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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Questão 111: Da divisão da graça.

Em seguida devemos tratar da divisão da graça.
 
E nesta questão discutem-se cinco artigos:

5. Primeiro domingo da Quaresma: A tentação de Cristo.

I Domingo da Quaresma
   
«Foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.» (Mt 4, 1)
   
Cristo quis ser tentado:
  
1. Primeiro, para nos dar auxílio contra as tentações. Por isso diz Gregório: «Não era indigno do nosso Redentor querer ser tentado, ele que veio para ser imolado; para que assim vencesse as nossas tentações com as suas, assim como venceu com a sua a nossa morte.»

6. Segunda-feira depois do I domingo da Quaresma: Cristo devia ser tentado no deserto.

Segunda feira depois do I domingo da Quaresma
   
«Jesus estava no deserto quarenta dias e quarenta noites e ali foi tentado por Satanás» (Mc 1, 13)
   
I. —Cristo, por vontade própria deixou-se tentar pelo diabo, assim como voluntariamente entregou o corpo à morte; do contrário, o diabo não ousaria aproximar-se dele. Ora, o diabo atenta de preferência os solitários; pois, como diz a Escritura (Ecle 4, 12), «se alguém prevalecer contra um, dois lhe resistem». Por isso foi Cristo para o deserto, como para o campo da luta, para ser nele tentado pelo diabo. Donde o dizer Ambrósio, que Cristo foi ao deserto deliberadamente, para provocar o diabo. Pois, se este não viesse atacá-lo, i. é, o diabo, Cristo não o teria vencido.

7. Terça-feira depois do I domingo da Quaresma: De que modo Cristo sofreu todos os sofrimentos.

Terça-feira depois do I domingo da Quaresma
   
    
Os sofrimentos humanos podem ser considerados à dupla luz. Primeiro, quanto à espécie. E então, não devia Cristo sofrer todos os sofrimentos; pois, muitas espécies de sofrimentos são contrárias entre si, tal a combustão pelo fogo e a submersão na água. Mas, agora tratamos dos sofrimentos de proveniência extrínseca; pois, os sofrimentos procedentes de causas externas, como as doenças do corpo, não devia ele sofrê-los, como dissemos.

8. Quarta-feira depois do I domingo da Quaresma: A imensidade da dor da Paixão de Cristo.

Quarta-feira depois do I domingo da Quaresma
   
«Atendei e vede se há dor semelhante à minha dor» (Lm 1, 12)
  
Cristo, na sua paixão, sofreu verdadeiramente a dor. Tanto a sensível, causada pelos tormentos corpóreos, como a interior, causada pela apreensão do mal, que se chama tristeza. Ora, ambas essas dores foram máximas em Cristo, entre as dores da vida presente. O que se explica por quatro razões.

9. Quinta feira depois do I domingo da Quaresma: Foi conveniente Cristo ser crucificado entre ladrões.

Quinta-feira depois do I domingo da Quaresma
      
Cristo foi crucificado entre os ladrões, por uma razão se considerarmos a intenção dos judeus, e por outra, considerada a ordem de Deus.

10. Sexta-feira depois do I domingo da Quaresma: Na festa da lança e dos cravos de Nosso Senhor

Sexta-feira da I semana da Quaresma
   
«um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.» (Jo 19, 34)
  
I. — É significativo que a Escritura diga «abriu-lhe», e não «feriu-lhe», pois, por este lado, nos foi aberta a porta da vida eterna. «Depois disto olhei, e eis que vi uma porta aberta no céu» (Ap 4, 1). É esta a porta que figurava aquela, no lado da arca, por onde entraram os animais que haviam de se salvar no dilúvio.

11. Sábado depois do I domingo da Quaresma: A Caridade de Deus na Paixão de Cristo

Sábado depois do I domingo da Quaresma
   
«Mas Deus manifesta a sua caridade para conosco, porque, quando ainda éramos pecadores, no tempo oportuno, morreu Cristo por nós.» (Rm 5, 8)
   
I. — Cristo morreu pelos ímpios. E isto é grande, se considerarmos quem é aquele que morreu; também é grande, se considerarmos por quem foi que Cristo morreu. Ora, «é difícil haver quem morra por um justo» (Rm 5, 7), ou seja, é difícil encontrar quem morra para salvar um homem justo; e até, como diz Isaías: «o justo perece, e não há quem considere sobre isto no seu coração» (57, 1). E por isso, «é difícil haver quem morra por um justo». Pois se alguém, isto é, alguma rara exceção, ousar, pelo zelo da virtude, morrer por um bom homem, será coisa realmente rara; e isso, por ser um feito muito elevado, como diz S. João (15, 13): «Ninguém tem maior amor que o daquele que dá a vida por seus amigos». Porém, morrer por homens ímpios e maus, é algo que jamais ocorre. E por isto devemos, com razão, nos admirar, pois foi isto que Cristo fez. 

Art. 4 — Se a graça está na essência da alma como no sujeito, ou em alguma das duas potências.

[Sent., dist. XXVI, a. 3; IV, dist, IV, q. 1, a. 3, qª 3, ad 1; De Verit., q. 27, a. 6].
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a graça não está na essência da alma, como no sujeito, mas numa das suas potências.
 
1. — Pois, diz Agostinho, a graça está para a vontade, ou para o livre arbítrio, como o cavaleiro para o cavalo. Ora, à vontade ou livre arbítrio é uma potência, como já dissemos na Primeira Parte (q. 83, a. 2). Logo, a graça está na potência da alma como no seu sujeito.
 
2. Demais. — Da graça derivam os méritos do homem, como diz Agostinho. Ora, o mérito depende do ato procedente de alguma potência. Logo, a graça é a perfeição de alguma das potências da alma.
 
3. Demais. — Se a essência da alma fosse o sujeito próprio da graça, a alma haveria necessariamente de, na sua essência, ser capaz da graça. Ora, isto é falso, porque daí resultaria que toda alma é capaz da graça. Logo, a essência da alma não é o sujeito próprio da graça.
 
4. Demais. — A essência da alma é-lhe anterior às potências. Ora, o anterior é concebível independentemente do posterior. Donde resulta que podemos conceber a graça, na alma, sem recebermos nenhuma parte ou potência da alma, e nem à vontade, nem o intelecto, nem qualquer faculdade. Ora, isto é inadmissível.
 
Mas, em contrário, regenerados pela graça, tornamo-nos filhos de Deus. Ora, a geração termina, antes na essência, que nas potências. Logo, a graça está na essência da alma, antes de lhe estar nas potências.
 
SOLUÇÃO. — Esta questão depende da precedente. Pois, se a graça é o mesmo que a virtude, há de necessariamente estar nas potências da alma como no sujeito; porque elas são o sujeito próprio da virtude, como já dissemos (q. 56, a. 1). Se, ao contrário, difere da virtude, não se pode dizer que as potências da alma sejam o sujeito dela; porque toda perfeição das potências da alma tem natureza de virtude, como já dissemos (q. 55, a. 1; q. 56, a. 1). Donde se conclui, que a graça, assim como tem prioridade sobre a virtude, tem também um sujeito às potências da alma, a saber, a essência desta. Ora, pela potência intelectiva e pela virtude da fé, o homem participa do conhecimento divino; e, pela potência da vontade e pela virtude da caridade, participa do amor divino. Assim também, pela natureza da alma participa, por uma certa semelhança, da natureza divina, regenerando-se, de algum modo, e como criada de novo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como da essência da alma decorrem as suas potências, que são os princípios das obras; assim também, da graça decorrem virtudes para as potências da alma, que a movem aos seus atos. E sendo assim, a graça está para a vontade como o motor, para o móvel, ou, o que é o mesmo, como o cavaleiro, para o cavalo; não, porém, como o acidente, para a substância.
 
E daqui se deduz também clara a resposta à segunda objeção. — Pois, a graça é, mediante as virtudes, o princípio das obras meritórias; assim como a essência da alma é, mediante as potências, o princípio das operações vitais.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Alma é o sujeito da graça, enquanto pertencente à espécie da natureza intelectual ou nacional. Ora, a alma não se especifica por meio de alguma potência; pois as potências são propriedades naturais da alma, resultantes da espécie. E portanto, a alma, por essência, difere especificamente das almas dos brutos e das plantas. E por isso, de ser a essência da alma humana sujeito da graça não se segue possa qualquer alma ser tal sujeito; pois, isso convém à essência da alma, enquanto pertencente a uma determinada espécie.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Sendo as potências da alma propriedades naturais, resultantes da espécie, a alma não pode existir sem elas. Mas, dado que o pudesse, ainda a alma seria chamada, conforme a sua espécie, intelectual ou racional. Não por ter essas potências, atualmente, mas por causa da sua essência específica, de que naturalmente decorrem tais potências.

Art. 3 — Se a graça é o mesmo que a virtude.

[II Sent., dist. XXVI, a. 4; De Verit., q. 27, a. 2].
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que a graça é o mesmo que a virtude.
 
1. — Pois, como diz Agostinho, a graça operante é a fé, que obra por amor. Ora, a fé que obra pelo amor, é uma virtude. Logo, a graça também o é.
 
2. Demais. — Ao que convém a definição convém também o definido. Ora, as definições dadas, da virtude, pelos santos ou pelos filósofos, convêm à graça; pois também ela torna bom o sujeito e a sua obra; também ela é uma boa qualidade da mente, pela qual vivemos retamente, etc. Logo, a graça é uma virtude.
 
3. Demais. — A graça é uma qualidade. Ora, é manifesto que não pertence à quarta espécie da qualidade, que é a forma e a figura fixa de um objeto; pois, não pertence ao corpo. Nem à terceira, porque não é paixão ou qualidade possível, que pertence à parte sensitiva da alma, como o prova Aristóteles; pois a graça principalmente está na alma. Nem, por fim, à segunda espécie, que é a potência ou impotência da natureza; pois, é superior à natureza e não pode buscar o bem e o mal, como a potência natural. Logo, há de pertencer à primeira espécie, que é o hábito ou disposição. Ora, os hábitos da alma são as virtudes, pois, a própria ciência é, de certo modo, uma virtude. Logo, a graça é o mesmo que a virtude.
 
Mas, em contrário. — Se a graça é uma virtude, há de ser, por excelência, uma das três virtudes teologais. Ora, não é a fé, nem a esperança que podem existir sem a graça santificante. Nem a caridade, porque a graça prepara a caridade, como diz Agostinho. Logo, a graça não é uma virtude.
 
SOLUÇÃO. — Certos ensinaram que a graça é a essência idêntica à virtude, desta diferindo só racionalmente. Pois tira essa denominação de tornar o homem agradável a Deus, ou por ser dada gratuitamente; ao passo que a virtude confere a perfeição para agir bem. E esta parece ter sido a opinião do Mestre das Sentenças.
 
Mas, é inadmissível a quem refletir atentamente na essência da virtude. Pois, como diz o Filósofo, a virtude é uma disposição do que é perfeito; chamo perfeito ao que é disposto segundo a natureza. Por onde se vê que a virtude de um ser é assim chamada em relação a alguma natureza preexistente; isto é, quando está disposto do modo conveniente à sua natureza. Ora, é manifesto que as virtudes adquiridas pelos atos humanos, de que já tratamos (q. 55 ss), são disposições pelas quais o homem se ordena convenientemente à natureza que o torna homem. Ao passo que as virtudes infusas o dispõem de modo mais alto e para um fim mais elevado. Por onde, hão de também dispô-lo em ordem a uma natureza mais alta, i. é, à natureza divina participada, chamada lume da graça, conforme a escritura (2 Pd 1, 4): Comunicou-nos as mui grandes e preciosas graças que tinha prometido, para que por elas sejais feitos participantes da natureza divina. E por termos recebido tal natureza é que nos consideramos regenerados, como filhos de Deus.
 
Assim, pois, como o lume natural da razão é algo de superior às virtudes adquiridas, assim denominadas por se lhe ordenarem para ele; assim, o lume da graça, que é uma participação da natureza divina, é algo de superior às virtudes infusas, dele derivadas e ao qual se ordenam. Por isso, o Apóstolo diz (Ef 5, 8): Noutro tempo eram trevas, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz. Por onde, assim como as virtudes adquiridas aperfeiçoam o homem para proceder segundo a luz natural da razão, assim as virtudes infusas, para proceder de acordo com a luz da graça.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A fé, que obra o amor, Agostinho a denomina graça; porque o ato da fé, que assim obra, é o primeiro ato pelo qual se manifesta a graça santificante.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem, que entra na definição da virtude, é assim chamado relativamente à conveniência com alguma natureza preexistente, essencial ou participada. Ora, não assim o bem é atribuído à graça, mas como á raiz da bondade do homem, segundo já se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça se reduz à primeira espécie de qualidade. Nem é o mesmo que a virtude, mas é um certo hábito, pressuposto às virtudes infusas, como princípio e raiz delas.

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