O segundo discute-se assim. ─ Parece que a purificação do mundo não será pelo fogo.
1. ─ Pois, o fogo, sendo parte do mundo, precisa, como todas as outras partes, de purificação. Ora, não pode um mesmo ser o purificante e o purificado. Logo, parece que o fogo não será purificado.
2. Demais. ─ Assim como o fogo, a água também tem virtude purificadora. Ora, nem tudo será purificado pelo fogo, e portanto certos seres, como já a lei antiga o distinguia, hão de necessariamente ser purificados pela água. Logo, parece que não será o fogo o purificador, ao menos em geral.
3. Demais. ─ O fim da purificação é, segundo parece, tornar mais puras as partes do mundo, segregadas umas das outras. Ora, a segregação das partes do mundo umas das outras só no princípio se fez, por poder divino. E, nisso constituiu a obra da distinção delas. Daí o dizer Anaxágoras, que o ato dessa separação é um ato próprio do intelecto motor de todas as cousas. Portanto, parece que no fim do mundo a purificação se fará imediatamente por Deus e não pelo fogo.
Mas, em contrário, a Escritura: Fogo se incenderá na sua presença e em roda dele tempestade forte. E em seguida, a propósito do juízo: Chamará de cima ao céu e a terra para julgar o seu povo. Logo, parece que a última purificação do mundo se dará pelo fogo.
2. Demais. ─ A Escritura diz: os céus ardendo se desfarão e os elementos com o ardor do fogo se fundirão. Logo, pelo fogo se fará essa purificação.
SOLUÇÃO. ─ A purificação do mundo dele removerá a contaminação contraída pela culpa e a impureza da mescla, dispondo-o para a perfeição da glória. Ora, esses três efeitos o fogo muito convenientemente os produzirá. ─ Primeiro porque, sendo o nobilíssimo dos elementos, tem propriedades naturais mais semelhantes às da glória, como a luz muito bem o mostra. ─ Segundo, porque o fogo não é susceptível de mistura com corpos estranhos ─ ao contrário do que se dá com os outros elementos ─ por causa da eficácia da sua virtude ativa. ─ Terceiro, porque a esfera do fogo está longe da nossa habitação; nem o uso do fogo nos é tão comum como o da água e do ar. Por isso, não sofrem, como estes, a contaminação. ─ Além disso, tem, no mais alto grau, o poder de purificar e de dividir os corpos, pela rarefação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo não se destina ao nosso uso, na sua matéria própria, pois, como tal está afastado de nós; mas só enquanto existente em matéria diferente. Por isso, mesclado com um elemento estranho, pode ser purificado pelo fogo existente na sua pureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A purificação primeira do mundo pelo dilúvio só visava a infecção do pecado. Porque o pecado então reinante era o da concupiscência. Daí o ter-se feito a purificação conveniente pela água, elemento contrário. Mas a segunda purificação também visará a contaminação da culpa e a impureza da mescla. E tanto para uma como outra cousa, mais convém a purificação fazer-se pelo fogo que pela água. Porque a água tem, antes, a virtude de agregar que a de desagregar. Por isso, não poderia ela, como o pode o fogo, purificar os elementos das suas impurezas. ─ Além disso, no fim do mundo, reinará o vício da tibieza, como já na velhice dele; pois, conforme diz o Evangelho, então a caridade de muitos esfriará. Daí a conveniência de a purificação fazer-se pelo fogo. ─ Nem há nada que o fogo não possa de algum modo purificar. Ao passo que certos corpos, como o pano e os vasos de madeira, não podem ser purificados senão quando destruídos pelo fogo. Esses objetos a Lei mandava que se purificassem pela água. O que tudo será finalmente consumido pelo fogo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pela obra da distinção foram conferidas aos seres formas diversas, pelas quais umas das outras se diversificam. O que portanto não podia ser feito senão pelo Autor da natureza. Mas a purificação final as reduzirá à pureza em que foram criadas. E essa obra poderá ser realizada mediante o ministério prestado ao Criador pelos seres criados. Por isso tal ministério lhes foi confiado, por concorrer para o enobrecimento delas.