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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Questão 62: Das virtudes teologais.

Em seguida devemos tratar das virtudes teologais.
 
E sobre esta questão quatro artigos se discutem:

Art. 5 — Se as quatro virtudes cardeais se dividem convenientemente em virtudes exemplares, virtudes da alma purificada, purgatórias e políticas.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 4. ad 2; dist. XXXIV, q. 1, a. 1 arg. 6. De Verit., q. 26, a. 8, ad 2).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que as quatro virtudes cardeais não se dividem convenientemente em virtudes exemplares, virtudes da alma purificada, purgatórias e políticas.
 
1. — Pois, como diz Macróbio, as virtudes exemplares são as que existem na contemplação divina1. Ora, o Filósofo diz, que é ridículo atribuir a Deus a justiça, a fortaleza, a temperança e a prudência2. Logo, não podem as virtudes em questão ser exemplares.
 
2. Demais. — Chamam-se virtudes da alma purificada as não acompanhadas de paixões; pois, como diz Macróbio, no mesmo lugar, é próprio à temperança da alma purificada não, reprimir as terrenas concupiscência, mas, totalmente esquecê-las; e à fortaleza, ignorar as paixões e não, vencê-las. Ora como já ficou dito3, as virtudes cardeais não podem existir sem paixões. Logo, não podem pertencer à alma purificada.
 
3. Demais. — Macróbio diz que as virtudes purgatórias são as dos que por um certo desprezo das coisas humanas, se apegam só às coisas divinas. Ora, isto parece mal expresso, pois, conforme diz Túlio, aqueles que dizem desprezar coisas geralmente estimadas, como o governo e a magistratura, penso que a esses, não se lhes deve atribuir louvor, mas, censura4. Logo, não há virtudes purgatórias.
 
4. Demais. — Macróbio denomina virtudes políticas àquelas que levam os bons cidadãos a se devotarem à república e a defenderem as cidades. Ora, só a justiça legal é que se ordena ao bem comum, como diz o Filósofo5. Logo, as demais virtudes não se devem chamar políticas.
 
Mas, em contrário, Macróbio diz no mesmo lugar: Plotino que, com Platão, é o príncipe dos professores da filosofia, diz que há quatro gêneros de virtudes, incluindo cada um quatro virtudes, das quais as do primeiro gênero se chamam políticas; as do segundo, purgatório; as do terceiro, as da alma já purificada; e as do quarto, exemplares.
 
SOLUÇÃO. — Como diz Agostinho, para que na alma possam nascer às virtudes, é preciso que ela siga a Deus, que nos fará bem viver6. Logo, o exemplar da virtude humana há de preexistir em Deus; como nele preexistem as razões de todas as coisas. Por onde, tais virtudes podem ser consideradas como exemplarmente existentes em Deus, e chamam-se então exemplares. De modo que a mente divina mesma se chamará prudência; a temperança em Deus será o voltar-se a sua intenção para Ele próprio, como em nós é assim chamada porque faz o concupiscível subordinar-se à razão; em Deus, a fortaleza é a sua imutabilidade; e a sua justiça, por fim, é a observância da lei eterna nas suas obras, como disse Plotino.
 
Mas, como o homem é por natureza um animal político, as virtudes cardeais se chamam políticas enquanto existentes no homem conforme a condição da sua natureza. Isto é, enquanto que o homem, pela prática dessas virtudes, procede retamente na prática dos seus atos. E é neste sentido que até aqui temos tratado delas.
 
Mas, não só ainda no dizer do Filósofo, o homem deve voltar-se para as causas divinas o mais que lhe for possível7, mas também no da Escritura Sagrada, que freqüentemente no-lo recomenda, como quando diz (Mt 5, 48): Sede perfeito, como também vosso Pai celestial é perfeito. Por onde, é necessário admitamos certas virtudes médias, entre as políticas, que são virtudes humanas, e as exemplares, que o são divinas. E essas se distinguem pela diversidade dos seus movimentos e dos seus termos. — Assim, umas são transitivas e tendentes à semelhança divina, se chamam purgatórias. De modo, porém, que a prudência despreze toda mundanidade, toda entregue à contemplação das coisas divinas e norteando todas as cogitações da alma só para Deus. A temperança, por seu lado, há de desprezar, na medida do que se compadece com a natureza, as exigências do corpo. A fortaleza, por sua vez, há de levar a alma à não se aterrar com a separação do corpo e com o evolar-se para o alto. A justiça, por fim, faz com que a alma siga, totalmente, a via conducente ao fim proposto. — Por fim, há virtudes cujo alvo é a semelhança com Deus e são as da alma já purificada. E então, a prudência é a que só tem em mira as causas divinas; a temperança, a que despreza os desejos terrenos; a fortaleza, a que passa ao largo das paixões; a justiça, imitando a mente divina, associa-se com ela numa perpétua aliança. E essas virtudes nós a atribuímos aos bem-aventurados ou a certos que, já nesta vida, são perfeitíssimos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Filósofo trata das virtudes cardeais enquanto referentes às causas humanas. Assim, a justiça, enquanto referente à compra e à venda; a fortaleza, ao temor; a temperança, aos desejos. Ora, em tal sentido é ridículo atribuí-las a Deus.
 
Resposta à segunda. — As virtudes humanas, i. é, as virtudes dos homens, enquanto se agitam neste mundo, versam sobre as paixões. Mas, as dos que já alcançaram a plena bem-aventurança, são sem mescla de paixões. E por isso Plotino diz, que as paixões as virtudes políticas as abrandam, i. é, reduzem-nas ao meio termo; as segundas, i. é, as purgatórias, as eliminam; as terceiras, próprias da alma já purificada, as esquecem; para as quartas, i. é, as exemplares, é sacrilégio nomear as paixões. Embora também se possa dizer que Macróbio, no passo aduzido, se refere às paixões enquanto exprimem certos movimentos ordenados.
 
Resposta à terceira. — Abandonar as coisas humanas, quando a necessidade exige o contrário, é um mal; nos demais casos, é virtude. E por isso Túlio, antes do lugar citado, tinha dito: Talvez devamos excusar de não se ocuparem com a coisa pública aqueles que, com excelente engenho, se entregaram à ciência; e aos que, impedidos pela diminuição das forças, ou por outra causa mais grave, se afastaram das coisas públicas, deixando a outros o poder e a glória de bem administrá-las. O que concorda com isto de Agostinho: O amor da verdade busca um repouso santo; a caridade se devota às obras de justiça que aceita. Mas, se ninguém nos impuser tal carga, entregamo-nos à compreensão e à contemplação da verdade; se no-la impuserem, porém, aceitemo-la por dever de caridade8.
 
Resposta à quarta. — Só a justiça legal versa diretamente sobre o bem comum; mas pelo seu império leva todas as outras virtudes a se referirem a esse bem, como diz o Filósofo9. Pois, devemos considerar que pertence às virtudes políticas, no sentido em que aqui são tomadas, não só obrar bem em favor da comunidade, mas ainda em favor das partes desta, como, p. ex.; a sociedade doméstica ou uma pessoa singular.

  1. 1. I Super somnium Scipionis (cap. VIII).
  2. 2. X Ethic. (lect. XII).
  3. 3. Q. 59, a. 5.
  4. 4. Lib. I (XXI) De offic.
  5. 5. V Ethic. (lect. II).
  6. 6. Lib. De moribus Ecclesiae (cap. VI).
  7. 7. V Ethic., lect. XI.
  8. 8. XIX De civ. Dei (cap. XIX).
  9. 9. V Ethic. (lect. II).

Art. 4 — Se as quatro referidas virtudes são diversas e distintas entre si.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 1, qª 3; De Virtut., q. 1, a. 12, ad 23; q. 5, a. 1, ad 1; II Ethic., lect. VIII).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que as quatro referidas virtudes não são diversas e distintas entre si.
 
1. — Pois, diz Gregório: Não é verdadeiramente prudência a que não é justa, temperada e forte, nem perfeita a temperança que não é forte, justa e prudente; nem fortaleza integra a que não é prudente, temperada e justa; nem verdadeira justiça a que não é prudente, forte e temperada1. Ora, isto não se daria, se as referidas quatro virtudes fossem distintas umas das outras; pois, diversas espécies do mesmo gênero não se denominam entre si. Logo, as referidas virtudes não são entre si distintas.
 
2. Demais. — O que se atribui a uma coisa não se atribui a outra dela distinta. Ora, atribuísse à fortaleza o que é próprio da temperança; pois, diz Ambrósio: A fortaleza verdadeira consiste em nos vencermos a nós mesmos, sem nos deixarmos abrandar ou dobrar por nenhuma sedução2. E também diz, que a temperança conserva o modo e a ordem em tudo o que deliberamos agir ou dizer3. Logo, as virtudes em questão não são distintas entre si.
 
3. Demais. — O Filósofo diz, que a virtude exige: primeiro, a ciência; depois, a eleição de uma obra, em si mesma considerada; e terceiro, uma disposição firme e imutável4. Ora, a primeira destas condições pertence à prudência, que é a razão reta dos nossos atos, a segunda, i. é, eleger, à temperança, que nos faz agir não apaixonada, mas refletidamente, refreadas as paixões; a terceira, i. é, para um fim devido, implica, de um lado, a retidão, que pertence à justiça e, de outro, a firmeza e a imobilidade, que pertence à fortaleza. Logo, cada uma destas virtudes é geral em relação às outras. E portanto, não se distinguem entre si.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho, que a virtude se considera quadripartida, por um certo e vário afeto do próprio amor5; e trata em seguida das quatro virtudes preditas. Logo, estas se distinguem entre si.  
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos6, as quatro virtudes cardeais se consideram de dois modos diversos pelos vários autores. Uns as consideram como significativas de certas condições gerais da alma humana, que se encontram em todas as virtudes. E então a prudência não é senão a retidão do discernimento relativamente a certos atos ou matérias; a justiça, por seu lado, é a retidão da alma, pela qual obramos o que devemos, em qualquer matéria; a temperança, em terceiro lugar, é a disposição da alma que impõe uma determinada medida a certas paixões ou obras, para não ultrapassarem os devidos limites; a fortaleza, por fim, é à disposição da alma que nos fortifica no que é segundo a razão, contra quaisquer ímpetos das paixões ou dificuldades do obrar. Estas quatro virtudes porém, distintas entre si, não implicam diversidade de hábitos virtuosos, quanto à justiça, à temperança e à fortaleza. Pois, a qualquer virtude moral, por isso mesmo que é Um hábito, convém uma certa firmeza, para não ser movida pelo que lhe é contrário; e isto dissemos que pertence à fortaleza. E ainda, a qualquer delas, por isso mesmo que é virtude, se ordena ao bem, que implica as noções de reto ou devido; o que, segundo dissemos, pertence à justiça. E por fim qualquer delas, por ser virtude moral e participante da razão, há de conservar em tudo um certo modo racional, para não ultrapassar os devidos limites; e isto, conforme ficou dito, pertence à temperança. Por onde, só o ter discernimento, o que atribuímos a prudência, se distingue das outras três virtudes. Pois, enquanto isto pertence à razão, por essência, as outras três implicam uma certa participação da razão, aplicando-a as paixões ou obras. E portanto, segundo o que acabamos de dizer, a prudência seria uma virtude distinta das outras três, que, por seu lado, não seriam distintas entre si. Pois é manifesto que uma mesma virtude é hábito, virtude e moral.
 
Outros porém melhor consideram as quatro virtudes, enquanto determinadas a matérias especiais, sendo cada qual determinada a uma matéria, na qual é principalmente acentuada aquela condição geral, donde a virtude tirou a sua denominação, conforme já dissemos7. E segundo esta opinião, é manifesto que as virtudes em questão são hábitos diversos, distintos entre si pela diversidade dos objetos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Gregório se refere às virtudes cardeais na primeira acepção. — Ou se pode dizer que elas se denominam umas pelas outras, por uma certa redundância. Pois, o próprio à prudência redunda nas outras virtudes, enquanto dirigidas por elas; e cada uma delas redunda nas outras pela razão que quem pode o mais pode também o menos difícil. E portanto, quem pode o dificílimo, i. é, refrear os desejos dos prazeres do tato, para que não excedam a medida, torna-se por isso mesmo mais hábil para o que é muito mais fácil como refrear a audácia relativa aos perigos da morte, para não ultrapassar os seus limites, dizendo-se então que a fortaleza é temperada. Por sua vez, considera-se forte a temperança, pelo redundar nela a fortaleza. Pois, quem pela fortaleza tem o ânimo firme contra os perigos da morte — o que é dificílimo — é mais capaz de conservar essa firmeza contra os ímpetos dos prazeres. Porque, como diz Túlio, não é concebível que quem não é vencido pelo medo, o seja pela cobiça; nem que seja às vezes vencido pelo prazer aquele que se não rendeu à pena8.
 
E daqui consta também com clareza à resposta à segunda objeção.  — Pois, a temperança conserva a medida em tudo, e a fortaleza guarda o ânimo inquebrantável contra o engodo dos prazeres, seja porque essas virtudes designam certas condições gerais das virtudes, seja pela redundância já referida.
 
Resposta à terceira. — As quatro condições gerais das virtudes, que o Filósofo introduz, não são próprias às quatro virtudes. Mas podem-lhes ser apropriadas pela maneira já dita.

  1. 1. XXII Moral. (cap. I).
  2. 2. I lib. De offic. (cap. XXXVI).
  3. 3. Ibid (cap. XXIV).
  4. 4. II Ethic. (lect. IV).
  5. 5. De morib. Eccl. (cap. XV).
  6. 6. Q. 61, a. 3.
  7. 7. Q. 61, a. 3.
  8. 8. I De offic.

Art. 3 — Se as demais virtudes devem mais que as referidas, chamar-se principais.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 2, a. 1, qª4; De Virtut., q. 1, a. 12, ad 26; q. 5, a. 1; II Ethic., lect. VIII).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que as demais virtudes devem, mais que as referidas, chamar-se principais.
 
1. — Pois, o que é máximo, em cada gênero, é o mais principal. Ora, a magnanimidade consiste em praticar grandes atos, em todas as virtudes, como se disse1. Logo, deve ser considerada, por excelência, como a virtude principal.
 
2. Demais. — É por excelência virtude principal aquela pela qual todas as outras se formam. Ora, tal é a humildade; pois, diz Gregório, que quem pratica as outras virtudes sem a humildade, é comparável a quem leva palhas ao vento2. Logo, a humildade é, por excelência, a principal.
 
3. Demais. — É por excelência principal o que é perfeitíssimo. Ora, isto pertence à paciência, segundo aquilo da Escritura (Tg 1, 4): A paciência deve ser perfeita nas suas obras. Logo, deve ser considerada como principal.
 
Mas, em contrário, diz Túlio, que todas as virtudes se reduzem as quatro de que tratamos3.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos4, essas quatro virtudes cardeais se fundam nas quatro razões formais da virtude, de que tratamos. E estas se manifestam de maneira principal em certos atos ou paixões. Assim como o bem consistente na consideração da razão se manifesta principalmente na ordem mesma da razão e não, no conselho, nem no juízo, como já dissemos5; assim, o bem da razão, enquanto se manifesta nos atos conforme as noções de reto e devido, se manifesta principalmente nas trocas e nas distribuições relativas a outrem, no mesmo pé de igualdade. Por seu lado, o bem consistente em refrear as paixões se manifesta principalmente nas paixões mais difíceis de serem reprimidas, i. é, nas relativas aos prazeres do tacto. Por fim, o bem consistente na firmeza com que mantemos a exigência da razão contra o ímpeto das paixões, manifesta-se principalmente nos perigos da morte, os dificílimos de todos para serem arrostados.
 
Assim, pois, podemos considerar as quatro virtudes supra mencionadas à dupla luz. — Primeiro, quanto às razões formais comuns. E então chamam-se principais como quase gerais, em relação a todas as virtudes. De modo que toda virtude que faz o bem, levando em conta a consideração da razão, chama-se prudência; toda a que, nos seus atos, observa o bem no atinente ao devido e ao reto, chama-se justiça; toda a que coíbe as paixões e as reprime chama-se temperança; toda a que dá a firmeza de ânimo contra quaisquer paixões se chama fortaleza. Assim, muitos sagrados doutores, como filósofos, se referem a essas virtudes; e as outras nelas se contêm. Por onde caem todas as objeções.
 
Em segundo lugar, elas podem-se considerar enquanto denominadas pelo que é principal em cada matéria. E então são virtudes especiais e divididas das outras por oposição. Mas se chamam principais, em relação às outras, pela principalidade da matéria. Assim, chama-se prudência a que é preceptiva; justiça, a que versa sobre atos devidos entre iguais; temperança, a que reprime o desejo dos deleites do tacto; fortaleza, a que nos fortifica contra os perigos da morte.
 
E por este lado, caem também as objeções, porque as demais virtudes podem ter certas outras razões de serem principais; mas estas o são em razão da matéria, como já dissemos.

  1. 1. IV Ethic. (lect. VIII).
  2. 2. Hom. VII super Evang.
  3. 3. Rhetorica (lib. II De invent., cap. LIII, LIV, a. 2).
  4. 4. Q.61, a. 2.
  5. 5. Q. 57, a. 6.

Art. 2 — Se são quatro as virtudes cardeais.

(Infra, q. 66, a. 4; III Sent., dist, XXXIII, q. 2, a. 1, qª 3; De Virtut., q. 1, a. 12, ad 25; q. 5, a. 1; II Ethic., lect. VIII).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que não são quatro as virtudes cardeais.
 
1. — Pois, a prudência é diretiva das outras virtudes morais, como do sobredito resulta1. Ora, o que dirige tem primazia sobre os dirigidos. Logo, só a prudência é a virtude principal.
 
2. Demais. — As virtudes principais são de certo modo morais. Ora, as operações morais nós as ordenamos pela razão prática e pelo apetite reto, como já se disse2. Logo, só há duas virtudes cardeais.
 
3. Demais. — Entre as todas virtudes uma é mais principal que outra. Mas para ser uma virtude principal não é preciso o seja ela em relação a todas, senão só em relação a certas. Logo, são muito mais as virtudes principais.
 
Mas, em contrário, diz Gregório: Nas quatro virtudes se manifesta toda a estrutura das boas obras3.
 
SOLUÇÃO. — O número, num caso concreto, pode ser considerado em relação aos princípios formais ou aos sujeitos. E de ambos os modos há quatro virtudes cardeais.
 
Pois, o princípio formal da virtude, de que agora tratamos, é o bem da razão, que pode ser considerado sob duplo aspecto. Ou enquanto consistente na própria consideração da razão, e então a prudência é a virtude principal; ou, enquanto à ordem da razão é relativa a algum objeto. E isto será ou relativamente às obras, e então há lugar para a justiça, ou às paixões, e então é necessário haver duas virtudes. Pois é necessário estabelecer a ordem da razão relativamente às paixões, levando-se em conta a repugnância por elas opostas à razão; o que se pode dar de dois modos. Primeiro, quando a paixão impele a algo de contrário à razão; e nesse caso é necessário uma virtude que a reprima, e tal é a temperança. Depois, quando a paixão afasta do que a razão dita, como o temor dos perigos ou dos trabalhos; e então é necessária uma virtude pela qual o homem se firme, para não recuar, naquilo que é racional, e isso designa a fortaleza.
 
E semelhantemente, quanto aos sujeitos, achamos o mesmo número. Pois, as virtudes de que ora tratamos têm quádruplo sujeito: o racional por essência, que a prudência aperfeiçoa; e o racional por participação que comporta tríplice divisão: à vontade, sujeito da justiça, o concupiscível, sujeito da temperança; e o irascível, sujeito da fortaleza.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A prudência é, absolutamente, a mais principal dentre as virtudes. Mas há outras consideradas principais, cada uma em seu gênero.
 
Resposta à segunda. — O racional por participação comporta tríplice divisão, como já se disse.
 
Resposta à terceira. — Todas as demais virtudes, das quais uma é mais principal que a outra, reduzem-se às quatro preditas, quanto ao sujeito e quanto às razões formais.

  1. 1. Q. 58, a. 4.
  2. 2. VI Ethic. (lect. II).
  3. 3. II Moral. (cap. XLIX).

Art. 1 — Se as virtudes morais devem chamar-se cardeais ou principais.

(Infra, q. 66, a. 4; III Sent., dist. XXXIII, q. 2, a. 1, qa 2; De Virtut., q. 1, a. 12, ad 24; q. 5, a. 1)
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que as virtudes morais não devem chamar-se cardeais ou principais.
 
1. — Pois, coisas que se dividem por oposição existem simultaneamente por natureza, como diz Aristóteles1; e, portanto, uma não é a principal em relação às outras. Ora, todas as virtudes se dividem, genericamente, por oposição. Logo, nenhumas devem ser as principais entre elas.
 
2. Demais. — O fim é mais principal que os meios. Ora, as virtudes teologais versam sobre o fim e as morais sobre os meios. Logo, não estas se devem chamar principais ou cardeais mas, aquelas.
 
3. Demais. — O que é por essência é mais principal do que o que é por participação. Ora, as virtudes intelectuais pertencem por essência à parte racional; e as morais, só por participação, como já se disse2. Logo, as principais não são as virtudes morais, mas as intelectuais.
 
Mas, em contrário, Ambrósio expondo o lugar — bem-aventurados os pobres de espírito — diz: Sabemos que são quatro as virtudes cardeais, a saber: a temperança, a justiça, a prudência, a fortaleza3. Ora, estas são virtudes morais. Logo, as virtudes morais são cardeais.
 
Solução — Quando falamos simplesmente das virtudes, entendemos falar da virtude humana. Ora esta, como já dissemos4, implica a noção perfeita de virtude, que exige a retidão do apetite; pois, ela não somente dá a faculdade de bem agir, mas também causa o bom uso da obra. Chama-se porém virtude, na acepção imperfeita da palavra, a que não exige a retidão do apetite, porque só dá a faculdade de bem agir, sem causar o bom uso da obra. Ora, é certo que o perfeito tem primazia sobre o imperfeito. E portanto, as virtudes que implicam a retidão do apetite, consideram-se principais. Ora, tais são as virtudes morais; e entre as intelectuais, só a prudência, que contudo de certo modo é moral pela sua matéria, como do sobredito resulta5. E portanto, entre as virtudes morais, colocam-se as chamadas principais ou cardeais.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Quando o gênero unívoco se divide nas suas espécies, as partes da divisão incluem igualmente a essência genérica; embora pela natureza das causas seja uma espécie a principal e mais perfeita que outra; assim, o homem em relação aos brutos. Mas, quando a divisão é de um análogo, logo, que se predica de muitos por prioridade e posterioridade, nada impede uma parte da divisão seja a principal, mesmo quanto à noção comum; assim, a substância, relativamente ao acidente, é ser de maneira principal. E tal é a divisão das virtudes em diversos gêneros; porque o bem da razão não se encontra em todos os casos segundo a mesma ordena.
 
Resposta à segunda. — As virtudes teologais são superiores ao homem, como já dissemos6. E por isso não se chamam propriamente humanas, mas sobre-humanas ou divinas.
 
Resposta à terceira. — As virtudes intelectuais diferentes da prudência, embora sejam principais, em relação às virtudes morais, quanto ao sujeito, não o são contudo quanto à noção de virtude, que respeita o bem, objeto do apetite.

  1. 1. Praedicam. (cap. X).
  2. 2. Q. 58, a. 3.
  3. 3. Lib. V Super Lucam.
  4. 4. Q. 56, a. 3.
  5. 5. Q. 57, a. 4.
  6. 6. Q. 58, a. 3 ad 3.

Questão 61: Da distinção entre as virtudes cardeais.

Em seguida devemos tratar das virtudes cardeais. E sobre esta questão cinco artigos se discutem:

Creio na Santa Igreja Católica

125 — Observamos que em cada homem há uma só alma e um só corpo, mas muitos membros. Assim também a Igreja Católica é um só corpo com muitos membros. A alma que vivifica este corpo é o Espírito Santo1. Por isso, após a profissão de fé no Espírito Santo é determinado que creiamos na Santa Igreja Católica. Donde este artigo do Símbolo — Creio na Santa Igreja Católica.

  1. 1. Está aqui esboçada a doutrina do Corpo Místico de Cristo, expressão que define a Igreja de modo mais perfeito. Assim escreve Pio XII na monumental Encíclica “Mystici Corporis Christi”: “Para definir e descrever esta verdadeira Igreja de Cristo... nada há mais nobre, nem mais excelente, nem mais divino do que o conceito expresso na denominação “Corpo Místico de Cristo”; conceito que imediatamente resulta de quanto nas Sagradas Letras e nos escritos dos Santos Padres freqüentemente se ensina”. Nesta Encíclica, conforme o Pe. Maurilio Penido (“O Corpo Místico”, Vozes, 1944, pág. 147), o Papa, ao definir a Igreja como Corpo Místico de Cristo, o faz, infalivelmente, sendo, portanto, essa definição de Igreja dogma de fé. Neste texto de S. Tomás não usa o termo místico como qualificativo de corpo. O termo não estava ainda consagrado pela teologia. Se-lo-á definitivamente pela Bula Unam Sanctam, de Bonifácio VIII (cfr. Maurilio Penido, o.c., pg. 95). Contudo, o Doutor Angélico na Suma Teológica (em parte escrita contemporaneamente a este Sermão) já apresenta o essencial da doutrina do Corpo Místico: “Os membros do corpo natural coexistem todos ao mesmo tempo, mas não assim os membros do Corpo Místico, e esta é a diferença que existe entre o corpo natural e o Corpo Místico da Igreja. Podemos considerar a não coexistência simultânea, quer com relação ao ser natural (a Igreja, com efeito, é constituída pelos homens que existiram desde o princípio do mundo até ao fim), quer com relação ao ser da graça (pois entre os membros da Igreja que vivem no mesmo tempo, há os que não possuem a graça, mas a possuirão, e há os que estão privados da graça, mas já a possuíram. Assim deve ser considerados como membros do Corpo Místico não só os que o são em ato, mas também os que o são em potência” (S.T. III, 8, 3 c).

Art. 5 — Se as virtudes morais se distinguem pelos objetos das paixões.

O quinto discute-se assim. — Parece que as virtudes morais não se distinguem pelos objetos das paixões.
 
1. — Pois, os objetos das paixões são como os das operações. Ora, as virtudes morais, que versam sobre as operações não se distinguem pelos objetos destas; assim, à mesma virtude da justiça pertence vender e comprar uma casa ou um cavalo. Logo, nem as virtudes morais, que versam sobre as paixões, se diversificam pelos objetos destas.
 
2. Demais. — As paixões são atos ou movimentos do apetite sensitivo. Ora, a diversidade dos hábitos é maior que a dos atos. Logo, objetos diversos, que não diversificam as espécies de paixões, também não diversificarão as das virtudes morais; de modo que, só urna virtude moral versa sobre todos os objetos deleitáveis, e assim com os demais objetos.
 
3. Demais. — O mais e o menos não diversificam as espécies. Ora, os diversos objetos deleitáveis não diferem senão pelo mais e pelo menos. Logo, todos pertencem à mesma espécies de virtude. E pela mesma razão, todos os que nos causam terror e assim por diante. Logo, as virtudes morais não se distinguem pelos objetos das paixões.
 
4. Demais. — A virtude tanto obra o bem como impede o mal. Ora, são várias as virtudes que versam sobre o desejo do bem; assim, a temperança, sobre o desejo dos deleites do tacto; a eutrapelia, sobre os prazeres das diversões. Logo, hão-de ser também diversas as virtudes que versam sobre o temor dos males.
 
Mas, em contrário, a castidade versa sobre os prazeres venéreos; a abstinência, por seu lado, sobre os da mesa; e a eutrapelia, sobre os das diversões.
 
SOLUÇÃO. — A perfeição da virtude depende da razão, ao passo que a da paixão depende do próprio apetite sensitivo. Por onde é necessário às virtudes se diversifiquem pela relação que mantêm com a razão; e as paixões, pela que mantêm com o apetite. E portanto, o diverso ordenar-se dos objetos das paixões ao apetite sensitivo causa as diversas espécies delas; e enquanto relacionadas com a razão, causam as diversas espécies de virtudes. Ora, o movimento da razão não é o mesmo que o do apetite sensitivo. Logo, nada impede uma diferença de objetos, que causa a diversidade das paixões, não cause a diversidade das virtudes, como no caso de uma virtude versar sobre muitas paixões, segundo já dissemos1. E também uma diferença de objetos pode causar a das virtudes, sem causar a das paixões; assim, quando diversas virtudes se ordenam a uma mesma paixão, p. ex., o prazer.
 
Ora, diversas paixões, pertencentes a potências diversas, sempre pertencem a virtudes diversas, como já dissemos2. Logo, a diversidade dos objetos relativa à das potências sempre diversifica as espécies de virtudes; assim, se um bem é absoluto e outro, acompanhado de certa dificuldade. E como a razão rege, numa certa ordem, as partes inferiores do homem, e mesmo se ,estende ao exterior, daí vem que o objeto da paixão se relaciona diversamente com a razão, e portanto é de natureza a diversificar as virtudes, conforme é apreendido pelos sentidos, pela imaginação, ou mesmo pela razão; ou conforme pertence à alma, ao corpo ou às coisas exteriores. Logo, o bem do homem, que é o objeto do amor, da concupiscência e do prazer pode ser considerado como pertencente ao sentido corpóreo ou à apreensão interior da alma. E isto quer se ordene ao bem do homem em si mesmo, quanto ao corpo ou quanto à alma; quer se ordene ao bem de um homem em relação aos outros. E toda diversidade tal diversifica as virtudes, por causa da ordem diversa que mantém com a razão.
 
Assim pois qualquer bem considerado pertencerá à virtude da temperança, se for apreendido pelo sentido do tacto, e se disser respeito á conservação individual ou específica da vida humana, como o prazer da alimentação e os venéreos. Os prazeres porém dos outros sentidos, não sendo veementes, e não opondo qualquer dificuldade à razão, não há nenhuma virtude que a eles se refira; pois a virtude, como a arte, versa sobre o difícil, segundo já se disse3.
 
Por outro lado, o bem apreendido, não pelo sentido mas pela virtude interior e pertencente ao homem em si mesmo, e como o dinheiro e a honra; aquele se ordena, em si mesmo, ao bem do corpo, e esta consiste numa apreensão da alma. E estes bens podem ser considerados ou absolutamente, enquanto pertencentes ao concupiscível, ou enquanto acompanhados de certa dificuldade e pertencentes ao irascível. Esta distinção porém não tem lugar em relação aos bens que deleitam o tacto, que são uns bens ínfimos e cabem ao homem pelo que tem de comum com os brutos. Por onde, a liberalidade versa sobre o bem do dinheiro, absolutamente considerado, enquanto objeto da concupiscência, do deleite ou do amor. E quando esse bem é acompanhado de dificuldade, enquanto objeto da esperança, constitui o objeto da magnificência. — Por outro lado, o bem sobre o qual versa a honra, considerado absolutamente, enquanto objeto do amor, é uma virtude chamada filotimia, i. é, amor da honra. Considerado porém como difícil, enquanto objeto da esperança, constitui a magnanimidade. E assim se conclui que a liberalidade e a filotimia pertencem ao concupiscível; ao passo que a magnificência e a magnanimidade, ao irascível.
 
Por fim, o bem do homem em relação aos outros não implica nenhuma dificuldade, mas é tomado na sua acepção absoluta, como objeto das paixões do concupiscível. E este bem pode nos ser agradável enquanto nos damos a outrem, ou naquilo que fazemos seriamente, i. é, nos atos ordenados ao fim devido; ou naquilo que fazemos por divertimento, i. é, nos atos ordenados unicamente ao prazer, que não se comportam para com a razão do mesmo modo que os primeiros. Pois, nas causas sérias, comportamo-nos para com os outros de dois modos. Ou tornando-nos agradáveis por palavras e obras, o que pertence à virtude por Aristóteles denominada amizade, e que também pode se chamar afabilidade. Ou manifestando-nos por ditos e fatos, o que pertence à outra virtude chamada verdade. Ora, a manifestação tem mais de racional que a deleitação, e as coisas sérias, que as jocosas. E por isso é outra a virtude relativa aos deleites das diversões e a que o Filósofo chama eutrapelia.
 
É pois claro que, segundo Aristóteles, são onze as virtudes morais relativas às paixões, a saber: a fortaleza, a temperança, a liberalidade, a magnificência, a magnanimidade, a filotimia, a mansidão, a amizade, a verdade, a eutrapelia e a justiça. E se distinguem pelas matérias, paixões e objetos diversos. E se, por fim, lhes acrescentarmos a justiça, que versa sobre as obras, serão ao todo doze.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Todos os objetos de uma mesma obra, especificamente, mantêm a mesma relação com a razão; não porém todos os objetos da mesma paixão, especificamente; porque as obras não podem, como os paixões, repugnar à razão.
 
Resposta à segunda. — Uma é a razão que diversifica as paixões e outra a que diversifica as virtudes, como já dissemos.
 
Resposta à terceira. — O mais e o menos não diversificam a espécie, senão pela relação diversa com a razão.
 
Resposta à quarta. — O bem tem maior força de atração que o mal porque este não age senão em virtude daquele, como diz Dionísio4. E por isso, o mal não opõe nenhuma dificuldade à razão que exija uma virtude, salvo se ele for grande: e esse é único em cada gênero de paixão. Assim, a mansidão é a única virtude oposta à ira, e a fortaleza a única que versa sobre a audácia. Ao passo que a dificuldade proveniente do bem, exige virtude, embora não seja grande o bem em cada gênero de paixão. E por isso há várias virtudes morais que versam sobre as concupiscências, como já dissemos.

  1. 1. Q. 60, a. 4.
  2. 2. Q. 60, a. 4.
  3. 3. II Ethic. (lect. III).
  4. 4. De div. nom. (lect. XII).

Art. 4 — Se a paixões diversas correspondem virtudes morais diversas.

O quarto discute-se assim. — Parece que a paixões diversas não correspondem virtudes morais diversas.
 
1. — Os objetos de um mesmo hábito convêm no princípio e no fim, como se vê sobretudo nas ciências. Ora, todas as paixões têm um mesmo princípio, que é o amor; e todas terminam num mesmo fim, que é o prazer ou a pena, como já vimos1. Logo, é só uma a virtude moral correspondente a todas as paixões.
 
2. Demais. — Se a paixões diversas se referissem virtudes morais diversas, estas seriam tantas quantas aquelas. Ora, isto é falso evidentemente; pois, a mesma é a virtude moral que versa sobre paixões opostas; assim, a fortaleza versa sobre o temor e a audácia; a temperança, sobre o prazer e a dor. Logo, não é necessário que as paixões diversas correspondam virtudes morais diversas.
 
3. Demais. — O amor, a concupiscência e o prazer são paixões especificamente diferentes, como já se estabeleceu2. Ora, só a temperança é a virtude moral que lhes diz respeito a todas. Logo, a paixões diversas não correspondem virtudes morais diversas.
 
Mas, em contrário, a fortaleza é relativa ao temor e à audácia; a temperança, à concupiscência; a mansidão, à ira, como se disse3.
 
 
SOLUÇÃO. — Não se pode dizer que uma só virtude moral corresponda a todas as paixões. Pois, estas pertencem a potências diversas: umas, ao irascível, outras, ao concupiscível, como já dissemos4.
 
Nem todas as diversidades das paixões bastam, necessariamente, a diversificar as virtudes morais. Primeiro, porque certas paixões se opõem por contrariedade; assim, a alegria e a tristeza, o temor e a audácia, e outras. Ora, a essas paixões assim opostas corresponde, necessariamente, uma mesma virtude. Pois, a virtude moral, consistindo numa certa mediania, é pela mesma razão que se estabelece o meio termo entre paixões contrárias, assim como, em a natureza, os contrários, como o branco e o preto, têm o mesmo meio termo. — Segundo, porque há diversas paixões repugnantes à razão, do mesmo modo, i. é, impelindo ao que a contraria, ou retraindo do que ordena. E portanto, as diversas paixões do concupiscível não pertencem a virtudes morais diversas. Pois os movimentos delas se seguem uns aos outros segundo uma certa ordem, como ordenados ao mesmo fim, que é a busca do bem ou a fuga do mal. Assim, do amor procede a concupiscência, e esta nos leva ao prazer. E o mesmo se dá nos casos opostos, pois do ódio resulta a fuga ou a abominação, que conduz à dor. As paixões do irascível, pelo contrário, não pertencem a uma mesma ordem, mas se ordenam a termos diversos. Assim, a audácia e o temor ordenam-se a algum perigo grave; a esperança e o desespero, a um bem árduo; a ira, enfim, a superar um contrário nocivo. E portanto, a estas paixões ordenam-se virtudes diversas; assim, a temperança se ordena às paixões do concupiscível; a fortaleza, ao temor e à audácia; a magnanimidade, à esperança e ao desespero; a mansidão, à ira.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Todas as paixões convêm num princípio e num fim comum; não porém num princípio ou fim próprio. Por onde, a objeção se baseia no que não basta à unidade da virtude moral.
 
Resposta à segunda. — Assim, como nos fenômenos naturais, por um mesmo princípio se afastam de um princípio e se achegam a outro; e, na ordem racional, os contrários têm o mesmo fundamento, assim também a paixões contrárias se refere uma mesma virtude moral, que, a modo da natureza, concorda com a razão.
 
Resposta à terceira. — As três paixões referidas se ordenam ao mesmo objeto, por uma certa ordem, como já dissemos. E portanto, pertencem à mesma virtude moral.

  1. 1. Q. 24, a. 1, 2, 4; q. 27, a. 4.
  2. 2. Q. 23, a. 4.
  3. 3. III Ethic. (lect. XIV, XIX), IV (lect. XIII).
  4. 4. Q. 23, a. 1.
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