O segundo discute–se assim. – Parece que a ironia não é menor pecado que a jactância.
1. – Pois ambas são pecados por se desviarem da verdade, que é uma igualdade. Ora, da igualdade não se afasta menos quem a ultrapassa do que quem não a atinge. Logo, a ironia não é menor pecado que a jactância.
2. Demais. – Segundo o Filósofo, a ironia às vezes é jactância. Ao passo que a jactância não é ironia. Logo, a ironia não é menor pecado que á jactância.
3. Demais. – A Escritura diz: Quando te falar num tom humilde, não te fies dele, porque tem sete malícias no seu coração. Ora, falar em tom humilde é próprio da ironia. Logo, há nela muita maldade.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que os ir irónicos e os que a si se tem em pouca conta são mais suportáveis no ponto de vista moral.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, uma mentira é mais grave que outra, às vezes, pela matéria que a constitui; assim, a mentira que recai sobre o ensino da religião é a gravíssima. Outras vezes, porém, pelo motivo do pecado; assim, a mentira perniciosa: é mais grave que a oficiosa e a jocosa. Ora, a ironia e a jactância têm o mesmo objeto, quer o sejam por palavras, quer por quaisquer sinais externos; e esse objeto é a condição ela pessoa. E por aí são iguais. Mas, mais frequentemente a jactância procede de um motivo mais vergonhoso, a saber, do apetite do lucro ou das honras; ao passo que a ironia, de evitar, embora desordenadamente, molestar os outros pela altaneria. E, por isso o Filósofo diz, que a jactância é mais grave pecado que a ironia. – Mas, pode acontecer às vezes que alguém se finja: diminuído, por algum outro motivo; por exemplo, para enganar com o dolo. E então a ironia é mais grave.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe relativamente à ironia e à jactância, considerada a gravidade da mentira em si mesma ou na sua matéria. Pois, nesse sentido dissemos que tem igualdade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Há duas sortes de excelência: uma, na ordem temporal; outra, na espiritual. Pois, acontece às vezes que certos ostentam, por palavras exteriores ou por sinais, penúria de bens externos, como de vestes ou de coisas semelhantes, para assim, mostrar alguma excelência espiritual. Tal o caso daqueles de quem diz o Senhor, que desfiguram os seus rostos para fazer ver aos homens, que jejuam. Por isso esses praticam simultaneamente o vício da ironia e da jactância, embora a luzes diversas; e portanto pecam mais gravemente. Donde o dizer o Filósofo, que é próprio dos jactanciosos ter–se em grande como em pequena conta. E por isso se lê de Agostinho, que não queria ter vestes nem demasiado preciosas nem em excesso abjetas, porque de ambos esses medos os homens buscam a própria glória.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz a Escritura, tal há que se humilha maliciosamente e o seu interior está cheio de dolo. E Salomão se refere, com essas palavras, ao que fala em tom humilde, maliciosamente, por dolosa humildade.