O primeiro discute-se assim. ─ Parece que nem todos os membros do corpo humano ressurgirão.
1. ─ Pois, removido o fim, é inútil lançar mão dos meios a ele conducentes. Ora, o fim de cada membro é o seu ato. Mas nada há de vão nas obras divinas; e de certos membros o homem não mais se servirá depois da ressurreição, sobretudo dos genitais, porque então, nem as mulheres terão maridos, nem os maridos mulheres. Logo, parece que nem todos os membros ressurgirão.
2. Demais. ─ Os intestinos também são partes do corpo. Ora, não ressurgirão. Pois, não poderão ressurgir cheios das imundícias que contêm. Nem vazios, porque não há vácuo em a natureza. Logo, nem todas as partes do corpo ressurgirão.
3. Demais. ─ O corpo ressurgirá para ser premiado pelas obras que a alma praticou por meio dele. Ora, o membro amputado pelo furto cometido, a um ladrão, que porém fez depois penitência e se salvou, não pode ser remunerado na ressurreição ─ nem por um bem praticado, pois para tal não cooperou; nem pelo mal, pois a pena imposta a um membro redundaria em pena do homem. Logo, nem todos os membros do ressurrecto ressurgirão.
Mas, em contrário. ─ Mais verdadeiramente constituem a natureza humana os outros membros, que os cabelos e as unhas. Ora, estes restituir-se-ão aos resurrectos, como diz o Mestre. Logo e com maior razão, os outros membros.
2. Demais. ─ As obras de Deus são perfeitas, diz a Escritura. Ora, a ressurreição será obra divina. Logo, o ressurrecto se reconstituirá perfeito em todos os membros.
SOLUÇÃO. ─ Como diz Aristóteles, a alma exerce, no corpo, não só a função de forma e de fim, mas também a de causa eficiente. Pois, a alma está para o corpo como a arte para o artefato, no dizer do Filósofo. Ora, tudo o que explicitamente se mostra no artefato estava já contido implícita e originariamente na arte. Assim também tudo o que se revela nas partes do corpo, já está original e de certo modo implicitamente na alma. Mas, assim como a obra artística não seria perfeita se algo lhe faltasse do que a arte contém, assim nem o homem poderia ser perfeito se não se manifestasse externamente no corpo tudo o contido implicitamente pela alma. Nem então o corpo corresponderia à alma de maneira plenamente proporcionada. Ora, na ressurreição o corpo humano há de corresponder totalmente à alma, pois não ressurgirá senão na sua relação com a alma racional. Logo, o homem há de ressurgir perfeito, pois se reconstituirá para receber a sua última perfeição. Portanto, todos os membros que o corpo humano tiver nesta vida hão de reconstituir-se na ressurreição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os membros podem considerar-se a dupla luz, nas suas relações com a alma: ou na relação de matéria para forma, ou na de instrumento para agente. Ora, a mesma relação existe entre todo o corpo e toda a alma, e das partes entre si, como ensina Aristóteles. Se, pois, considerarmos os membros na primeira acepção, o fim deles não é a operação, mas antes, a perfeição da espécie, necessária também depois da ressurreição. Se, porém, os considerarmos na segunda acepção, então tem como fim a operação. Mas daí não se segue que o instrumento seja inútil por não poder exercer a sua operação própria; pois, o instrumento serve não só para executar a ação do agente, mas também para mostrar a sua virtude própria. Por onde, há de a virtude das potências da alma se revelar mediante instrumentos corpóreos, embora estes nunca sejam usados, para assim manifestar-se a sabedoria de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os intestinos ressurgirão com o corpo, assim como os outros órgãos. E estarão cheios não de imundos excrementos, mas de humores nobres.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os atos pelos quais merecemos não pertencem, propriamente falando, às mãos nem aos pés, mas ao homem total; assim como uma obra de arte não se atribui ao instrumento, mas ao artífice. Embora portanto um membro mutilado antes da penitência, não tenha cooperado ao estado glorioso merecido depois da ressurreição, contudo o homem completo é o que merece ser premiado, pois serviu a Deus com tudo o que tinha.