Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim — Parece que os dons do Espírito Santo não são hábitos.
1. — Pois, o hábito, sendo uma qualidade dificilmente mutável, como se disse, é qualidade permanente no homem. Ora, é próprio de Cristo, que os dons do Espírito Santo nele descansem, como diz a Escritura (Is 11, 2). E noutro lugar (Jo 1, 33): Aquele sobre que tu vires descer o Espírito, e repousar sobre ele, esse é o que batiza. E Gregório, expondo este texto diz: O Espírito Santo vem ter com todos os fiéis, mas permanece singularmente só com o Mediador. Logo, os dons do Espírito Santo não são hábitos.
2. Demais. — Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam o homem, levando-o pelo Espírito de Deus, como já se disse. Ora, levado por esse Espírito, o homem desempenha o papel de instrumento em relação a ele. Ora, não é próprio do instrumento ser aperfeiçoado por um hábito, senão do agente principal. Logo, os dons do Espírito Santo não são hábitos.
3. Demais. — Assim como os dons do Espírito Santo provêm da inspiração divina, assim também o dom da profecia. Ora, este não é hábito, pois o espírito de profecia não está sempre presente ao profeta, como diz Gregório. Logo os dons do Espírito Santo também não são hábitos.
Mas, em contrário, o Senhor diz aos discípulos, falando do Espírito Santo (Jo 14, 17): Ele ficará conosco e estará em vós. Ora, o Espírito Santo não está no homem sem os seus dons. Logo, estes ficam nos homens e, portanto, não são só atos ou paixões, mas também hábitos permanentes.
SOLUÇÃO. — Como já se disse, os dons são certas perfeições do homem, que o tornam bem disposto a seguir o instinto do Espírito Santo. Ora, é manifesto, pelo sobredito, que as virtudes morais aperfeiçoam a potência apetitiva, fazendo-a participar, de certo modo, da razão, pois lhe é natural ser movida pelo império desta última. Por onde, os dons do Espírito Santo estão para o homem, relativamente ao Espírito, como as virtudes morais para a potência apetitiva, relativamente à razão. Ora, as virtudes morais são hábitos que dispõem as potências apetitivas a obedecerem prontamente à razão. Por onde, também os dons do Espírito Santo são hábitos que tornam apto o homem a obedecer prontamente a esse Espírito.
Donde a resposta à primeira objeção. — Gregório, no mesmo passo aduzido, solve a dificuldade dizendo: O Espírito Santo permanece sempre em todos os eleitos, quanto aos dons sem os quais não podem chegar à vida eterna; mas, quanto aos outros, nem sempre permanece. Ora, os sete dons são necessários à salvação, como já dissemos. Logo, quanto a eles, o Espírito Santo sempre permanece nos santos.
Resposta à segunda. — A objeção procede quanto ao instrumento, que não age, mas é somente passivo. Ora, o homem não é tal instrumento, pois, dotado de livre arbítrio, também assim age quando levado pelo Espírito Santo. Logo, precisa de um hábito.
Resposta à terceira. — A profecia é um dos dons que servem à manifestação do Espírito, e não é de necessidade para a salvação. Por onde, não há símile.
O segundo discute-se assim. — Parece não serem os dons necessários à salvação do homem.
1. — Pois, os dons se ordenam a uma certa perfeição, que ultrapassa a perfeição comum da virtude. Ora, não é necessário à sua salvação o homem conseguir tal perfeição, que ultrapasse o estado comum da virtude, pois tal perfeição não é objeto de preceito, mas de conselho. Logo, os dons não são necessários à salvação do homem.
2. Demais. — Para a sua salvação basta ao homem proceder bem em relação ao divino e ao humano. Ora, pelas virtudes teologais o homem procede bem em relação ao divino; e pelas morais, em relação ao humano. Logo, os dons não lhe são necessários para a salvação.
3. Demais. — Gregório diz, que o Espírito Santo dá a sabedoria, contrária à estultícia; o intelecto, contrário ao embotamento; o conselho, contrário à precipitação; a coragem, contrária ao temor; a ciência, contrária à ignorância; a piedade, contrária à dureza; e, contrário à soberba, o temor. Ora, as virtudes constituem remédio suficiente para se extirparem todos esses vícios. Logo, os dons não são necessários à salvação do homem.
Mas, em contrário. — O mais elevado dos dons é a sabedoria; e o ínfimo, o temor. Ora, ambos são necessários à salvação, pois da sabedoria diz a Escritura (Sb 7, 28): Porque Deus a ninguém ama senão ao que habita com a sabedoria; e do temor (Ecle 1, 28): Porque aquele que está sem temor não poderá ser justificado. Logo, também os dons médios são necessários à salvação.
SOLUÇÃO. — Como já se disse, os dons são umas perfeições do homem, que o dispõem a seguir facilmente o instinto divino. Por onde, quando não basta o instinto da razão, mas é necessário o do Espírito Santo, é, por conseqüência, também necessário o dom.
Ora, Deus aperfeiçoa a razão do homem de dois modos: naturalmente, i. é, pelo lume da razão natural; e por uma perfeição sobrenatural, que são as virtudes teologais, como já dissemos. E embora esta segunda perfeição seja maior que a primeira, contudo a primeira o homem a tem de modo mais perfeito que a segunda. Pois, aquela ele a tem de posse plena; esta, imperfeitamente, pois amamos e conhecemos a Deus imperfeitamente. Ora, é manifesto que o ser de natureza, forma ou virtude perfeita, pode, por si mesmo, obrar por meio delas, sem excluir contudo a ação de Deus, que obra interiormente em toda natureza e em toda vontade. Mas o ser de natureza, forma ou virtude imperfeita não pode obrar por si, se não for movido por outro. Assim, o sol, perfeitamente lúcido, pode iluminar por si mesmo; porém a lua, que tem imperfeitamente a natureza da luz, não ilumina senão iluminada. Também o médico conhecedor perfeito da arte médica, pode obrar por si; mas, o seu discípulo, ainda não plenamente instruído não o pode, se não for instruído por aquele.
Por onde, quanto ao que cai sob a alçada da razão humana, em ordem ao fim conatural ao homem, este pode obrar pelo juízo da razão. — Haverá, porém uma bondade superabundante se, mesmo nesse caso, Deus o ajudar por um instinto especial. Por onde, segundo os filósofos, nem todos os que tinham virtudes morais adquiridas as tinham heróicas ou divinas. Porém, em relação ao fim último sobrenatural, ao qual a razão nos move enquanto informada, de certo modo e imperfeitamente pelas virtudes teologais, essa moção por si mesma não basta, se não lhe advier do alto o instinto e a moção do Espírito Santo, conforme àquilo da Escritura (Rm 8, 14.17): Porque todos os que são levados pelo Espírito de Deus, estes tais são filhos e herdeiros de Deus; e ainda (Sl 142, 10): O teu espírito que é bom me conduzirá à terra de retidão. Pois, a herança daquela terra dos bem-aventurados ninguém a pode alcançar se não for movido e conduzido pelo Espírito Santo. E portanto, para conseguir esse fim, é necessário ao homem ter o dom do Espírito Santo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os dons excedem a perfeição comum das virtudes, não quanto ao gênero das obras, do modo pelo qual os conselhos precedem os preceitos; mas quanto ao modo de obrar, enquanto o homem é movido por um princípio mais alto.
Resposta à segunda. — As virtudes teologais e morais não aperfeiçoam o homem em ordem ao último fim, de modo que ele não precise de ser movido por um certo instinto superior do Espírito Santo, pela razão já dita.
Resposta à terceira. — A razão humana não pode conhecer tudo, nem tudo lhe é possível, quer a consideremos como dotada de perfeição natural, quer como aperfeiçoada pelas virtudes teologais. E por isso não pode livrar-se sempre da estultícia, e do mais que lembra a objeção. Mas aquele, a cuja ciência e poder tudo está sujeito, nos livra, pela sua moção, de toda estultícia, ignorância, embotamento, dureza e demais deficiências. Por onde, os dons do Espírito Santo, que nos levam a lhe seguir docilmente o instinto, se consideram dados contra essas deficiências.
(III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 1; In Isaiam, cap. XI; Ad Galat., cap. V lect. VI).
O primeiro discute-se assim. — Parece que os dons não se distinguem das virtudes.
1. — Pois, Gregório, expondo aquilo de Jó (Jó 1, 2) — E nasceram-lhe sete filhos e três filhas — diz: Nascem-se sete filhos quando pela concepção do bom pensamento surgem em nós as sete virtudes do Espírito Santo. E cita aquilo da Escritura (Is 11, 2): E descansará sobre ele o espírito de entendimento, etc., onde se enumeram os sete dons do Espírito Santo. Logo, estes sete dons são virtudes.
2. Demais. — Agostinho, expondo aquilo da Escritura (Mt 12, 45) — Então vai, e ajunta a si outros sete espíritos etc. — diz: Sete vícios são contrários às sete virtudes do Espírito Santo, i. é, aos sete dons. Ora, esses sete vícios são contrários às virtudes consideradas em sentido geral. Logo, os dons não se distinguem das virtudes consideradas nesse sentido.
3. Demais. — Sujeitos a que convém a mesma definição são idênticos. Ora, a definição da virtude convém aos dons; pois, o dom é uma boa qualidade da mente, pela qual vivemos retamente, etc. Semelhantemente, a definição do dom convém às virtudes infusas; pois, o dom é uma doação irretribuível, segundo o Filósofo. Logo, as virtudes não se distinguem dos dons.
4. Demais. — Alguns dos chamados dons são virtudes. Pois, como já se disse, a sabedoria, o intelecto e a ciência são virtudes intelectuais; o conselho pertence à prudência; a piedade é uma espécie de justiça; e por fim, a coragem é uma virtude moral. Logo, as virtudes não se distinguem dos dons.
Mas, em contrário, Gregório distingue os sete dons, designados, diz, pelos sete filhos de Jó, das três virtudes teologais, representadas pelas três filhas do mesmo. E noutro lugar, distingue os mesmos sete dons, das quatro virtudes cardeais., representadas, diz, pelos quatro ângulos da casa.
SOLUÇÃO. — Se considerarmos o dom e a virtude, quanto às suas noções, nenhuma oposição há entre esta e aquele. Pois, a virtude, por essência, é assim chamada por conferir ao homem a perfeição de agir retamente, como já dissemos; ao passo que o dom essencialmente é relativo à causa de onde procede. Ora, nada impede, que o precedente, como dom, de uma certa causa, confira a quem o recebe a perfeição de agir retamente; sobretudo que, como já dissemos, certas virtudes são infundidas em nós por Deus. Por onde, a esta luz, o dom não pode ser distinto da virtude.
E por isso certos ensinaram não devem os dons ser distintos das virtudes. — Mas nem por isso deixa de lhes ser menor a dificuldade, quando se trata de dar a razão de se considerarem certas virtudes, e não todas, como dons; e de certos dons não se contarem evidentemente entre as virtudes, como, p. ex., o temor.
E daí o dizerem outros que os dons se devem distinguir das virtudes, mas sem darem suficiente causa de distinção, de tal modo comum às virtudes que de nenhum modo conviesse aos dons, e vice-versa. E então outros, considerando que, dentre os sete dons, quatro — a sabedoria, a ciência, o intelecto e o conselho — pertencem à razão; e três — a coragem, a piedade e o temor — à potência apetitiva, disseram que dons fortificam o livre arbítrio, enquanto faculdade racional, e as virtudes, enquanto faculdade voluntária. E isso por descobrirem só duas virtudes — a fé e a prudência — na razão ou intelecto, pertencendo às outras à potência apetitiva ou afetiva. Ora, seria necessário, se esta distinção fosse pertinente, todas as virtudes pertencerem à potência apetitiva, e todos os dons, à razão.
Outros ainda, tiveram em vista o lugar de Gregório seguinte: o dom do Espírito Santo que forma, na mente que lhe é obediente, a prudência, a temperança, a justiça e a fortaleza, também a mune, pelos sete dons, contra todas as tentações. E consideraram então as virtudes como ordenadas a obrar bem e os dons, a resistir às tentações. — Mas esta distinção também não é suficiente. Pois, também as virtudes resistem às tentações, que induzem aos pecados e que as contrariam pois cada um resiste ao que lhe é contrário, como bem vemos suceder com a caridade, da qual se diz (Ct 8, 7): as muitas águas não puderam extinguir a caridade. Outros, por fim, refletindo que a Escritura nos transmite esses dons como existiram em Cristo, disseram que as virtudes se ordenam, absolutamente, ao bem agir; ao passo que os dons nos tornam semelhantes a Cristo, principalmente quanto aos seus sofrimentos, pois os dons de que tratamos resplenderam principalmente na sua paixão. Mas também isto não é suficiente. Pois, o próprio Senhor nos induz precipuamente a nos assemelhar com ele pela humildade e pela mansidão, conforme está na Escritura (Mt 11, 29): aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e também pela caridade, conforme àquilo (Jo 13, 34): Que vos amei uns aos outros, assim como eu vos amei. Ora, estas virtudes resplandeceram, precipuamente, na paixão de Cristo.
E portanto, para distinguir os dons, das virtudes, devemos seguir o modo de falar da Escritura, que no-los transmite, não sob o nome de dons, mas antes, sob o de espíritos. Assim, diz Isaias (11, 2): E descansará sobre ele o espírito de sabedoria e de entendimento etc. Essas palavras dão manifestamente a entender que tal enumeração dos sete dons os supõe existentes em nós por inspiração divina; e a inspiração implica uma moção externa. Ora, devemos considerar que há no homem um duplo princípio motor: um, interior — a razão; outro exterior — Deus, como já dissemos; e o Filósofo também diz o mesmo. Ora, como é manifesto, todo o movido deve necessariamente ser proporcionado ao motor; e a perfeição do móvel, como tal, consiste em ter uma disposição que o faça bem receber o movimento do motor. Quanto mais elevado porém for o motor, tanto mais necessariamente, e por uma disposição mais perfeita, o móvel se lhe há de proporcionar; assim, vemos ser necessário o discípulo dispor-se tanto mais perfeitamente, a receber a doutrina do mestre, quanto mais perfeita ela for. Ora, é manifesto que as virtudes humanas aperfeiçoam o homem, ao qual é natural ser movido pela razão, em todos os seus atos, interior ou exteriormente. Logo, é necessário existam no homem perfeições mais altas que o disponham a ser movido por Deus. E tais perfeições se chamam dons, não só por serem infundidos por Deus, mas também por disporem o homem a se deixar facilmente mover pela inspiração divina, como diz Isaías (50, 5): O Senhor me abriu o ouvido, e eu o não contradigo; não me retirei para traz. E o Filósofo também diz: quando movidos por inspiração divina não devemos buscar conselho na razão humana, mas seguir essa inspiração, porque somos movidos por um principio superior à razão humana. E assim o entendem os que dizem aperfeiçoarem os dons o homem para atos superiores aos da virtude.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os dons em questão também se denominam virtudes, conforme a noção comum de virtude. Tem contudo algo de supereminente a essa noção, por serem certas virtudes divinas que aperfeiçoam o homem, enquanto movido por Deus. E por isso o Filósofo introduz, além da virtude comum, uma virtude heróica ou divina, que faz certos serem chamados homens divinos.
Resposta à segunda. — Os vícios sendo contrários aos bens da razão também contrariam as virtudes; como contrários, porém, à divina inspiração, contrariam os dons. Ora, contrariar a Deus é também contrariar a razão, cujo lume deriva de Deus.
Resposta à terceira. — A definição em apreço se dá da virtude quanto ao seu modo comum de ser. Por onde, se quisermos restringir a definição às virtudes, enquanto distintas dos dons, diremos que a expressão — pela qual vivemos retamente — deve ser entendida da retidão da vida conforme a regra da razão. Semelhantemente, o dom, enquanto distinto da virtude infusa, pode ser considerado como o dado por Deus para lhe recebermos a moção, que leva o homem a seguir retamente as suas inspirações.
Resposta à quarta. — A sabedoria se chama virtude intelectual, enquanto procede do juízo da razão. Chama-se porém, dom, enquanto obra por instinto divino. E o mesmo se deve dizer nos demais casos.
Em seguida devemos tratar dos dons. E sobre esta questão oito artigos se discutem.
155 — O Espírito Santo não só santifica as almas dos que pertencem à Igreja, mas também pelo seu poder ressuscitará os corpos. Lê-se: “Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo” (Rm 4, 24); e: “Porque a morte veio por um homem, por um homem também a ressurreição dos mortos” (1 Cor 15, 21).
(II Sent., dist. XXXI, q. 2, a. 2; De Verit., q. 27, a. 5, ad 6; De Virtut., q. 4, a. 4, ad 7, 13, 14 ; I Cor., cap. XIII, lect. III).
O sexto discute-se assim. — Parece que a caridade não subsiste depois desta vida, na glória.
1. — Pois, como diz a Escritura (1 Cor 13, 10), quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte, i. é, o imperfeito. Ora, a caridade é uma via imperfeita. Logo, será abolida quando chegarmos à perfeição da glória.
2. Demais. — Os hábitos e os atos se distinguem pelos seus objetos. Ora, o objeto do amor é o bem apreendido. Logo, como a apreensão desta vida difere da apreensão da vida futura, a mesma caridade não poderá subsistir numa e noutra.
3. Demais. — O que num ponto de vista é imperfeito pode alcançar a igualdade da perfeição por um aumento contínuo. Ora, a caridade da via não pode nunca chegar a igualar-se à da pátria, por mais que aumente. Logo, a caridade da via não subsistirá na outra.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz (1 Cor 13, 8): A caridade nunca jamais há de acabar.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, nada impede que aquilo que tem uma imperfeição, não pertencente à essência, venha a ser perfeito, conservando-se numericamente tal como é; assim, o homem vem a ser perfeito pelo crescimento, e a brancura, pela intensidade. Ora, a caridade é amor, a cuja essência não pertence nenhuma imperfeição; pois, pode ter por objeto tanto o possuído como o que não o é, tanto o que vemos como o que não vemos. Logo, a caridade não será abolida pela perfeição da glória, mas permanecerá numericamente a mesma.
Donde a resposta à primeira objeção. — A imperfeição pode atingir a caridade acidentalmente, por não ser a imperfeição da essência do amor. Ora, removido o acidental, nem por isso deixa de existir a substância. Logo, abolida a imperfeição da caridade, esta não será abolida.
Resposta à segunda. — A caridade não tem por objeto o conhecimento em si mesmo, porque então não seria a mesma nesta e na outra vida. Mas, tem como objeto, aquilo mesmo que é conhecido, e que é sempre o mesmo, i. é, Deus.
Resposta à terceira. — A caridade da via, aumentando não pode igualar a da pátria, pela diferença causal existente. Pois, a visão é uma causa do amor, como já se disse. Ora, quanto mais perfeitamente Deus é conhecido, tanto mais perfeitamente é amado.
(II Sent., dist. XXXI. q. 2, a. 1, qª3).
Parece que algo da fé ou da esperança perdura na glória.
1. — Pois, removido o próprio, fica o comum; assim, como se disse, removido o racional, permanece o vivo; e removido este, permanece o ente. Ora, a fé tem algo de comum com a beatitude, o conhecimento; e algo de próprio — o enigma, pois, a fé é um conhecimento enigmático. Logo, removido o seu enigma, resta-lhe ainda o conhecimento.
2. Demais. — A fé é um lume espiritual da alma, conforme aquilo da Escritura (Ef 1, 18): Os olhos iluminados do vosso coração para o conhecimento de Deus; ora aqui se trata do lume imperfeito, por comparação com a luz da glória, de que fala o salmista (Sl 35, 19): No teu lume veremos o lume. Ora, o lume imperfeito perdura, com a superveniência do perfeito; assim, a candeia não se extingue quando o sol nasce. Logo, parece que também o lume da fé pode coexistir com o da glória.
3. Demais. — A substância de um hábito não desaparece com a eliminação da matéria; assim, podemos conservar o hábito da liberalidade, mesmo depois que perdemos o dinheiro, se bem não a possamos exercer em ato. Ora, o objeto da fé é a Verdade primária não vista. Logo, removido aquilo pelo que vemos essa Verdade, ainda pode permanecer o hábito da fé.
Mas, em contrário, a fé é um hábito simples. Ora, o simples ou há de desaparecer totalmente ou totalmente subsistir. Logo, como a fé não subsiste totalmente, mas desaparecerá, segundo se disse, conclui-se que desaparecerá totalmente.
SOLUÇÃO. — Certos disseram que a esperança desaparece totalmente; mas, a fé desaparece em parte — quanto ao enigma; e subsiste em parte — quanto à substância do conhecimento. Ora, se esta opinião exprime que a fé subsiste una, não numérica, mas genericamente, é muito verdadeira. Pois, a fé convém com a visão da pátria num mesmo gênero, que é o conhecimento; mas, a esperança não convém genericamente com a felicidade, pois ela está para o gozo da beatitude como o movimento para o repouso final.
Se ela porém, significa que o conhecimento da fé subsistirá no céu numericamente o mesmo, isto é absolutamente impossível. Pois, removida a diferença de uma espécie, a substância genérica não permanece numericamente a mesma. Assim, removida a diferença constitutiva da brancura, não permanece a substância da cor numericamente a mesma, de modo que uma mesma cor, numericamente, fosse, ora, a brancura e, ora, a negrura. Porquanto, o gênero não está para a diferença como a matéria, para a forma, de modo que subsiste a substância genérica, numericamente a mesma, depois de removida a diferença; assim como, removida a forma, a substância da matéria permanece numericamente a mesma. Ora, o gênero e a diferença não são partes da espécie; mas assim como a espécie significa um todo material, i. é, o composto da matéria e da forma, assim também a diferença significa um todo; e o mesmo se dá com o gênero; mas, ao passo que este denomina o todo, enquanto sendo como que a matéria, a diferença o denomina enquanto sendo como que a forma; e por fim a espécie, enquanto uma e outra. Assim, no homem, a natureza sensitiva é como a matéria da intelectiva, pois se chama animal ao que tem natureza sensitiva; racional ao que tem a intelectiva e homem, ao que as tem a ambas. E, assim, o mesmo todo é expresso por esses três elementos, mas, não, do mesmo modo. Donde consta com clareza, que, a diferença, não designando senão o gênero, depois de removida a diferença à substância genérica não pode permanecer a mesma; assim, a animalidade não permanece a mesma se for diferente a alma constitutiva do animal. Por onde, não é possível que o conhecimento, numericamente o mesmo, que antes fora enigmático, venha a ser, depois, a visão plena. Donde se conclui com clareza que nada do que há na fé, numérica ou especificamente o mesmo, subsiste na pátria celeste, senão só o que for genericamente o mesmo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Removido o racional, já um vivente não é numericamente o mesmo, mas só genericamente, como do sobredito resulta.
Resposta à segunda. — A imperfeição da luz da candeia não se opõe à perfeição da luz do sol, porque uma e outra não recai sobre o mesmo sujeito. Ao passo que a imperfeição da fé e a perfeição da glória entre si se opõem, e recaem sobre o mesmo sujeito; e, portanto não podem coexistir, assim como não o pode a claridade do ar e a sua obscuridade.
Resposta à terceira. — Quem perde o dinheiro não perde a possibilidade de tornar a ganhá-lo, e portanto pode subsistir convenientemente o hábito da liberalidade. Mas no estado da glória, não só desaparece atualmente o objeto da fé, que é o invisível, mas também na sua possibilidade, por causa da perene beatitude. Seria pois inútil à subsistência de tal hábito.
(IIª. lIae, q. 18, a. 2 ; II Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 5, qª 2 ; dist. XXXI, q. 2, a. 1, qª 2; De Virtut., q.4. a. 4).
O quarto discute-se assim. — Parece que a esperança perdura depois da morte, no estado da glória.
1. — Pois, a esperança aperfeiçoa, de modo mais nobre, o apetite humano, do que as virtudes morais. Ora, estas permanecem depois desta vida, como está claro em Agostinho. Logo, com maior razão a esperança.
2. Demais. — O temor se opõe à esperança. Ora, ele perdura depois desta vida: nos bem-aventurados, o temor filial, que permanece sempre; nos condenados, o das penas. Logo, pela mesma razão, pode permanecer a esperança.
3. Demais. — Como a esperança, também o desejo tem por objeto o bem futuro. Ora, os bem-aventurados tem tal desejo, tanto em relação à glória do corpo, que as almas deles desejam, conforme diz Agostinho, como em relação à da alma, segundo aquilo da Escritura (Ecle 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome, e os que, me bebem terão ainda sede, e ainda (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos anjos desejam ver. Logo, a esperança pode existir, nos bem-aventurados, depois desta vida.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Rm 8, 24): o que qualquer vê, como o espera? Ora, os bem-aventurados vêm o objeto da esperança, que é Deus. Logo, não esperam.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, o que por essência implica à imperfeição do sujeito não pode coexistir num sujeito perfeito pela perfeição oposta. Isso se vê claramente no movimento que, implicando por essência a imperfeição do sujeito, pois, é o ato do existente em potencia, como tal, cessa quando a potência se atualiza; assim, o que já se tornou branco não pode ainda embranquecer. Ora, a esperança implica um certo movimento para o que ainda não possuímos, como ficou claro pelo que acima dissemos da paixão da esperança. Portanto, quando possuirmos o que esperamos, i. é, a fruição devida, já não poderá existir a esperança.
Donde a resposta à primeira objeção. — A esperança é mais nobre do que as virtudes morais, por ser Deus o seu objeto. Ora, o ato dessas virtudes não repugna, como o ato da esperança, à perfeição da felicidade, senão talvez quanto à matéria, quanto à qual não perduram. Pois as virtudes morais não aperfeiçoam o apetite só no atinente ao objeto ainda não possuído, mas também no atualmente já possuído.
Resposta à segunda. — Há um duplo temor: o servil e o filial, como a seguir se dirá. Aquele é o da pena, e não poderá existir na glória, onde não existe nenhuma possibilidade de pena. Este comporta dois atos: temer a Deus, e neste ponto permanece; e temer a separação dele, e neste não permanece, pois separar-se de Deus implica o mal, e, no caso presente, não se pode temer nenhum mal, conforme aquilo da Escritura (Pr 1, 33): Gozaremos da abundância, sem receio de mal algum. Ora, o temor se opõe à esperança, por oposição do bem e do mal, como já dissemos. E portanto, o temor que perdura na glória, não se opõe à esperança. Nos condenados porém pode haver o temor da pena mais do que, nos bem-aventurados, a esperança da glória; porque neles haverá sucessão de penas, o que implica a idéia de futuro, objeto do temor. Ao passo que na glória dos santos não há sucessão, pois é uma como participação da eternidade, sem pretérito nem futuro, mas só presente. E contudo também nos condenados não haverá temor, propriamente falando. Pois, como já dissemos, o temor nunca existe sem alguma esperança de libertação, a qual nos danados, absolutamente não existirá; portanto, também neles não haverá temor, senão comumente falando, no sentido em que se chama temor a qualquer expectativa de mal futuro.
Resposta à terceira. — Quanto à glória da alma, os bem-aventurados não podem ter desejo, no concernente ao futuro, pela razão já exposta. Dizemos que eles têm fome e sede, para afastar a idéia de tédio. E pela mesma razão dizemos que os anjos têm desejo. No concernente porém à glória do corpo, pode por certo haver desejo nas almas dos santos, não porém, esperança, propriamente falando. Mas não, enquanto a esperança é uma virtude teologal, pois então o seu objeto é Deus e não, qualquer bem criado. Nem tomada em sentido comum, porque, nesse caso o seu objeto é o que é árduo, como já dissemos. Ora, o bem, cuja causa certa já possuímos, não tem para nós nada de árduo; por isso, propriamente falando, não dizemos que quem tem dinheiro espera poder possuir uma certa coisa, pois pode possuí-la imediatamente, comprando-a. E semelhantemente, os que já têm a glória da alma não podem, propriamente falando, esperar a glória do corpo, mas só desejá-la.
(IIª. lIae, q. 4, a. 4, ad 1 ; III Sent., dist.. XXXI. q. 2, a. 1, qª 1: De Virtut., q. 5. a. 4, ad 10).
O terceiro discute-se assim. — Parece que a fé perdura depois desta vida.
1. — Pois, a fé é mais nobre que a ciência. Ora, esta perdura depois da vida presente, como já se disse. Logo, também a fé.
2. Demais. — A Escritura diz (1 Cor 3, 2): ninguém pode pôr outro fundamento senão o que foi posto, que é Jesus Cristo, i. é, a fé de Jesus Cristo. Ora, tirados os fundamentos, não permanece o que sobre ele se assentava. Logo, se a fé não perdurasse depois desta vida, nenhuma outra virtude poderia perdurar.
3. Demais. — O conhecimento da fé difere do da glória como o perfeito, do imperfeito. Ora, estes dois últimos podem coexistir; assim, no anjo, pode coexistir o conhecimento vespertino com o matutino; e nós podemos ter simultaneamente, em relação à mesma conclusão, a ciência, por meio de um silogismo demonstrativo, e a opinião, por meio de um silogismo dialético. Logo, também a fé pode coexistir, depois desta vida, com o conhecimento da glória.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (2 Cor 5, 6): enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor; (porque andamos por fé e não por visão). Ora, os que estão na glória não vivem ausentes do Senhor, mas lhe estão presentes. Logo, na glória, depois desta vida, a fé não perdura.
SOLUÇÃO. — Por si e na sua própria causa a oposição implica em um oposto exclua o outro, enquanto que todos os opostos incluem a oposição entre a afirmação e a negação. Noutros casos, porém, a oposição se funda em formas contrárias, como, entre as cores, o branco e o preto; em outros ainda, ela se funda na perfeição e na imperfeição, sendo por isso que consideramos como contrários o mais e o menos alterado, assim, quando do menos cálido procede o mais cálido, segundo já se disse. Ora, como o perfeito e o imperfeito se opõem, é impossível à perfeição e a imperfeição recaírem simultaneamente sobre o mesmo sujeito.
Devemos, porém, considerar que às vezes a imperfeição é da essência específica da coisa; assim, a falta da razão é da essência específica do cavalo ou do boi. E como o que permanece na sua identidade numérica não pode transferir-se de uma espécie para outra, com a desaparição dessa imperfeição desaparece a espécie do ser; assim, o boi ou o cavalo deixariam de existir se fossem racionais. Outras vezes porém a imperfeição não pertence à essência específica, mas tem qualquer fundamento acidental no indivíduo; assim pode às vezes faltar à razão a alguém, cujo uso está impedido pelo sono, pela embriaguez ou por uma causa análoga. E claro porém, que, removida essa imperfeição, a substância do ser continua a existir do mesmo modo.
Ora, é manifesto que a imperfeição do conhecimento é da essência da fé; pois, na sua definição se diz (Heb 11, 1): a fé é a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das coisas que não aparecem. E Agostinho diz: Em que consiste a fé? Em crer o que não vês. Ora, conhecer o que não se manifesta nem é visto implica imperfeição do conhecimento, a qual portanto é da essência da fé. Por onde é manifesto que a fé, permanecendo numericamente a mesma, não pode ser um conhecimento perfeito.
Mas devemos além disso considerar se ela pode coexistir com o conhecimento perfeito, pois nada impede coexista às vezes, um conhecimento imperfeito com o perfeito. Ora, devemos notar que um conhecimento pode ser imperfeito de três modos: quanto ao objeto cognoscível, quanto ao meio e quanto ao sujeito. — Quanto ao objeto cognoscível, o conhecimento angélico matutino difere do vespertino, assim como o perfeito, do imperfeito; pois, o conhecimento matutino tem por objeto os seres enquanto existentes no verbo; ao passo que o vespertino os tem por objeto enquanto existentes na própria natureza; e esta, em relação à primeira, é uma existência imperfeita. — Quanto ao meio, o conhecimento de uma conclusão, por um meio demonstrativo, difere do que temos por um meio provável, assim como o perfeito difere do imperfeito. — Por fim, quanto ao sujeito, a opinião, a fé e a ciência diferem entre si como o perfeito, do imperfeito. Pois, a opinião, na sua essência, admite uma hipótese, mas, com receio de ser a outra a verdadeira e portanto não tem a adesão firme. Ao passo que a ciência implica essencialmente a adesão firme, com a visão intelectiva, pois tem a certeza procedente do intelecto dos princípios. A fé, por fim, ocupa uma posição média: excede a opinião, por implicar a adesão firme, e é inferior à ciência, por não ter a visão. Ora, como é manifesto, o perfeito e o imperfeito não podem coexistir num mesmo ponto de vista, mas as diferenças num e noutro fundadas podem existir simultaneamente, num mesmo ponto de vista, em algum outro objeto. — Assim, pois, o conhecimento perfeito e o imperfeito, quanto ao objeto, de nenhum modo podem se referir ao mesmo objeto. Podem contudo convir no mesmo meio e no mesmo sujeito; pois, nada impede tenha alguém, uma vez e simultaneamente, por um mesmo meio, um conhecimento de dois objetos, um perfeito e o outro, imperfeito, como, p. ex., da saúde e da doença, do bem e do mal. — semelhantemente, é impossível o conhecimento perfeito e o imperfeito, quanto ao meio, convirem num mesmo meio. Mas nada impede que não convenham num mesmo objeto e num mesmo sujeito; pois, pode alguém conhecer a mesma conclusão pelo meio provável e pelo demonstrativo. — E semelhantemente, é impossível o conhecimento perfeito e o imperfeito, quanto ao sujeito, existirem simultaneamente num mesmo sujeito. Ora, a fé, por essência, tem uma imperfeição proveniente do sujeito, pois o crente não vê aquilo que crê. A beatitude, por seu lado, tem essencialmente uma perfeição fundada no sujeito e consistente em o feliz ver o que o felicita, como já dissemos. Por onde é manifesta a impossibilidade de a fé coexistir com a beatitude, no mesmo sujeito.
Donde a resposta à primeira objeção. — A fé é mais nobre que a ciência, quanto ao seu objeto, que é a Verdade primeira. Mas, a ciência tem um modo mais perfeito de conhecer, não repugnante à perfeição da beatitude i. é, à visão, como lhe repugna o modo da fé.
Resposta à segunda. — A fé é um fundamento, pelo que tem de conhecimento; e portanto, quando o conhecimento for perfeito, mais perfeito será o fundamento.
Resposta à terceira. — A Solução consta com evidência do dito antes
(I, q. 89, a. 5, 6 ; III Sent., dist. XXXI, q. 2, a. 4 ; IV, dist. I, q. 1, a. 2; I Cor., cap. XIII, lect. III).
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes intelectuais não perduram depois desta vida.
1. — Pois, como diz o Apóstolo (1 Cor 13, 8), a ciência será abolida, porque conhecemos em parte. Ora, assim como o conhecimento da ciência é parcial, i. é, imperfeito, o mesmo se dá com o conhecimento das outras virtudes intelectuais, enquanto durar esta vida. Logo, depois dela, todas desaparecerão.
2. Demais. — O Filósofo diz, que a ciência, sendo um hábito, é uma qualidade dificilmente removível, pois não o perdemos facilmente, senão só por alguma forte transmutação ou doença. Ora, nada opera maior mudança no corpo humano que a morte. Logo, a ciência e as demais virtudes intelectuais não perduram depois desta vida.
3. Demais. — As virtudes intelectuais tornam a inteligência apta a operar retamente o seu ato próprio. Ora, depois desta vida o intelecto já não age, porque a alma não pode inteligir nada sem o fantasma, como se disse; ora, os fantasmas que só podem existir em órgãos corpóreos, não permanecem depois desta vida. Logo, também não perduram, depois dela, as virtudes intelectuais.
Mas, em contrário, o conhecimento do universal e do necessário é mais estável que o do particular e contingente. Ora, o homem continua a ter, depois desta vida, o conhecimento do particular e do contingente, p. ex., daquilo que fez ou sofreu, conforme a Escritura (Lc 16, 25): lembra-te que recebestes os teus bens em tua vida, e que Lázaro, semelhantemente, teve os seus males. Logo, com maior razão, permanece o conhecimento do universal e do necessário, objeto da ciência e das outras virtudes intelectuais.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos na Primeira Parte, uns ensinaram que as espécies inteligíveis não permanecem no intelecto possível, senão enquanto ele intelige em ato; e quando cessa a intelecção atual, as espécies só se conservam na imaginativa e na memória, que, como potências sensitivas são atos de órgãos corpóreos. Ora, tais potências se dissolvem com a dissolução do corpo. E portanto, sendo assim, a ciência, nem qualquer outra virtude intelectual, perdurará, depois desta vida, uma vez corrupto o corpo.
Mas esta opinião é contra a doutrina de Aristóteles, que diz que o intelecto possível se atualiza quando, se torna cada uma das coisas singulares, como ciente, embora seja potencial em relação ao conhecimento atual. Também é contra a razão, por serem as espécies inteligíveis recebidas pelo intelecto possível ao seu modo, imovelmente; sendo por isso que ele se chama lugar das espécies, quase conservador das espécies inteligíveis. Ao passo que os fantasmas, dependentemente dos quais o homem intelige nesta vida, aplicando-lhes as espécies inteligíveis, como dissemos na Primeira Parte, desaparecem com a dissolução do corpo.
Por onde, no concernente aos fantasmas, que lhes são como materiais, as virtudes intelectuais destroem-se com a destruição do corpo; perduram porém no atinente às espécies inteligíveis, existentes no intelecto possível. Ora, as espécies são como as formas das virtudes intelectuais. Por onde, depois desta vida, elas permanecem, pelo que têm de formal; não porém pelo que têm de material, como já dissemos a respeito das virtudes morais.
Donde a resposta à primeira objeção. — As palavras do Apóstolo se devem entender relativamente ao que há de material na ciência e ao modo de inteligir; porque, nem os fantasmas continuarão a existir depois da destruição do corpo, nem haverá então uso da ciência dependente dos fantasmas.
Resposta à segunda. — Pela doença se destrói o que há de material no hábito da ciência, isto é, no referente aos fantasmas; não porém, no concernente às espécies inteligíveis, existentes no intelecto possível.
Resposta à terceira. — A alma separada, depois da morte, tem outro modo de inteligir, sem se converter nos fantasmas, como dissemos na Primeira Parte. E, assim, a ciência permanece, não porém quanto ao mesmo modo de operar, como já dissemos ao tratar das virtudes morais.