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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 5 – Se a coragem consiste propriamente em arrostar o perigo de morte, na guerra.

O quinto discute–se assim. – Parece que a coragem não consiste propriamente em arrastar o perigo de morte, na guerra.

1. – Pois, os mártires são sobretudo louvados pela sua coragem. Ora, eles não são tomados em matéria de guerra. Logo, a coragem não consiste propriamente em arrostar o perigo de morte, na guerra.

2. Demais. – Ambrósio diz, que a coragem tem lugar na guerra e na vida doméstica. E Túlio também diz: A maior parte pensa que os deveres da guerra são maiores e mais difíceis que os da cidade, mas esta opinião não é exata. Pois, se quisermos julgar esta matéria com verdade, veremos que há deveres urbanos maiores e mais elevados que os da guerra. Ora, a coragem versa sobre o que é maior. Logo, a coragem não consiste propriamente em arrostarmos o perigo da morte, na guerra.

3. Demais. – A guerra tem por fim conservar a paz temporal da república: pois, como diz Agostinho, a guerra é feita com o fim de se alcançar a paz. Ora, parece que ninguém deve expor–se ao perigo de morte para conservar a paz temporal da república, porque esta paz é a ocasião de muitas desordens morais. Logo, a virtude da coragem não deve arrostar só os perigos da guerra.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a coragem por excelência é a que arrosta os perigos da morte, na guerra.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a coragem fortifica a nossa alma contra os perigos máximos, que são os da morte. Ora, como a força da virtude é a que por natureza, nos faz tender sempre para o bem, resulta daí consequentemente que não devemos fugir ao perigo da morte se é a condição de alcançarmos algum bem. Mas, os perigos de morte provenientes da doença, de uma tempestade no mar, da incursão de ladrões e de outras causas semelhantes, não ameaçam diretamente a ninguém por buscar algum bem. Ao contrário os perigos da morte, na guerra, ameaçam–nos diretamente, por isso mesmo que buscamos um bem, a saber, a defesa do bem comum numa guerra justa. Ora, uma guerra pode ser justa de dois modos. De modo geral, como quando se combate num exército. E de modo particular; por exemplo, quando um juiz ou mesmo um particular não deixa de julgar com justiça por temor de morte iminente ou de qualquer perigo, mesmo sendo mortífero. Por onde, é próprio da coragem dar–nos a fortaleza de alma para arrostarmos os perigos de morte, não só os que nos ameaçam numa guerra geral, mas também, nos que nos ameaçam, atacando–nos particularmente, a que não se pode dar o nome geral de guerra. E, assim sendo, devemos conceder que a coragem tem propriamente por objeto os perigos de morte, na guerra.

Mas, também, nos perigos de qualquer outra morte, o forte porta–se como deve. Sobretudo porque podemos afrontar, por virtude, o perigo de qualquer morte, por exemplo, quando não evitamos assistir a um amigo doente por temor de uma infecção mortal; ou quando não deixamos de nos pôr a caminho, para fazer alguma obra pia, por temer um naufrágio ou ladrões.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os mártires sustentam os sofrimentos pessoais que lhes são infligidos, por amor do sumo bem que é Deus. Por isso a coragem deles é sobretudo a louvada. Nem difere do género de coragem necessária na guerra. Por isso o Apóstolo diz que foram fortes na guerra.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As causas domésticas ou urbanas distinguem–se das bélicas, no sentido de guerra em comum. Mas, também na vida doméstica ou na urbana podemos sofrer perigos iminentes de morte, provenientes de certos adversários; o que os constitui, de certo modo, em guerras particulares. Por onde, também nesses casos, pode haver, propriamente falando, lugar para a coragem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A paz da república é em si mesma boa. Nem se torna mal, porque certos usam mal dela; pois, há muitos outros que dela usam bem. E por ela se evitam muito piores males – como o homicídio, o sacrilégio, do que os ocasionados por ela, e que concernem sobretudo aos vícios da carne.

Art. 4 – Se a coragem deve arrostar só o perigo da morte.

O quarto discute–se assim. – Parece que a coragem não deve arrostar só o perigo da morte.

1. – Pois, diz Agostinho, que a coragem é o amor que facilmente tolera tudo por causa do bem amado. E, noutro lugar; é a afeição que não teme nenhumas adversidades nem a morte. Logo, a coragem não deve arrostar só o perigo da morte, mas também outras adversidades.

2. Demais. – Todas as paixões da alma devem ser reduzidas por alguma virtude à mediedade. Ora, não há outras virtudes que reduzam os outros. temores à mediedade. Logo, a coragem não deve arrostar só o temor da morte, mas também os outros temores.

3. Demais. – Nenhuma virtude tem por objeto o que é extremo. Ora, o temor da morte é um extremo porque é o máximo dos temores, como diz Aristóteles. Logo, a virtude da coragem não deve arrostar o temor da morte.

Mas, em contrário, Andronico diz que a coragem é uma virtude irascível que não se deixa facilmente vencer por temores mortais.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, é próprio da virtude da coragem fortificar–nos a vontade para não abandonarmos o bem da razão por temor de um mal do corpo. Pois, devemos firmemente manter o bem racional contra qualquer mal; porque nenhum bem corpóreo equivale ao bem da razão. Por onde e necessariamente coragem da alma se considera a que nos mantém a vontade firme no bem racional e resistente aos máximos males; porque quem tem firmeza contra os maiores males há de tê–la, por consequência, contra os menores; mas não inversamente. E também é próprio da virtude, assim, tomar em consideração o que é extremo. Ora, de todos os males do corpo, o mais terrível é a morte, que destrói todos os bens corporais. Por isso, Agostinho diz, que os vínculos do corpo comovem a nossa alma, pelo temor dos trabalhos e da dor, afim de que não sejam feridos nem ofendidos; e pelo terror da morte, para que eles se não rompam e dissolvam. Logo, a virtude da coragem tem por objeto arrostar o temor que causam os perigos mortais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A coragem sabe como tolerar rodas as adversidades. Nem por isso se reputa corajoso um homem só por tolerar quaisquer adversidades; mas, só o que sabe tolerar mesmo os males máximos. Pois, nos outros casos ele será corajoso relativamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O temor nasce do amor; portanto, qualquer virtude que modere o amor de certos bens há de também por força moderar o temor dos males contrários. Assim, a liberalidade, que modera o amor do dinheiro, consequentemente também modera o temor de perdê–los; e o mesmo se dá com a temperança e as outras virtudes. Ora, amar a nossa própria vida nos é natural. Donde a necessidade de uma virtude especial, moderadora do temor da morte.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O extremo, nas virtudes, consiste em nos afastarmos da retitude da razão. Portanto, sofrermos os maiores perigos, por exigência da razão, não é contrário à virtude.

Art. 3 – Se a coragem tem por objeto o temor e a audácia.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a coragem não tem por objeto o temor e a audácia.

1. – Pois, diz Gregório: A coragem dos justos consiste em vencer a carne, contrariar os prazeres próprios, exterminar os deleites da vida presente. Logo, a coragem parece versar, antes, sobre os prazeres que sobre o temor e a audácia.

2. Demais. – Túlio diz que é próprio da coragem enfrentar os perigos e sofrer o trabalhos. Ora, isto parece não ser o objeto da paixão do temor ou da audácia, mas antes, constitui ações trabalhosas ou são perigos exteriores. Logo. a coragem não versa sobre o temor e a audácia.

3. Demais. – Ao temor não só se opõe três  audácia, mas também a esperança, como se estabeleceu quando se tratou das paixões. Logo, a coragem não deve ter como objeto, antes, a audácia, do que a esperança,

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a coragem versa sobre o temor e a audácia.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, é próprio da virtude da coragem remover os obstáculos que impedem a vontade de seguir os ditames da razão. Ora, por causa do temor é que deixamos de fazer o que é difícil; pois, o temor nos faz evitar o mal difícil de ser superado, como estabelecemos, quando tratamos das paixões. Por onde, a coragem versa principalmente sobre o temor das coisas difíceis, que podem impedir a vontade de seguir os ditames da razão. Ora, essa impressão que fazem em nós as cousas difíceis não somente devemos tolerá–las, coibindo o temor, mas também atacá–las moderadamente, isto é, quando for necessário exterminá–las, para termos segurança, no futuro; e isto inclui a ideia de audácia. Por onde, a coragem versa sobre c temor e a audácia, coibindo aquele e moderando esta,

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Gregório, no lugar citado, trata da coragem dos justos, como relativa, em comum, a todas as virtudes. Por isso, assinala primeiro certas características da temperança, como dissemos; e depois acrescenta o que propriamente pertence à coragem, como virtude especial, dizendo: amar as asperezas deste mundo com a vista nos prémios eternos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As coisas perigosas e os atos penosos só afastam a vontade da obediência à razão, quando temidas. Por isso, é necessário que a coragem tenha por objeto imediato o temor e a audácia; e, mediato, os perigos e os trabalhos, como sendo os objetos das referidas paixões.

RESPOSTA À TERCEIRA – A esperança se opõe ao temor, pelo seu objeto; pois, este é o bem, e o do temor é o mal. Ao passo que a audácia tem o mesmo objeto que ele, ao qual se opõe como se opõe o aproximar–se ao afastar–se, segundo dissemos. Mas, a coragem é relativa propriamente aos males temporais que afastam da virtude, como é claro pela definição de Túlio; donde vem que o seu objeto é propriamente o temor e a audácia, e não, a esperança, senão enquanto dependente da audácia, como dissemos.

Art. 2 – Se a coragem é uma virtude especial.

O segundo discute–se assim. – Parece que a coragem não é uma virtude especial.

1. – Pois, diz a Escritura: A sabedoria ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza, significando nesse lugar, virtude, a coragem. Ora, sendo a denominação de virtude comum a todas as virtudes, parece que a coragem é uma virtude geral.

2. Demais. – Ambrósio diz: Não é de uma alma medíocre ter coragem, que, só, defende os ornatos de todas as virtudes, conserva o juízo na sua retidão e luta em incessante combate contra todos os vícios. Invicta nos trabalhos, forte nos perigos, rígida contra o prazer, dura contra as seduções, repele a avareza como um labeu, que efemina a virtude. E o mesmo acrescenta, em seguida, em relação aos outros vícios. Ora, tais conceitos não podem convir a nenhuma virtude especial. Logo, a coragem não é uma virtude especial.

3. Demais. – O nome de coragem, deriva, pelo seu sinónimo – fortaleza, de firmeza. Ora, fazer–nos proceder com firmeza é o fim de todas as virtudes, como diz Aristóteles. Logo, a coragem é uma virtude geral.

Mas, em contrário, Gregório a enumera entre as outras virtudes.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, o nome de coragem pode ser tomado em dupla acepção. Primeiro, em sentido absoluto, importando então uma certa firmeza de ânimo. E, nesta acepção é uma virtude geral; ou antes, é a condição de todas as virtudes. Pois, como diz o Filósofo, é próprio da virtude fazer–nos agir com firmeza e constância: Noutro sentido pode ser considerada a coragem como implicando somente a firmeza em suportar e vencer os obstáculos que tornam mais difícil a firmeza, isto é, no caso de alguns perigos graves. Donde o dizer Túlio, que a coragem consiste em afrontar deliberadamente os perigos e sofrer os trabalhos. E assim, é considerada unia virtude especial por ter matéria determinada.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Segundo p Filósofo, o nome de virtude significa a perfeição última de uma potência. Pois, num sentido, chama–se potência natural aquela que nos torna possível resistir aos obstáculos destruidores dela. Noutro sentido, a que é princípio de agir. Por onde, sendo esta última acepção a mais comum, o nome de virtude, significando a perfeição última de tal potência, é comum; pois, a virtude, comum ente considerada não é mais que um hábito que nos torna possível agir bem. Mas, enquanto implica a perfeição última da potência, no primeiro sentido, que é um sentido certamente mais especial, aplica–se à virtude especial da coragem à que compete opor–se firmemente a qualquer obstáculo que se lhe oponha.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ambrósio considera a coragem em sentido lato, em que implica a firmeza de alma pronta a enfrentar qualquer obstáculo. E contudo, mesmo como virtude especial com determinada matéria, ajuda–nos a resistir ao obstáculo de todos os vícios. Pois, quem pode suportar com firmeza o que é dificílimo de tolerar, há de, por consequência, ser capaz de resistir a menores dificuldades.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe, tratando–se da coragem no primeiro sentido referido.

Art. 1. – Se a coragem é uma virtude.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a coragem não é uma virtude.

1. – Pois, diz o Apóstolo: A virtude se aperfeiçoa na enfermidade. Ora, a coragem sé opõe à enfermidade. Logo, a coragem não é uma virtude.

2. Demais. – Se é uma virtude ou é teológica, ou intelectual ou moral. Ora, a coragem não faz parte das virtudes teologais nem das intelectuais, como do sobredito resulta. E parece que também não é virtude moral. Porque, como diz o Filósofo, uns são corajosos por ignorância ou por experiência, como os soldados e essa coragem é antes o resultado do exercício de uma arte do que uma virtude moral. Outros são corajosos por paixão, por exemplo, por temor de ameaças ou da desonra; ou ainda por tristeza, ira ou esperança. Ora, a virtude moral não obra por paixão, mas, por eleição, como se disse. Logo, a coragem não é uma virtude.

3. Demais. – A virtude humana tem a sua sede na alma, principalmente; pois, é uma boa qualidade da alma, como se disse. Ora, a coragem depende do corpo ou pelo menos, da compleição dele. Logo, parece que a coragem não é uma virtude.

Mas, em contrário, Agostinho enumera a coragem entre as virtudes.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude torna bom aquele que a tem e boa a sua obra. Por onde, a virtude humana, de que agora tratamos é a que nos torna bons e boas as nossas obras. Ora, o bem do homem é viver segundo a razão, no dizer de Dionísio. Por isso, o fim da virtude humana é tornar racional a vida e as ações do homem. O que de três modos pode dar–se. Primeiro, pela retificação mesma da razão, o que é obra das virtudes intelectuais. De outro, pela influência dessa retidão racional nos atos humanos; o que é obra da justiça. E de um terceiro modo, pela eliminação dos obstáculos à influência dessa retidão nos referidos atos. – Ora, de dois modos a vontade humana fica impedida de seguir à retidão da razão. Primeiro deixando–se desviar, por algum prazer, da prática de um ato que a razão condena; e este impedimento é eliminado pela virtude da temperança. De outro modo, deixando de obedecer à razão por causa de alguma dificuldade que se lhe opõe. E para arredar esse obstáculo é preciso a coragem da alma, que oponha resistência a tais dificuldades, assim como, peja coragem corporal arredamos e vencemos os obstáculos materiais. Por onde, é manifesto que a coragem é uma virtude, porque nos faz viver de acordo com a razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A virtude da alma não se aperfeiçoa na enfermidade da alma, mas, na da carne, à qual se refere o Apóstolo. Ora, à coragem da alma pertence suportar a enfermidade da carne, objeto da virtude da paciência ou da coragem. E reconhecer a nossa própria enfermidade é próprio da perfeição chamada humildade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Certos que não têm virtude às vezes praticam os atos exteriores dela, levados por alguma causa diversa da virtude. Por isso, o Filósofo concebe cinco modos pelos quais podemos nos assemelhar aos corajosos como que praticando atos de coragem, sem ter essa virtude. O que se pode dar de três modos. – Primeiro, quando somos levados a praticar ato difíceis como se não o fossem; o que ainda de três modos pode dar–se. Assim, às vezes o fazemos por ignorância, quando não percebemos a grandeza do perigo. Outras vezes, quando temos fundadas esperanças de vencer o perigo; por exemplo., porque por experiência sabemos que dele muitas vezes escapamos. Outras vezes ainda por uma certa ciência e arte, como é o caso dos soldados que, pela perícia que têm no manejo das armas e pelo exercício, não consideram graves os perigos da guerra, confiantes na sua arte de poderem se defender contra eles, como o diz Vegécio: Ninguém teme fazer o que sabe ter bem aprendido. – De outro, praticamos atos corajosos sem termos a virtude da coragem, por impulso da paixão: ou da tristeza. que queremos vencer, ou também da ira. – Em terceiro lugar, por eleição, não, certo, do fim devido; mas, de algum bem temporal a adquirir, por exemplo, a honra, o prazer ou o ganho; ou para evitar alguma desvantagem, por. exemplo, o vitupério, a aflição ou qualquer mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A coragem da alma, como virtude, é assim chamada por semelhança com a coragem do corpo. Mas não contraria à Ideia de virtude quem, por natural temperamento, tiver natural inclinação para a virtude, como se disse.

Art. 6 – Se os outros seis preceitos do decálogo estão convenientemente formulados.

O sexto discute–se assim. – Parece que os outros seis preceitos do decálogo estão inconvenientemente formulados.

1. –– Pois, não basta, para a salvação, deixarmos de fazer mal ao próximo; mas é preciso pagarmos o que lhes devemos, conforme aquilo do Apóstolo: Pagai a todos o que lhes é devido. Ora, os seis últimos preceitos só proíbem fazer mal ao próximo. Logo, os referidos preceitos foram inconvenientemente formulados.

2. Demais. – Os referidos preceitos proíbem homicídio, o adultério, o furto e o falso testemunho. Ora, podemos causar ao próximo muitos outros males, como está claro no que já foi estabelecido. Logo, parece que esses preceitos foram mal formulados.

3. Demais. – A concupiscência pode ser compreendida em dois sentidos, Como um ato da vontade, no sentido da Escritura: O desejo da sabedoria conduz ao reino eterno. Ou como um ato da sensualidade, no sentido de um outro lugar da Escritura. Donde veem ás guerras e contendas entre vós? Não veem elas das vossas concupiscências, que combatem em vossos membros? Ora, nenhum preceito do decálogo proíbe a concupiscência da sensualidade. porque, se o fizesse, os nossos primeiros movimentos, que contrariam um preceito do decálogo, seriam pecados mortais. E também nenhum proíbe a concupiscência da vontade, porque esta em todos se acha incluída. Logo, entre os preceitos do decálogo inconvenientemente foram formulados certos, proibitivos da concupiscência.

4. Demais. – O homicídio é mais grave pecado que o adultério ou o furto. Ora, não foi feito nenhum preceito proibitivo do desejo de homicídio. Logo, também inconvenientemente se fizeram certos preceitos proibitivos do desejo de furto ou de adultério.

Mas, em contrário, a autoridade da Sagrada Escritura.

Solução. – As partes da justiça nos mandam pagar as dívidas, que devemos a certas e determinadas pessoas, a que nos obrigamos por alguma especial razão. Assim também a justiça propriamente dita nos manda pagar o que em geral devemos a todos. Por isso, depois dos três preceitos relativos à religião, que nos mandam cumprir os nossos deveres para com Deus; e depois do quarto preceito, o da piedade filial, pelo qual cumprimos o nosso dever para com os pais e que inclui todas as obrigações fundadas em alguma razão especial, era necessário, por consequência, que se estabelecessem certos preceitos concernentes à justiça propriamente dita, que nos manda cumprir os nossos deveres em geral para com todos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Estamos sujeitos ao dever geral de não fazermos mal a ninguém. Por isso, os preceitos negativos, que nos proíbem os males gerais, que poderíamos causar ao próximo, deviam estar entre os preceitos do decálogo. Quanto, porém às coisas que devemos fazer aos próximos, são diversas e concernem a diversos. Por isso, os decálogo não se deviam incluir preceitos afirmativos, nessa matéria.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os males que podemos causar ao próximo podem se reduzir aos proibidos pelo preceito em questão, como aos que são mais comuns e mais principais. Pois, entende–se que todos os danos, que podemos causar à pessoa do próximo, estão proibidos pela proibição do homicídio, como o mais principal. Os que, porém fizermos a uma pessoa chegada, e sobretudo de modo libidinoso, entendem–se como proibidos simultaneamente com o adultério. Quanto aos danos feitos contra os bens. entendem–se proibidos simultaneamente com o furto. E os pecados da língua, como a detração, a blasfémia e outros, entendem–se proibidos com a proibição do falso testemunho, que contraria mais diretamente à justiça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Pelos preceitos proibitivos da concupiscência não se entende proibido o primeiro movimento delas, circunscrito nos limites ela sensibilidade. Mas entende–se proibido diretamente o consentimento da vontade num ato ou num prazer.

RESPOSTA À QUARTA. – O homicídio, em si mesmo, não move a concupiscência, mas antes lhe repugna, porque não tem em si nenhum bem . Ao passo que o adultério implica o bem deleitável: como o furto, o útil. Ora, por si mesmo, o bem é desejável. Por isso, havia necessidade do um preceito especial proibitivo do desejo do homicídio.

Art. 5 – Se foi bem formulado o quarto preceito, que manda honrar os pais.

O quinto discute–se assim, – Parece que não foi bem formulado o quarto preceito, que manda honrar os pais.

1. – Pois, este preceito concerne ao amor filial. Ora, assim como o amor filial faz parte da justiça, assim também a observância, a gratidão e as outras virtudes de que já se tratou. Logo, parece que não se devia estabelecer nenhum preceito especial sobre a piedade, desde que sobre as outras, nenhum foi estabelecido.

2. Demais. – O amor filial não cultua somente os pais, mas também a pátria, os que nos são chegados pelo sangue e os amigos da pátria, corno se disse. Logo, inconvenientemente o quarto preceito só se refere à honra tributada a pai e mãe.

3. Demais. – Aos pais devemos não só honra e reverência, mas também sustento. Logo, não basta mandar honrar só os pais.

4. Demais. – As vezes sucede morrerem cedo os que honraram os pais; e, ao contrario, os que não os honraram, viverem longamente. Logo, inconvenientemente se acrescentou ao preceito: Para que vivas longamente sobre a terra.

Mas, em contrário é a autoridade da Sagrada Escritura.

SOLUÇÃO. – Os preceitos do decálogo se ordenam ao amor de Deus e do próximo. Ora, dentre os nossos próximos, aos pais e que somos mais obrigados. Por isso, imediatamente depois dos preceitos, que nos ordenam para Deus, vem o que nos ordena para os pais, que são o princípio particular da nossa existência, como Deus é o princípio universal. E então, há uma certa afinidade deste preceito com os da primeira taboa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos, a piedade filial nos manda cumprir os nossos deveres para com os pais, dever geral de todos. Por isso, entre os preceitos do decálogo, que são comuns, devia ser, antes, formulado um relativo à piedade filial, do que às outras partes da justiça, que visam deveres especiais.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os nossos deveres para com os pais tem prevalência sobre o que elevemos à pátria e aos chegados pelo sangue; pois, é por termos recebido de nossos pais a vida, que também temos consanguineos e pátria. Portanto, sendo os preceitos do decálogo os preceitos primeiros da lei, eles nos obrigam primeiro para com os pais do que para com a pátria e os demais consanguíneos. Nem por isso, porem, devemos deixar de entender que o preceito de honrarmos os pais também nos manda cumprir os nossos deveres para com qualquer outra pessoa, como o secundário se inclui no principal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Aos pais, como tais, devemos a honra da reverência. Ao passo que o dever de sustentá–Ios e outros semelhantes são acidentais; por exemplo, porque estão em necessidade ou circunstâncias tais, como dissemos. Ora, tendo o essencial prioridade sobre o acidental, entre os primeiros preceitos da lei, que são os do decálogo, há o que especialmente nos manda honrar aos pais. Mas, entende–se que é esse um mandamento principal, onde também se inclui o dever de os sustentar e tudo o mais que aos pais devemos.

RESPOSTA À QUARTA. – A longevidade é prometida aos que honram os pais, não só na vida futura, mas também nesta, segundo aquilo do Apóstolo: A piedade para tudo é útil, porque tem a promessa da Vida que agora é, e da que há de ser. E racionalmente. Pois, quem é grato a um benefício merece, por consequência, que se lhe conserve o benefício; e quem foi ingrato merece perdê–lo. Ora, o benefício da vida corparal é dos pais que o temos, depois de Deus. Por isso, quem honra os pais, como agradecido a um benefício, merece a conservação da vida; e o que não os honra merece, como ingrato, ser dela privado. Ora, os bens ou os males da vida presente não são meritórios ou demeritórios senão enquanto ordenados à remuneração futura, como dissemos. Por isso, às vezes, por uma razão oculta dos juízos divinos, que visam sobretudo a remuneração futura, certos, embora tivessem sido pios para com os pais, são privados cedo da vida; ao passo que outros, que não o foram, vivem mais longamente.

Art. 4 – Se o terceiro preceito do decálogo, sobre a santificação do sábado, foi bem formulado.

O quarto discute–se assim. – Parece que o terceiro preceito do decálogo, sobre a santificação do sábado, não foi bem formulado.

1. – Pois, este preceito, espiritualmente entendido, é geral, conforme o ensina Ambrósio quando, comentando aquilo ela Escritura: O príncipe da sinagoga, indignado de ver que fazia curas em dia de sábado, diz: A lei não proíbe curar uma pessoa no sábado, mas, fazer obras servis, isto ê, sofrer o jugo do pecado. Mas, entendido literalmente é um preceito cerimonial; pois, diz a Escritura: Vede que guardeis o meu sábado, porque este é o sinal estabelecido entre mim e vós pelas vossas gerações. Ora, os preceitos do decálogo são preceitos espirituais e são preceitos morais. Logo, está este inconvenientemente colocado entre os preceitos dó decálogo.

2. Demais. – Os preceitos cerimoniais da lei concernem às coisas sagradas, aos sacrifícios aos sacramentos e às observâncias, como se estabeleceu. Ora, nas coisas sagradas se incluíam não só os dias sagrados, mas também os lugares e vasos sagrados e coisas semelhantes. Do mesmo modo, havia também muitos dias sagrados, além do sábado. Logo, é inconveniente fazer menção só dá observância do sábado, preteridos todos os outros preceitos cerimoniais.

3. Demais. – Todo aquele que transgride de um preceito do decálogo peca. Ora, na lei antiga, certos, como os que circuncidavam os filhos no oitavo dia, e os sacerdotes que trabalhavam no templo aos sábados, transgrediam a observância do sábado e não pecavam. E Elias certamente viajou no sábado quando caminhou quarenta dias até o monte de Deus, Horeb. Do mesmo modo, os sacerdotes quando, durante sete dias, carregaram a arca do Senhor, entende–se que também a carregaram no dia de sábado. E também o Evangelho diz: Não desprende cada um de vós nos sábados o seu boi ou o seu jumento e não os leva a beber! Logo, estão mal formulados os preceitos do decálogo.

4. Demais. – Os preceitos do decálogo também se devem observar na vigência da lei nova. Ora, na vigência dela, não se observa este preceito, nem quanto ao dia do sábado, nem quanto ao do domingo, dias em que se cozem alimentos, viaja–se, pesca–se e se fazem muitas contra coisas semelhantes. Logo, foi mal formulado o preceito da observância do sábado.

Mas, em contrário, a autoridade da Sagrada Escritura.

SOLUÇÃO. – Afastados os impedimentos à verdadeira religião pelo primeiro e pelo segundo preceito do decálogo, como mostramos, consequentemente devia–se estabelecer o terceiro preceito, que fundasse os homens na verdadeira religião. Ora, o papel da religião é prestar culto a Deus. Mas, como a Escritura nos transmite os ensinamentos divinos, recorrendo a certas semelhanças de coisas corpóreas, assim também prestamos o culto externo a Deus por meio de sinais sensíveis. E como somos levados, sobretudo pela inspiração interior do Espírito Santo ao culto interno, que consiste na oração e na devoção, por isso devia o preceito legal do culto externo ser dado em dependência de algum sinal sensível. Ora, os preceitos elo decálogo são uns como princípios primeiros e comuns da lei. Por isso, o terceiro preceito ordena o culto externo prestado a Deus, como significativo cio benefício comum, que pertence a todos. E isso para representar a obra da criação do mundo, da qual Deus descansou, diz a Escritura, no sétimo dia; para dignificar o que, foi nos mandado santifica–lo, isto é, foi consagrado esse dia para vacarmos a Deus. Por isso, a Escritura, tendo antes posto o preceito da santificação do sábado, dá a razão disso: Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra e descalçou ao sétimo dia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O preceito ela santificação do sábado, literalmente entendido, é em parte, moral e, em parte, cerimonial. – Moral é por destinar o homem um certo tempo da sua vida para vacar a Deus. Pois, o homem tem a inclinação natural de destinar algum tempo às coisas necessárias; assim, à alimentação do corpo, ao sono e a coisas semelhantes. Por isso, também reserva um certo tempo à alimentação espiritual, pela qual a sua alma se nutre de Deus, obedecendo a um ditame da razão natural. Por onde, é de preceito moral reservarmos um certo tempo para vacarmos a Deus.

–– Mas, este preceito é cerimonial quando determina um tempo especial, significativo da criação do mundo. Do mesmo modo, é cerimonial, quando alegoricamente significa o repouso de Cristo no sepulcro, ao sétimo dia. E também o é, quando significa, moralmente, o fim de todos os atos pecaminosos e o descanso do nosso coração em Deus; mas, neste sentido, também de certo modo é um preceito geral. Do mesmo modo, ainda, é um preceito cerimonial quando, em sentido analógico, prefigura o repouso na fruição de Deus, como teremos a pátria, – Por onde, o preceito de santificar o sábado conta–se entre os do decálogo, como preceito moral e não, como cerimonial.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As outras cerimonias da lei são sinais de certos efeitos particulares de Deus, Ao passo que a observância do sábado é significativa do benefício geral da produção de todas as criaturas. Logo, mais que qualquer outro preceito cerimonial da lei, devia ser posto entre os preceitos gerais do decálogo.

RESPOSTA Á TERCEIRA. – Duas coisas devemos considerar na observância do sábado: –­ Uma é como que o fim, que é vacarmos às coisas divinas, e está expresso nestas palavras: Lembra–te de santificar o dia de sábado. Pois, a lei considera santificadas as coisas aplicadas ao culto divino, – Outra é cessar das obras, expresso pelas palavras: No sétimo dia do Senhor teu Deus não farás obra alguma. E a que obras se refere deduz–se de outro lugar: Não fareis nele obra alguma servil.

Ora, a expressão – obra servil – vem de servidão, da qual há três espécies. Uma pela qual o homem serve o pecado, conforme aquilo do Evangelho: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. E neste sentido, toda obra pecaminosa se chama servil, – Uma segunda servidão é a pela qual um homem serve a outro. Ora, um é escravo de outro não pela alma, mas pelo corpo, como se estabeleceu, Por onde, neste sentido chamam–se obras servis as obras corpóreas, pelas quais um homem serve a outro. – A terceira é a servidão pela qual servimos a Deus. E, neste sentido, poderíamos chamar servil ao culto de latria, que concerne ao serviço de Deus.

Ora, entendida nesta acepção, a obra servil não é proibida no sábado; porque se o fosse, isso contrariaria ao fim que implica a observância do sábado. Pois, se nesse dia nos abstemos das outras obras servis, é para vacarmos às que concernem ao serviço de Deus. E é por isso que, como diz o Evangelho, recebe um homem a circuncisão em dia de sábado por não se violar a lei de Moisés. E também por isso diz ainda o Evangelho, que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado, isto é, trabalham corporalmente no sábado, e ficam sem pecado. Portanto, os sacerdotes que carregaram a arca no sábado não transgrediram o preceito da observância desse dia. Do mesmo modo, não é contra a observância do sábado a prática de nenhum ato espiritual  por exemplo, ensinar oralmente ou por escrito. Por isso, interpretando um lugar da Escritura, diz a Glosa: Os ferreiros e outros artífices descansam; no dia do sábado; ao contrário, nem o leitor nem o doutrinador da lei divina cessam o seu trabalho, sem que profanem o sábado, assim como os sacerdotes, apesar de o quebrantarem no templo, não o violam.

Mas as outras obras servis, no primeiro e no segundo sentido, contrariam à observância do sábado, por impedirem o homem de se aplicar ao serviço divino. E como desse serviço ele fica impedido, mais pela obra do pecado do que pela obra lícita, embora corpórea, por isso, contraria mais esse preceito quem peca num dia santo do que quem faz, nesse dia, uma obra corpórea. Donde o dizer Agostinho: Um Judeu, trabalhando no seu campo, faria obra mais útil, do que fazendo sedição no teatro. E a mulher judia andaria melhor fiando a lã no dia do sábado, do que dançando impudicamente nesse dia. – Mas, quem peca venialmente, contra a observância do sábado não contraria o preceito, porque o pecado venial não priva da santidade.

Quanto às obras corpóreas concernentes ao mito espiritual de Deus, elas se chamam servis se forem comuns aos escravos e aos livres. Pois, qualquer um, tanto escravo como livre, está obrigado a ocorrer, nas suas necessidades, tanto a si mesmo como ao próximo, sobretudo no que respeita à saúde do corpo, conforme à Escritura; Tira do perigo aqueles que são levados à morte. Mas, secundariamente, também para evitar um dano material, ainda conforme à Escritura: Vendo extraviados o boi ou a ovelha de teu irmão, não passará, de largo, tuas conduzi–Ios–ás a teu irmão. Portanto, uma obra corporal, que visa conservar a saúde do nosso próprio corpo, não viola o sábado; pois, não é contra a observância do sábado comermos nem praticarmos outros atos como esses, com o fim ele conservarmos a vida do corpo. Por isso, os Macabeus não profanaram o sábado, lutando nesse dia, pela sua defesa, como se lê na Escritura, Nem Elias quando, no sábado, fugiu da presença de Jesabel. E ainda por isso o Senhor desculpou os discípulos que, no dia do sábado, colhiam espigas para ocorrerem à necessidade que sofriam. – Do mesmo modo, não vai contra a observância do sábado a obra corporal ordenada a conservar a vida corpórea de outrem, conforme aquilo do Evangelho: Vós vos indignais que eu em dia de sábado curasse a todo um homem? – Semelhantemente; também não viola o sábado a obra corporal ordenada a evitar um dano iminente sobre um bem material. Donde o dizer o Senhor: Que homem haverá por acaso entre vós que tenha uma ovelha e que se esta lhe cair no sábado em urna cova, não lhe lance a não para dali a tirar?

RESPOSTA À QUARTA. – A observância do dia do domingo sucedeu, na lei nova, à do sábado, não em virtude de um preceito de lei; mas, pela constituição da Igreja e pelo costume do povo cristão. Nem essa observância é figurada, como o era a do sábado, na lei antiga. Por isso, não é tão rigorosa a proibição de trabalhar no domingo como o era no dia do sábado; pois, certas obras, como a de cozer os alimentos e outros, são permitidas no domingo, que eram proibidas no sábado. E também mais facilmente, na vigência da lei nova, que na da lei antiga, se obtém licença de fazer certas obras proibidas, por causa de necessidade. Porque a figura serve para manifestar a verdade, que nem em parte mínima deve ser modificada; ao contrário, as obras, em si mesmas consideradas, podem mudar–se conforme o lugar e o tempo.

Art. 3 – Se o segundo preceito do decálogo foi bem formulado.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o segundo preceito do decálogo não foi bem formulado.

1. – Pois, o preceito – Não tomaras o nome do Senhor teu Deus em vão – assim o explica a Glosa: Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, isto é, dando o nome de Deus a um pedaço de madeira ou de pedra. Pelo que se proíbe a falsa profissão de religião, que é um neto de infidelidade, bem como o erro. Ora, a infidelidade é anterior à superstição, assim como a fé, à religião.

2. Demais. – Recorremos ao nome de Deus para muitos fins: para louvá–lo, para fazer milagres e, em geral, para apoiar o que quer que digamos ou façamos, conforme aquilo do Apóstolo: Tudo quando fizerdes, seja de palavra ou de obra, fazei tudo isso em nome de Deus. Logo, o preceito, que proíbe tomar o nome de Deus em vão, parece mais universal que o proibitivo da superstição. Logo, devia ter precedência sobre ele.

3. Demais. – O preceito da Escritura: Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão é assim explicado – Jurando sem motivo. Por onde, esse mandamento proíbe jurar em vão, isto é, levianamente. Ora, muito mais grave é o juramento falso, que contraria à verdade; e o juramento injusto, que contraria à justiça. Logo, o preceito em questão devia ter proibido antes esses juramentos.

4. Demais. – Muito mais grave pecado é a blasfémia, qualquer palavra ou ato injurioso de Deus, do que o perjúrio. Logo, antes a blasfémia e tais palavras e atos é que deviam ser proibidos pelo referido preceito.

5. Demais. – São muitos os nomes de Deus. Logo, o preceito não devia dizer indeterminadamente: Não tomarás o nome de Deus em vão.

Mas, em contrário, a autoridade da Escritura.

Solução. – A aquele que se educa para a virtude, é preciso primeiro estirpar–lhe os obstáculos, que o afastam ela verdadeira religião, do que fundá–la nela. Ora, um obstáculo pode se opor à religião, de dois modos. Por excesso, fazendo–nos atribuir a outro, indebitamente, o que a religião pertence; e isso constitui a superstição. Ou por falta de reverência, como quando, por exemplo, desprezamos a Deus, o que constitui o pecado de irreligião, como estabelecemos. Ora, a superstição impede–nos a prática da religião, desviando–nos de prestar culto a Deus. Pois, quem tem a alma presa a um culto indevido não pode ao mesmo tempo prestar a Deus o culto que deve, conforme aquilo da Escritura: Estreita é a cama, de sorte que um dos dois há de cair, do coração do homem, isto é, o Deus verdadeiro ou o falso; e um cobertor curto não pode cobrir a um e outro. E quanto à irreligião, ela impede a religião, fazendo–nos não honrar ao Deus em que cremos. Pois, primeiro devemos crer no Deus, que devemos adorar, do que adorá–lo. Por isso, segundo o preceito, que proíbe a superstição, vem antes do que proíbe o perjúrio, que supõe a irreligião.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ As interpretações citadas são místicas. A literal é a que está na Escritura: Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, isto é, jurando sem motivo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O presente preceito não proíbe tomar o nome de Deus de qualquer modo que seja, mas só para confirmar as nossas palavras, com juramento, porque este é o caso em que mais frequentemente a tomamos. Mas, como consequência, podemos incluir nessa proibição todo uso do nome ele Deus, desordenadamente. E é esse o fundamento das interpretações supra referidas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Dizemos que jura sem motivo quem o faz quando não eleve; o que constitui juramento falso, denominado principalmente perjúrio, como dissemos. Pois, quando alguém jura falso, o seu juramento é vão por natureza, porque não se funda na verdade. E quando alguém jura sem discernimento e levianamente, mas com verdade, o juramento não é em si mesmo vão, mas o é somente por parte de quem o profere.

RESPOSTA À QUARTA. – Assim como ao que está aprendendo uma ciência, primeiro se lhe dá um certo ensino comum, assim também a lei contida nos preceitos do decálogo, que deve levar o homem a ser virtuoso e que são os preceitos primeiros, propõe–lhe, proibindo ou ordenando, o que comumente costuma acontecer no decurso da vida humana. Por isso. entre esses preceitos, está a proibição do perjúrio, mais frequente que a blasfémia, na qual o homem cai mais raramente.

RESPOSTA À QUINTA. – Devemos reverência aos nomes de Deus, por causa da realidade que significam que é só uma; não em razão das significações das palavras, que são muitas. Por isso, a Escritura diz, no singular – Não tomarás o nome de teu Deus em vão, – pois, pouco importa qual seja o nome de Deus, que foi objeto de perjúrio.

Art. 2 – Se o primeiro preceito do decálogo está bem formulado.

O segundo discute–se assim. – Parece que o primeiro preceito do decálogo está mal formulado.

1. – Pois, temos maiores obrigações para com Deus do que para com o nosso pai carnal, conforme às palavras do Apóstolo: Como não obedeceremos muito mais ao Pai dos espíritos e viveremos? Ora, o preceito de honrarmos os nossos pais é formulado afirmativamente, nestas palavras: Honra a teu pai e a tua mãe. Logo, com maioria de razão, devia ter sido formulado afirmativamente o primeiro preceito da religião, que manda honrar a Deus, sobretudo porque a afirmação tem anterioridade sobre a negação.

2. Demais. – O primeiro preceito do decálogo versa sobre a religião, como se disse. Mas, à religião, sendo uma virtude, cor responde um só ato. Ora, o primeiro preceito proíbe três atos. Assim, primeiro diz: Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Depois: Não farás para ti imagens de escultura. E, enfim, terceiro: Não as adorarás nem lhes darás culto. Logo, o primeiro preceito está mal formulado.

3. Demais. – Agostinho diz que o primeiro preceito exclui o vício da superstição. Ora, há muitas outras superstições nocivas, além da idolatria, como se disse. Logo, não basta ser proibida só a idolatria.

Mas, em contrário, a autoridade da Escritura.

SOLUÇÃO. – É próprio da lei tornar os homens bons. Por isso, os preceitos de lei devem ser dispostos numa ordem conveniente, de modo a engendrar a bondade no homem. Ora, na ordem da geração, duas coisas devemos considerar. – A primeira: a parte que ocupa o primeiro lugar deve ser gerada primeiro; assim na geração do animal, primeiro é geral o coração, na construção de uma casa, primei o se lançam os fundamentos; e na bondade da alma, a primeira parte é a da vontade, que nos possibilita usarmos bem de qualquer outra vontade. Ora, a bondade da vontade depende do seu objeto, que é o fim. Por onde, naquele que a lei deve educar para a virtude, deve primeiro lançar o fundamento da religião, que ordena devidamente o homem para Deus, fim último da vida humana. – Em segundo lugar, devemos atender, na ordem da geração que primeiramente sejam eliminados as obstáculos e os impedimentos; assim, o agricultor primeiro amanha o campo para depois lançar a semente, como diz a Escritura : Alqueivai para vós o pousio e não semeieis sobre espinhos. Portanto, em matéria de religião, o homem deve primeiro ser educado de macio a se eliminarem os obstáculos à verdadeira religião. Ora, o principal obstáculo à religião é o homem prestar culto aos falsos deuses, conforme àquilo da Escritura: Não podeis servir a Deus, às riquezas. Por isso, o primeiro preceito da lei exclui o culto dos falsos deuses.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Também em matéria de religião há um preceito afirmativo: Lembra–te de santificar o dia do sábado. – Mas, deviam dar–se primeiro os preceitos negativos, que afastassem os impedimentos à religião. Pois, embora a afirmação seja naturalmente anterior à negação, contudo, na ordem da geração, a negação, que remove os impedimentos, é anterior, como se disse. E sobretudo, nas coisas divinas, em que as negações têm anterioridade sobre as afirmações, por causa da nossa insuficiência, como diz Dionísio. 

RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos certos observavam o culto dos deuses estranhos. Assim, uns prestavam culto divino a certas criaturas, sem recorrerem a imagens. Donde o dizer Varrão, que os antigos Romanos cultuaram muito tempo os deuses, sem imagens. E este culto era proibido, primeiro, pelo mandamento: Não terás deuses estrangeiros. Pois, os outros povos prestavam culto aos falsos deuses sob determinadas imagens. Por isso, foi também oportunamente proibido fabricar tais imagens, com o mandamento: Não farás para ti imagens de escultura. E o culto das mesmas, com o outro: Não as adorarás, etc.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Todas as superstições procedem de um certo pacto feito com o demónio, tácito ou expresso. Por isso, estende–se que todas estão proibidas, pelo mandamento: Não terás deuses estrangeiros.

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