos unjo os olhos com o óleo santificado em nome do Padre, etc.; e isto está conforme às formas dos outros sacramentos. Logo, parece que nisto consiste a forma deste sacramento.
Mas, em contrário. ─ A forma de um sacramento deve ser observada por todos. Ora, as palavras referidas não são as pronunciadas, segundo o costume de todas as Igrejas, senão só as palavras deprecativas seguintes: Por esta santíssima unção e pela sua puríssima misericórdia o Senhor te perdoe todos os pecados que cometeste com a vista, etc. Logo, a forma deste sacramento é a oração deprecativa.
2. Demais. ─ O mesmo se conclui das palavras de Tiago, que atribui a eficácia deste sacramento à oração: A oração da fé, diz, salvará o enfermo. Logo, como a eficácia do sacramento vem da forma, parece que a forma deste sacramento é a oração referida.
SOLUÇÃO. ─ A forma deste sacramento é a oração deprecativa, como o demonstram as palavras de Tiago e o uso da Igreja Romana, que só de palavras deprecativas usa na colação do mesmo. E disso podemos dar muitas razões. ─ A primeira é que, quem recebe este sacramento está falto de forças próprias. Por isso precisa ser socorrido pela oração. ─ A segunda, é que é dada aos que se partem desta vida, já não pertencentes ao foro da Igreja, e só nas mãos de Deus repousam. Por isso, a Deus são entregues pela oração. ─ A terceira é que este sacramento não produz nenhum efeito que esteja necessariamente ligado a ação do ministro, mesmo que este fizesse exatamente tudo o requerido pela essência do mesmo. Assim, o efeito do caráter, no batismo e na confirmação; o da transubstanciação, na Eucaristia; o da remissão do pecado, na penitência acompanhada da contrição, cuja remissão é da essência do sacramento da penitência; mas não da essência do da extrema unção. Por isso, neste último sacramento, a forma não pode estar no modo indicativo, como o pode nos outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Este sacramento, bem como os outros, tem, por si mesmo, um efeito certo; mas pode se lhe opor o obstáculo da dissimulação de quem o recebe mesmo se este tiver a intenção de o receber ─ de modo que nenhum efeito colherá. Por isso, não há semelhança entre este sacramento e os outros, que sempre produzem algum efeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O ato mesmo que a forma inclui ─ Por esta santa unção ─ exprime suficientemente a intenção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essas palavras no modo indicativo, que segundo o costume de certas dioceses precedem à oração, não são a forma deste sacramento; mas uma certa disposição para a forma, enquanto a intenção do ministro se determina a esse ato, pelas referidas palavras.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que este sacramento não tem nenhuma forma.
1. ─ Pois, como a eficácia dos sacramentos vem da instituição, assim também da forma; e por isso é necessário que a forma seja determinada por aquele mesmo que instituiu o sacramento. Ora, a forma deste sacramento não foi ensinada nem por Cristo nem pelos Apóstolos. Logo, este sacramento não tem nenhuma forma.
2. Demais. ─ O necessário à validade do sacramento todos do mesmo modo o observam. Ora, nada é mais necessário a um sacramento, que tem forma, do que a forma mesma. Logo, como não há nenhuma forma comumente observada por todos neste sacramento, pois diversas são as palavras usadas, resulta que este sacramento não tem nenhuma forma.
3. Demais. ─ No batismo a forma é necessária só para a santificação do batismo, que é a água santificada pelo verbo de vida para apagar os crimes. Ora, este sacramento tem matéria já santificada antes. Logo, não precisa de nenhuma forma verbal.
Mas, em contrário, o Mestre das Sentenças diz, que todo sacramento da Lei Nova consiste em realidades e palavras. Ora, as palavras são a forma do sacramento. Logo, sendo este o sacramento da Lei Nova, parece que tem uma forma.
2. Demais. ─ É rito da Igreja universal usar de certas palavras na colação deste sacramento.
SOLUÇÃO. ─ Certos disseram que este sacramento não tem nenhuma forma necessária. ─ Mas isto encontra o efeito do mesmo. Pois, todo sacramento produz efeito pela sua significação. Ora, a significação da matéria não está presa a um efeito determinado ─ pois, pode ter muitas significações ─senão pela forma das palavras. Por isso, em todos os sacramentos da Lei Nova, que produzem o efeito que figuram, é necessário haja uma realidade e palavras. Além disso Tiago constitui toda a força deste sacramento na oração, forma dele, como depois se dirá. Por onde, a referida opinião é temerária e errônea. Por isso, é melhor seguir a opinião comum, que este sacramento tem, como os outros sacramentos, uma forma determinada.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA, OBJEÇÃO. ─ A Sagrada Escritura é proposta comumente a todos. Por isso, a forma do batismo, que pode ser conferido por todos, devia ser expressa na Sagrada Escritura. Semelhantemente, a da Eucaristia, que exprime a fé que devemos ter, de necessidade à salvação. Mas, as formas dos outros sacramentos não foram transmitidas pela Escritura; a Igreja as recebeu da tradição dos Apóstolos, que a receberam do Senhor, como diz o Apóstolo: Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei a vós.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As palavras que são da essência da forma, a saber, a oração deprecativa, são pronunciadas por todos; mas as que se acrescentam como complemento, nem todos as levam em conta.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A matéria do batismo tem uma significação própria que lhes deu o contato mesmo com a carne do Salvador; da forma das palavras porém recebe a santificação atualmente santificante. Semelhantemente, depois da santificação da matéria deste sacramento, em si mesma, é necessário receba a santificação do uso, pela qual atualmente santifica.
O sexto discute-se assim. ─Não é necessário que a matéria deste sacramento seja consagrada pelo bispo.
1. ─ Pois, é mais digna a consagração da matéria no sacramento da Eucaristia que neste sacramento. Ora, na Eucaristia o sacerdote pode lhe consagrar a matéria. Logo, também neste sacramento.
2. Demais. ─ Nas obras corporais uma arte mais digna nunca prepara matéria inferior; pois, mais digna é a arte que usa do que aquela que prepara como diz Aristóteles. Ora, o bispo é superior ao sacerdote. Logo, não há de preparar a matéria para o sacramento de que o sacerdote é o ministro. Mas, quem dispensa êste sacramento é o sacerdote, como se dirá. Logo, a consagração da matéria não pertence ao bispo.
Mas, em contrário, mesmo a matéria para as outras unções é consagrada pelo bispo. Logo, também deve se dar o mesmo no caso vertente.
SOLUÇÃO. ─ O ministro do sacramento não produz, por virtude própria, o efeito do sacramento, como agente principal; mas, pela eficácia do sacramento, que dispensa. E essa eficácia vem primeiramente de Cristo, dimanando dele para os outros, ordenadamente, isto é, ao povo, mediante os ministros, dispensadores dos sacramentos; e para os ministros inferiores, mediante os superiores, que santificam a matéria. Por onde, todos os sacramentos que precisam de matéria santificada, a primeira santificação que esta recebe lhe é dada pelo bispo; e o uso, às vezes, pelo sacerdote, para mostrar que o poder deste deriva do bispo, segundo aquilo da Escritura: É como o perfume derramando na cabeça, que primeiro desceu sobre a barba, depois até a orla do vestido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O sacramento da Eucaristia consiste na santificação mesma da matéria; mas não no uso. Por onde, propriamente falando, a matéria do sacramento não é algo de consagrado. Por isso, não é necessária nenhuma santificação da matéria feita de antemão pelo bispo; mas é necessária a santificação do altar e coisas semelhantes, e ainda a do próprio sacerdote, que não pode ser feita senão pelo bispo. E assim, nesse mesmo sacramento também se mostra o poder sacerdotal derivado do bispo, como diz Dionísio. Por onde, o sacerdote pode fazer aquela consagração da matéria, que é em si mesma sacramento, e não aquela que, como um sacramental, se ordena ao sacramento, que consiste no uso dos fiéis. Pois, quanto ao que é verdadeiramente corpo de Cristo, não há nenhuma ordem superior à dos sacerdotes; mas quanto ao corpo místico de Cristo, a ordem episcopal é superior à sacerdotal, como adiante diremos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A matéria do sacramento não é tal matéria determinada, como a de que faz alguma coisa quem dela usa, conforme se dá com as artes mecânicas; mas aquela em virtude da qual alguma causa de faz. E assim participa de certo modo da natureza da causa agente, enquanto instrumento da operação divina. Por onde e necessariamente, a virtude de tal matéria há de ser adquirida por uma arte ou poder superior. Porque, na ordem das causas eficientes, quanto mais um agente for eminente tanto mais prioridade terá; ao passo que na ordem das causas puramente materiais, a que mais prioridade tiver, tanto mais imperfeita será.
O quinto discute-se assim. ─ Parece não é necessário seja o óleo consagrado.
1. ─ Pois, este sacramento só pela forma das palavras já produz a santificação. Logo, será supérflua outra santificação, feita pela matéria dele.
2. Demais. ─ Os sacramentos trazem a eficácia e a significação próprias na sua própria matéria. Ora, a significação do efeito deste sacramento cabe ao óleo pela sua propriedade natural; a eficácia porém lhe resulta da instituição divina. Logo, não é necessária outra santificação, proveniente da matéria.
3. Demais. ─ O batismo é um sacramento mais perfeito que a extrema unção. Ora, o batismo não pressupõe a santificação da matéria, como necessária para o sacramento. Logo, nem a extrema unção.
Mas, em contrário, todas as outras unções pressupõem matéria consagrada antes. Logo, sendo este sacramento uma unção, exige matéria consagrada.
SOLUÇÃO. ─ Certos dizem que o óleo puro é a matéria deste sacramento; e na santificação mesma do óleo, feita pelo bispo, se consuma o sacramento. ─Mas isto é claramente falso em virtude do que dissemos sobre a Eucaristia, onde mostramos que só esse sacramento consiste na consagração da matéria.
Por onde, devemos concluir, que este sacramento consiste na unção mesma, como o batismo na ablução; e a matéria deste é o óleo santificado. Podemos porém dar três razões por que é necessária a santificação da matéria neste sacramento e em certos outros. ─ A primeira é que a eficácia de todos os sacramentos provém de Cristo. Por onde, os sacramentos de que ele próprio usou, desse uso tiram a sua eficácia; assim, o contacto do seu corpo deu às águas a virtude de regenerar. Mas nem deste sacramento nem de nenhuma unção corporal usou Cristo. Por isso, em todas as unções é necessária a santificação da matéria. ─ A segunda causa se funda na plenitude da graça, conferida não só para apagar a culpa, mas também curar resíduos do pecado e a enfermidade do corpo. ─ A terceira é que o seu efeito corporal, isto é, a cura do corpo, não é produzida por nenhuma propriedade natural da matéria. Por onde, essa eficácia há-lhe de ser dada pela santificação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A primeira santificação é a da matéria em si mesma considerada; a segunda mais lhe concerne ao uso, enquanto ato que lhe confere o seu efeito. Por onde, nenhuma delas é inútil, pois, também os instrumentos tiram a sua eficácia do artífice, tanto quando são fabricados como quando atualmente aplicados.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essa eficácia, proveniente da instituição mesma do sacramento, a esta matéria se lhe aplica pela santificação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A resposta é clara pelo que foi dito.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o óleo de oliveira não é a matéria conveniente a este sacramento.
1. ─ Pois, este sacramento é um remédio imediato para a incorrupção. Ora, a incorruptibilidade é significada pelo bálsamo, aplicado no crisma. Logo, o crisma é que seria a matéria mais conveniente a este sacramento.
2. Demais. ─ Este sacramento é um remédio espiritual. Ora, a medicação espiritual é significa da pela aplicação do vinho, como vemos na parábola do homem maltratado pelos ladrões, do Evangelho. Logo, também o vinho seria a matéria mais conveniente a este sacramento.
3. Demais. ─ Onde é maior o perigo mais comum deve ser o remédio. Ora, o óleo de oliveira, não se encontrando em todos os lugares da terra, não é um remédio comum. Logo, como este sacramento é ministrado aos moribundos, que estão em perigo máximo, parece não ser o óleo de oliveira a matéria conveniente.
Mas, em contrário, a Escritura determina o óleo como a matéria deste sacramento. Ora, óleo propriamente não se chama senão o óleo de oliveira. Logo, esta é a matéria deste sacramento.
2. Demais. ─ A cura espiritual é significada pela unção do óleo, como está claro na Escritura: A chaga entumecida não se lhe aplicou remédio para a sua cura, nem com óleo foi suavizada. Logo, a matéria conveniente deste sacramento é o óleo.
SOLUÇÃO. ─ A cura espiritual ministrada no fim da vida deve ser perfeita, pois, depois dela não há nenhuma outra; e branda, para não quebrar, mas favorecer a esperança, maximamente necessária aos que estão no momento da morte. Ora, o óleo é um lenitivo que penetra até o íntimo, e de natureza difusiva. Por onde, quanto às duas condições referidas, é a matéria conveniente deste sacramento. E como óleo principalmente se chama o líquido extraído da oliveira, sendo os outros assim também chamados só por semelhança com ele, por isso o óleo de oliveira deve ser o tomado como a matéria deste sacramento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A incorrupção da glória não é a realidade contida neste sacramento, nem é necessário que a tal causa corresponda a significação da matéria. Por onde, não é necessário tomar o bálsamo como a matéria deste sacramento: pois, o bálsamo pelo seu odor significa a boa fama, de que aliás os que estão a ponto de partir deste mundo não precisam; eles precisam só da pureza da consciência, significada pelo óleo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O vinho cura por ser picante, o óleo porém como lenitivo. Por isso a cura da penitência é que, de preferência à deste sacramento, se aplica o vinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O óleo de oliveira, embora esta não cresça em todos os países, contudo pode qualquer o ter facilmente. ─ Além disso este sacramento não é de tanta necessidade que os mortos sem ele não possam salvar-se.
O terceiro discute-se assim. ─Parece que este sacramento não foi instituído por Cristo.
1. ─ Pois, o Evangelho menciona os sacramentos instituídos por Cristo, como a Eucaristia e o batismo. Ora, não faz menção nenhuma da extrema unção. Logo, não foi instituída por Cristo.
2. Demais. ─ O Mestre das Sentenças diz expressamente, que foi instituído pelos Apóstolos. Logo, não foi Cristo mesmo quem o instituiu.
3. Demais. ─ Os sacramentos, que Cristo instituiu ele próprio os ministrou na sua própria pessoa. Ora, a ninguém ministrou este sacramento. Logo, não foi quem o instituiu.
Mas, em contrário. ─ Os sacramentos da Lei Nova são mais dignos que os da Velha. Ora, todos os sacramentos da Lei Velha foram instituídos por Deus. Logo, e com maior razão, todos os sacramentos da Lei Nova foram instituídos pelo próprio Cristo.
2. Demais. ─ Quem institui também pode revogar o estatuído. Ora, a Igreja que nos sucessores dos Apóstolos tem a mesma autoridade que tiveram eles, não poderia eliminar o sacramento da extrema unção. Logo, quem o instituiu foi Cristo mesmo e não os Apóstolos.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há duas opiniões. Uns dizem que este sacramento e o da confirmação não os instituiu Cristo, por si mesmo, mas deixou a instituição deles aos Apóstolos. Porque esses dois, por causa da plenitude da graça por eles conferida, não podiam os Apóstolos instituí-los, antes de terem a recepção pleníssima do Espírito Santo. Por isso são sacramentos da Lei Nova não prefigurados na Lei Velha. ─Mas essa razão não é muito congente; porque assim como Cristo, antes da sua paixão, prometeu aos apóstolos a pleníssima missão do Espírito Santo, assim também podia instituir esses sacramentos.
Por isso outros dizem, que todos os sacramentos foi Cristo mesmo quem os instituiu; mas uns, mais difíceis de serem cridos, por si mesmo os instituiu, outros, como a extrema unção e a confirmação, deixou aos Apóstolos promulgarem-nos. Esta opinião parece tanto mais provável, que os sacramentos constituem o fundamento da lei; por isso devia instituí-los o próprio Legislador. Além disso, porque tiram a sua eficácia da instituição, que não vem senão de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Muitas coisas o Senhor disse e fez, que não estão contidas no Evangelho. Pois, os Evangelistas cuidaram principalmente de transmitir o consernente ao modo necessário à salvação e à disposição da Igreja. Por isso, referiram a instituição do batismo, da penitência da Eucaristia e da ordem, feita por Cristo, de preferência à da estrema unção ou da confirmação, que nem são de necessidade para a salvação nem concernem à disposição da organização da Igreja. Contudo, a unção com o óleo é referida no Evangelho, quando diz que os Apóstolos ungiam com óleo os enfermos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Mestre das Sentenças diz, que a extrema unção foi instituída pelos Apóstolos, porque pelos ensinamentos deles nos foi promulgada a instituição desse sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Cristo não ministrou por si próprio senão os sacramentos que deu o exemplo de receber. Não podia porém receber os sacramentos da penitência e da extrema unção, porque não tinha pecado. Por isso não os ministrou por si próprio.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a extrema unção não é um só sacramento.
1. ─ Pois, a unidade de um ser lhe advém da forma, porque pelo mesmo princípio tem ele o ser e a unidade. Ora, a forma deste sacramento se reitera requentemente, ainda no decurso de um mesmo ato; e também a matéria, que é aplicada em diversas partes do corpo do ungido. Logo, não é um sacramento único.
2. Demais. ─ A unção mesma é que é um sacramento, pois, seria ridículo dizer que o óleo é um sacramento. Ora, são várias as funções. Logo, são vários os sacramentos.
3. Demais. ─ Um sacramento deve ser conferido por um ministro. Ora, em certos casos a extrema unção não pode ser conferida por um ministro; assim, se depois de feita a primeira unção, o sacerdote morrer, pois então outro sacerdote é quem deverá continuar. Logo, a extrema unção não é um só sacramento.
Mas, em contrário. ─ A imersão está para o batismo, como a unção para este sacramento. Ora, várias imersões constituem um só sacramento do batismo. Logo, as várias unções da extrema unção são um só sacramento.
2. Demais. ─ Se não fosse um só sacramento, então, feita a primeira unção, não seria necessário à perfeição do sacramento fazer a segunda; porque todo sacramento por si só existe perfeitamente. Ora, isto é falso. Logo, é um só sacramento.
SOLUÇÃO. ─ A ser uno numericamente, em si mesma considerado, é susceptível de tríplice aspecto. Ou é indivisível, como o ponto e a unidade, por não ter pluridade nem atual nem potencial; ou é contínuo, como a linha, dotada de unidade atual e de pluralidade potencial, ou, terceiro, é um ser perfeito constituído de partes várias; assim, uma casa, multipla de certo modo, mesmo atualmente, mas cuja multiplicidade se reduz a uma certa unidade. E neste sentido qualquer sacramento é considerado uno, enquanto a multiplicidade nele existente se aduna, para significar ou causar uma mesma coisa, pois, o sacramento, significando causa. Por onde, quando uma ação basta a ter uma significação perfeita, a unidade do sacramento consiste nessa ação única, como se dá com a confirmação. Quando porém a significação do sacramento pode estar em uma só ou em múltiplas ações, então o sacramento pode consumar-se por uma só ou por várias ações; assim, o batismo, por uma só imersão e por três, pois, a ablução, significada por ele, pode se fazer por uma só imersão ou por muitas. Quando porém a Significação perfeita não pode ser senão mediante várias ações, então estas são necessárias à perfeição do sacramento; tal o que se dá com a Eucaristia, pois, a nutrição corporal, que significa a espiritual, não pode ser senão mediante a comida e a bebida. O mesmo se dá com este sacramento; pois, a cura das chagas internas não pode ser perfeitamente significa da senão pela aplicação do remédio às diversas regiões doentes. Por onde, a perfeição deste sacramento implica várias ações.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A unidade de um todo perfeito não fica eliminada pela diversidade de matéria ou da forma existente nas partes do todo. Assim, a carne e os ossos, constitutivos de um homem, não são a mesma coisa, nem tem a mesma forma. Semelhantemente, no sacramento da Eucaristia e neste sacramento, a pluridade da matéria e da forma não lhes elimina a unidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora essas ações sejam várias, absolutamente falando, contudo são unidas numa ação perfeita, que é a unção de todos os sentidos externos, por onde haurimos doença exterior.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Na Eucaristia, se depois da consagração do pão morrer o sacerdote, outro sacerdote pode passar à consagração do vinho, começando onde o primeiro parou, ou então recomeçar o sacrifício com outra matéria. Mas na extrema unção não pode recomeçar desde o princípio, devendo sempre continuar, porque uma unção feita numa mesma parte tanto vale como se fosse duas vezes consagrada a mesma hóstia ─o que de nenhum modo se deve fazer. Nem contudo a pluralidade de ministros tira a unidade a este sacramento, pois operam só como instrumentos; assim, a mudança dos martelos não priva da sua unidade a operação fabril.
Em seguida, devemos tratar da reiteração deste sacramento.
Sobre o que duas questões se discutem: