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Art. 1 – Se a perseverança é uma virtude.

O primeiro assim se discute. – Parece que a perseverança não é uma virtude.

1. – Pois, como diz o Filósofo, a continência é mais importante que a perseverança. Ora, a continência não é uma virtude, como também ele o diz. Logo, a perseverança não é virtude.

2. Demais. – Pela virtude é que vivemos retamente, como diz Agostinho. Ora, como também ainda ensina, de ninguém podemos dizer que tem a perseverança, enquanto vive, se não perseverar até à morte. Logo, a perseverança é uma virtude.

3. Demais. – Toda virtude exige que persistamos na sua prática, como está claro em Aristóteles. Ora, isto constituí a perseverança; pois, no dizer de Túlio, a perseverança é a persistência perpétua e estável na razão bem examinada. Logo, a perseverança não é uma virtude especial, mas, a condição de toda virtude.

Mas, em contrário, diz Andronico, que a perseverança é o hábito das coisas a que devemos nos ater e não nos ater, e das que não são nem umas nem outras. Ora, o hábito que nos ordena a bem agir ou a omitir é a virtude. Logo, a perseverança é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude versa sobre o difícil e o bem. Por onde, a cada dificuldade ou cada bem de natureza especial corresponde uma virtude especial. Ora, a obra virtuosa pode implicar uma dificuldade ou um bem de dois modos. Primeiro, pelo seu ato especifico, derivado do seu objeto próprio, na sua essência mesma. Segundo, pela diuturnidade do tempo; pois, o fato mesmo de insistirmos diuturnamente num ato difícil constitui uma dificuldade especial. Por onde, persistir longamente num bem até a sua consumação constitui uma virtude especial. Portanto, assim como a temperança e a fortaleza são virtudes especiais, porque uma modera os prazeres do tato, em si mesmos difíceis de serem moderados; e a outra, os temores e as audácias relativamente aos perigos de morte, também em si mesmos difíceis de serem vencidos, assim também a perseverança é uma virtude especial à qual é próprio, nessas ou noutras obras virtuosas, persistir diuturnamente, conforme for necessário.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. –­ O Filósofo considera a perseverança, no lugar citado, como significando o perseverar alguém naquilo que é dificílimo suportar por muito tempo. Ora, não é difícil persistir longamente no bem, mas, no mal. Mas, os males que nos fazem correr perigo de morte frequentemente não os suportamos por muito tempo, porque no mais das vezes passam rapidamente. Por onde, relativamente a eles, não é sobretudo merecedora de louvores a perseverança. Mas, dentre os outros males, os principais são os opostos aos prazeres sensíveis; por dizerem respeito ao necessário à vida; por exemplo , à falta de comida e de coisas semelhantes, que às vezes é necessário sofrer por muito tempo. Ora, não é muito difícil suportá–los longamente a quem não sofre demasiado com tais privações, nem se deleita excessivamente com os bens opostos; e tal o caso do homem temperante, em quem essas paixões não são veementes. Mas, sê–Io–á muito difícil ao que for veementemente tocado dessas paixões, por não ter virtude perfeita para dominá–las. Por onde, tomada nesse sentido a perseverança, não é virtude perfeita, mas é algo de imperfeito no género da virtude. Mas, se considerarmos a perseverança como a virtude que nos faz persistir diuturnamente num bem difícil qualquer, ela pode convir também ao que tem virtude perfeita; o qual, se o persistir no bem lhe for menos difícil, persistirá contudo num bem mais perfeito. Por onde, tal perseverança pode ser virtude, porque a perfeição da virtude mais se funda na ideia de bondade do que na de dificuldade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O mesmo nome serve para designar às vezes a virtude e o ato da virtude; assim, Agostinho diz: A fé nos faz crer o que não vemos. Pode porém se dar que tenhamos o hábito da virtude sem contudo lhe exercermos o ato; assim, pode um pobre ter o hábito da magnificência, sem contudo lhe exercer o ato. Outras vezes, porém pode alguém ter o hábito, começar a exercer o ato mas não acabá–lo; por exemplo um construtor pode começar a construir, sem que chegue a acabar a casa. Por isso, devemos concluir, que às vezes o nome de perseverança é empregado para significar o hábito pelo qual elegemos perseverar; outras vezes, pelo ato pelo qual perseveramos; outras ainda, quem tem o hábito da perseverança escolhe perseverar e começa a agir, persistindo algum tempo, mas, não acaba o ato por não persistir até o fim. Mas, o fim é duplo: o da obra e o da vida humana. Ora, à perseverança em si mesma é próprio fazer–nos persistir até o fim da obra virtuosa; assim o soldado, que persevera até o fim da luta, e o magnifico, até a consumação da obra. Mas, há certas virtudes cujos atos devem durar por todo o decurso da nossa vida, como a fé, a esperança e a caridade, porque concernem ao fim último dela. Por onde, relativamente a essas virtudes, que são principais, o ato da perseverança não se consuma até ao fim da vida. E nesse sentido é que Agostinho toma a perseverança, pelo ato consumado dela.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Uma coisa pode convir à virtude de dois modos. – De um modo, pela intenção própria do fim. E assim, perseverar diuturnamente até ao fim, no bem, é próprio da virtude especial chamada perseverança, que visa esse fim como o seu fim especial. – De outro modo, pela relação do hábito com o sujeito. E então persistir perseverantemente é o resultado de qualquer virtude, enquanto qualidade dificilmente removível.

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