Sábado após o domingo da Sexagésima
I. — Deve-se servir a Deus com atos exteriores e interiores. Como diz Damasceno, sendo compostos de duas naturezas, uma intelectual e outra sensível, devemos tributar a Deus dupla adoração, a saber, espiritual, consistente na devoção interior da mente; e corporal, na humildade externa do corpo. Ora, como em todos os atos de latria, o exterior refere-se ao interior, como ao mais principal, por isso, fazemos a adoração exterior visando o interior. De modo que, pelas mostras de humildade, que corporalmente damos, despertemos o afeto que nos leva a nos sujeitarmos a Deus. Pois, é-nos conatural partir do sensível para chegar ao inteligível.
Assim como a oração existe primordialmente no espírito e, depois, exprime-se por palavras, assim também a adoração consiste principalmente na reverência interna a Deus; e secundariamente, em certos sinais corpóreos de humildade. Assim, dobramos os joelhos para significarmos a nossa fraqueza em face de Deus; e nos prosternamos como para confessar que, de nós mesmos, nada somos.
IIa IIae, q. LXXXIV, a. 2
II. — Nos atos externos devemos ser discretos.
Nos atos interiores, porém, com os quais o homem se submete a Deus, o justo deve portar-se diferentemente. O bem do homem e sua justiça consiste principalmente nos atos interiores, pelos quais crê, espera e ama. Diz o Evangelho: "eis que o reino de Deus está no meio de vós" (Lc 17, 21). Portanto, não consiste principalmente nos atos exteriores: "o reino de Deus não é nem comida nem bebida",diz S. Paulo (Rm 14, 17). Os atos interiores são como um fim que se busca por si mesmo. Os atos exteriores, porém, pelos quais o homem rende homenagem a Deus, são como meios ordenados a um fim.
Ora, naquilo que se busca como fim, não há restrição de medida: quanto mais, melhor. Ao contrário, naquilo que se busca como meio a um fim, há uma medida proporcionada ao fim. Por exemplo, o médico quer a cura com todas as suas forças; dispensa remédios, não tantos quanto suas forças permitem, mas tantos quanto julga oportuno para a cura do paciente.
Assim, o homem não tem restrições quanto à fé, a esperança, a caridade; quanto mais crê, espera e ama, melhor, conforme aquilo das Escrituras: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força" (Dt 6, 5).
Mas nos atos exteriores, é preciso que haja discrição, por comparação à caridade.
In Rom., XII
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Tradução: Permanência)