O segundo discute-se assim. - Parece que não é o mesmo homem individualmente quem ressurgirá.
1. - Pois, como diz o Filósofo, seres com forma sujeita à corrupção e ao movimento não se reproduzem na sua realidade individual. Ora, tal é a substância do homem na vida presente. Logo, não pode, depois de sofrida a mudança causada pela morte, renascer individualmente o mesmo.
2. Demais. ─ Onde há humanidades diferentes não há um mesmo homem. Por isso, Sócrates e Platão são dois homens e não um só, porque difere a humanidade em ambos. Ora, a humanidade do ressurrecto não é a mesma da que teve neste mundo. Logo, o ressurrecto não é o mesmo homem que antes viveu. ─ A proposição média é susceptível de dupla prova. Primeiro, porque a humanidade, que é a forma do todo, não é uma forma e substância, como a alma, mas é apenas forma. Ora, tal forma pode reduzir-se completamente ao não-ser, e portanto não pode reiterar-se. Segundo, porque a humanidade resulta da união das partes. Ora, uma união anteriormente existente não pode reiterar-se identicamente a mesma, porque essa reiteração opõe-se à identidade; pois, implica pluralidade, ao passo que a identidade supõe a unidade; ora, pluralidade e unidade se excluem. Mas a união se reiterará, na ressurreição. Logo, não será a mesma união. E portanto, nem a mesma humanidade, nem o mesmo homem.
3. Demais. ─ Não há um mesmo homem onde há vários animais. Logo, não sendo o animal o mesmo, não será o homem individualmente o mesmo. Ora, onde não há o mesmo sentido não há o mesmo animal, porque o animal se define primariamente pelo sentido do tato, como está claro em Aristóteles. Ora, não havendo mais sentido na alma separada, como certos dizem, não pode ser reassumido idêntico ao que existia antes. Logo, na ressurreição o homem ressurrecto não será o mesmo ser animal que antes era. Portanto, nem o mesmo homem.
4. Demais. ─ A matéria da estátua mais principalmente a constitui do que constitui o homem a sua matéria; porque os seres artificiais a sua matéria os coloca totalmente no gênero da substância, ao passo que os naturais entram nesse gênero pela sua forma, como o prova o Filósofo e o Comentador. Ora, uma estátua feita do mesmo bronze, de outro já não será individualmente a mesma de antes. Logo e com maior razão, o homem reconstituído das mesmas cinzas já não será individualmente o mesmo que antes fora.
Mas, em contrário, a Escritura: A quem eu mesmo hei de ver e não outro, referindo-se à visão após a ressurreição. Logo, ressurgirá o homem idêntica e individualmente o mesmo.
2. Demais. ─ Agostinho diz, que ressurgir não é senão tornar a viver. Ora, não diríamos que reviveu portanto nem que ressurgiu se não voltou à vida o mesmo homem que antes morreu. O que é contra a fé.
SOLUÇÃO. ─ É necessário admitir a ressurreição, dado que o homem deve alcançar o fim último para o qual foi feito, e que não pode alcançar nesta vida nem na da alma separada do corpo. Aliás, o homem teria sido constituído em vão se não pudesse chegar ao fim para que foi feito. Ora, um ser deve atingir sempre individualmente idêntico a si próprio, o fim para que foi feito; do contrário teria sido feito em vão. Portanto, o homem há de ressurgir idêntico ao que individualmente existiu antes. E isto se dá ficando a mesma alma, individualmente idêntica a si própria, unida ao corpo individualmente o mesmo a que neste mundo esteve unida. Aliás não haveria propriamente ressurreição, se não fosse o mesmo homem o reconstituído. Por onde, afirmar que o ressurrecto não é idêntico ao que individualmente existiu antes, é herético e contrário à verdade da Escritura, que prediz a ressurreição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Filósofo se refere à reiteração pelo movimento ou pela mutação natural. Pois, mostra a diferença entre o movimento circular da geração e da corrupção e o do movimento circular do céu. Porque o céu, pelo movimento local, volta, identicamente o mesmo, ao princípio desse movimento; por ser uma substância incorruptível movida. Ao passo que os seres sujeitos à geração e à corrupção voltam ao mesmo tempo específico mas não individual. Assim, de um homem nasce o sangue, deste o sêmen e assim por diante, até chegar-se a outro homem idêntico ao primeiro pela espécie mas não individualmente. Do fogo nasce o ar, donde a água, donde a terra, donde de novo o fogo, idêntico ao primeiro, não individual, mas especificamente. Por onde é claro que a razão aduzida não vem, na intenção do Filósofo, a propósito.
Ou devemos responder que a forma dos seres sujeitos à geração e à corrupção não é por si subsistente, de modo a poder continuar a existir depois da corrupção do composto. O contrário se dá com a alma racional, que conserva, mesmo depois da separação do corpo, o ser que nele tinha. E na ressurreição, o corpo será participante dessa existência; porque quando unida ao corpo, não tem a alma uma existência distinta da dele; aliás a união de ambos seria acidental. E assim nenhuma interrupção sofrerá a existência substancial do homem a ponto de por causa dessa interrupção, não poder voltar a ser idêntico ao que individualmente antes era; ao contrário do que se dá com os outros seres corruptíveis, cuja existência desaparece totalmente com a separação da forma, porque a matéria deles assume outra existência.
Pois, nem o próprio homem retoma, pela geração natural, a mesma existência individual. Porque o corpo gerado do homem não se forma da matéria total do gerador. Por onde, há diversidade numérica no corpo e, por consequência na alma e em todo o homem.
RESPOSTA A SEGUNDA. ─ Duas são as opiniões sobre a humanidade e sobre qualquer forma de um todo. ─ Uns (S. A. Magno) dizem que a forma do todo é realmente idêntica à da parte; a forma da parte é a que aperfeiçoa a matéria; a forma do todo é a de onde resulta na sua totalidade a noção de espécie. E segundo esta opinião, a humanidade não é realmente diferente da alma racional. Por onde, como é individualmente a mesma alma racional que ressurgirá, a humanidade será numericamente a mesma. E esta subsistirá também depois da morte, embora não sob a noção de humanidade; porque, separado dela, o composto não logra a sua natureza específica. ─ Outra opinião, e mais verdadeira é a de Avicena, de acordo com a qual a forma do todo não é só a forma da parte, nem outra forma qualquer, diversa da parte, mas é o todo resultante da composição da forma e da matéria, compreendendo em si ambas. E essa forma do todo é chamada essência ou quididade. Logo, como na ressurreição o corpo será identicamente o mesmo de antes, e identicamente a mesma será a alma racional, por força a mesma também há de ser a humanidade.
Ora, a primeira opinião, de acordo com a qual a humanidade do ressurrecto será diferente da atual, procederia se a humanidade fosse uma outra forma superveniente à forma e à matéria. O que é falso. A segunda também não pode obstar a identidade da forma humana. Porque união significa ação ou paixão. As quais, embora diversas, não podem impedir a identidade da forma humana; pois, a ação e a paixão, de que se compunha a humanidade, não são da essência desta e portanto a diversidade delas não implica a diversidade humana. Assim, a geração e a ressurreição não são um mesmo movimento, nem por isso contudo fica impedida a identidade do ressurrecto com o gerado. ─ Semelhantemente, não fica impedida a identidade da humanidade, se tomarmos a união como relação. Porque essa relação não é da essência da humanidade, mas dela resulta. Pois, a humanidade não é daquelas formas, que consistem, como as formas dos artefatos, em composição e ordem, segundo ensina o Filósofo. Portanto, sobrevindo outra composição diferente a uma casa já a sua forma não será identicamente a mesma que antes era.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção conclui otimamente contra os que diziam ser a alma sensível e racional diversas no homem. Porque então a alma sensitiva do homem não seria, como a dos brutos, incorruptível. Por onde, o ressurrecto não teria a mesma alma sensível e por consequência não seria o mesmo animal nem o mesmo homem que antes fora. Se porém admitirmos que no homem a mesma alma é, na sua substância, racional e sensível, não cairemos nessas dificuldades. Pois, o animal é definido pelo sentido, enquanto alma sensitiva, como pela sua forma essencial; e, pelo sentido, enquanto potência sensitiva, conhecemos-lhe a definição, como pela forma acidental, que sobretudo contribui para conhecermos a quilididade, na expressão de Aristóteles. Ora, depois da morte, subsiste substancialmente tanto a alma sensível como a alma racional. Mas as potências sensitivas, segundo certos, não perduram. Essas potências porém, sendo propriedades acidentais, suas variações não podem destruir totalmente a identidade do animal, nem mesmo das partes deste. Nem se chamam as potências
perfeições ou atos dos órgãos senão por serem os princípios do agir, como o calor o é, do fogo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Uma estátua pode ser considerada a dupla luz: como uma determinada substância ou como obra de arte. E como entra no gênero da substância em razão da sua matéria, por isso, considerada enquanto substância, a segunda estátua, feita com a matéria da primeira, é individualmente idêntica a esta.
Mas pertence ao gênero das obras de arte, enquanto forma, que é um acidente, e desaparece com a destruição da estátua. Portanto, não pode mais reaparecer na sua identidade numérica nem poderia mais voltar a ser numericamente a mesma estátua de antes. Ora, a forma do homem, i. é, a alma, subsiste depois da dissolução do corpo. Portanto, não há símile.