(IIª. lIae, q. 18, a. 2 ; II Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 5, qª 2 ; dist. XXXI, q. 2, a. 1, qª 2; De Virtut., q.4. a. 4).
O quarto discute-se assim. — Parece que a esperança perdura depois da morte, no estado da glória.
1. — Pois, a esperança aperfeiçoa, de modo mais nobre, o apetite humano, do que as virtudes morais. Ora, estas permanecem depois desta vida, como está claro em Agostinho. Logo, com maior razão a esperança.
2. Demais. — O temor se opõe à esperança. Ora, ele perdura depois desta vida: nos bem-aventurados, o temor filial, que permanece sempre; nos condenados, o das penas. Logo, pela mesma razão, pode permanecer a esperança.
3. Demais. — Como a esperança, também o desejo tem por objeto o bem futuro. Ora, os bem-aventurados tem tal desejo, tanto em relação à glória do corpo, que as almas deles desejam, conforme diz Agostinho, como em relação à da alma, segundo aquilo da Escritura (Ecle 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome, e os que, me bebem terão ainda sede, e ainda (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos anjos desejam ver. Logo, a esperança pode existir, nos bem-aventurados, depois desta vida.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Rm 8, 24): o que qualquer vê, como o espera? Ora, os bem-aventurados vêm o objeto da esperança, que é Deus. Logo, não esperam.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, o que por essência implica à imperfeição do sujeito não pode coexistir num sujeito perfeito pela perfeição oposta. Isso se vê claramente no movimento que, implicando por essência a imperfeição do sujeito, pois, é o ato do existente em potencia, como tal, cessa quando a potência se atualiza; assim, o que já se tornou branco não pode ainda embranquecer. Ora, a esperança implica um certo movimento para o que ainda não possuímos, como ficou claro pelo que acima dissemos da paixão da esperança. Portanto, quando possuirmos o que esperamos, i. é, a fruição devida, já não poderá existir a esperança.
Donde a resposta à primeira objeção. — A esperança é mais nobre do que as virtudes morais, por ser Deus o seu objeto. Ora, o ato dessas virtudes não repugna, como o ato da esperança, à perfeição da felicidade, senão talvez quanto à matéria, quanto à qual não perduram. Pois as virtudes morais não aperfeiçoam o apetite só no atinente ao objeto ainda não possuído, mas também no atualmente já possuído.
Resposta à segunda. — Há um duplo temor: o servil e o filial, como a seguir se dirá. Aquele é o da pena, e não poderá existir na glória, onde não existe nenhuma possibilidade de pena. Este comporta dois atos: temer a Deus, e neste ponto permanece; e temer a separação dele, e neste não permanece, pois separar-se de Deus implica o mal, e, no caso presente, não se pode temer nenhum mal, conforme aquilo da Escritura (Pr 1, 33): Gozaremos da abundância, sem receio de mal algum. Ora, o temor se opõe à esperança, por oposição do bem e do mal, como já dissemos. E portanto, o temor que perdura na glória, não se opõe à esperança. Nos condenados porém pode haver o temor da pena mais do que, nos bem-aventurados, a esperança da glória; porque neles haverá sucessão de penas, o que implica a idéia de futuro, objeto do temor. Ao passo que na glória dos santos não há sucessão, pois é uma como participação da eternidade, sem pretérito nem futuro, mas só presente. E contudo também nos condenados não haverá temor, propriamente falando. Pois, como já dissemos, o temor nunca existe sem alguma esperança de libertação, a qual nos danados, absolutamente não existirá; portanto, também neles não haverá temor, senão comumente falando, no sentido em que se chama temor a qualquer expectativa de mal futuro.
Resposta à terceira. — Quanto à glória da alma, os bem-aventurados não podem ter desejo, no concernente ao futuro, pela razão já exposta. Dizemos que eles têm fome e sede, para afastar a idéia de tédio. E pela mesma razão dizemos que os anjos têm desejo. No concernente porém à glória do corpo, pode por certo haver desejo nas almas dos santos, não porém, esperança, propriamente falando. Mas não, enquanto a esperança é uma virtude teologal, pois então o seu objeto é Deus e não, qualquer bem criado. Nem tomada em sentido comum, porque, nesse caso o seu objeto é o que é árduo, como já dissemos. Ora, o bem, cuja causa certa já possuímos, não tem para nós nada de árduo; por isso, propriamente falando, não dizemos que quem tem dinheiro espera poder possuir uma certa coisa, pois pode possuí-la imediatamente, comprando-a. E semelhantemente, os que já têm a glória da alma não podem, propriamente falando, esperar a glória do corpo, mas só desejá-la.