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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 — Se virtudes infusas diferem especificamente das adquiridas.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 2,qª. 4 ; De Virtut., q. 1, a. 10, ad 7. 8, 9; q. 5. a. 4).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que as virtudes infusas não diferem especificamente das adquiridas.
 
1. — Pois, pelo que já se disse, parece que a virtude adquirida não difere da infusa senão pela relação com o último fim. Ora, os hábitos e os atos humanos se especificam, não pelo fim último, mas pelo fim próximo. Logo, as virtudes morais ou intelectuais infusas não diferem especificamente das adquiridas.
 
2. Demais. — Os hábitos se conhecem pelos atos. Ora, a temperança infusa e a adquirida dependem do mesmo ato que é moderar a concupiscência do tato. Logo, não diferem especificamente.
 
3. Demais. — A diferença entre a virtude adquirida e a infusa se funda no que é imediatamente feito por Deus e pela criatura. Ora, o homem que Deus formou é especificamente o mesmo que é gerado pela natureza, assim como os olhos que deu ao cego de nascença são os mesmos que os produzidos por uma força formativa. Logo, a virtude adquirida é especificamente idêntica à infusa.
 
Mas em contrário. — A mudança de qualquer diferença, que entra na definição, diversifica a espécie. Ora, na definição da virtude infusa diz-se: que Deus obra em nós, sem nós, como já se estabeleceu1. Logo, a virtude adquirida, de que não se pode dizer tal, não é especificamente a mesma que a infusa.
 
SOLUÇÃO. — Os hábitos se distinguem especificamente de dois modos. De um, como já dissemos2, pelas noções especiais e formais dos objetos. Ora, o objeto de qualquer virtude é bem relativo à matéria própria dela; assim, o objeto da temperança é o bem dos prazeres relativos à concupiscência do tacto; e, de um lado, a noção formal desse objeto provém da razão, que estabelece o modo para essa concupiscência; e, de outro, a sua noção material é a proveniente dessa mesma concupiscência. Ora, é manifesto que o modo imposto a essa concupiscência pela regra da razão humana e pela regra divina corresponde a noções diversas. Assim, ao passo que para o uso dos alimentos, a razão lhe impõe um modo em virtude do qual não podem ser nocivos à saúde do corpo nem impedir o ato da razão, a regra da lei divina exige que o homem castigue o seu corpo e o reduza à servidão (1 Cor 9, 27), pela abstinência da comida, da bebida e de causas semelhantes. Por onde é claro que a temperança infusa difere especificamente da adquirida. E o mesmo se dá com as outras virtudes.
 
De outro modo, os hábitos se distinguem especificamente aquilo para o que se ordenam. Assim, a saúde do homem não é especificamente a mesma que a do cavalo, por causa das naturezas diversas a que uma e outra se ordena. E, do mesmo modo, diz o Filósofo, que as virtudes dos cidadãos são diversas conforme se relacionam devidamente com as diversas formas de governo3. E, desta maneira, as virtudes morais infusas, pelas quais os homens se ordenam convenientemente para virem a ser cidadãos dos santos e domésticos de Deus (Ef 2, 19), diferem especificamente das virtudes adquiridas pelas quais o homem se ordena convenientemente para as coisas humanas.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A virtude infusa difere da adquirida, quanto ao ordenar-se não só para o último fim, mas também para os objetos próprios, como dissemos.
 
Resposta à segunda. — A temperança adquirida e a infusa impõem modos diferentes à concupiscência dos prazeres do tacto, como dissemos. Logo, não recaem sobre o mesmo ato.
 
Resposta à terceira. — O olho do cego de nascença Deus o fez para o mesmo ato para o qual formou a natureza os demais olhos; e portanto é da mesma espécie que estes. E o mesmo se daria se Deus quisesse causar no homem milagrosamente virtudes que ele adquire pelos seus atos. Mas não é assim que o entende a objeção.

  1. 1. Q. 63, a. 2; q. 55, a. 4.
  2. 2. Q. 54, a. 2.
  3. 3. III Polit. (lect. III).

Art. 3 — Se além das virtudes teologais, há em nós outras infundidas por Deus.

(Supra, q. 51, a. 4; III Sent., dist. XXXIII, q.1, a. 2, qª 3; De Virtut., q. 1, a. 10) .
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que além das virtudes teologais não há em nós outras virtudes infundidas por Deus.
 
1. — Pois, o que podem fazer as causas segundas não o faz Deus imediatamente, senão às vezes miraculosamente, porque como diz Dionísio, a lei da divindade é governar as coisas últimas pelas médias1. Ora, as virtudes intelectuais e morais podem ser causadas em nós pelos nossos atos, como já se disse2. Logo, não é conveniente sejam em nós causadas por infusão.
 
2. Demais. — Nas obras de Deus, muito mais que nas da natureza, nada há de supérfluo. Ora, para nos ordenar ao bem sobrenatural bastam às virtudes teologais. Logo, não há, além dessas, virtudes sobrenaturais, causadas em nós por Deus.
 
3. Demais. — A natureza, e com maior razão Deus, não fazem por dois meios o que podem fazer só por um. Ora, Deus infundiu em nossa alma germens das virtudes, como diz a Glosa (Heb 1, 15-16). Logo, não é necessário cause em nós por infusão outras virtudes.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sb 8, 7): Ensina a temperança e a justiça, a prudência e a fortaleza.
 
SOLUÇÃO. — É necessário sejam os efeitos proporcionados às suas causas e aos seus princípios. Ora, todas as virtudes, tanto as intelectuais como as morais, adquiridas pelos nossos atos, procedem de certos princípios naturais preexistentes em nós, como já dissemos3. Em lugar desses princípios naturais Deus nos dá as virtudes teologais, pelas quais nos ordenamos a um fim sobrenatural, conforme já se disse4. Por onde, é necessário que também a essas virtudes teologais correspondam proporcionalmente outros hábitos causados em nós por Deus, que estão para as virtudes teologais como as morais e intelectuais para os princípios naturais das virtudes.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Seguramente certas virtudes morais e intelectuais podem ser causadas em nós pelos nossos atos; mas, não são proporcionadas às virtudes teologais. E portanto é necessário haver em nós outras que lhes sejam proporcionadas e causadas imediatamente por Deus.
 
Resposta à segunda. — As virtudes teologais nos ordenam suficientemente a um fim sobrenatural, por uma certa inclinação, e de maneira imediata no que respeita a Deus mesmo. Mas, é necessário que a alma, por outras virtudes infusas, se aperfeiçoe no tocante a outras coisas, mas ordenando-se para Deus.
 
Resposta à terceira. — A virtude dos princípios naturalmente infusos não ultrapassa a capacidade da natureza. E portanto, para ordenar-se a um fim sobrenatural, o homem precisa ser aperfeiçoado por outros princípios acrescentados.

  1. 1. Cap. IV De Cael. Hier.
  2. 2. Q. 63, a. 2.
  3. 3. Q. 63, a. 1; q. 51, a. 1.
  4. 4. Q. 62, a. 1.

Art. 2. — Se as virtudes podem ser causadas em nós pelas obras habituais.

(Supra, q. 51, a. 2; II Sent., disto XLIV, q. 1, a. 1, ad 6; III, dist. XXXIII. q. 1, a. 2, qª 2 ; De Virtut., q. 1, a. 9; II Ethic., lect. 1).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes não podem ser causadas em nós pelas obras habituais.
 
1. — Pois sobre aquilo da Escritura (Rm 14, 23) Tudo o que não é segundo a fé é pecado diz a Glosa: Toda a vida dos infiéis é pecado, e nada é bom senão o sumo bem. Onde falta o conhecimento da verdade, a virtude é falsa, mesmo com ótimos costumes. Ora, a fé não pode ser adquirida pelas obras, mas é causada em nós por Deus, segundo aquilo da Escritura (Ef 2, 8): Pela graça é que sois salvos, mediante a fé. Logo, não podemos adquirir nenhuma virtude pelas obras habituais.
 
2. Demais. — O pecado, sendo contrário à virtude, não é compatível com ela. Ora, o homem não pode evitar o pecado senão pela graça de Deus, conforme o dito da Escritura (Sb 8, 21): Eu sabia que de outra maneira não podia ter continência, se Deus me a não desse. Logo, também nenhuma virtude pode ser causada em nós pelas obras habituais, mas por dom de Deus.
 
3. Demais. — Não há a perfeição da virtude em atos que são desta desprovidos. Ora, o efeito não pode ser superior à causa. Logo, a virtude não pode ser causada pelos atos que a precedem.
 
Mas, em contrário, Dionísio diz que o bem é mais virtuoso que o mal1. Ora, os maus atos causam hábitos viciosos. Logo, com maior razão, os atos bons podem causar hábitos virtuosos.
 
SOLUÇÃO. — Da geração dos hábitos pelos atos, em geral, já tratamos2. Agora porém de modo especial devemos tratar da virtude, que, como já dissemos3, aperfeiçoa o homem para o bem. Ora, como o bem consiste, por essência, em modo, espécie e ordem, conforme diz Agostinho4; ou em número, peso e medida, como diz a Escritura (Sb 11, 21), é necessário consideremos o bem do homem relativamente a uma regra. E esta, é dupla, como já dissemos5: a razão humana e a lei divina. E como esta é a regra superior, tem maior extensão; de modo que tudo o regulado pela razão humana o é também pela lei divina, mas não inversamente.
 
Logo, a virtude do homem, ordenada para o bem que recebe o seu modo pela regra da razão humana, pode ser causada pelos atos humanos, enquanto tais atos procedem da razão, de cujo poder e regra depende o referido bem. — Mas a virtude que ordena o homem para o bem determinado pela lei divina, e não pela razão humana, não pode ser causada pelos atos humanos, cujo princípio é a razão; mas é causado em nós só por obra divina. E por força desta noção de virtude é que Agostinho introduzia na definição de virtude: que Deus obra em nós sem nós.
 
E em relação à virtude, neste sentido, a primeira objeção colhe.
 
Resposta à segunda. — A virtude divinamente infusa, sobretudo considerada em sua perfeição, não se compadece com nenhum pecado mortal; mas a adquirida humanamente pode ser compatível com um ato pecaminoso, mesmo mortalmente. Porque o uso do nosso hábito está sujeito à nossa vontade, como já dissemos6. Ora, um ato pecaminoso não destrói o hábito da virtude adquirida, pois, um hábito não é diretamente contrariado por um ato, mas por outro hábito. E portanto, embora o homem, sem a graça, não possa evitar o pecado mortal, de modo que nunca peque mortalmente, não fica impedido entretanto de poder adquirir o hábito da virtude, pelo qual se abstenha, na maioria dos casos, das más obras, e sobretudo das mais contrárias à razão. Há porém, certos pecados mortais que, sem a graça, o homem de nenhum modo pode evitar, e são os que diretamente se opõem às virtudes teologais, que existem em nós por dom da graça. E disto se dirá mais manifestamente a seguir7.
 
Resposta à terceira. — Como já dissemos8, preexistem em nós, por natureza, certas sementes ou princípios das virtudes adquiridas. E esses princípios são mais nobres que as virtudes adquiridas por meio deles, assim como o intelecto dos princípios especulativos é mais nobre que a ciência das conclusões; e a retidão natural da razão, do que a retificação do apetite, que se faz pela participação da razão e pertence à virtude moral. Assim pois, os atos humanos, enquanto procedentes de princípios mais altos, podem causar as virtudes humanas adquiridas.

  1. 1. IV cap. De div. nom. (lect. XXII).
  2. 2. Q. 51, a. 2, 3.
  3. 3. Q. 55, a. 3, 4.
  4. 4. In lib. De natura boni (c. III).
  5. 5. Q. 19, a. 3, 4.
  6. 6. Q. 49, a. 3.
  7. 7. Q. 109 a. 4.
  8. 8. Q. 63, a. 1; q. 51, a. 1.

Art. 1 — Se a virtude existe em nós por natureza.

(Supra. q. 55, a. 1 ; I Sent., disto XVII, q. 1. a 3 ; II disto XXXIX. q. 2. a. 1 ; IIIª, dist. XXXIII, q. 1, a. 2. q. 1 ; De Verit., q. II, a. I ; De Virtut., q. 1, a. 8; II Ethic., lect. 1).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que a virtude existe em nós por natureza.
 
1. — Pois, diz Damasceno: As virtudes são naturais e existem igualmente em todos1. E Antonio: Se a vontade mudar a natureza haverá perversidade. Conserve-se a condição e haverá virtude2. E sobre aquilo da Escritura (Mt 4, 23): Jesus rodeava ensinando, etc. diz a Glosa: Ensina as virtudes naturais, a saber: a justiça, a castidade, a humildade, que o homem possui naturalmente.
 
2. Demais. — O bem da virtude é existir de acordo com a razão, como do sobredito resulta3. Ora, o que é segundo a razão é bem natural, pois a razão é a natureza do homem. Logo, a virtude neste existe por natureza.
 
3. Demais. — Chama-se natural ao existente em nós desde o nosso nascimento. Ora, isto se dá com certas virtudes, pois, diz a Escritura (Jó 31, 18): Porque desde a minha infância cresceu comigo a comiseração, e do ventre de minha mãe saiu comigo. Logo, a virtude existe em nós por natureza.
 
Mas, em contrário. — O existente em nós por natureza é comum a todos, e não o perdemos pelo pecado, porque os bens naturais permanecem, mesmo nos demônios, como diz Dionísio4. Ora, a virtude não existe em todos os homens e se perde pelo pecado. Logo, neles não existe por natureza.
 
SOLUÇÃO. — Sobre as formas corpóreas uns disseram que elas têm procedência totalmente intrínseca, quase admitindo uma existência oculta delas. Outros, que essa procedência é totalmente extrínseca, como se proviessem de alguma causa separada. Outros, enfim, que a procedência em parte, é intrínseca, enquanto preexistem potencialmente na matéria; e, em parte, extrínseca, quando atualizadas pelo agente.
 
Assim também alguns ensinaram que as ciências e as virtudes têm procedência totalmente extrínseca, de modo que todas naturalmente preexistem na alma, e que a disciplina e o exercício eliminam os obstáculos que a elas se opõem; assim como a ação da lima clarifica o ferro, obstáculos esses que se apresentam à alma provenientes do pesadume do corpo. E esta foi à opinião dos Platônicos. — Outros, por seu lado, disseram que têm procedência totalmente extrínseca, i. é, por influência da inteligência agente, como quer Avicena. — Outros, por fim, ensinaram que, quanto à aptidão, a ciência e a virtude existem em nós por natureza; não porém quanto à perfeição, como diz o Filósofo5. E esta opinião é mais verdadeira.
 
E para prová-lo manifestamente, devemos considerar que o vocábulo natural pode ser aplicado ao homem em duplo sentido: por natureza específica e por natureza individual, Ora, todos os seres se especificam pela sua forma e se individualizam pela matéria. E como a forma do homem é a alma racional, e a matéria, o corpo, o que lhe convém à alma racional lhe é especificamente natural; e o que lhe é natural pela determinada compleição do corpo, há de lho ser pela natureza individual. Mas o natural ao homem, corporal e especificamente há de referir-se de certo modo à alma, enquanto um determinado corpo é proporcionado a uma determinada alma.
 
Ora, de um e de outro modo, a virtude é natural ao homem, por uma certa incoação. Por natureza específica, enquanto na sua razão existem naturalmente certos princípios, naturalmente conhecidos, tanto do que ele pode saber como do que pode praticar, e que são como sementeiras das virtudes intelectuais e morais; e enquanto existe na vontade um apetite natural do bem racional. Por outro lado, quanto à natureza individual, enquanto uns têm melhor ou pior disposição corpórea para certas virtudes; e isto porque certas potências sensitivas são atos de certas partes do corpo, e a disposição delas ajuda ou impede os atos das mesmas, e por conseqüência as potências racionais, a que essas potências sensitivas servem. Por isso tem um aptidão natural para a ciência, outro, para a fortaleza, e um terceiro para a temperança. E é deste modo que tanto as virtudes intelectuais como as morais por uma certa aptidão incoativa existem em nós por natureza. Não porém de maneira consumada, porque a natureza é determinada a um só termo e a consumação dessas virtudes não se dá por um só, mas por diversos modos de agir, conforme as diversas matérias sobre que versam as virtudes e conforme as diversas circunstâncias.
 
Por onde é claro que as virtudes existem naturalmente em nós, quanto à aptidão e a incoação delas; não porém quanto à perfeição, exceto as virtudes teológicas de procedência totalmente extrínseca.
 
E daqui constam com clareza as respostas às objeções. Pois, as duas primeiras colhem, enquanto existem em nós, por termos natureza, sementeiras de virtudes. — A terceira procede enquanto que, por disposição natural do corpo, que vem desde o nascimento, um tem natural compassivo, outro, para viver temperadamente e outro, para outra virtude.

  1. 1. III lib. (cap. XIV).
  2. 2. In serm. ad monach.
  3. 3. Q. 55, a. 4 ad 2.
  4. 4. IV cap. De div. nom. (lect. XIX).
  5. 5. II Ethic. (lect. I).

Questão 63: Da causa das virtudes.

Em seguida devemos tratar da causa das virtudes.
 
E sobre esta questão, quatro artigos se discutem:

Creio na Comunhão dos Santos e na remissão dos pecados

142 — Assim como no corpo natural a atividade de um membro subordina-se ao bem de todo o corpo, também no corpo espiritual acontece o mesmo, isto é, na Igreja. E porque todos os fiéis são um só corpo, o bem de um comunica-se ao outro. Diz S. Paulo:”Somos todos membros uns dos outros” (Rm 12, 5). Por isso entre os artigos de fé proposto pelos Apóstolos, há este referente à comunhão do bem entre fiéis, que se chama Comunhão dos Santos.

Art. 4 — Se na ordem das virtudes teologais a fé é anterior à esperança e a esperança, à caridade.

(IIª-IIª, q. 4, a. 7; q. 17. a. 7, 8; III :Sent., disto XXIII, q.1. 2, a.5; dist. XXVI, q. 2, a. 3, qª 2 ; De Virtut., q. 4, a. 3).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a ordem das virtudes teologias não deve ser a em que a fé é anterior à esperança e a esperança, à caridade.
 
1. — Pois, a raiz é anterior ao que dela procede. Ora, a caridade é a raiz de todas as virtudes, conforme a Escritura (Ef 3, 17): arraigados e fundados em caridade. Logo, a caridade é anterior às outras virtudes.
 
2. Demais. — Agostinho diz: Ninguém pode amar aquilo em cuja existência não crê. Mas, se crê e ama também fará bem se esperar1. Logo, parece que a fé precede a caridade e esta, a esperança.
 
3. Demais. — O amor é o princípio de todo afeto, como já se disse2. Ora, a esperança, sendo uma paixão, como já se disse3, exprime um afeto. Logo, a caridade, que é amor, é anterior à esperança.
 
Mas, em contrário, é a ordem em que o Apóstolo enumera estas virtudes (1 Cor 13, 13): Agora pois permanecem a fé, a esperança e a caridade.
 
SOLUÇÃO. — Há uma dupla ordem: a da geração e a da perfeição. Ora, naquela, em que a matéria é anterior à forma, e o imperfeito, ao perfeito, num mesmo ser, a fé precede a esperança e esta, a caridade, atualmente falando, porque quanto aos seus hábitos eles são infundidos simultaneamente. Pois, o movimento apetitivo não pode tender esperando ou amando, senão para o que é apreendido pelo sentido ou pelo intelecto. Ora, pela fé, o intelecto apreende o que espera e ama. Logo, necessariamente, na ordem da geração, a fé precede a esperança e a caridade. Semelhantemente, se o homem ama alguma coisa é porque a apreende como bem seu. Ora, aquilo de que o homem espera poder receber um bem, ele o considera como seu bem. Logo, ama em quem espera, e portanto, na ordem da geração e quanto ao ato, a esperança precede a caridade.
 
Mas na ordem da perfeição, a caridade precede a fé e a esperança, porque tanto esta como aquela se formam e adquirem a perfeição de virtude, pela caridade. Por onde, a caridade é a mãe e a raiz de todas as virtudes, enquanto forma de todos, como a seguir se dirá4.
 
Donde consta clara a resposta à primeira objeção.
 
Resposta à segunda. — Agostinho se refere à esperança pela qual confiamos, pelos méritos já adquiridos, em que chegaremos à beatitude; e isto é próprio da esperança formada, consecutiva à caridade. Mas também podemos esperar antes de termos a caridade; não, pelos méritos que já temos, mas pelos que esperamos ter.
 
Resposta à terceira. — Como já dissemos, quando tratamos das paixões5, a esperança visa um objeto principal, que é o bem esperado. E em relação a ele, o amor sempre precede a esperança; pois, nenhum bem é esperado sem ser antes desejado e amado. Em segundo lugar, a esperança também recai sobre aquele por quem esperamos poder conseguir um bem. E neste caso a esperança, primeiramente, precede o amor, embora depois, pelo próprio amor, a esperança aumente. Pois é porque julgamos podermos conseguir um bem por meio de outrem, que começamos a amá-lo; e por isso mesmo que o amamos nele mais fortemente esperamos.

  1. 1. I De doct. Christ. (cap. XXXVII).
  2. 2. Q. 27, a. 4.
  3. 3. Q. 23, a. 4.
  4. 4. IIª-IIª,. q. 23. a. 8
  5. 5. Q. 40, a. 7

Art. 3 — Se se admitem convenientemente três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.

(IIª IIª, q. 17, a. 6; II Sent., Dist. XXIII, q. 1, a. 5; dist., XXVI, q. 2. a. 3, qª 1; De Virtut., q. 1, a 10, 12; I Cor., cap. XIII, lect II. IV).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece inconveniente admitirem-se três virtudes teologais, a saber, a fé, a esperança e a caridade.
 
1. — Pois, as virtudes teologias ordenam-se para a divina beatitude, assim como a inclinação da natureza, para um fim conatural. Ora, entre as virtudes ordenadas a este fim, há só uma virtude natural, que é o intelecto dos princípios. Logo há se também de admitir uma só virtude teologal.
 
2. Demais. — As virtudes teologais são mais perfeitas que as intelectuais e morais. Ora, a fé é menos que uma virtude e não se compreende entre as virtudes intelectuais. Semelhantemente, a esperança não se compreende entre as virtudes morais porque, sendo paixão, é menos que virtude.
 
3. Demais. — As virtudes teologais ordenam a alma do homem para Deus. Ora, a alma do homem não pode se ordenar para Deus senão pela sua parte intelectiva, onde reside o intelecto e a vontade. Logo, só devem existir duas virtudes teologais, uma que aperfeiçoa o intelecto e outra, à vontade.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (1 Cor 13, 13): Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três virtudes.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos1, as virtudes teologais ordenam o homem para a beatitude sobrenatural, do mesmo modo que, pela inclinação natural, ele se ordena a um fim que lhe é conatural. Ora, isto se dá por dupla via. Primeiro, pela razão ou intelecto, enquanto traz em si os primeiros princípios universais conhecidos pela luz natural do intelecto, nos quais se apóia a razão, tanto na ordem especulativa como na prática. Segundo, pela retidão da vontade naturalmente tendente para o bem da razão.
 
Ora, estas duas potências são incapazes de se ordenar à beatitude sobrenatural, conforme aquilo da Escritura (1 Cor 2, 9): O olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais veio ao coração do homem o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Logo, é necessário que a ambas essas potências algo se lhes acrescente sobrenaturalmente para o homem se ordenar ao fim sobrenatural. — Assim, primeiramente, ao intelecto se lhe acrescentam certos princípios sobrenaturais, apreendidos por iluminação divina, e que são os princípios da crença, objeto da fé. — Em seguida, a vontade se ordena para o fim sobrenatural, pelo movimento intencional, tendendo para ele, como o que é possível de conseguir, o que pertence à esperança; e por uma como união espiritual, pela qual, de certo modo, se transforma nesse fim, o que se realiza pela caridade. Pois, o apetite de cada ser move-se naturalmente e tende para o seu fim conatural, e esse movimento procede de certa conformidade da coisa com o seu fim.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O intelecto, para inteligir, precisa das espécies inteligíveis; e por isso é preciso que se lhe acrescente um hábito natural. A natureza mesma da vontade porém basta para que ela se ordene naturalmente para o fim, quer intencionalmente, quer quanto à conformidade com ele. Mas, em relação ao que lhe é superior à natureza, a potência, por si só, não basta, para essa dupla ordenação, e por isso é necessário se lhe acrescente um hábito sobrenatural, que diga respeito a ambas.
 
Resposta à segunda. — A fé e a esperança implicam uma certa imperfeição, porque aquela recai sobre o que não vemos, e esta, sobre o que não temos. Por onde, não constitui virtude, ter fé e esperança no que está ao alcance das forças humanas. Mas, tê-las no que supera a faculdade da nossa natureza excede toda virtude proporcionada ao homem, conforme aquilo da Escritura (1 Cor 1, 25): o que parece em Deus uma estultícia é mais sábio que os homens.
 
Resposta à terceira. — O apetite implica duas condições: o movimento para o fim e a conformidade com ele pelo amor. E. assim é necessário admitir, no apetite humano, duas virtudes teologais, a saber, a esperança e a caridade.

  1. 1. Q. 62, a. 1.

Art. 2 — Se as virtudes teologais se distinguem das morais e intelectuais.

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 4, qª 3, ad 4; De Verit., q. 14, a. 3, ad 9 De Virtut., q. 1, a 12).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes teologais não se distinguem das morais e intelectuais.
 
1. — Pois, dado que existam na alma humanas, as virtudes teologais hão de lhe aperfeiçoar a parte intelectiva ou apetitiva. Ora, as virtudes que aperfeiçoam a parte intelectiva se chamam intelectuais; e as que aperfeiçoam a parte apetitiva, morais. Logo, as virtudes teologais não se distinguem das intelectuais e morais.
 
2. Demais. — Chamam-se virtudes teologais as que nos ordenam para Deus. Ora, dentre as virtudes intelectuais há uma — que nos ordena para Deus, e é a sapiência que, considerando a causa altíssima, versa sobre o divino. Logo, as virtudes teologais não se distinguem das intelectuais.
 
 3. Demais. — Agostinho diz que as quatro virtudes cardeais manifestam a ordem do amor1. Ora este é caridade, considerada como uma virtude teologal. Logo, as virtudes morais não se distinguem das teologais.
 
 Mas, em contrário. — O superior à natureza humana distingue-se do que lhe é proporcionado. Ora, as virtudes teologais são superiores à natureza do homem ao qual convêm naturalmente às virtudes intelectuais e morais, como do sobredito se colhe2. Logo, essas virtudes distinguem-se entre si.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos3, os hábitos se distinguem especificamente pela diferença formal dos objetos. Ora, o objeto das virtudes teologais é Deus mesmo, fim último das coisas e enquanto excede o conhecimento da nossa razão. Ao passo que o objeto das virtudes intelectuais e morais é algo que a razão humana pode compreender. Por onde, as virtudes teologais se distinguem especificamente das morais e intelectuais.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — As virtudes intelectuais e morais aperfeiçoam o intelecto e o apetite do homem, como proporcionadas à natureza humana; as teológicas, porém, como sobrenaturais.
 
Resposta à segunda. — A sapiência que o Filósofo tem como virtude intelectual, considera as causas divinas enquanto a razão humana pode investigá-las. Ora, as virtudes teologais versam sobre o que excede a razão humana.
 
Resposta à terceira. — Embora a caridade seja amor, contudo nem todo amor é caridade. Portanto, quando se diz que toda virtude manifesta a ordem do amor, isso pode ser entendido ou do amor, na acepção comum, ou do amor de caridade. No primeiro caso, qualquer virtude manifesta a ordem do amor, porque qualquer das virtudes cardeais exige o afeto ordenado, e a raiz e o princípio de todo afeto é o amor, como já dissemos4. No segundo, não se deve por isso considerar qualquer outra virtude como essencialmente caridade; mas como defendendo todas as outras, de certo modo, dela, como a seguir se demonstrará5.

  1. 1. De mor. Eccle. (cap. XV).
  2. 2. Q. 58, a. 3.
  3. 3. Q. 54, a. 2, ad 1.
  4. 4. Q. 27, a. 4.
  5. 5. Q. 65, a. 24; IIa IIae, q. 23, a. 7.

Art. 1 — Se há virtudes teologais.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não há virtudes teologais.
 
1. — Pois, como já se disse, a virtude é uma disposição do que é perfeito para o que ótimo; e chama-se perfeito ao que tem uma disposição natural1. Ora, o divino é superior à natureza do homem. Logo, as virtudes teologais não são virtudes humanas.
 
2. Demais. — As virtudes teologais assim se chamam por serem virtudes quase divinas. Ora, estas são exemplares, como já se disse2 e não existem em nós. Logo, as virtudes teologais não são virtudes humanas.
 
3. Demais. — Chamam-se virtudes teologais as pelas quais nos ordenamos a Deus, princípio primeiro e fim último das coisas. Ora, o homem, pela natureza mesma da sua razão e da sua vontade, se ordena ao princípio primeiro e ao fim último. Logo, não são necessários quaisquer hábitos das virtudes teologais, pelos quais a razão e a vontade se ordenem para Deus.
 
Mas, em contrário, os preceitos da lei são relativos aos atos das virtudes. Ora, é a lei divina quem preceitua sobre os atos da fé, da esperança e da caridade. Pois, diz a Escritura (Ecle 2, 8): Vós os que temeis ao Senhor, crede-o; e: esperai nele; e: amai-o. Logo, a fé, a esperança e a caridade são virtudes ordenadas para Deus. Logo, são teologais.
 
SOLUÇÃO. — A virtude aperfeiçoa o homem para os atos pelos quais se ordena para a felicidade, como do sobredito resulta3. Ora, a felicidade ou beatitude do homem é dupla, segundo já dissemos4. Uma, proporcionada à natureza, pode obtê-la pelos princípios desta. Outra lhe excede a natureza e só pode alcançá-la pelo auxílio divino, por uma como participação da divindade, conforme o lugar da Escritura (2 Pd 1, 4) onde diz que, por Cristo, nos tornamos participantes da natureza divina. E como esta beatitude excede as proporções da natureza humana, os princípios naturais, que dirigem o homem no agir proporcionado ao seu ser, não bastam a ordená-lo à referida beatitude. Portanto, é necessário lhe sejam acrescentados por Deus certos princípios pelos quais se ordene à beatitude sobrenatural, assim como, pelos princípios naturais se ordena a um fim que lhe é conatural; mas, isso não vai sem o auxílio divino. Ora, esses princípios se chamam virtudes teologais, quer por terem Deus como objeto, enquanto nos ordenam retamente para ele; quer por nos serem infundidos só por Deus; quer por nos serem essas virtudes conhecidas só pela divina revelação, na Sagrada Escritura.
 
Donde A RESPOSTA à primeira objeção. — Uma natureza pode ser atribuída a um ser de duplo modo. Essencialmente, e nesse sentido as virtudes teologais excedem a natureza do homem. Ou participativamente, como a madeira em ignição participa da natureza do fogo; e nesta acepção o homem se torna, de certo modo, participante da natureza divina, como já dissemos. E assim as virtudes teologais convêm ao homem segundo a natureza participada.
 
Resposta à segunda. — As virtudes teologais não se chamam divinas, como significando que Deus seja virtuoso por elas; mas, no sentido em que por meio delas, Deus nos torna virtuosos e nos ordena para ele. Por onde não são exemplares, mas, exempladas.
 
Resposta à terceira. — A razão e a vontade se ordenam naturalmente para Deus, como princípio que é e fim da natureza; isto contudo proporcionadamente a esta. Mas, para Deus, como objeto da beatitude sobrenatural, a razão e a vontade não se ordenam suficientemente, por natureza.

  1. 1. VII Physic. (lect. V).
  2. 2. Q. 61, a. 5.
  3. 3. Q. 5, a. 7.
  4. 4. Ibid., a. 5.
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