O terceiro discute-se assim. – Parece que as esmolas corporais são mais importantes que as espirituais.
1. – Pois, é mais louvável fazer esmola a quem dela mais necessita, porque a esmola merece louvores por socorrer ao necessitado. Ora, o corpo, a que a esmola corporal socorre, padece, por natureza mais necessidades que o espírito, a que socorremos com as esmolas espirituais. Logo, as esmolas corpóreas são mais principais.
2. Demais. – A recompensa do benefício diminui o louvor e o mérito da esmola; por isso, diz o Senhor. Quando dera algum jantar ou alguma ceia não chama teus vizinhos que forem ricos, para que não aconteça que também eles te convidem à sua vez. Ora, a esmola espiritual sempre tem recompensa, pois quem ora por outrem disso tira proveito para si, segundo aquilo da Escritura. A minha oração dava voltas no meu seio; e também quem ensina a outrem progride na ciência. O que não se dá com as esmolas corporais. Logo, estas são mais principais que as outras.
3. Demais. – O louvor da esmola se funda em o pobre se consolar com a que lhe é dada; donde o dizer a Escritura: Se os seus membros não me abendiçoavam; e o Apóstolo: As entranhas dos santos por ti, irmão, foram confortadas. Ora, às vezes é mais grata ao pobre a esmola corpórea, que a espiritual. Logo, a esmola corpórea é mais principal que a espiritual.
Mas, em contrário, Agostinho, aquilo do Evangelho - Dá a quem te pede - diz. Deves dar o que não prejudique nem a ti nem a outrem; e quando negares a quem te pede, deves revelar a justiça de teu ato, para não o despedires vazio; e às vezes darás melhor, quando corrigires a quem te pede injustamente. Ora, a correção é esmola espiritual. Logo, as esmolas espirituais devem ser preferidas à corpóreas.
SOLUÇÃO. – As relações entre essas duas espécies de esmolas podem ser consideradas à dupla luz. - Primeiro absolutamente falando. E neste sentido, as esmolas espirituais tem preeminência por três razões. Primeiro, por ser mais nobre o seu dom, a saber, o espiritual que tem preeminência sobre o corpóreo, conforme aquilo da Escritura Contribuir-vos-ei com um belo dom; não deixeis a minha lei. Segundo, por causa da natureza do ser a quem socorremos, pois, o espírito é mais nobre que o corpo. Por onde, assim como devemos cuidar mais do nosso espírito do que do nosso corpo o mesmo devemos fazer para com o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos. Terceiro, quanto aos atos mesmos por que socorremos ao próximo, por serem os atos espirituais mais nobres que os corpóreos, que são de certo modo, servis. - De outro modo, podem essas esmolas ser comparadas relativamente a um caso particular, em que a esmola corpórea é preferível à espiritual; por exemplo, a quem está morrendo de fome devemos antes dar de comer do que ensinar; assim como para o necessitado é melhor, segundo o Filósofo enriquecer-se do que filosofar, embora, absolutamente falando, isto seja melhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dar a quem precisa mais é, em igualdade de situações, melhor. Mas, se quem precisa menos for melhor e precisar de coisas melhores, melhor será lhe dar a ele. Ora, tal é o que se passa no caso proposto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A recompensa não diminui o mérito nem o louvor da esmola, se não for buscada intencionalmente; assim como a glória humana, se não for intencionalmente buscada, não diminui a virtude na sua essência. Por isso, Salústio diz de Catão que, quanto mais fugia da glória, tanto mais a glória o buscava. Ora, é o que acontece com as esmolas espirituais. E contudo buscar intencionalmente os bens espirituais não diminui o mérito, como o diminui a busca intencional dos bens corpóreos,
RESPOSTA À TERCEIRA. – O mérito de quem dá esmola se funda naquilo com que deve racionalmente aquietar-se a vontade de quem a recebe, e não naquilo com que se acalma a vontade desordenada.