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Art. 1 – Se o desejo da glória é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o desejo da glória não é pecado.

1. – Pois, ninguém peca por se assemelhar a Deus, o que é, antes, ordenado pela Escritura: Sede pois imitadores de Deus, como filhos muito amados. Ora, buscando a glória, parece que imitamos a Deus, que quer que os homens lha tributem. Donde o dizer a Escritura: Traze meus filhos de climas remotos e minhas filhas das extremidades da terra; e todo aquele que invoca o meu nome, eu para minha glória o criei. Logo, o desejo da glória não é pecado.

2. Demais. – O que nos excita ao bem não é pecado. Ora, o desejo da glória excita os homens à prática do bem; pois, no dizer de Túlio, só a glória inspira a paixão dos estudos. E também a Sagrada Escritura promete a glória às boas obras: Aos que, perseverando em fazer boas obras, buscam glória e honra. Logo, o desejo da glória não é pecado.

3. Demais. – Túlio diz, que a glória consiste na nomeada, acompanhada de louvores, que todos atribuem a alguém; e o mesmo diz Ambrósio quando afirma, que a glória consiste em nomeada e os louvores, que nos tributam os que nos conhecem. Ora, desejar uma nomeada louvável não é pecado; antes, é digno de encómios, segundo a Escritura: Tem cuidado de te adquirires bom nome. E noutro lugar: Procurando bens não só diante de Deus, mas também diante de todos os homens. Logo, o desejo da vanglória não é pecado.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Vê com clareza quem sabe ser vicioso o amor dos elogios.

SOLUÇÃO. – A glória significa uma certa ilustração; por isso, ser glorificado é o mesmo que ser ilustrado, como diz Agostinho. Ora, a ilustração e a honra de certo modo se manifestam. Por onde, como o próprio nome o indica, a glória implica propriamente a manifestação do que parece glorioso aos olhos dos homens, quer se trate de um bem corporal, quer de um bem espiritual. Ora, como o que é ilustre, absolutamente falando, pode ser visto por muitos, mesmo de longe, o nome de glória propriamente supõe que o bem de alguém chegou ao conhecimento e à aprovação de muitos. E por isso é que Tito Lívio diz: Não podemos ser glorificados por urna só pessoa. Mas, tomado em acepção mais ampla, a glória não consiste só em sermos conhecidos por muitos, mas ainda por poucos, ou por um só, ou ainda somente por nós mesmo, quando, considerando o nosso próprio bem, julgamo–Ia digno de louvor.

Ora, conhecermos e aprovarmos o nosso próprio bem não é pecado. Assim, diz o Apóstolo: Ora, nós não recebemos o espírito deste mundo, mas sim o Espírito que vem de Deus, para sabermos as coisas que por Deus foram dadas. Do mesmo modo, não é pecado o querermos dar aprovação às nossas obras; conforme ao Evangelho: Luza a Vossa luz diante dos homens. Por onde, o desejo da glória, em si mesmo, nada implica de vicioso. O da vanglória, sim, implica; pois, é vicioso qualquer desejo vão, conforme à Escritura: Por que amais a verdade e buscais a mentira? Ora, a glória pode ser chamada vã, de dois modos. Relativamente àquilo de que nos gloriamos; assim, quando nos gloriamos com o que não é digno de glória, por exemplo, um bem frágil e caduco. Ou, relativamente à pessoa que queremos que nos glorifique, por exemplo, um homem cujo juízo não é seguro. De terceiro modo, relativamente à pessoa mesma que busca a glória, quando não refere o seu desejo da glória ao fim devido, que é honra de Deus e a salvação do próximo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Aquilo do Evangelho – Vós chamais–me Mestre e Senhor; e dizeis bem – diz Agostinho: É perigoso comprazermo–nos conosco mesmo, porque ficamos exposto a cair na soberba, o que devemos evitar. Mas, quem é superior a tudo não se ensoberbece, por mais que a si mesmo se louve. Ora, a nós é que nos é vantajoso conhecer a Deus e não a ele; e ninguém o conhece se não se revelar aquele que conhece. Por onde, é claro que Deus busca a sua glória, não por causa de si mesmo, mas, por nossa causa. E do mesmo modo, podemos também, e louvavelmente, buscar a nossa própria glória, para utilidade dos outros, segundo o Evangelho: Que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A glória, que temos de Deus, não é vã, mas verdadeira. E essa glória nos é prometida como prémio das nossas boas obras. Dela diz o Apóstolo: Aquele, pois que se gloria glorie–se no Senhor; porque não é o que a si mesmo se recomenda o que é estimável, mas sim aquele a quem Deus recomenda. Mas, em certos o desejo da glória humana desperta a prática de obras virtuosas, como o desperta o desejo de outros bens terrenos. Não é porém verdadeiramente virtuoso quem pratica obras virtuosas por amor da glória humana, como o mostra Agostinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O conhecer–se a si mesmo contribui para a perfeição do homem; mas, para ela não contribui o ser conhecido pelos outros. Logo, isto não é, por si mesmo, desejável. Mas, podemos desejá–Io enquanto encerra alguma utilidade. E essa será que Deus seja glorificado pelos homens; ou que estes progridam no bem que descobrem nos outros; ou que, perseveremos nos bens que em nós mesmos nos reconhecemos e os acrescentemos, levados pelo louvor que nos tributam os outros. E, a esta luz, é louvável cuidarmos em adquirir bom nome e nos esforçarmos por praticar boas obras, perante Deus e os homens; contanto que não nos comprazamos em vão com os louvores dos homens.

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