Category: Santo Tomás de Aquino
(IIª. lIae, q. 23, a. 7, ad 1 ; III Sent., dist .. XXIII, q. 3, a. 1, qª 2; dist. XXVI, q. 2. a. 3, qª 2; I Cor., cap. XIII lect. 1).
O quarto discute-se assim. — Parece que a fé e a esperança nunca existem sem a caridade.
1. — Pois sendo virtudes teologais, são mais dignas do que as virtudes morais, mesmo as infusas. Ora, estas não podem existir sem a caridade. Logo, nem a fé e a esperança.
2. Demais. — Só crê quem quer, diz S. Agostinho. Ora, a caridade existe na vontade, da qual é, a perfeição, como já dissemos. Logo, a fé não pode existir sem a caridade.
3. Demais. — Como diz Agostinho, a esperança não pode existir sem o amor. Ora é a este, como caridade, que ele se refere. Logo, a esperança não pede existir sem a caridade.
Mas, em contrário, a propósito de Mateus 1, 2 a Glosa diz que a fé gera a esperança e esta, a caridade. Ora, o gerador é anterior ao gerado e pode existir sem este. Logo, a fé pode existir sem a esperança e esta, sem a caridade.
SOLUÇÃO. — A fé e a esperança, assim como as virtudes morais, podem ser consideradas à dupla luz: como de certo modo incoativas, e como virtudes perfeitas na sua essência. Pois, ordenando-se a virtude à prática das boas obras, é perfeita a conducente a obras perfeitamente boas. E para isto não só boas devem elas ser, mas também, bem feitas; do contrário não haverá bem perfeito se, por bem, se entende o que é feito, embora não o seja bem; e portanto, também o hábito, princípio do que obramos, não realizará perfeitamente a noção de virtude. Assim, quem pratica a justiça por certo que faz bem; mas a sua obra não será o de uma virtude perfeita, se não o praticar bem, i. é, segundo a eleição reta, que se inspira na prudência. Logo, sem esta a justiça não pode ser virtude perfeita.
Assim, pois, a fé e a esperança podem, por certo, existir de algum modo sem a caridade, mas, sem esta, não podem realizar a noção perfeita da virtude. Pois, como a fé tem por objeto crer em Deus, e como crer é assentir na opinião de outrem, por vontade própria, o ato da fé não será perfeito, se a vontade não quiser do modo devido. Ora, só influenciada pela caridade, que aperfeiçoa a vontade, pode esta querer do modo devido; porquanto, todo movimento reto dela procede do amor, no dizer de Agostinho. Por onde, a fé pode, certamente, existir sem a caridade, mas não como virtude perfeita; assim como a temperança ou a fortaleza não podem existir sem a prudência. E o mesmo se deve dizer da esperança, cujo ato consiste em ter em expectativa a futura beatitude dada por Deus. Esse ato será perfeito se se fundar nos méritos que já temos, o que não pode ser sem a caridade. Mas, se essa expectativa se fundar nos méritos que ainda não temos, mas que nos propomos adquirir no futuro, o ato será imperfeito, e pode existir sem a caridade. E portanto, a fé e a esperança podem existir sem a caridade, mas, sem esta, propriamente falando, as virtudes não existem; porque, a virtude, por essência, exige não somente que obremos de acordo com ela, mas ainda, que obremos retamente, como se disse.
Donde a resposta à primeira objeção. — As virtudes morais dependem da prudência; ora, a prudência infusa, sem a caridade, não pode realizar a essência da prudência, por lhe faltar a relação devida com o primeiro princípio, que é o último fim. Ao passo que a fé e a esperança, por essência, não dependem da prudência nem da caridade; e, portanto, podem existir sem esta, embora então não sejam virtudes, como já se disse.
Resposta à segunda. — A objeção colhe quanto à fé, que realiza perfeitamente a essência da virtude.
Resposta à terceira. — Agostinho se refere, no lugar aduzido, à esperança pela qual temos em expectativa a futura beatitude, fundada nos méritos que já possuímos; o que não pode ser sem a caridade.
(III Sent., dist. XXXVI, a. 2; De Virtut., q. 5, a. 2).
O terceiro discute-se assim. — Parece que podemos ter a caridade sem as outras virtudes.
1. — Pois, aquilo para que basta só um se ordenam indevidamente vários. Ora, só a caridade basta para realizarmos todas as obras virtuosas, como consta claro da Escritura (I Cor 13, 4): a caridade é paciente, é benigna etc. Logo, possuída a caridade, as demais virtudes são supérfluas.
2. Demais. — Quem possui o hábito da virtude a pratica facilmente e nisso se compraz; por isso o prazer que temos em obrar é sinal do hábito, como se disse. Ora, muitos que não estão em pecado mortal, têm caridade e contudo sentem dificuldade em agir virtuosamente, e nisso não se comprazem senão no que respeita à caridade. Logo, muitos têm a caridade, que não têm as outras virtudes.
3. Demais. — A caridade existe em todos os santos. Ora, há santos que não tiveram certas virtudes; pois, diz Beda que os santos se humilham mais pelas virtudes que não têm do que se gloriam pelas que possuem. Logo, não é necessário tenha todas as virtudes morais quem tem a caridade.
Mas, em contrário, pela caridade cumpre-se a lei na sua totalidade, conforme o dito da Escritura (Rm 13, 8): aquele que ama ao próximo tem cumprido com a lei. Ora, a lei, na sua totalidade, não pode ser cumprida senão com todas as virtudes morais, porque ela preceitua sobre todos os atos virtuosos, como se disse. Logo, quem tem a caridade tem todas as virtudes morais. E Agostinho também diz, numa de suas epístolas, que a caridade inclui em si todas as virtudes cardeais.
SOLUÇÃO. — Todas as virtudes morais são infundidas simultaneamente com a caridade, porque Deus não age menos perfeitamente nas obras da graça que nas da natureza. Assim, vemos que em nenhum ser da natureza se encontra um princípio de qualquer obra sem existir o necessário à realização dessa obra; p. ex., os animais têm órgãos pelos quais a alma obra perfeitamente o que está no seu poder. Ora, é manifesto que a caridade, ordenando o homem ao seu último fim, é o princípio de todas as boas obras que podem ordenar-se para tal fim. Por onde é necessário que, com a caridade, sejam infundidas no homem todas as virtudes morais, pelas quais ele produz os vários gêneros de boas obras. E assim, é claro que as virtudes morais infusas são conexas não só pelo que respeita a prudência, mas também, a caridade; e que quem perde a caridade, pelo pecado mortal, perde também todas as virtudes morais infusas.
Donde a resposta à primeira objeção. — Para o ato de uma potência inferior ser perfeito é necessário existir a perfeição, não só na potência superior, mas também na inferior. Pois, se o agente principal atuasse do modo devido, sem que o instrumento estivesse bem disposto, não poderia realizar uma obra perfeita. Por onde, para o homem empregar bem os meios, é necessário não só ter a virtude pela qual proceda retamente em relação ao fim, mas também as que o façam empregar com acerto os meios. Porque a virtude relativa ao fim se comporta como principal e motiva, em relação às que dependem do fim. E portanto, com a caridade, é necessário termos também as outras virtudes morais.
Resposta à segunda. — Às vezes sucede, que quem possui um hábito sofre dificuldade no agir, e por conseqüência não se deleita nem se compraz com o ato, por algum impedimento extrínseco sobreveniente. Assim, quem tem o hábito da ciência pode sofrer dificuldade em inteligir, por causa da sonolência ou de alguma enfermidade. E semelhantemente, os hábitos das virtudes morais infusas padecem às vezes dificuldade no agir, por causa de certas disposições contrárias, resíduos de atos precedentes. E essas dificuldades não se apresentam nas virtudes morais adquiridas, porque o exercício dos atos, pelos quais elas se adquirem, elimina também as disposições contrárias.
Resposta à terceira. — Alguns santos se consideram como não possuindo certas virtudes, por padecerem dificuldades em as praticar, pela razão já dita, embora tenham os hábitos de todas as virtudes.
(Iª·lIae., q. 23, a. 7 ; III Sent., dist. XVII, q. 2, a. 4, qª 3, ad 2; dist. XXXVI, q. 2; de Virtut., q. 5, a. 2).
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes morais podem existir sem a caridade.
1. — Pois, foi dito que todas as virtudes, exceto a caridade, podem ser comuns aos bons e aos maus. Ora, a caridade só pode existir nos bons, como no mesmo livro se diz. Logo, as outras virtudes podem ser possuídas sem a caridade.
2. Demais. — As virtudes morais podem ser adquiridas pelos atos humanos, como se disse. Ora, a caridade só pode ser possuída por infusão, conforme aquilo da Escritura (Rm 5, 5): a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Logo, as outras virtudes podem ser possuídas sem caridade.
3. Demais. — As virtudes morais, enquanto dependentes da prudência, são conexas entre si. Ora, a caridade não depende da prudência, e antes a excede, conforme a Escritura (Ef 3, 19): a caridade de Cristo excede a ciência. Logo, as virtudes morais não são conexas com a caridade, e podem existir sem ela.
Mas, em contrário, diz a Escritura (I Jo 3, 14): Aquele que não ama permanece na morte. Ora, as virtudes aperfeiçoam a vida espiritual, pois por elas é que vivemos retamente, como diz Agostinho. Logo, não podem existir sem o amor da caridade.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, as virtudes morais, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim que não excede a faculdade natural do homem, podem ser adquiridas por obras humanas. E assim adquiridas, podem existir sem a caridade, como existiram em muitos gentios. — Mas, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim último sobrenatural, então realizam a essência da virtude perfeita e verdadeiramente, e não podem ser adquiridas pelos atos humanos, mas são infundidas por Deus. Ora, tais virtudes morais não podem existir sem a caridade. Pois, como já dissemos, as virtudes morais não podem existir sem a prudência, e esta não pode existir sem aquelas, que nos levam a proceder bem em relação a certos fins, dos quais procede a razão da prudência. Ora, pela sua razão reta, a prudência exige, que o homem proceda bem em relação ao último fim — a que o leva a caridade — muito mais que em relação aos outros fins, a que o levam as virtudes morais; assim como, na ordem especulativa, a razão reta implica, principalmente, o primeiro princípio indemonstrável que os contraditórios não podem ser simultaneamente verdadeiros.
Do sobredito consta portanto, com clareza, que só as virtudes infusas são perfeitas e se chamam virtudes, absolutamente falando. Ao passo que as adquiridas — que são as outras — o são parcial e não absolutamente, porque ordenam bem o homem para um fim último, não absoluta, mas genericamente. E por isso, àquilo da Escritura (Rm 14, 23) — Tudo o que não é segundo a fé é pecado — diz a Glosa de Agostinho: Onde falta o conhecimento da verdade, a virtude é falsa, mesmo acompanhada de ótimos costumes.
Donde a resposta à primeira objeção. — No lugar aduzido as virtudes se consideram na sua noção imperfeita. Do contrário, tomada a virtude moral em a noção perfeita, torna bom quem o possui e por conseqüência, não pode existir nos maus.
Resposta à segunda. — A objeção colhe relativamente às virtudes morais adquiridas.
Resposta à terceira. — Embora a caridade exceda a ciência e a prudência, contudo esta depende daquela, como já dissemos, e, por conseqüência, também dela dependem todas as virtudes morais infusas.
(III Sent., dist. XXXVI, a, 1 ; IV, dist. XXXIII, q. 3, a, 2, ad 6 :De Virtut., q. 5. a. 2; Quodl., XII, q, 15, a, 1 ; VI Ethic., lect, XI).
O primeiro discute-se assim. — Parece que as virtudes morais não são necessariamente conexas.
1. — Pois, as virtudes morais são às vezes causadas pelo exercício dos atos, como já se provou. Ora, o homem pode exercitar os atos de uma virtude sem exercitar os de outra. Logo, pode possuir uma virtude moral sem outra.
2. Demais. — A magnificência e a magnanimidade são virtudes morais. Ora, podemos possuir as outras virtudes morais sem possuirmos essas duas; pois, diz o Filósofo, que o pobre não pode ser magnífico, embora possa possuir outras virtudes; e que quem é digno de pouco e com isso se dignifica é sóbrio, mas não magnânimo. Logo, as virtudes morais não são conexas.
3. Demais. — Assim como as virtudes morais aperfeiçoam a parte apetitiva da alma, assim as intelectuais, a intelectiva. Ora, aquelas não são conexas, pois podemos ter uma ciência sem ter outra. Logo, estas também o não são.
4. Demais. — Se as virtudes morais são conexas só o poderão sê-lo pela prudência; ora, isto não basta para a conexão das virtudes morais. Pois, vemos que um pode ser prudente em relação a atos que pertencem a uma virtude, sem o ser em relação a atos de outra, assim como pode ter a arte relativa a certas produções, sem ter a relativa a outras. Ora, a prudência é a razão reta que nos guia no que devemos fazer. Logo: não é necessário sejam conexas às virtudes morais.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: As virtudes são de tal modo conexas e concatenadas entre si, que quem possui uma possui muitas. E Agostinho também diz: as virtudes existentes na alma humana de nenhum modo estão separadas entre si. E Gregório: sem as outras, uma virtude ou é absolutamente nula, ou imperfeita. E Túlio: Se confessas que não tens uma virtude, necessariamente não terás nenhuma.
SOLUÇÃO. — A virtude moral pode ser considerada perfeita ou imperfeita. Esta — como a temperança ou a fortaleza — não é mais do que uma inclinação nossa, oriunda da natureza ou do costume, para fazer alguma obra genericamente boa. E nesta acepção as virtudes morais não são conexas; pois, vemos que certos, por compleição natural ou por qualquer costume, são prontos para as ações liberais, sem o serem para o exercício da castidade. Por outro lado, a virtude moral perfeita é um hábito que inclina a fazer bem obras boas. E neste sentido devemos dizer que, como quase todos pensam, as virtudes morais são conexas. E disto há dupla razão, enquanto que certos distinguem diversamente as virtudes cardeais. — Assim, como já dissemos, uns as distinguem segundo certas condições gerais das virtudes e de modo que a discrição pertence à prudência; a retidão, à justiça; a moderação, à temperança; a firmeza de ânimo, à fortaleza, seja qual for à matéria relativamente à qual sejam consideradas. Ora, a esta luz, aparece manifestamente a razão da conexão; pois, a firmeza não merece o louvor devido à virtude se não for acompanhada da moderação, da retidão ou da discrição; e o mesmo se dá com as outras virtudes. E é esta razão de conexão que assinala Gregório, dizendo: as virtudes, como tais, estando separadas, não podem ser perfeitas, porque nem a prudência é verdadeira que não for justa, temperante e forte. E o mesmo diz das outras virtudes, o que concorda com a razão semelhante que dá Agostinho.
Outros porém distinguem as virtudes em questão pelas suas matérias; e neste sentido, Aristóteles dá-lhes a razão da conexão. Pois, como já dissemos, nenhuma virtude moral pode existir sem a prudência. Porque é próprio da virtude moral, que é um hábito eletivo, fazer uma eleição reta; e para isso não basta só a inclinação para o fim devido, efetivada diretamente pelo hábito da virtude moral, mas é também preciso escolhermos diretamente os meios; e isto se realiza pela prudência, que aconselha, julga e preceitua sobre eles. E semelhantemente, a prudência não a podemos ter sem que tenhamos as virtudes morais; pois, ela é a razão reta do que devemos fazer, e procede dos fins das ações, como de princípios, em relação aos quais nos avimos retamente por meio das virtudes morais. Por onde, assim como a ciência especulativa não pode ser alcançada sem o intelecto dos princípios, assim também a prudência não o pode sem as virtudes morais. Donde manifestamente resulta que elas são conexas.
Donde a resposta à primeira objeção. — Das virtudes morais, umas aperfeiçoam o homem, no seu estado geral, i. é, relativamente ao que é comumente praticado no decurso de toda a vida humana. E por isso é necessário que ele se exercite simultaneamente nas matérias de todas as virtudes morais; e se, obrando bem, exercitá-las todas, adquirirá os hábitos de todas. Se porém, obrando bem, exercitar-se em relação a uma só matéria, p. ex., a ira — e não, a outra, — p. ex., a concupiscência — adquirirá, certo, o hábito de refrear aquela, o que, entretanto, não realizará a noção de virtude, pela falta de prudência no que respeita à concupiscência; assim como as inclinações naturais também não realizarão a noção perfeita de virtude, faltando a prudência.
Há outras virtudes morais, porém, que aperfeiçoam o homem, elevando-o a um estado eminente, como a magnificência e a magnanimidade. E como o exercício nas matérias destas virtudes não é da alçada de qualquer, comumente, pode alguém ter as outras virtudes morais, sem ter atualmente os hábitos dessas virtudes, se nos referimos às virtudes adquiridas. Se porém adquirir as outras virtudes tê-las-á a estas em potência próxima. Assim, quem pelo exercício, alcançou a liberalidade em relação a doações e gastos pequenos, adquirirá, com pequeno exercício, o hábito da magnificência, se lhe sobrevier abundância de dinheiro; do mesmo modo que o geômetra, com pouco estudo, adquire a ciência de uma conclusão na qual nunca pensou. Pois, consideramos como tendo uma coisa quem a tem com presteza, conforme aquilo do Filósofo: O que falta por pouco podemos considerar como quase não faltando.
Donde consta com clareza a resposta à segunda objeção.
Resposta à terceira. — As virtudes intelectuais versam sobre matérias diversas não ordenadas umas para as outras, como é claro nas diversas ciências e arte. E por isso, não existe nelas a conexão existente nas virtudes morais que versam sobre as paixões e as obras manifestamente entre si ordenadas. Pois, todas as paixões, procedentes de certas, que são as primeiras, — a saber, o amor e o ódio — terminam em certas outras, que são o prazer e a dor. E semelhantemente, todas as obras, que constituem a matéria das virtudes morais, ordenam-se umas para as outras e mesmo para as paixões. E é por isso que toda a matéria das virtudes morais cai no domínio da prudência. — Contudo, tudo o que é inteligível se ordena para os primeiros princípios. E desde então, todas as virtudes intelectuais dependem do intelecto dos princípios, como a prudência, das virtudes morais, conforme já foi dito. Mas os princípios universais, que o intelecto apreende, não dependem das conclusões, sobre as quais versam as outras virtudes intelectuais, assim como as virtudes morais dependem da prudência, porque o apetite move, de certo modo, a razão, e esta, aquele, como já dissemos.
Resposta à quarta. — Os 0bjetos para que as virtudes morais inclinam, comportam-se, em relação à prudência, como princípios; porém, os produtos da arte não se referem a esta como princípios mas só como matéria. Pois, é manifesto que, embora a razão possa ser reta relativamente a uma parte da matéria e não, relativamente à outra, não pode porém ser considerada reta, de nenhum modo, se houver falta de algum princípio; assim como não poderia possuir a ciência geométrica quem errasse em relação ao princípio — Qualquer todo é maior que uma das partes — porque, então, haveria de afastar-se muito da verdade, nas deduções seguintes. — E, além disso, os atos são ordenados uns para os outros, mas não, os produtos da arte, como dissemos. E portanto, a falta de prudência em relação a uma parte dos nossos atos, implicaria a mesma falta em relação aos outros, o que não pode dar-se em relação aos produtos da arte.
Em seguida devemos tratar da conexão das virtudes. E sobre esta questão, cinco artigos se discutem:
(IIª-IIªe,q. 17, a.5, ad 2; III Sent., dist. XXXIII,q. 1, a. 3.q 4ª; De Virtut., 1, a. 13; q. 2, a. 2, ad 10, 13 ;q. 4. a. 1, ad 7: Rom., cap. XII, lect 1).
O quarto discute-se assim. — Parece que a virtude teológica consiste num meio termo.
1. — Pois, o bem das outras virtudes consiste num meio termo. Ora, a virtude teológica as excede em bondade. Logo, com maioria de razão, consiste num meio termo.
2. Demais. — O meio termo da virtude moral está em ser o apetite regulado pela razão, enquanto que o da virtude intelectual, em ser o nosso intelecto medido pelo objeto. Ora, a virtude teológica tanto aperfeiçoa o intelecto como o apetite, como já se disse. Logo, também consiste num meio termo.
3. Demais. — A esperança, que é uma virtude teologal, é o meio termo entre o desespero e a presunção; semelhantemente, a fé se manifesta como meio termo entre heresias contrárias, como diz Boécio. Assim, confessando que em Cristo há uma só pessoa e duas naturezas, estamos num termo médio, entre a heresia de Nestório, que ensina existirem nele duas pessoas e duas naturezas, e a de Eutíquio, que só admite uma pessoa e uma natureza. Logo, a virtude teológica consiste num meio termo.
Mas, em contrário. — Em todos os casos em que a virtude consiste num meio termo, podemos pecar por excesso ou por defeito. Ora, em relação a Deus, objeto da virtude teológica, não podemos pecar por excesso; pois, diz a Escritura (Ecle 43, 33): Bendizendo vós ao Senhor, exaltai-o quando podeis; porque ele é maior que todo louvor. Logo, a virtude teológica não consiste num meio termo.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, o meio termo da virtude é considerado por conformidade com a sua regra ou medida, que podemos ultrapassar ou não alcançar. Ora, a virtude teológica é susceptível de dupla medida — Uma fundada em a noção mesma de virtude. E assim a medida e a regra da virtude teológica é o próprio Deus. Porque a nossa fé é regulada pela verdade divina; a caridade, pela sua bondade; e a esperança, enfim, pela grandeza do seu poder e do seu amor. Ora, esta medida excede toda a faculdade humana. Por onde, o homem não poderá nunca amar a Deus, nele crer e nele esperar, tanto quanto deve. E portanto, com maior razão, não poderá haver aí nenhum excesso. Logo, o bem da virtude teologal não pode consistir num meio termo, mas será tanto melhor quanto mais se aproximar do sumo bem. — A outra regra ou medida da virtude teologal se funda em nós; porque, embora não possamos nos dar a Deus tanto quanto devemos, devemos contudo, crendo, esperando e amando-o, nos aproximar dele conforme a capacidade da nossa condição. Por onde, acidentalmente, podemos, quanto ao que nos diz respeito, distinguir na virtude teológica um meio e extremos.
Donde a resposta à primeira objeção. — O bem das virtudes intelectuais e morais consiste num meio termo conforme a uma regra ou medida que podemos ultrapassar. O que não se dá com as virtudes teologais, em si mesmas consideradas, como já dissemos.
Resposta à segunda. — As virtudes morais e intelectuais aperfeiçoam o nosso intelecto e o nosso apetite, em relação a uma medida e a uma regra criada; ao passo que as virtudes teológicas o fazem em relação à medida e à regra incriada. Logo, não há semelhança.
Resposta à terceira. — A esperança é um meio termo entre a presunção e o desespero, no que se refere a nós. Assim, dizemos que presume quem espera de Deus um bem que lhe excede a condição; e desespera por não esperar o que, por sua condição, poderia esperar. Mas não poderá haver superabundância de esperança, relativamente a Deus, cuja bondade é infinita. — Semelhantemente, a fé é um meio termo entre heresias contrárias, não por comparação com o seu objeto, que é Deus, em quem não podemos crer com excesso; mas enquanto a opinião humana mesma é um meio termo entre opiniões contrárias, como do sobredito resulta.
(III Sent., dist. XXXIII, q. 1. a. 3, qª 3; De Virtut., q. 1, a. 1; q. 4, a. 1, ad 7).
O terceiro discute-se assim. — Parece que as virtudes intelectuais não consistem num meio termo.
1. — Pois, as virtudes morais consistem num meio termo por se submeterem à regra da razão. Ora, como as virtudes intelectuais existem na razão mesma, não podem estar sujeitas a uma regra superior. Logo, as virtudes intelectuais não consistem num meio termo.
2. Demais. — O meio termo da virtude moral é determinado pela virtude intelectual, conforme o dito de Aristóteles: a virtude consiste num meio termo determinado pela razão, como o determinaria o sábio. Se pois, a virtude intelectual consistir ainda num outro meio termo, esse lhe há de ser determinado por alguma outra virtude, e assim proceder-se-ia ao infinito.
3. Demais. — Termo médio existe, propriamente, entre contrários, como se vê claramente no Filósofo. Ora, no intelecto não pode haver nenhuma contrariedade, porque os próprios contrários — como preto e branco, são e doente — enquanto nele existentes, deixam de ser tais. Logo, nas virtudes intelectuais não há meio termo.
Mas, em contrário, a arte é uma virtude intelectual, como já se disse e contudo, é um meio termo, como também já se estabeleceu. Logo, a virtude intelectual consiste num meio termo.
SOLUÇÃO. — O bem de um ser consiste num meio termo, enquanto se submete à regra ou à medida, que pode ultrapassar ou não alcançar, como já dissemos. Ora, tanto a virtude intelectual como a moral ordenam-se para o bem, segundo ficou estabelecido. Por onde, estando o bem da virtude intelectual sujeito à medida, está sujeito também ao meio termo da razão. Ora, o bem da virtude intelectual é o verdadeiro: o verdadeiro absoluto, da virtude especulativa, como se disse; e o da virtude prática, o verdadeiro conforme ao apetite reto.
A verdade do nosso intelecto, absolutamente considerada, é como medida pela realidade. Pois a realidade é a medida do nosso intelecto, segundo se disse; pois, a verdade de uma opinião ou de uma oração depende de uma realidade que é ou não é. Assim, pois, o bem da virtude intelectual especulativa consiste num certo meio termo conforme a realidade mesma, enquanto diz ser o que é, e não ser o que não é; e nisso consiste a essência da verdade. O excesso se manifesta na afirmação falsa, que diz ser o que não é; e o defeito, em a negação falsa, que diz não ser o que é.
Por outro lado, a verdade da virtude intelectual prática, comparada com a realidade, está para ela como o que é medido; e assim, tanto nas virtudes intelectuais práticas, como nas especulativas, o meio termo é considerado na sua conformidade com a realidade. Mas em relação ao apetite, ele exerce o papel de regra e medida. Por onde, o meio termo da virtude moral, i. é, a retidão da razão, é também o da prudência; mas desta, enquanto regula e mede e daquela, como medida e regulada. Semelhantemente, o excesso e o defeito é tomado em acepções diversas, num e noutro caso.
Donde a resposta à primeira objeção. — Também a virtude moral tem a sua medida, como dissemos; e é pela conformidade com esta que é considerado o meio termo daquela.
Resposta à segunda. — Não há necessidade de proceder ao infinito, em relação às virtudes, porque a medida e a regra da virtude intelectual não é algum outro gênero de virtude, mas a realidade mesma.
Resposta à terceira. — As coisas contrárias, em si mesmas, não têm contrariedade na alma, porque um é a razão de conhecermos o outro; e contudo, no intelecto, há a contrariedade da afirmação e da negação, que são contrarias entre si, como se diz no fim do Perihermeneias. Pois, embora o ser e o não-ser não sejam contrários, mas opostos por contrariedade, se os considerarmos como existentes na realidade, porque um é ente e outro, puro não-ente; contudo, referidos ao ato da alma, um e outro exprimem algum ser. Por onde, o ser e o não-ser são contraditórios; mas a opinião que considera o bem como bem é contrária a que o considera como não-bem. E entre esses contrários o meio termo é a virtude intelectual.
(IIª-IIªe, q. 58. a. 10; III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 3. qª 2; De Virtut., q. 1, a.13).
O segundo discute-se assim. — Parece que o meio termo da virtude moral não é o meio termo da razão, mas o da coisa.
1. — Pois, o bem da virtude moral consiste em ser um meio termo. Ora, o bem, como se disse, existe nas coisas mesmas. Logo, o meio termo da virtude moral é o da realidade mesma.
2. Demais. — A razão é uma faculdade apreensiva. Ora, a virtude moral não consiste no meio termo das apreensões, mas antes, no das obras e das paixões. Logo, o meio termo da virtude moral não é o racional mas, o real.
3. Demais. — O meio termo de urna proporção aritmética ou geométrica é o da realidade. Ora, tal é o meio termo da justiça, corno se disse. Logo, o meio termo da virtude moral não é o racional, mas o real.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a virtude moral consiste num meio termo relativo a nós, conforme a razão o determina.
SOLUÇÃO. — O meio termo racional pode ser entendido em duplo sentido. — Num primeiro sentido, consiste no ato mesmo da razão, este sendo como reduzido a um termo médio. E assim, como a virtude moral não aperfeiçoa o ato da razão, mas o da virtude apetitiva, o meio termo da virtude moral não é o da razão. — Noutro sentido, pode chamar-se meio termo da razão aquilo que ela estabelece numa determinada matéria. E assim, todo meio termo da virtude moral é meio termo da razão, porque, como já dissemos, a virtude moral consiste num meio termo por conformidade com a razão reta.
Umas vezes porém sucede que o meio termo da razão é também o real; e então necessariamente o meio termo da virtude moral é o mesmo da realidade; e tal é o caso da justiça. Outras vezes contudo o meio termo da razão não é o da realidade, mas é relativo a nós, e tal é o caso de todas as outras virtudes morais. E isso porque a justiça versa sobre os atos relativos a coisas exteriores, e cuja retidão deve ser estabelecida absolutamente e em si mesma considerada, como já dissemos. E portanto, o meio termo racional da justiça coincide com o da causa, a saber enquanto ela dá a cada um o que lhe é devido, nem mais nem menos. Ao passo que as demais virtudes morais versam sobre as paixões internas, cuja retidão não pode ser estabelecida do mesmo modo, porque as paixões humanas se manifestam de modos diversos. Por onde é necessário que a retidão da razão, no concernente às paixões, seja estabelecida por uma relação conosco, que somos afetados pelas paixões.
E daqui se deduzem as respostas às objeções— Pois, as duas primeiras se fundam no meio termo da razão existente no ato mesmo desta. — E a terceira se funda no meio termo da justiça.
(IIª-IIªe, q. 17, a. 5, ad 2 ; III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 3, qª 1 De
Virtut., q. 1, a. 13; q. 4. a_ 1, ad 7 ; II Ethic., lect. VI, VII).
O primeiro discute-se assim. — Parece que a virtude moral não consiste num meio termo.
1. — Pois, a noção de termo último repugna a de termo médio. Ora, da essência da virtude é ser termo último, conforme a opinião de Aristóteles, que a virtude é, na potência, o último. Logo, a virtude moral não consiste num meio termo.
2. Demais. — O máximo não é médio. Ora, certas virtudes morais tendem ao máximo; assim, a magnanimidade versa sobre as honras máximas, e a magnificência, sobre as máximas despesas, como se disse. Logo, nem toda virtude moral consiste num meio termo.
3. Demais. — Se é da essência da virtude moral consistir num meio termo, necessariamente ela deve destruir-se e não aperfeiçoar-se; quando tende para um extremo. Ora, certas virtudes morais se aperfeiçoam tendendo para o extremo; tal o caso da virgindade, que tende para o extremo, abstendo-se de todo prazer venéreo e constituindo assim a castidade perfeitíssima; e em dar tudo aos pobres consiste a misericórdia perfeitíssima ou liberalidade. Logo, não é da essência da virtude moral consistir num meio termo.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a virtude é um hábito eletivo consiste num meio termo.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, a virtude por essência ordena o homem para o bem. E a virtude moral, propriamente, aperfeiçoa parte da alma em relação a uma determinada matéria. Ora, a medida e a regra do movimento apetitivo em relação aos objetos de apetição é a razão. Por outro lado, o bem de tudo o sujeito à medida e à regra consiste em conformar-se com a sua regra; assim, o bem das coisas artificiadas está em seguir a regra da arte. E por conseqüência, nesses casos, o mal consiste na discordância da regra ou medida própria; o que se pode dar por sobreexcedência ou deficiência em relação à medida, como se vê manifestamente em tudo o medido ou regulado. E portanto, é claro que o bem da virtude moral consiste numa adequação com a medida da razão. Ora, é claro que, entre um excesso e um defeito, o meio termo é a igualdade ou conformidade. Por onde é manifesto que a virtude moral consiste num meio termo.
Donde a resposta à primeira objeção. — A virtude moral tira a sua bondade da regra racional; e tem como matéria as paixões ou operações. Ora, se compararmos a virtude moral com a razão, a sua conformidade com esta a coloca num como extremo, ocupando o outro extremo a não conformidade com a razão, por excesso ou por defeito. Se porém considerarmos a matéria da virtude moral, ela constitui um meio termo, porque reduz a paixão à regra racional. E por isso, o Filósofo diz, que a virtude é, por substância, um termo médio, enquanto impõe a sua regra à matéria própria; por outro lado, enquanto sendo o que é ótimo e bom, i. é, enquanto conforme com a razão, ocupa um extremo.
Resposta à segunda. — O médio e o extremo dos atos e das paixões dependem de diversas circunstâncias. Por onde, nada impede constitua uma virtude um extremo, quanto a uma circunstância, e um meio, quanto a outras circunstâncias, pela sua conformidade com a razão. Tal é caso da magnificência e da magnanimidade. Pois, se levarmos em conta a quantidade absoluta do objeto para que tende o magnífico e o magnânimo, essas virtudes constituem um extremo e um máximo. Mas, se o considerarmos em relação a outras circunstâncias, constituirão um meio; pois tendem para um máximo que é a conformidade com a regra da razão e consiste em agir onde, quando e por causa do que importa; constituirão um excesso se tenderem para um máximo consistente em agir quando, onde ou por causa do que importa; e, enfim, um defeito se não tenderem para um máximo consistente em agir onde e quando é necessário. E é isto que diz o Filósofo: o magnânimo, pela sua magnanimidade, está constituído num extremo; mas por agir como deve, está num meio termo.
Resposta à terceira. — O que dizemos da magnanimidade dizemos também da virgindade e da pobreza. Pois, a virgindade se abstém de todos os prazeres venéreos, e a pobreza, de todas as riquezas, por causa do que e segundo o que isso é necessário, a saber, segundo a ordem de Deus e por causa da vida eterna. E se isso se der por obediência ao que não deve ser, i. é, por alguma superstição ilícita ou ainda por vanglória, teremos agido inutilmente. Se, por outro lado, o fizermos quando não é necessário ou por obediência indevida, haverá vício por defeito, como o manifestam os transgressores do voto de virgindade ou de pobreza.
Em seguida devemos tratar das propriedades das virtudes. E, primeiro, do meio termo das virtudes. Segundo da conexão das virtudes. Terceiro, da qualidade delas. Quarto, da duração das mesmas.
Sobre a primeira questão discutem-se quatro artigos: