Category: Santo Tomás de Aquino
O sexto discute-se assim. ― Parece que os pecados de comissão e omissão diferem especificamente.
1. ― Pois, o delito se divide por oposição com o pecado, conforme a Escritura (Ef 2, 1): quando vós estáveis mortos pelos vossos delitos e pecados. E a Glosa a esse lugar expõe: os delitos consistem em omitir o devido; e os pecados, em fazer o proibido. Por onde é claro, que por delito se entende o pecado de omissão; e por pecado, o de comissão. Logo, diferem especificamente, pois, dividem-se por oposição, como de espécies diversas.
2. Demais. ― É da essência do pecado ser contra a lei de Deus, pois, essa noção se lhe inclui na definição, como do sobredito se colhe (q. 71, a. 6). Ora, a lei de Deus inclui certos preceitos afirmativos, contrariados pelo pecado de omissão; e outros, negativos, aos quais se opõe o de comissão. Logo, um e outro diferem especificamente.
3. Demais. ― A omissão difere da comissão como a afirmação, da negação. Ora, estas duas últimas não podem ser da mesma espécie; porque, o não ser, não tendo espécies nem diferenças, como diz o Filósofo, a negação também não tem espécie. Logo, omissão e comissão não podem ser da mesma espécie.
Mas, em contrário. ―Omissão e comissão entram na mesma espécie. Assim, o avarento, pelo pecado de comissão, rouba o alheio; e pelo de omissão não dá o seu a quem o deve dar. Logo, omissão e comissão não diferem especificamente.
SOLUÇÃO. ― Há nos pecados dupla diferença: material, uma e, outra, formal. ― Aquela se funda na espécie natural dos atos pecaminosos. ― Esta, na ordem a um fim próprio, que é o objeto próprio. Por isso há certos atos de espécie materialmente diferentes, que contudo ordenando-se ao mesmo fim, pertencem, formalmente, à mesma espécie de pecado. Assim, à mesma espécie de homicídio pertence o degolamento, a lapidação e a varação, embora, pela espécie natural, esses atos sejam especificamente diferentes.
Por onde, se considerarmos materialmente as espécies de pecados de comissão e omissão, eles diferem em espécie; mas isso tomando a espécie em sentido lato, i. é, no sentido em que dizemos possa a negação ou privação ter espécie. ― Se porém considerarmos a espécie dos pecados de omissão e de comissão, formalmente, então não diferem de espécie, por se ordenarem ao mesmo fim e procederem do mesmo motivo. Assim, o avarento, para amontoar dinheiro, ao mesmo tempo rouba e não dá aquilo que deve dar; semelhantemente, o guloso, para satisfazer a gula, come demais e omite o jejum devido; e o mesmo se dá, em outros casos. Ora, sempre, na realidade, a negação se funda em alguma afirmação, que é, de certo modo, a causa dela. Por isso, também na ordem natural, pela mesma razão que o fogo aquece, não esfria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A divisão consistente na comissão e omissão não se funda nas diversas espécies formais, senão só materiais, como já dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A lei de Deus teve necessidade de estabelecer diversos preceitos afirmativos e negativos para os homens começarem gradativamente a prática da virtude. Primeiro, abstendo-nos do mal, abstenção a que nos levam os preceitos negativos; e depois, fazendo o bem, prática a que nos induzem os preceitos afirmativos. E assim, uns e outros preceitos não dizem respeito a virtudes diversas, mas a diversos graus dela. E por conseqüência, não contrariam, necessariamente, a pecados especificamente diversos. ― O pecado também não se especifica pela aversão, pela qual é uma negação ou privação; mas pela conversão, pela qual é um certo ato. Por onde, os pecados não se diversificam especificamente pelos diversos preceitos da lei.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A objeção procede da diversidade material da espécie. Pois, devemos saber que a negação, embora propriamente não se inclua em nenhuma espécie, nesta se constitui, entretanto, pela redução a alguma afirmação à qual é conseqüente.
O quinto discute-se assim. ― Parece que a divisão dos pecados, fundada no reato, em venial e mortal, lhes diversifica a espécie.
1. ― Pois, coisas que diferem ao infinito não podem ser da mesma espécie, nem ainda do mesmo gênero. Ora, o pecado venial difere infinitamente do mortal; pois, àquele é devida uma pena temporal e, a este, eterna. Ora, a medida da pena corresponde à gravidade da culpa, conforme àquilo da Escritura (Dt 25, 2): O número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Logo, pecado venial e mortal não são do mesmo gênero e, muito menos, da mesma espécie.
2. Demais. ― Certos pecados são genericamente mortais, como o homicídio e o adultério; outros, como a palavra ociosa e o riso vão, veniais. Logo, o pecado venial e mortal diferem especificamente.
3. Demais. ― O ato virtuoso está para o prêmio, como o pecado, para a pena. Ora, o prêmio é o fim do ato virtuoso. Logo, a pena o é do pecado. E como os pecados se especificam pelos seus fins, conforme já dissemos (a. 3), também se especificam pelo reato da pena.
Mas, em contrário. ― O constitutivo da espécie, como as diferenças específicas, tem prioridade de existência. Ora, a pena segue-se à culpa, como seu efeito. Logo, os pecados não diferem especificamente pelo reato da pena.
SOLUÇÃO. ― É dupla a diferença entre coisas especificamente diferentes. ― Uma é a diversidade específica, e esta só se encontra nas espécies diversas; tais as de racional e irracional, animado e inanimado. ― A outra é conseqüente à diversidade específica. E esta embora umas vezes seja conseqüente à diversidade específica, pode contudo, outras, existir na mesma espécie. Assim, embora o branco e o preto sejam conseqüentes à diversidade específica entre o corvo e o cisne, essa diferença se encontra contudo na mesma espécie humana.
Por onde, devemos concluir que a diferença entre pecado venial e mortal, ou qualquer outra fundada no reato, não pode ser constitutiva da diversidade específica. Pois, nunca o acidental constitui espécie. Ora, o que está fora da intenção do agente é acidental, como o demonstra Aristóteles. E como é manifesto que a pena está fora da intenção do pecador, ela tem, por parte deste, relação acidental com o pecado. Mas a este se ordena exteriormente, i. é, pela justiça do juiz, que, conforma às diversas condições dos pecados, inflige penas diversas. Por onde, a diferença fundada no reato da pena pode ser conseqüente à espécie diversa dos pecados, sem lhes constituir a diversidade específica.
Por outro lado, a diferença entre pecado venial e mortal resulta da diversidade da desordem, que constitui plenamente a essência do pecado. Ora, há uma dupla desordem: uma, exclui o princípio da ordem; a outra, salvo esse princípio, diz respeito ao que lhe é posterior. Assim, no corpo do animal, às vezes a desordem na compleição vai até a destruição do princípio vital, e então causa a morte; outras vezes porém, salvo o princípio da vida, só há desordem nos humores, que provoca a doença. Ora, o princípio de toda a ordem moral é o fim último que exerce, nos atos, o mesmo papel que o princípio indemonstrável, na ordem especulativa, como diz Aristóteles. Por onde, há pecado mortal quando a alma por ele se desordena, até a aversão do fim último, que é Deus, a quem está unida pela caridade; mas, só há pecado venial, quando a desordem não chega à aversão de Deus. Mas assim como a desordem da morte corpórea, que exclui o princípio da vida, é naturalmente irreparável, ao passo que é reparável a desordem da doença, que não destrói o princípio vital, o mesmo se dá no atinente à alma. Pois, na ordem especulativa, quem erra nos princípios é impersuasível; mas quem erra, sem os perder a eles, pode ser corrigido por eles próprios. E o mesmo se dá, na ordem prática, com quem pelo pecado se desvia do fim último: pela natureza do pecado, o lapso é irreparável, donde a conclusão, que quem peca mortalmente deve ser punido eternamente. Quem, ao contrário, peca sem se afastar de Deus comete uma desordem reparável, pela própria natureza do pecado, que não destruiu o princípio; e por isso dizemos que peca venialmente, por não pecar de modo a merecer uma pena interminável.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O pecado mortal difere infinitamente do venial, quanto à aversão; mas, não, quanto à conversão, pela qual visam o objeto, que especifica o pecado. Por onde, nada impede seja um pecado mortal e um venial incluídos na mesma espécie; assim, a primeira tendência, no gênero do adultério, é um pecado venial; mas, a palavra ociosa, quase sempre venial, pode vir a ser mortal.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― De ser um pecado genericamente mortal, e outro venial, resulta que essa diferença é conseqüente à diversidade específica dos pecados, e não que a causa. E tal diferença pode existir ainda nos pecados da mesma espécie, como já se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O prêmio está na intenção de quem merece ou age virtuosamente; ao passo que na intenção do pecado não está a pena, contrária, antes, à sua vontade. Logo, o símile não colhe.
(II Sent., dist. XLII, q. 2, a. 2, qa 2; in Psalm, XXV)
O quarto distingue-se assim. ― Parece que inconvenientemente os pecados se distinguem em pecados contra Deus, o próximo e nós mesmos.
1. ― Pois, o comum a todo pecado não deve ser considerado como parte na divisão do mesmo. Ora, é comum a todos eles serem contra a lei de Deus; pois lhes entra na definição a contrariedade a essa lei, como já dissemos (q. 71 a. 6). Logo, o pecado contra Deus não deve ser considerado como parte, na divisão dos pecados.
2. Demais. ― Toda divisão deve ser feita baseada nas oposições. Ora, os três gêneros de pecados, em questão, não são opostos; pois, quem peca contra o próximo peca contra si mesmo e contra Deus. Logo, não é apropriada a tríplice divisão de pecados.
3. Demais. ― O que é extrínseco não especifica. Ora, Deus e o próximo são-nos exteriores. Logo, por um e outro não se nos especificam os pecados. Logo, é inconveniente a divisão deles fundada nesses três elementos.
Mas, em contrário, Isidoro, distinguindo os pecados, escreve: dizemos que o homem peca contra si mesmo, contra Deus e contra o próximo.
SOLUÇÃO. ― Como já dissemos (q. 71, a. 1), o pecado é um ato desordenado. Ora, o homem está submetido a uma tríplice ordem. ― uma, dependente da regra da razão, pela qual devem medir-se todas as nossas ações e paixões. ― Outra, dependente da regra da lei divina, pela qual devemos nos dirigir em tudo. ― Ora, se o homem fosse um animal solitário, naturalmente, essa dupla ordem bastaria. Mas, como é naturalmente um animal político e social, segundo o prova Aristóteles, é necessária uma terceira ordem, que o ordene relativamente aos outros homens, com quem deve conviver.
Ora, das duas ordens sobreditas, a primeira abrange a segunda e a excede, porque tudo quanto se contém na ordem da razão contido também está na lei de Deus. Mas a ordem de Deus contém certas coisas excedentes à razão humana, e tais são as coisas da fé e aquilo que só a Deus é devido. Por onde, dizemos que peca contra Deus quem peca contra tais coisas, como o herético, o sacrílego, o blasfemo. Semelhantemente, a segunda ordem inclui a terceira e a excede. Pois, em tudo quanto nos ordenamos ao próximo é necessário nos dirigirmos pela regra da razão. Mas há certas coisas em que nos dirigimos pela razão, só relativamente a nós e não, ao próximo. E quando pecamos contra elas, se diz que pecamos contra nós mesmos, como é o caso do guloso, do luxurioso e do pródigo. Quando por fim pecamos contra aquilo pelo que nos ordenamos ao próximo, se diz que pecamos contra ele, como claramente o mostra o ladrão e o homicida.
Mas, há ainda diversas coisas por que o homem se ordena para Deus, para o próximo e para si mesmo. Por onde, esta distinção dos pecados se funda nos objetos, que diversificam as espécies de pecados; e portanto, ela propriamente se funda nas diversas espécies de pecados. Porque também as virtudes que lhes são opostas se distinguem especificamente por essa diferença. Pois, como é manifesto pelo já dito, pelas virtudes teologais o homem ordena-se para Deus; pela temperança e pela fortaleza, ordena-se para si mesmo; e pela justiça, para o próximo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Pecar contra Deus, enquanto a ordem relativa a ele inclui toda a ordem humana, é comum a todo pecado. Mas, na medida em que a ordem de Deus excede as outras duas, o pecado contra Deus é um gênero especial de pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Quando duas coisas, das quais uma excede a outra, se distinguem entre si, entende-se que a distinção entre elas se faz não por onde uma inclui, senão, por onde excede a outra. Como bem o patenteia a divisão dos números e das figuras; assim, o triângulo não se divide por oposição com o quadrado, como se nele estivesse contido, mas enquanto por ele excedido. E o mesmo se deve dizer dos números ternário e quaternário.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Deus e o próximo, embora exteriores em relação ao pecador, não o são contudo em relação ao ato do pecado; mas estão para este como para seus objetos próprios.
O terceiro discute-se assim. ― Parece que os pecados se distinguem especificamente pelas suas causas.
1. ― Pois, as coisas se especificam pelo mesmo princípio donde tiram o ser. Ora, este os pecados o recebem das suas causas. Logo, também por elas se especificam; e portanto, diferem especificamente pela diversidade das causas.
2. Demais. ― Entre todas as causas, a material é a menos atinente à espécie. Ora, o objeto é como a causa material do pecado. Se portanto os pecados se especificam pelos seus objetos, resulta, que se especificam muito mais pelas outras causas.
3. Demais. ― Agostinho, comentando aquilo do salmo ― Ela foi queimada a fogo e escavada ―diz, que todo pecado provém do temor mau que humilha ou do amor que inflama para o mal. Pois, como diz a Escritura (1 Jo 2, 16), tudo o que há no mundo ou é concupiscência da carne, ou é concupiscência dos olhos, ou, soberba da vida. E quando se diz que alguma coisa existe no mundo por causa do pecado, entendem-se, pela palavra mundo, os amantes dele, como interpreta Agostinho. Por seu lado, Gregório também distingue todos os pecados segundo os sete vícios capitais. Ora, todas estas divisões visam as causas dos pecados. Logo, conclui-se que eles diferem especificamente segundo a diversidade das causas.
Mas, em contrário, se assim fosse, todos os pecados seriam da mesma espécie, como procedentes da mesma causa, conforme diz a Escritura (Ecle 10, 15): o princípio de todo pecado é a soberba; e (1 Tm): e raiz de todos os males é a avareza. Ora, como é manifesto, há diversas espécies de pecados. Logo, não se distinguem especificamente pelas diversidades das causas.
SOLUÇÃO. ― Sendo quatro os gêneros de causas, elas se atribuem diversamente a coisas diversas. Assim, a causa formal e a material visam propriamente a substância da coisa; e portanto, pela forma e pela matéria, as substâncias se distinguem específica e genericamente. Por outro lado, o agente e o fim visam diretamente o movimento e a operação; e portanto, os movimentos e as operações se distinguem especificamente por essas causas. Mas, de maneira diversa. ― Pois, os princípios ativos naturais são determinados sempre aos mesmos atos. Por onde, as diversas espécies dos atos naturais se fundam, não só nos objetos, que são os fins ou termos, mas também nos princípios ativos; assim, aquecer e esfriar distinguem-se especificamente pelo calor e pelo frio. ― Os princípios ativos, dos atos voluntários, porém e tais são os dos pecados, não se realizam necessariamente em relação a um só termo. E portanto, de um mesmo princípio ativo ou motivo podem provir diversas espécies de pecados. Assim, o mau temor que humilha pode nos levar ao roubo, ao assassinato ou ao abandono da grei que nos foi cometida; e tudo isto também pode provir do amor. Por onde, é manifesto que os pecados não diferem especificamente pelas diversas causas ativas ou motivas, mas só pela diversidade da causa final. Ora, o fim é o objeto da vontade; pois, como já demonstramos (q. 1, a. 3; q. 18, a. 6), os atos humanos se especificam pelo seu fim.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O princípio ativo dos atos voluntários, não sendo estes determinados a um só termo, não basta a produzir os atos humanos, se a vontade não for determinada a um objeto pela intenção do fim, como claramente o diz o Filósofo. Logo, o fim dá a plenitude ao ser e a espécie ao pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Os objetos, comparados aos atos exteriores, exercem a função de matéria sobre o qual versam. Mas comparados ao ato interior da vontade, exercem a função de fins, e por isso especificam o ato. Embora também, enquanto são matéria sobre que eles recaem, exercem o papel de termos, que especificam os movimentos, como diz Aristóteles. Contudo também os termos do movimento o especificam, enquanto exercem a função de fim.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― As divisões dos pecados referidas não foram feitas para distinguir as espécies deles, mas para lhes manifestar as causas diversas.
(IIa-IIae, q. 118 a. 6; 1 Cor cap. VI, lect. III; II VII, lect. I; Ad Galat., cap. V, lect. V)
O segundo discute-se assim. ― Parece que inconvenientemente se distinguem os pecados espirituais, dos carnais.
1. ― Pois, diz o Apóstolo (Gl 5, 19): Mas as obras da carne estão patentes, como são a fornicação, a impureza, a desonestidade, a luxúria, a idolatria, os empeçonhamentos etc. por onde se vê que todos os gêneros de pecado são obras da carne. Ora, assim se chamam os pecados carnais. Logo, não se devem distinguir tais pecados, dos espirituais.
2. Demais. ― Quem peca procede segundo a carne, conforme aquilo da Escritura (Rm 8, 13): Porque se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se vós pelo espírito fazendo morrer as obras da carne, vivereis. Ora, viver ou proceder segundo a carne é a essência mesma do pecado carnal. Logo, todos os pecados são carnais, não havendo lugar para os espirituais.
3. Demais. ― A parte superior da alma, que é a mente ou razão, chama-se espírito, conforme aquilo da Escritura (Ef 4, 23): Renovai-vos pois no espírito de vosso entendimento ―onde espírito significa razão, como diz a Glosa a esse lugar. Ora, todo pecado carnal supõe o consentimento da razão, pois pertence à razão superior consentir no ato pecaminoso, como a seguir se dirá (q. 74, a. 7). Logo, pecados carnais e espirituais são o mesmo; e portanto, não se devem distinguir uns dos outros.
4. Demais. ― Se alguns pecados são especialmente carnais, isto se deve entender principalmente daqueles pelos quais pecamos contra o nosso corpo. Ora, como diz o Apóstolo (1 Cor 6, 18), todo o outro pecado qualquer que o homem cometer é fora do corpo; mas o que comete fornicação peca contra o seu próprio corpo. Logo, só a fornicação seria pecado carnal; e contudo, o Apóstolo (Ef 5, 3) também enumera a avareza entre os pecados carnais.
Mas, em contrário, diz Gregório: dos sete vícios capitais, cinco são espirituais e dois, carnais.
SOLUÇÃO. ― Como já dissemos (a. 1), os pecados se especificam pelos seus objetos. Ora, todo pecado consiste no desejo de algum bem variável, desejado desordenadamente; e por conseqüência, quando já o possuímos, nos deleitamos desordenadamente. Ora, como resulta claro do que já dissemos, há uma dupla deleitação. Uma, é a da alma que se consuma na só apreensão da coisa possuída segundo os nossos desejos, e pode também chamar-se deleitação espiritual; tal é o caso de nos deleitarmos com o louvor humano ou coisa semelhante. A outra é a deleitação corpórea ou natural, que se consuma pelo contato corpóreo e que também pode chamar-se carnal. Por onde, os pecados que se consumam na deleitação espiritual se chamam espirituais; ao contrário, os que se consumam na deleitação carnal se chamam carnais, como a gula, consumada nos prazeres da mesa e a luxúria, nos venéreos. Por isso diz o Apóstolo (2 Cor 7, 1): purifiquemo-nos de toda a imundície da carne e do espírito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Como diz a Glosa ao lugar citado, esses vícios se chamam obras da carne, não por se consumarem no prazer da carne; mas esta palavra é aí tomada no sentido de homem, do qual dizemos que, vivendo segundo as suas tendências, vive segundo a carne; e o mesmo diz Agostinho. E a razão disto é que toda deficiência da razão humana tem o seu início, de certo modo, no sentido carnal.
E daqui também se deduz clara a resposta à segunda objeção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Mesmo nos pecados carnais há algum ato espiritual, que é o da razão; mas o fim desses pecados, donde tiram a denominação, é o deleite da carne.
RESPOSTA À QUARTA. ― Como diz a Glosa no lugar citado, especialmente no pecado da fornicação a alma se sujeita ao corpo; pois, no momento mesmo dele, não podemos pensar em nenhuma outra coisa. Ao passo que o prazer da gula, embora carnal, não absorve a razão do mesmo modo. Ou podemos dizer, que por esse pecado fazemos também certa injúria ao corpo, desordenadamente maculado. E por isso se diz que só por tal pecado o homem peca especialmente contra o seu corpo. ― A avareza, por seu lado, enumerada entre os pecados carnais, é tomada pelo adultério, que é a posse injusta da mulher alheia. Ou podemos dizer que por as coisas com que se deleita o avarento serem algo de corporal, é ela enumerada entre os pecados carnais. Mas o prazer mesmo dela não está na carne, mas no espírito; e por isso, segundo Gregório, é pecado espiritual.
(Infra a. 3, 8; De Malo, q. 2, a. 6; q. 14, a. 3)
O primeiro discute-se assim. ― Parece que os pecados não diferem especificamente pelos seus objetos.
1. ― Pois, os atos humanos consideram-se precipuamente bons ou maus, em relação ao fim, conforme já se demonstrou (q. 18, a. 6). Ora, como o pecado não é mais do que o ato humano mau, conforme já se disse (q. 71, a. 1), resulta o deverem os pecados se distinguir, especificamente, antes pelos fins que pelos objetos.
2. Demais. ― O mal, sendo privação, distingue-se especificamente pelas diversas espécies dos contrários. Ora, o pecado é um certo mal, no gênero dos atos humanos. Logo, os pecados distinguem-se especificamente antes pelos contrários do que pelos objetos.
3. Demais. ― Se os pecados diferissem especificamente pelos seus objetos, seria impossível o mesmo pecado, especificamente, recair sobre diversos objetos. Ora, tal se dá com certos deles. Assim, a soberba tem como objeto tanto o espiritual como o corporal, segundo Gregório; e a avareza também incide sobre vários gêneros de objetos. Logo, especificamente, os pecados não se distinguem pelos seus objetos.
Mas, em contrário, pecado é o dito, feito ou desejado contra a lei de Deus. Ora, o dito, feito ou desejado distingue-se, especificamente, pelos objetos diversos, pois, pelos objetos é que se distinguem os atos, como já se disse (q. 18, a. 5). Logo, também os pecados se distinguem especificamente pelos seus objetos.
SOLUÇÃO. ― Como já dissemos (q. 71, a. 6), dois elementos concorrem na essência do pecado: o ato voluntário e a sua desordem, pelo afastamento da lei de Deus. Ora, destes dois elementos, um é relativo ao pecador, que intenciona praticar tal ato voluntário, em tal determinada matéria; o outro, i. é, a desordem do ato, refere-se, acidentalmente, à intenção do pecador, pois, como diz Dionísio, ninguém pratica o mal intencionalmente. Ora, é manifesto que cada ser se especifica pelo essencial, e não pelo acidental, porque este é estranho à essência da espécie. Por onde, os pecados se distinguem, especificamente, mais pelos atos voluntários do que pela desordem existente no pecado. Ora, os atos voluntários distinguem-se, especificamente, pelos seus objetos, como já demonstramos antes (q. 18, a. 5). Donde se segue que os pecados, própria e especificamente, se distinguem pelos seus objetos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O fim, principalmente, tem a essência de bem, e por isso se refere como objeto ao ato da vontade, que é primordial em todo pecado. Por onde, vem a dar no mesmo que os pecados se diferenciem pelos seus objetos ou pelos seus fins.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O pecado não é pura privação, mas, sim, um ato privado da ordem devida. E por isso os pecados especificamente se distinguem, antes, pelos objetos dos atos do que pelos contrários. Contudo viria a dar no mesmo se se distinguissem pelas virtudes opostas, pois as virtudes se distinguem, especificamente pelos seus objetos, como já estabelecemos antes (q. 60, a. 5).
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Nada impede, em diversas coisas, específica ou genericamente diferentes, haver uma razão formal do objeto por onde o pecado se especifica. E deste modo a soberba busca a excelência relativamente a coisas diversas; ao passo que a avareza busca a abundância do que é destinado ao uso humano.
Em seguida devemos tratar da distinção entre os pecados ou vícios. E sobre esta questão discutem-se nove artigos:
(II Sent., dist. XXXV, a. 2; De Malo, q. 2, a. 1).
O sexto discute-se assim. ― Parece que o pecado é inconvenientemente definido: o dito, feito ou desejado contra a lei eterna.
1. ― Pois, o dito, feito ou desejado implica algum ato. Ora, nem todo pecado implica um ato, como já se disse. Logo, esta definição não inclui todo pecado.
2. Demais. ― Agostinho diz: O pecado é a vontade de reter ou conseguir o que a justiça proíbe. Ora, tomando-se a conseqüência em sentido lado, no sentido de qualquer apetite, ela compreende a vontade. Logo, bastaria dizer: é pecado o desejado contra a lei eterna, sem ser preciso acrescentar: dito ou feito.
3. Demais. ― O pecado parece que consiste propriamente no desvio do fim; pois, o bem e o mal se consideram principalmente em relação ao fim, como do sobredito resulta. Por isso, Agostinho define o pecado relativamente ao fim, dizendo: pecar não é senão buscar as causas temporais, desprezando as eternas; e ainda: toda a perversidade humana consiste em usarmos do que devemos fruir e fruirmos do que devemos usar. Ora, na definição precitada não se faz nenhuma menção do desvio do fim devido. Logo, o pecado é insuficientemente definido.
4. Demais. ― Chama-se proibido ao contrário à lei. Ora, nem todos os pecados são maus por serem proibidos; antes, certos são proibidos por serem maus. Logo, numa definição comum, não se devia dizer que o pecado vai contra a lei de Deus.
5. Demais. ― Pecado significa um ato humano mau, como do sobredito resulta. Ora, o mal do homem é ir contra a razão, como diz Dionísio. Logo, devia dizer antes, que o pecado é contra a razão do que contra a lei eterna.
Em contrário, basta a autoridade Agostinho.
SOLUÇÃO. ― Como é claro pelo já dito, o pecado não é senão um ato humano mau. Ora, o que torna humano um ato é o ser voluntário, como pelo sobredito se patenteia. Voluntário, ou por ser como elícito da vontade, sendo tal o caso do querer ou do escolher; ou por ser por ela imperado, como os atos exteriores de falar ou obrar. Por outro lado, o que torna mau é o ser falto da comensuração devida. E como toda comensuração supõe a comparação com uma regra, faltando esta, essa coisa será incomensurada. Ora, a regra da vontade humana é dupla. Uma próxima e homogênea, que é a própria razão humana; a outra é a regra primeira, a saber, a lei eterna, que é a quase razão de Deus. E por isso Agostinho, na definição do pecado, introduziu dois elementos. Um pertence à substância do ato humano, como o que é quase material no pecado, quando diz: o dito, o feito ou desejado; outro, pertencente à essência do mal, como sendo o que no pecado é quase formal, quando diz: contra a lei eterna.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Afirmação e negação reduzem-se ao mesmo gênero; assim como, nas Pessoas Divinas, gerado e não gerado se reduzem à relação, no dizer de Agostinho. Portanto, devemos considerar como significando o mesmo ― dito e não dito, feito e não feito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A causa primeira do pecado está na vontade, que rege todos os atos voluntários, únicos susceptíveis dele. E por isso, Agostinho às vezes define o pecado só pela vontade. Mas como também os atos exteriores pertencem à substância do pecado, sendo em si mesmos, maus, segundo dissemos, é necessário também introduzir na definição dele algo de pertencente a tais atos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A lei eterna, primária e principalmente, ordena o homem para o fim, e por conseqüência o leva a usar bem dos meios. E por isso, quando a definição diz ― contra a lei eterna ― toca no desvio do fim e em tudo o mais que seja desordenado.
RESPOSTA À QUARTA. ― Quando se diz que nem todo pecado é um mal por ser proibido, entende-se a proibição do direito positivo. Se porém nos referimos ao direito natural, contido primariamente na lei eterna, e secundariamente no judicatório natural da razão humana, então todo pecado é mal, por ser proibido. Pois, por isso mesmo que é desordenado repugna ao direito natural.
RESPOSTA À QUINTA. ― O pecado é considerado pelos teólogos principalmente como ofensa a Deus; porém, pelo filósofo moral, enquanto contrário à razão. Por onde, Agostinho definia o pecado convenientemente, antes, pelo que tem de contrário à lei eterna, do que por ser contra a razão. Tanto mais que, pela lei eterna, nós nos regulamos em muitos casos excedentes à razão humana, como se dá com as coisas da fé.
(II Sent., dist. XXXV, a. 3 ; De Malo, q. 2. a. 1).
O quinto discute-se assim. ― Parece que todo pecado implica um ato.
1. ― Pois, o mérito está para a virtude, como o pecado para o vício. Ora, o mérito não pode existir sem algum ato. Logo, também não o pode o pecado.
2. Demais. ― Agostinho diz: todo pecado é voluntário; pois, se fosse involuntário não seria pecado. Ora, nada pode ser voluntário a não ser por um ato de vontade. Logo, todo pecado implica algum ato.
3. Demais. ― Se o pecado não implicasse nenhum ato, seguir-se-ia que quem cessasse o ato próprio pecaria. Ora, quem nunca praticou tal ato cessa continuamente de o praticar. Donde se segue que peca continuamente, o que é falso. Logo, não há nenhum pecado sem ato.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Tg 4, 17): Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, peca. Ora, não fazer não implica nenhum ato. Logo, o pecado pode existir sem qualquer ato.
Solução. ― Esta questão surge principalmente a propósito do pecado de omissão, sobre o qual variam as opiniões. ― Assim, para alguns, todo pecado de omissão implica um ato interior ou exterior. Interior, como quando queremos não ir à igreja, estando obrigado a fazê-lo. Exterior como quando, na hora em que devíamos ir à igreja, ou mesmo antes, nos ocupamos de modo a ficarmos impedido de o fazer. E este caso vem de certo modo a cair no primeiro, pois se quisermos uma coisa que não pode coexistir com outra, conseqüentemente queremos ficar privado de uma delas; salvo se não refletirmos em que aquilo que queremos fazer nos tolhe a obrigação, podendo então por negligência ser considerado culpado. ― Para outros porém, o pecado de omissão não supõe nenhum ato; pois, já não fazer o que devemos é pecado.
Ora, ambas essas opiniões encerram parte de verdade. ― Assim, se compreendermos no pecado de omissão aquilo o que em si mesmo pertence à essência do pecado, às vezes esse pecado é acompanhado do ato interior, como quando queremos não ir à igreja; outras vezes não implica nenhum ato interior ou exterior, como quando, na hora em que devemos ir à igreja, de nenhum modo pensamos em a ela ir ou não. ― Se porém compreendermos no pecado de omissão também as causas ou ocasiões dela, então necessariamente esse pecado implica algum ato. Pois, tal pecado não existe senão quando omitimos o que podemos fazer ou não. Ora, só por uma causa ou ocasião conjunta ou precedente é que nos inclinamos a não fazer o que podemos ou não fazer. E se essa causa não estiver em nosso poder, não implica pecado a omissão, como quando por doença deixamos de ir à igreja. Se pelo contrário, a causa ou ocasião de omitir está ao alcance da vontade, a omissão implica pecado. E portanto, sempre necessariamente essa causa, enquanto voluntária, implica algum ato, pelo menos interior, da vontade.
E esse ato recai às vezes sobre a omissão mesma; assim, quando queremos não ir à igreja para evitar um trabalho. E então, tal ato, em si mesmo, faz parte da omissão, porque, por si, a vontade de qualquer pecado, faz parte deste, por ser o voluntário da essência do pecado. Outras vezes porém, o ato da vontade é levado, diretamente, a outra coisa, que nos impede o ato devido. E isso se dá, quer quando aquilo a que a vontade é levada é conjunto com a omissão, como no caso de querermos nos divertir no tempo em que devíamos ir à igreja; quer quando é precedente, como no caso de querermos nos divertir até muito tarde, não podendo, por isso, ir em horas matinais à igreja. E então, esse ato interior leva à omissão acidentalmente, porque esta daí resulta, mas contra a intenção; e o contrário à intenção considera-se acidental, segundo diz Aristóteles. Por onde, é manifesto que neste caso o pecado de omissão implica um ato conjunto ou precedente, que contudo se prende acidentalmente ao pecado de omissão. Ora, devemos julgar as coisas pelo que têm de essencial e não, de acidental. Por onde e com mais verdade, podemos dizer que há pecados que podem existir sem qualquer ato; do contrário também a essência dos outros pecados atuais implicaria os atos e as ocasiões circunstanciais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O bem implica mais elementos que o mal, porque aquele provém de uma causa totalmente íntegra, ao passo que este, de qualquer defeito particular, como diz Dionísio. E portanto, o pecado pode provir ou de fazermos o que não devemos, ou de não fazermos o que devemos; enquanto que só pode haver mérito quando fazermos voluntariamente o que devemos. E logo, não pode haver mérito sem ato, mas sem ato pode haver pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Chama-se voluntário ao que não só é objeto de um ato da vontade, mas que também está em nosso poder ser ou não feito, como diz Aristóteles. Por onde, também o mesmo não querer pode se chamar voluntário, enquanto está em nosso poder querer ou não.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O pecado de omissão contraria a um preceito afirmativo, que obriga sempre mas não para sempre. Portanto, pecamos quando cessamos o ato só durante o tempo em que o preceito afirmativo obriga.
(Supra, q. 63, a. 2, ad 2 ; infra, q. 73, a. 1, ad 2 ; IIª-IIªª, q. 24, a. 12; De Virtur., q. q, 1, ad 5).
O quarto discute-se assim. ― Parece que o ato vicioso ou pecado não pode coexistir com a virtude.
1. ― Pois, os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito. Ora, o pecado é de certo modo contrário à virtude, como já se disse. Logo, não pode coexistir com ela.
2. Demais. ― O pecado é pior que o vício, i. é, o ato mau é pior que o hábito mau. Ora, o vício não pode coexistir com a virtude, no mesmo sujeito. Logo, nem o pecado.
3. Demais. ― Assim como o pecado se manifesta acidentalmente na atividade voluntária, assim também, nos fenômenos naturais, conforme diz Aristóteles. Ora, nestes nunca ele se manifesta acidentalmente senão por alguma corrupção da virtude natural; assim, os monstros procedem da corrupção de algum princípio seminal, como diz o Filósofo. Logo, também na atividade voluntária, o pecado não se manifesta acidentalmente senão corrupção de alguma virtude da alma; e portanto, pecado e virtude não podem coexistir no mesmo sujeito.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que pelos contrários é a virtude gerada corrompida. Ora, um só ato virtuoso não causa a virtude, como já estabelecemos. Logo, também não a elimina um só ato pecaminoso. Portanto, uma e outro podem coexistir no mesmo sujeito.
SOLUÇÃO. ― O pecado está para a virtude como o ato mau para o hábito bom. Ora, o hábito da alma não se comporta do mesmo modo que a forma do ser natural. Pois, a forma natural necessariamente produz a sua operação própria. Por isso com uma forma natural não pode coexistir o ato da forma contrária; assim, o ato de resfriar não pode coexistir com o calor, nem, com a leveza, o ato do descenso, salvo por violência de um motor externo. O hábito da alma ao contrário, não opera necessariamente, antes, usamos dele quanto queremos. Por onde, podemos simultaneamente ter um hábito e dele não usarmos, ou praticarmos o ato contrário; e, assim, podemos possuir a virtude e inclinarmos para o ato do pecado.
Ora, este ato, comparado com a virtude, enquanto hábito, não pode corrompê-la, se for um único. Pois, assim como não gera o hábito um único ato, assim também por este não se corrompe, como já dissemos. Comparado porém o ato do pecado com a causa das virtudes, um só ato pode corromper várias virtudes. Pois, todo pecado mortal é contrário à caridade, raiz de todas as virtudes infusas, como tais. E portanto, um único ato de pecado mortal, excluindo a caridade, exclui conseqüentemente todas as virtudes infusas, enquanto virtudes. E digo isto por causa da fé e da esperança, cujos hábitos ficam informes, depois do pecado mortal, e assim não são virtudes. Mas o pecado venial, não contrário à caridade, não a excluindo, também não exclui, por conseqüência, as outras virtudes. As virtudes adquiridas porém, não as exclui um único ato de qualquer pecado.
Assim, portanto, o pecado mortal não pode coexistir com as virtudes infusas, mas o pode com as adquiridas. Ao passo que o pecado venial pode coexistir tanto com estas como com aquelas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O pecado não é contrário à virtude em si mesma considerada, senão quanto ao seu ato. E, portanto, o pecado, que não pode coexistir com o ato da virtude, o pode com o hábito da mesma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O vício é diretamente contrário à virtude, assim como o pecado o é ao ato virtuoso. E portanto, o vício exclui a virtude, como o pecado, o ato da mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― As virtudes naturais agem necessariamente; e portanto, existindo íntegra a virtude, o pecado nunca poderá coexistir com o ato. As virtudes da alma porém, não produzem os seus atos necessariamente. E portanto o símile não colhe.