Domingo da Qüinquagésima
"Lembra-te de santificar o dia de sábado" (Ex 20, 8)
O homem deve santificar os dias de festa. Ora, a palavra "santo" pode designar duas coisas: aquilo que é puro e aquilo que é consagrado a Deus. Assim, nestes dias de festa devemos nos abster de algumas obras, e nos ocupar com algumas outras:
I. — É preciso oferecer sacrifícios. No livro dos Números (28, 3) lê-se que, todos os dias, dois cordeiros deviam ser oferecidos a Deus, um pela manhã, outro pela tarde; mas no dia do Senhor, o sacrifício deveria ser duas vezes maior, e isso significa que, no sábado, também devemos oferecer a Deus sacrifício de tudo que possuímos.
1. Devemos oferecer nossa alma, pela contrição dos pecados e ação de graças por todos os benefícios recebidos, conforme o salmista: "Siga direta a ti a minha oração, como incenso" (Sl 140, 2). Os domingos e dias de festa foram feitos para termos a alegria espiritual da oração. Assim, as preces devem ser abundantes nesses dias.
2. Devemos oferecer nosso corpos: "Rogo-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus" (Rm 12, 1), e isso pelo louvor: "o que me oferece sacrifício de louvor, é o que me honra" (Sl 49, 23). Assim, o canto é abundante nesses dias.
3. Devemos oferecer nossos bens dando esmolas, e isso duas vezes mais que nos outros dias, pois o dia é de alegria para todos.
II. — É preciso estudar as Escrituras, como o faziam os judeus: "as palavras dos profetas que cada sábado se lêem" (At 13, 27). Portanto, também os cristãos, cuja justiça deve ser mais perfeita que a dos judeus, devem se reunir nos domingos e dias de festa para ouvir a pregação e o ofício da Igreja. Devem também conversar sobre coisas úteis. Estas duas coisas são boas para a alma do pecador, porque aperfeiçoam seu coração; pois a palavra de Deus instrui o ignorante e inflama o tíbio.
III. — É preciso aplicar-se às coisas divinas. Isto porém é obra dos perfeitos, "Gostai e vede como o Senhor é bom" (Sl 33, 9); e para o descanso da alma, pois assim como o corpo fatigado precisa de descanso, assim também a alma. Mas o lugar dentro da alma é Deus, como no salmo: "Sê para mim uma rocha de refúgio, uma cidadela fortificada, para me pores a salvo" (30, 3). E São Paulo: "Resta portanto um sabatismo para o povo de Deus. Realmente aquele que entrou no descanso de Deus, também descansou das suas obras, como Deus das suas" (Heb 4, 9). E no livro da Sabedoria: "Entrando em minha casa, encontrarei nela o meu descanso" (8, 16).
No entanto, antes de atingir este repouso, a alma tem de passar por três outros repousos ou abandonos:
Primeiro, deve repousar da inquietude do pecado, conforme Isaías: "Os ímpios, porém, são como um mar agitado, que não pode acalmar" (Is 57, 20).
Segundo, deve repousar das paixões carnais; pois "a carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito desejos contrários à carne" (Gl 5, 1).
Terceiro, deve repousar das ocupações do mundo. "Marta, Marta, tu afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas" (Lc 10, 41).
Então poderá a alma repousar livremente em Deus, conforme a palavra de Isaías: "então te deleitarás no Senhor, e eu te elevarei às alturas da terra" (58, 14). Foi para isso que os santos abandonaram tudo, pois este é o tesouro escondido que, quando um homem o acha, esconde-o, e, pelo gosto que sente de o achar, vai, e vende tudo o que tem, e compra aquele campo.
Este é o repouso da vida eterna e do gozo eterno. "Este é o meu repouso para sempre, aqui habitarei, porque a desejei" (Sl 131, 14).
In Decalog., XVII
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Trad.: Permanência)