O primeiro discute–se assim. – Parecem inconvenientemente enumeradas as partes da coragem.
1. Pois, Túlio enumera quatro partes da coragem: a magnificência, a confiança, a paciência e a perseverança. E parece que inconvenientemente. Porque a magnificência pertence à liberalidade, por terem uma e outra por objeto o dinheiro, e necessariamente o magnifico é liberal, como diz o Filósofo. Ora, a liberalidade faz parte da justiça, como se estabeleceu. Logo, a magnificência não deve ser considerada parte da coragem.
2. Demais. – Parece que a confiança outra coisa não é senão a esperança. Ora, a esperança não pertence à coragem mas antes, é uma virtude especial. Logo, a confiança não deve ser considerada parte da coragem.
3. Demais. – A coragem ensina–nos a resistir eficazmente aos perigos. Ora, a magnificência e a confiança não têm, por natureza, nenhuma relação com o perigo. Logo, não são convenientemente consideradas partes da coragem.
4. Demais. – A paciência, segundo Túlio, leva–nos a sofrer as dificuldades; o que também atribui à coragem. Logo, a paciência é o mesmo que a coragem e não, parte dela.
5. Demais. – O que é condição de toda virtude não deve ser considerado parte de nenhuma em particular. Ora, toda virtude supõe a perseverança; assim, diz o Evangelho: O que perseverar até o fim, esse será salvo. Logo, a perseverança não deve ser considerada parte da coragem.
6. Demais. – Macróbio divide a coragem em sete partes: a magnanimidade, a confiança, a segurança, a magnificência, a constância, a tolerância, a firmeza. E Andronico admite sete virtudes anexas à coragem, que são: a eupsiquia, a lema, a magnanimidade, a virilidade, a perseverança, a magnificência, a andragatia. Logo, é insuficiente a enumeração que Túlio faz das partes da coragem.
7. Demais. – Aristóteles admite cinco modalidades de coragem. A primeira é a política, que nos faz agir com firmeza, por temor da desonra ou da pena; a segunda, a militar, que nos leva a agir com firmeza, por arte ou experiência das coisas da guerra; a terceira, a coragem que nos faz agir com firmeza, por paixão, sobretudo pela ira; a quarta, a fortaleza que nos faz agir com firmeza, por acostumados à vitória; a quinta, a que nos faz agir com firmeza, por ignorância dos perigos. Ora, nenhuma das referidas enumerações contém essas modalidades da coragem. Logo, essas enumerações não são partes convenientes da coragem.
SOLUÇÃO. – Como dissemos toda virtude pode ter três partes: subjetivas, integrantes e potenciais. Mas, à coragem, como virtude especial, não se lhe podem assinalar partes subjetivas, porque não se divide em muitas virtudes especificamente diferentes, por ter matéria muito especial. Mas, atribuem–se–Ihe partes como que integrantes e potenciais. As integrantes compreendem os elementos que devem concorrer para o ato de coragem; e as potenciais, as que contribuem para a coragem praticar em relação às matérias mais difíceis, isto é, aos perigos de morte, o que as outras virtudes o praticam em relação a outras matérias menos difíceis; e essas virtudes se anexam à coragem como secundárias à principal.
Ora, como já dissemos, há dois aspectos num ato de coragem; atacar o perigo e resisti–lo, Ora, o ato de atacar implica duas condições. – A primeira concerne à preparação da alma e consiste em a termos pronta para atacar. E, pensando nisso, é que Túlio enumera a confiança como uma das formas da coragem, e diz: A confiança inspira–nos ao coração uma esperança inabalável, nas empresas importantes e honestas. – A segunda concerne à realização do ato, impedindo–nos de desfalecer na execução do que começamos com confiança. E é o papel que Túlio atribui à magnificência, quando diz: A magnificência consiste em nos propormos coisas grandes e elevadas e em as dirigirmos e executá–las com determinação poderosa e esplêndida; isto é, consiste numa execução em que, ao projeto amplo vai unida a boa direção. – Ora, essas duas. virtudes, se as adaptarmos à matéria própria da coragem, isto é, o perigo de morte, serão dela umas como partes integrantes, sem as quais não pode existir. Referidas porém a certas outras matérias, onde há menos dificuldades, serão especificamente distintas da coragem; contudo, estão–lhe unidas como o secundário, ao principal. Assim, a magnificência, segundo o Filósofo, tem por objeto, as despesas suntuosas; e a magnanimidade, que é o mesmo que a confiança, as grandes honras.
O outro ato da coragem, que é resistir, encerra duas condições. .A primeira exige que não deixemos a tristeza nos abater a alma e fazer–lhe perder a grandeza, em face do obstáculo de males iminentes. E para isso serve a paciência. Donde o dizer Túlio, que a paciência consiste em sofrermos, voluntária e diuturnamente, por honorabilidade ou utilidade, coisas árduas e difíceis. – A outra é que não nos deixemos fatigar pelo diuturno sofrer dificuldades, até o ponto de desistirmos do empreendido, segundo aquilo do Apóstolo: Não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos. Por isso Túlio acrescenta, na sua enumeração, a perseverança. E diz, que ela consiste em permanecermos firmes no que a razão reconheceu como um bem. – Ora, essas duas condições, se as adaptarmos à matéria própria da coragem, serão dela umas como partes integrantes. Referidas, porém a quaisquer matérias difíceis, serão virtudes distintas da coragem; e contudo se lhe anexam, como a secundária à principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A magnificência acrescenta uma certa grandeza à matéria da liberalidade, inclusa na ideia de dificuldade, objeto do irascível, e que sobretudo a coragem aperfeiçoa. E por aí ela pertence à coragem.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança pela qual confiamos em Deus é considerada uma virtude teologal como estabelecemos. Ora, a confiança, agora considerada parte da coragem, faz–nos confiar em nós mesmo, embora na dependência de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É perigoso atacar quaisquer dificuldades, sejam elas quais forem; porque recuar delas é muito nocivo. Por onde, mesmo se a magnificência e a confiança se considerem como tendo por objeto a prática e o empreendimento de ações grandiosas, contudo têm afinidade com a coragem, em razão do perigo iminente.
RESPOSTA À QUARTA. – A paciência não somente nos faz sofrer os perigos de morte – matéria da coragem – sem excessiva tristeza, mas ainda quaisquer outros perigos ou dificuldades. Por isso é posta como virtude anexa à coragem; mas, é parte integral dela, quando tem por objeto os perigos mortais.
RESPOSTA À QUINTA. – A perseverança, no sentido de continuidade de um ato bom até o fim, pode ser uma circunstância de todas as virtudes. Mas, é considerada como parte da coragem, no sentido já referido.
RESPOSTA À SEXTA. – Macróbio inclui na sua enumeração as quatro virtudes enumeradas por Túlio, a saber: a confiança, a magnificência, a – tolerância que põe em lugar da paciência, e a firmeza – que substitui a perseverança. Mas, acrescenta três, das quais duas – a magnanimidade e a segurança, Túlio as inclui na confiança. Macróbio, porém faz distinções mais minuciosas. Assim, a confiança implica em termos esperança em grandes coisas. Ao passo que a esperança numa coisa pressupõe o apetite, que tende fortemente, pelo desejo, a grandes atos; o que constitui a magnanimidade. Pois, como dissemos, a esperança pressupõe o amor e o desejo da coisa esperada; ou podemos melhor dizer que a confiança concerne à certeza da fé; a magnanimidade, porém, à grandeza da coisa esperada. Mas, a esperança não pode ser firme se não removemos o obstáculo. Pois, às vezes, pelo que depende de nós, bem esperaríamos alguma coisa, mas essa esperança se nos frustra pelo impedimento do temor; porque o temor de certo modo contraria a esperança, como estabelecemos. Por isso Macróbio acrescenta a segurança, que exclui o temor. Em terceiro lugar acrescenta a constância, que pode ser incluída na magnificência. Pois, quando praticamos a magnificência devemos ter a constância de ânimo. Por isso Túlio diz que é próprio à magnificência, não só a execução de obras grandiosas, mas também planejá–las com grandeza de alma. Também pode a constância incluir–se na perseverança, de modo a considerarmos perseverante quem não desiste da empresa, pela sua longa duração; e constante quem dela não desiste, sejam quais forem os obstáculos que se oferecem.
Quanto à classificação de Andronico, ela se inclui nas supra referidas. Assim, enumera a perseverança e a magnificência, com Túlio e Macróbiote a magninimidade, com Macróbio. Quanto á lema, ela é o mesmo que a paciência ou a tolerância; pois, diz que lema é o hábito que nos faz realizar prontamente o que devemos e sofrer o que a razão no–lo persuade. A eupsiquia, isto é, o bom ânimo, é o mesmo que a segurança; pois, ele a define como a força da alma no cumprimento de suas obras. A virilidade é o mesmo que a confiança; assim, diz, que a virilidade é um hábito que se basta a si mesmo e concerne às coisas que têm por objetivo a virtude. A magnificência acrescenta a andragatia, que é, por assim dizer, a bondade viril, a que nós damos o nome de diligência. A magnificência pertence não só perseverarmos na prática de obras grandiosas, o que constitui a constância, mas também em as executarmos com uma certa prudência e solicitude viris, o que constitui a andragatia ou diligência. Por isso diz que a andragatia é uma virtude viril que nos faz descobrir empresas, cujas vantagens podem ser comunicadas aos outros. Por onde é claro que todas essas referidas partes reduzem–se às quatro principais enumeradas por Túlio.
RESPOSTA À SÉTIMA. – Essas cinco modalidades referidas por Aristóteles, não realizam a verdadeira noção da virtude; porque embora convenham com o ato da coragem, diferem porém do seu motivo, como estabelecemos. Por isso não se consideram partes da coragem, mas, uns modos dela.