Segunda-feira após o domingo da Qüinquagésima
Lemos no Evangelho: "Sirvamo-lo em santidade e justiça" (Lc 1, 75). Ora, servir a Deus é próprio da religião. Logo, religião é o mesmo que a santidade.
A santidade, por denominação, implica dois elementos. Um, a pureza, para significar a qual emprega-se o vocábulo grego αγζος, como quem diz — sem terra. O outro é a firmeza; por isso, entre os antigos, eram santas as coisas protegidas pelas leis, devendo assim não ser violadas. Donde o dizer-se ordenado (sancitum) o que é determinado por lei.
E uma e outra significação convém em atribuir a santidade às coisas aplicadas ao culto divino; de modo que consideramos santos não só os homens, mas também o templo, os vasos e coisas semelhantes quando aplicadas ao culto.
A pureza é necessária para que o espírito se aplique a Deus. Porque o espírito humano torna-se impuro quando imerge nas coisas inferiores, assim como qualquer coisa se mancha misturando-se com o que é pior. Por exemplo, o ouro, com o chumbo. Ora, é necessário a inteligência separar-se das coisas inferiores para poder unir-se ao ser supremo. Por onde, o espírito não pode, sem a pureza, aplicar-se a Deus. Por isso diz a Escritura (Heb 12, 14): Segui a paz com todos, e a santidade, sem a qual ninguém verá a Deus.
Também a firmeza é necessária para a mente se aplicar a Deus; pois esta se lhe aplica como ao último fim e ao princípio, que forçosamente são o que há de mais imóvel. Por isso dizia o Apóstolo (Rm 8, 38): Eu estou certo que nem a morte, nem a vida me apartará do amor de Deus.
Assim, pois, chama-se santidade a aplicação que faz a mente do homem de si mesmo e de seus atos a Deus. Por onde, não difere da religião essencialmente, mas só racionalmente. Pois, a religião consiste em prestarmos a Deus a submissão devida, no que respeita em especial o seu culto, como, fazendo sacrifícios, oblações e coisas semelhantes. A santidade, por seu lado, consiste em referirmos a Deus não só tais coisas, mas também as obras das outras virtudes, ou dispondo-nos pelas boas obras ao culto divino.
IIa IIae, q. LXXXI, a. VIII
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)