Category: Santo Tomás de Aquino
O sexto discute–se assim. – Parece que a avareza não é pecado espiritual.
1. – Pois, os pecados espirituais parece que têm por objeto os bens espirituais. Ora, a matéria da avareza são os bens corporais, a saber, as riquezas. Logo, a avareza não é pecado espiritual.
2. Demais. – O pecado espiritual se divide por oposição com o carnal. Ora, parece que a avareza é um pecado carnal, pois, resulta da corrupção da carne, como o demonstram os velhos, que nela caem por fraqueza da sua natureza carnal. Logo, a avareza não é pecado espiritual.
3. Demais. – O pecado carnal é o que causa desordem também no corpo do homem, segundo aquilo do Apóstolo: O que comete fornicação peca contra o seu próprio corpo. Ora, a avareza também macula o corpo humano por isso, Crisóstomo compara o avarento ao demoníaco, atormentado no seu corpo. Logo, a avareza não parece ser pecado espiritual.
Mas, em contrário, Gregório enumera a avareza entre os vícios espirituais.
SOLUÇÃO – Os pecados consistem principalmente na afeição. Ora, todas as afeições ou paixões da alma acabam em prazer ou em dor, como está claro no Filósofo. Mas, dos prazeres, uns são carnais e outros espirituais. Chamam–se carnais aqueles que tem o corpo como objeto, e tais os da mesa e da geração; espirituais são os que consistem na só apreensão da alma. Por onde, consideram–se pecados carnais os que se consumam só nos prazeres carnais; e os espirituais os que se consumam nos prazeres espirituais, sem os deleites da carne. E tal é a avareza; pois, o avarento se deleita em ver que é possuidor de riquezas. Logo, a avareza é um pecado espiritual.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A avareza não procura gozar, com as coisas materiais, um prazer corpóreo, mas, só, espiritual; isto é, o avarento se deleita em possuir as riquezas. Logo, não é um pecado carnal. Mas, em razão do seu objeto, é um meio termo entre os pecados puramente espirituais, que buscam o prazer espiritual com objetos espirituais, como, por exemplo, a soberba, que visa a excelência; e os vícios puramente carnais, que buscam o prazer puramente corporal com um objeto material.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O movimento se especifica pelo seu termo final e não, pela sua origem. Por isso, chama–se carnal o vício que busca um prazer carnal e não o que procede de algum defeito carnal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Crisóstomo compara o avarento ao demoníaco, não por ser, como este, atormentado na carne, mas, por oposição. Pois, assim como aquele demoníaco do Evangelho se desnudava assim, o avarento se sobrecarrega de riquezas supérfluas.
O quinto discute–se assim. – Parece que a avareza é o máximo dos pecados.
1. – Pois, diz a Escritura: Não há coisa mais detestável que o avarento; e logo depois acrescenta: Não há coisa mais injusta que amar o dinheiro; porque um tal homem vende a sua mesma alma. E Túlio diz: Nada denuncia mais uma alma acanhada e pequena, do que amar o dinheiro. Ora, isto é a avareza. Logo, a avareza é o gravíssimo dos pecados.
2. Demais. – Um pecado é tanto mais grave quanto mais contrário à caridade. Ora, a avareza é o que mais a contraria; pois diz Agostinho, que o veneno o da caridade é a cobiça. Logo, a avareza é um pecado mortal.
3. Demais – É da gravidade do pecado ser irremediável; por isso se diz que é irremisível o pecado contra o Espírito Santo. de todos o mais grave. Ora, a avareza é um pecado irremediável; por isso diz o Filósofo, que é a velhice, como todas as fraquezas, que faz os homens iliberiais. Logo, a avareza é o gravíssimo dos pecados.
4. Demais. – O Apóstolo diz: A avareza é o culto dos ídolos. Ora, a idolatria é considerada entre os pecados gravíssimos. Logo, também a avareza.
Mas, em contrário, o adultério é mais grave pecado que o furto, segundo a Escritura. Ora, o furto está incluído na avareza. Logo, a avareza não é o gravíssimo dos pecados.
SOLUÇÃO. – Todo pecado, sendo um mal, consiste numa certa corrupção ou privação de algum bem; e, como voluntário que é, consiste no desejo de algum bem. Por onde, podemos considerar uma dupla ordem de pecados. Uma relativa ao bem desprezado ou corrompido pelo pecado, o qual, quanto maior, tanto mais grave é o pecado. Ora, assim sendo, o pecado contra. Deus é o gravíssimo; logo depois dele vem o pecado contra a pessoa humana; em seguida, o que é contra as coisas exteriores, destinadas ao uso humano, sendo nessa ordem que se inclui o pecado da avareza. A outra luz, podemos considerar o grau dos pecados relativamente ao bem a que se deixa desordenadamente prender o apetite humano; o qual bem, quanto menor for, tanto maior será a deformidade do pecado; pois, é mais desonesto deixarmo–nos atrair por um bem inferior do que um superior. Ora, o bem das coisas exteriores é o ínfimo dos bens humanos; pois, é menos que o bem do corpo, que por sua vez é inferior ao da alma, Que é sobrepujado pelo bem divino. E, assim sendo, o pecado da avareza, que nos leva a sujeitar o apetite, mesmo às cousas exteriores, tem de certo modo maior deformidade. Mas, como a corrupção ou privação de um bem é o que o pecado tem de formal, sendo o seu elemento material o fazer–nos voltar para os bens transitórios, devemos julgar da gravidade do pecado mais pelo bem que ele corrompe do que pelo bem do qual o apetite se deixa levar. Por onde, devemos concluir que a avareza não é, absolutamente falando, o máximo dos pecados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os lugares citados se referem à avareza relativamente ao bem por que se deixa levar o apetite. Por isso. a Escritura acrescenta, como razão, que o avarento vende até a sua mesma alma; porque expõe a sua alma, isto é, a sua vida, a perigos, por amor ao dinheiro. E por isso ainda acrescenta: Pois que ele se despojou em sua vida, isto é, desprezou as próprias entranhas, para ganhar dinheiro. E Túlio aponta ser próprio de uma alma acanhada consentir em sujeitar–se ao dinheiro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar aduzi o Agostinho considera a cobiça em sentido geral, cama a de qualquer bem temporal; e não enquanto tomada pela avareza, em sentido especial. Pois, a cobiça de qualquer bem temporal é o veneno da caridade, porque nos faz desprezar o bem divino para nos apegarmos a um bem temporal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O pecado contra o Espírito Santo é insanável de um modo e a avareza, de outro. Pois, o pecado contra o Espírito Santo é irremediável por causa do desprezo; isto é, por se desprezar a misericórdia ou a justiça divina, ou qualquer dos meios que nos purificam do pecado. Portanto, tal irremediabilidade implica em maior gravidade do pecado. Ao passo que a avareza é irremediável por defeito humano, no qual sempre cai: a natureza humana; porque, quanto mais defeitos tivermos tanto mais precisaremos do adminículo dos bens externos e, portanto, mais descambarernos para a avareza. Por onde, essa irremediabilidade não indica maior gravidade do pecado, mas, de certo modo, e mais perigosa.
RESPOSTA À QUARTA. – A avareza é comparável à idolatria por uma certa semelhança que tem com ela; porque, como a idolatria nos sujeita a uma criatura exterior, assim também o avarento. Mas não do mesmo modo; pois, a idolatria nos sujeita à criatura exterior, fazendo–nos prestar–lhe culto divino; ao passo que o avarento se sujeita a tal criatura, cobiçando–a imoderadamente para seu uso e não para lhe prestar culto. Por onde, a avareza não tem necessariamente tamanha gravidade como a idolatria,
O quarto discute–se assim. – Parece que a avareza sempre é pecado mortal.
1. – Pois, ninguém digno de morte senão por causa do pecado mortal. Ora, pela avareza os homens são dignos de morte, conforme o Apóstolo, que, depois de ter dito: Cheios de toda iniquidade, de fornicação, de avareza, acrescenta: Os que fazem semelhantes coisas são dignos de morte. Logo, a avareza é pecado mortal.
2. Demais. –– O que há de mínimo na avareza é conservarmos o que é nosso desordenadamente. Ora, isto parece pecado mortal, conforme o que diz Basílio: O pão que reténs é do faminto; a túnica, que conservas, do nú; do necessitado, o dinheiro que possuis. Portanto, práticas tontas injustiças quantos bens que poderias fazer. Ora, fazer injustiças aos outros é pecado mortal, porque contraria o amor devido ao próximo. Logo, com maior razão, a avareza é pecado mortal.
3. Demais. – Só o pecado mortal causa a cegueira espiritual, que priva a alma da luz da graça. Ora, segundo Crisóstomo, a treva da alma é a cobiça do dinheiro. Logo, a avareza, que é a cobiça do dinheiro, é pecado mortal.
Mas, em contrário, àquilo elo Apóstolo – Se alguém levanta sobre este fundamento, etc. – diz a Glosa: A madeira, o feno, e a palha são empregados nesta construção por aquele que pensa nas coisas do mundo e que se preocupa com lhe agradar; o que constitui o pecado de avareza. Ora, quem constrói com madeira, feno e palha não peca mortalmente, mas venialmente; pois, dele diz ainda o Apóstolo: Será salvo como que pelo fogo. Logo, a avareza é, às vezes, pecado venial.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a avareza tem dupla acepção. – Numa, ela se opõe à justiça; e então é genericamente pecado mortal e consiste na aquisição ou retenção injusta dos bens alheios, o que constitui roubo ou furto, que são pecados mortais como estabelecemos. Mas, neste gênero de avareza, o pecado pode ser venial, por imperfeição do ato, corno dissemos ao tratar do furto. – Noutra acepção, a avareza pode ser considerada enquanto oposta à Iiberalidade; e então implica amor desordenado das riquezas. Será portanto a avareza pecado mortal se o amor às riquezas for tamanho, que se sobreponha à caridade e nos leve a proceder contra o amor de Deus e o do próximo. Mas, será pecado venial se, embora amando as riquezas mais do que o deveríamos, não antepusermos esse amor desordenado ao divino, nem consintamos em, por causa delas, praticar qualquer ato contrário a Deus e ao próximo.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A avareza é enumerada entre os pecados mortais, quando realiza a noção desse pecado.
RESPOSTA A SEGUNDA. – Basílio se refere ao caso em que estamos obrigados, por um dever legal, a dar os bens aos pobres, por preméncia da necessidade ou ainda por os possuirmos com superfluidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A cobiça das riquezas entenebrece a alma, propriamente, quando exclui o lume da caridade, sobrepondo o amor das riquezas ao divino.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a avareza não se opõe à liberalidade.
1. – Pois, àquilo do Evangelho – Bem–aventurados os que tem fome e sede de justiça – diz Crisóstomo que há duas sortes de justiça uma geral e outra, especial, à que se opõe a avareza. E isso mesmo diz o Filósofo. Logo, a avareza não se opõe à liberalidade.
2. Demais. – O pecado da avareza consiste em ultrapassarmos a medida, na posse das coisas. Ora, é a justiça que estabelece essa medida. Logo, a avareza se opõe diretamente à justiça e não, à liberalidade.
3. Demais. – A liberalidade é uma virtude média entre dois vícios contrários, como está claro no Filósofo. Ora, não há pecado contrário e oposto à avareza, como também está claro no Filósofo. Logo, a avareza não se opõe à liberalidade.
Mas, em contrário, a Escritura: O avarento nunca, jamais se fartará de dinheiro, e o que ama as riquezas não tirará delas fruto. Ora, não se fartar de dinheiro e amá–las desordenada; mente é contrário à liberalidade, que realiza o meio termo no uso das riquezas. Logo, a avareza se opõe à liberalidade.
SOLUÇÃO. – A avareza implica a falta de moderação no adquirirmos as riquezas, de dois modos. Imediatamente, no adquiri–las e conservá–las, quando se adquire dinheiro indebitamente, furtando ou retendo o alheio. E então ela se opõe à justiça e é nesse sentido que fala a Escritura: Os seus príncipes eram no meio dela como uns lobos que arrebatam a sua presa para derramar o sangue e para correr atrás do ganho para satisfazer a sua avareza. – De outro modo, quando faltamos da moderação nos afetos internos em relação elas; por exemplo, amando–as ou desejando–as com excesso, ou comprazendo–nos nelas exageradamente, mesmo sem nos apoderarmos das coisas alheias. E deste modo, a avareza se opõe à liberalidade, que modera essas afeições, como dissermos. Sendo nesse sentido que fala o Apóstolo: Que preparem a bênção. já prometida, que ela este já pronta, assim como bênção, não como avareza. Ao que diz Glosa; isto é, que se condoam com o dom e seja pouco o que dêem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Crisóstomo e o Filósofo se referem à avareza no primeiro sentido. Quanto à avareza, no segundo sentido, o Filósofo a denomina iliberalidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A justiça propriamente determina a medida na aquisição e conservação das riquezas, em dependência do que exige o débito legal, de modo que não adquiramos nem conservemos o alheio. Ora, a liberalidade constitui uma medida racional: principalmente, eles afetos internos; e por consequência, da aquisição externa e da conservação das riquezas e do gasto delas, enquanto procedentes do afeto interior. E não pela observância do débito legal mas do débito moral, dependente da regra da razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A avareza, enquanto oposta à justiça, não tem vicio oposto. Porque a avareza consiste em termos mais do que o deveríamos, por justiça; ao que se opõe o ter menos, o que não constitui culpa mas, pena. Ora, a avareza, enquanto oposta à liberalidade, tem como oposto o vício da prodigalidade.
O segundo discute–se assim. – Parece que a avareza não é um pecado especial.
1. – Pois, diz Agostinho: A avareza, chamada em grego philarguria, não tem por objeto só o dinheiro ou a moeda, mas tudo o de que nos apossamos imoderadamente. Ora, todo pecado supõe a cobiça imoderada de alguma causa; porque o pecado consiste em nos apegarmos aos bens transitórios, desprezando o bem eterno, como se disse. Logo, a avareza é um pecado geral.
2. Demais. – Segundo Isidoro, o avarento é assim chamado por ser como que ávido do dinheiro (avidus aeris), ou dos bens pecuniários: e em grego se chama philarguria, isto é, amor do dinheiro. Ora, o dinheiro, significativo dos bens pecuniários, abrange todos os bens exteriores, cujo valor pode ser medido pela moeda, como se estabeleceu. Logo, a avareza consiste no desejo de qualquer causa exterior. E portanto, parece ser um pecado geral.
3. Demais. – Aquilo do Apóstolo – Porque eu não conhecia a concupiscência – diz: É Glosa: É boa a lei porque, proibindo toda concupiscência, proíbe todo mal. Ora, parece que a lei proíbe especialmente a concupiscência da avareza, quando diz: Não cobiçarás os bens do teu próximo, Logo, a cobiça da avareza constitui todo o mal e portanto, a avareza é um pecado geral.
Mas, em contrário, o Apóstolo enumera a avareza entre os outros pecados especiais, quando diz: Cheios de toda iniquidade de malícia, de fornicação, de avareza, etc.
SOLUÇÃO. – Os pecados se especificam pelos seus objetos, como dissemos. Ora, o objeto do pecado é o bem que busca o apetite desordenado. Portanto, a cada espécie de bem desordenado que desejamos, corresponde um pecado de natureza especial. Mas, uma é a natureza do bem útil e outra, a do deleitável. Ora, as riquezas constituem essencialmente uma utilidade, pois, nós as desejamos na medida em que nos satisfazem às necessidades. Por onde, a avareza é um pecado especial, pois, é o amor imoderado de ter posses, designadas pelo nome de dinheiro e das quais a avareza tirou a sua denominação.
Mas o verbo ter que, na sua significação primordial, se aplica às nossas posses, causas de que somos totalmente senhores, se aplica também a muitos outros bens; assim, dizemos que o homem tem saúde, mulher, roupas e bens semelhantes, como se vê em Aristóteles. E por consequência, o nome de avareza foi ampliado, significando todo desejo imoderado de ter qualquer coisa, Assim, Gregório diz: A avareza tem por objeto, não só o dinheiro, mas também a ciência e as grandezas quando aspiramos a nos elevar sem medida. Portanto, é um pecado especial. E também nesse sentido é que Agostinho se refere à avareza, no lugar citado.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os bens exteriores, que servem ao uso da vida humana, recebem a denominação de dinheiro, enquanto são de natureza útil. Mas, há certos bens exteriores, como os prazeres, as honras e outros semelhantes, que podemos obter com o dinheiro, e que correspondem a outra noção de apetibilidade. Por isso, o desejo deles não se chama propriamente avareza, enquanto esta é um vício especial.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A Glosa citada se refere à concupiscência desordenada de uma coisa. Pois, pode–se entender que a proibição de cobiçarmos a posse de certas coisas abrange a cobiça de quaisquer outras que, por meio daquelas, possamos adquirir.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a avareza não é pecado.
1. – Pois, a avareza significa como que a avidez do dinheiro (aeris aviditas), por consistir no desejo dele, que se pode entender como abrangendo todos Os bens externos. Ora, desejar tais bens não é pecado. Pois, o homem naturalmente os deseja, quer por lhe estarem naturalmente sujeitos, quer por lhe conservarem li vida, chamando–se por isso substância do homem. Logo, a avareza não é pecado.
2. Demais. – Todo pecado ou é contra Deus, ou contra o próximo ou contra nós mesmos, como se estabeleceu. Ora, a avareza não é propriamente pecado contra Deus, pois, não se opõe nem à religião, nem às virtudes teologais, que para ele nos ordenam. Nem é pecado contra nós mesmo, que propriamente pertenceria à gula e à luxúria, da qual o Apóstolo diz: O que comete fornicação peca contra o seu próprio corpo. Do mesmo modo, não o é contra o próximo pois, conservando o que é nosso, a ninguém prejudicamos. Logo, a avareza não é pecado.
3. Demais. – O que existe naturalmente não é pecado. Ora, a avareza naturalmente resulta da velhice e de qualquer outra deficiência, como diz o Filósofo. Logo, a avareza não é pecado.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Sejam os vossos costumes sem avareza. contentando–vos com as coisas presentes.
SOLUÇÃO. – Sempre que o bem consiste numa determinada medida, necessariamente o excesso ou o defeito nessa medida provoca o mal. Ora, de tudo o que visa um fim, o bem consiste numa medida determinada; pois, por força, os meios hão de ser proporcionados ao fim, como, por exemplo, o remédio, à saúde, conforme o Filósofo. Ora, os bens externos são, por natureza, bens úteis, em relação ao fim, segundo dissemos. Por onde e necessariamente, o bem do homem, em relação a eles, há de consistir· numa certa medida; isto é, enquanto, por uma medida determinada, ele busca as riquezas externas, como lhe sendo necessárias à vida, segundo a sua condição. Portanto, no excesso dessa medida consiste o pecado; isto é, quando buscamos adquiri–las ou conservá–las sem atendermos ao modo conveniente. Ora, proceder desse modo constitui a avareza, na sua essência, que é definida: o amor imoderado de possuir. Por onde é claro que a avareza é pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – O desejo das coisas externas é natural ao homem, como meio que o conduz ao seu fim. Portanto, esse desejo não é vicioso na medida em que está compreendido na regra, deduzida da ideia do fim. Ora, a avareza ultrapassa essa regra. Logo, é pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A avareza pode implicar o desejo das coisas externas, de dois modos. – Imediatamente, no concernente à aquisição ou conservação delas, quando as adquirimos ou conservamos sem observar a regra devida. E então é diretamente pecado contra o próximo; porque, não podendo os bens temporais ser possuídos simultaneamente por muitos, não pode um superabundar de riquezas externas sem que outro tenha falta deles. – De outro modo, pode implicar falta de moderação relativamente aos nossos afetos internos, concernentes às riquezas; por exemplo, amando–as, desejando–as e com elas nos deleitando imoderadamente. E então a avareza é um pecado contra nos mesmos, porque, assim procedendo, desordenamos os nossos afetos, embora não ponhamos desordem em nosso corpo, como o fazemos com a prática dos vícios carnais. E por consequência, é um pecado contra Deus, como o são todos os pecados mortais, fazendo–nos desprezar o bem eterno, pelos temporais.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As inclinações naturais devem ser reguladas pela razão, que tem o principado, em a natureza humana. Por onde, embora os velhos, por deficiência natural, busquem. mais avidamente um ponto de apoio nas causas externas, assim como todos os necessitados buscam suprir às suas necessidades, nem por isso ficam escusados do pecado, se não levarem em conta a devida medida racional relativa a essas riquezas.
O sexto discute–se assim. Parece que a liberalidade é a maior das virtudes.
1. – Pois, toda virtude humana é uma semelhança da bondade divina. Ora, pela liberalidade é que mais nos assemelhamos a Deus, que a todos dá liberalmente e não impropera, como diz a Escritura. Logo, a liberalidade é a máxima das virtudes.
2. Demais. – Segundo Agostinho, quando não se trata da grandeza material, ser maior é ser melhor. Ora, parece que a bondade pertence por essência à liberalidade, porque o bem é difusivo, como está claro em Dionísio. Por isso diz Ambrósio, que a justiça exerce a censura, e a liberalidade, a bondade. Logo, a liberalidade é a máxima das virtudes.
3. Demais. – Os homens são honrados e amados por causa da virtude. Ora, Boécio diz: É a largueza sobretudo que torna os homens famosos. E o Filósofo escreve que dentre os virtuosos mais são amados os liberais. Logo, a liberalidade é a máxima das virtudes.
Mas, em contrário, diz Ambrósio que a justiça é mais excelsa que a liberalidade, mas a liberalidade é mais digna de gratidão. E o Filósofo também diz, que são mais honrados os fortes e os justos; e depois deles, os liberais.
SOLUÇÃO. – Toda virtude tem por fim algum bem. Por onde, tanto melhor é ela, quanto maior é o bem que busca. Ora, a liberalidade tem por fim um bem, de dois modos: primariamente e em si mesma, e consequentemente. – Primariamente e em si mesma, tende a regular as nossas afeições relativamente à posse e ao uso das riquezas. Então, a esta luz, a temperança, que modera as concupiscências e os desejos relativos ao nosso próprio corpo, é mais digna que a liberalidade; como também o são a coragem e a justiça, que nos ordenam, cada qual a seu modo, ao bem comum – uma no tempo da paz e outra, no da guerra. Mas, a todos tem preeminência as virtudes que ordenam ao bem divino. Pois, este é superior a qualquer bem humano; e, na ordem dos bens humanos, o bem público tem preeminência sobre o privado, onde ainda o bem do corpo é superior ao das causas externas. – De outro modo; a liberalidade se ordena a um determinado bem, por consequência. E, assim, a liberalidade se ordena a todos os bens referidos; pois, quem não é apegado ao dinheiro, facilmente o gasta, tanto consigo mesmo, como em utilidade dos outros e para honra de Deus. Por onde, tem uma certa excelência, por ser útil a muitos. Mas, como as causas são julgadas pelo que primaria e essencialmente lhes convém, mais do que pelas suas consequências, devemos concluir que a liberalidade não é a máxima das virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As dádivas de Deus procedem do amor que tem pelos homens, a quem as faz, e não de qualquer afeição que tenha por elas. Por isso, implicam, antes, a caridade, que é a máxima das virtudes, do que a liberalidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Toda virtude é boa por natureza, quanto a prática do seu ato próprio. Ora, os atos de certas outras virtudes são melhores que o dinheiro, dispendido pelo liberal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os liberais são os mais amados, não pela amizade do bem honesto, como se fossem os melhores, mas, pela do bem útil, por serem melhores relativamente aos bens externos, causa que em geral os homens mais desejam. E também, pela mesma causa, os liberais se tornam famosos.
O quinto discute–se assim. – Parece que a liberalidade não faz parte da justiça.
1. – Pois, a justiça supõe um débito. Ora, quanto mais uma causa é devida tanto menos pode ser objeto de uma dádiva liberal. Logo, a liberalidade não faz parte da justiça mas, antes lhe repugna.
2. Demais. – A justiça regula os nossos atos, como dissemos. Ora, a liberalidade versa sobretudo sobre o amor e a cobiça do dinheiro, que são paixões. Logo, parece que a liberalidade pertence, antes, à temperança que à justiça.
3. Demais. – O ato principal da liberalidade é dar corno convém, conforme se disse. Ora, dar como convém é próprio da beneficência e da misericórdia, que pertence à caridade, conforme se disse. Logo, a liberalidade é antes parte da caridade que da justiça.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: A justiça concerne cl sociedade do gênero humano. Ora, a sociedade encerra por natureza duas partes: a justiça e a beneficência, a qual também se chama liberalidade ou benignidade. Logo, a liberalidade faz parte da justiça.
SOLUÇÃO. – A liberalidade não é uma espécie de justiça, porque a justiça dá a outrem o que lhe pertence, ao passo que o liberal dá o que é seu. Mas, a liberalidade tem uma certa conveniência com a justiça de dois modos. Primeiro, porque por natureza é relativa a outrem, como a justiça. Segundo, porque concerne às coisas exteriores, como também a justiça, embora por uma razão diferente, como dissemos. Por isso, a liberalidade, certos a consideram parte da justiça, como virtude anexa a principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃ0. – Embora a liberalidade não tenha por objeto, como a justiça, o débito legal, concerne contudo a um certo débito moral, que respeita a uma determinada conveniência do homem liberal e não, a qualquer obrigação que tenha para com outrem. Por isso, a liberalidade implica uma noção mínima do débito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A temperança versa sobre a concupiscência dos prazeres do corpo. Ora, a cobiça do dinheiro e o prazer são antes de natureza animal que material. Logo, a liberalidade não se inclui na temperança.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem beneficente e o misericordioso dá por ter um determinado afeto para com aquele a quem dá. Por isso, tal dádiva pertence à caridade ou à amizade. Ao passo que a dádiva do liberal provém ele ter um determinado afeto relativo ao dinheiro que o faz não o cobiçar nem o amar. Por onde, não só aos amigos dá, mas também aos desconhecidos, quando for necessário. Logo, não pertence à caridade, mas antes, à justiça, que concerne às coisas exteriores.
O quarto discute–se assim. – Parece que o ato principal da liberalidade não é dar.
1. – Pois, a liberalidade, como qualquer outra virtude moral, é dirigida pela prudência. Ora, o que sobretudo é próprio à prudência é conservar as riquezas. Por isso diz o Filósofo: Os que não adquiriram dinheiro, mas receberam o adquirido pelos outros, o gastam mais liberalmente por não haverem passado por necessidades. Logo, parece que o dar não é principalmente próprio da liberalidade.
2. Demais. –– O que forma o objeto principal da nossa intenção não nos é uma causa de aflições e nem de desistirmos de o buscar. Ora o liberal às vezes se entristece com o que dá e nem dá a todos, como diz o Filósofo. Logo, dar não é o ato principal da liberalidade.
3. Demais. –– Para realizar o objeto principal da nossa intenção empregamos todos os nossos esforços. Ora, o liberal não é inclinado a pedir, como diz o filósofo, mesmo que pudesse desse modo buscar os meios de fazer dádivas aos outros. Logo, parece que não é levado principalmente a fazê–las.
4. Demais. – Estamos obrigados a cuidar antes de nós que dos outros. Ora, quando dispendemos, buscamos o nosso bem e quando damos, buscamos o bem de outrem. Logo, o ato principal do homem liberal é antes dispender, que dar.
Mas, em contrário, o Filósofo diz que é próprio do liberal fazer dádivas em abundância.
SOLUÇÃO. – É próprio do liberal usar do dinheiro. Ora, o uso do dinheiro consiste na sua emissão ou gasto. Pois, a aquisição do dinheiro é antes comparável à geração que ao uso; ao passo que a conservação dele, enquanto ordenada à faculdade de o usarmos, é comparável a um hábito. Ora, a emissão de uma coisa procede de tanto maior força quanto maior é a distância a que a arroja. Assim também, dispender ou, por assim dizer, emitir o dinheiro, dando–o aos outros, supõe maior virtude do que dispendê–lo conosco mesmo. E como é próprio da virtude tender precisamente para o mais perfeito, porque a virtude é uma perfeição, no dizer do Filósofo, conclui–se que o liberal é sobretudo digno de louvor pelas dádivas que faz.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É próprio da prudência guardar o dinheiro a fim de que não seja furtado ou gasto inutilmente. Ora, gastá–lo utilmente supõe não menor prudência do que guardá–lo utilmente; antes, supõe–na maior. Pois, há mais circunstâncias a atender no uso do dinheiro, que é comparável ao movimento, do que na conservação dele, comparável ao repouso. Por onde, os que, inexperientes da pobreza, por terem recebido o dinheiro adquirido por outrem, o gastam mais liberalmente, se só por, essa inexperiência o fazem, não têm a virtude da liberalidade. Mas às vezes essa inexperiência produz apenas o resultado de eliminar os impedimentos à liberalidade, de modo a provocá–la mais prontamente. Pois o temor da pobreza, procedente da experiência dela, impede às vezes os que possuem dinheiro de gastá–lo liberalmente; e o mesmo faz o amor com que o amamos como um produto do nosso próprio esforço, segundo o Filósofo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, é próprio da liberalidade usar convenientemente do dinheiro e por consequência dar como convém; o que é um determinado uso dele. Ora, toda virtude, quando tem o seu ato contrariado causa–nos tristeza e leva–nos a arredar o obstáculo. Ora, ao ato de dar como convém, dois obstáculos se opõem: não dar o que convém e dar o que não convém. Por isso um e outro são causas de tristeza para o liberal; mais porém o primeiro, porque mais se lhe opõe ao seu ato próprio. E é por isso que ele não dá a todos, pois, se assim procedesse, ficaria impedido de praticar o ato que por excelência lhe é próprio, por falta do que dar aqueles aos quais deve dar.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O dar está para o receber assim como o agir, para o sofrer. Pois, não é o mesmo o princípio do agir e do sofrer. Por onde, sendo a liberalidade o princípio das dádivas, não é próprio do homem liberal ser pronto em receber e muito menos, em pedir. Por isso, destina certas causas a serem dadas segundo a conveniência da liberalidade, a saber, os frutos dos seus bens próprios, de que dispõe solícito para distribui–los liberalmente.
RESPOSTA À QUARTA. – A natureza nos inclina a gastar conosco mesmo. Por isso, constitui propriamente uma virtude o dispender dinheiro com os outros.
O terceiro discute–se assim. – Parece que usar do dinheiro não é ato de liberalidade.
1. – Pois, virtudes diversas tem atos diversos. Ora, usar do dinheiro também o fazem as outras virtudes como a justiça e a magnificência. Logo não é ato próprio ela liberalidade.
2. Demais. – Do liberal é próprio não somente dar, mas também receber e conservar. Ora, receber e conservar não parece implicar o uso do dinheiro. Logo, é inconveniente dizer–se que o ato próprio da liberalidade é uso do dinheiro.
3. Demais. – Usar do dinheiro não consiste só em dá–lo, mas também em gastá–lo. Ora, gastá–lo é Um ato que recai sobre aquela mesma que o pratica. E, portanto, não parece ato de liberalidade. Pois, diz Séneca: Não é liberal quem a si mesmo se dá. Logo, qualquer usa do dinheiro não constitui liberalidade.
Mas, em contrário, o Filósofo diz: Usamos bem de uma coisa quando temos a virtude que lhe diz respeito portanto, usará bem das riquezas quem possui a virtude que lhes concerne. Ora, tal é o liberal. Logo, o bom uso das riquezas é ato de liberalidade.
SOLUÇÃO. – Um ato se especifica pelo seu objeto, como dissemos. Ora, o objeto ou matéria da liberalidade é o dinheiro e tudo o que pode ser por ele medido, corno estabelecemos. E como toda virtude tem conveniência com o seu objeto, resulta consequentemente, de ser a liberalidade uma virtude, que o seu ato é proporcionado ao dinheiro. Ora, o dinheiro está compreendido em a noção dos bens úteis, porque todos os bens externos são ordenados ao uso do homem. Logo, o ato próprio da liberlidade é usar do dinheiro ou das riquezas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. É próprio à liberalidade usar bem das riquezas como tais, que são a matéria própria dela. Ao passo que à justiça é próprio usar das riquezas num outro ponto de vista. isto é, enquanto constituem um débito, quer dizer, enquanto devemos a outrem um bem externo. E à magnificência pertence usar das riquezas, sob um aspecto especial, isto é, enquanto empregadas à realização de alguma obra grandiosa. Por onde, a magnificência se prende à liberalidade por adjunção, como a seguir se dirá.
RESPOSTA À SEGUNDA. – É próprio do virtuoso não só usar convenientemente do que constitui a matéria dos seus atos e dos instrumentos de que se serve, mas também preparar a oportunidade de bem dispor deles; assim como à coragem do soldado pertence não só usar da sua espada contra os inimigos, mas também aguçá–la e conservá–la na bainha. Pois, é próprio à liberalidade não só usar do dinheiro, mas ainda prepará–la e conservá–lo para o uso idóneo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a matéria próxima da liberalidade são as paixões internas das quais depende o nosso afeto relativamente ao dinheiro. Por onde, à liberalidade pertence, sobretudo fazer com que não nos privemos de qualquer uso devido do dinheiro, por amor desordenado do mesmo. Ora, podemos usá–lo de dois modos: ou em nossa própria utilidade, isto é para os gastos ou despesas conosco mesmo; ou em benefício dos outros, isto é, para lhes fazer dádivas. Por onde, a liberalidade exige que o amor imoderado do dinheiro não nos impeça de fazer os gastos nem dons necessários. Por isso, a liberalidade consiste em dar e gastar, segundo o Filósofo. Quanto às palavras de Séneca, devem ser referidas à liberalidade que nos leva a fazer dádivas; pois não se chama liberal quem se dá a si mesmo.