Category: Santo Tomás de Aquino
(II Sent., dist. XV, q. 1, a. 2; III Cont. Gent., cap. LXXXII; De Verit., q. 5, a. 9; Compend. Theol., cap. CXXVII).
O terceiro discute-se assim. — Parece que os corpos celestes não são a causa do que é feito, neste mundo, nos corpos inferiores.
1. Pois, diz Damasceno: Nós porém dizemos que eles, i. é, os corpos celestes, não são a causa de nada que é feito, nem da corrupção do que se corrompe; são porém, sobretudo, os sinais das chuvas e da transmutação do ar.
2. Demais. — O agente e a matéria bastam para produzir uma coisa. Ora, há nos corpos inferiores deste mundo a matéria paciente e também agentes contrários, como o calor, o frio e outros semelhantes. Logo, não é necessário, atribuir a causalidade do que é feito, nas coisas inferiores sobreditas, aos corpos celestes.
3. Demais. — O agente age semelhantemente a si. Ora, vemos que tudo, neste mundo é causado pelo calor e pelo frio, pela umidade e pela secura, e alterações qualitativas semelhantes, que não se dão nos corpos celestes. Logo, estes não são a causa do que é feito nas coisas deste mundo.
4. Demais. — Como diz Agostinho, nada é mais corpóreo do que o sexo. Ora, o sexo não é causado pelos corpos celestes; e a prova é que, de dois gêmeos, nascidos sob a mesma constelação, um é masculino e outro, feminino. Logo, os corpos celestes não são causa das coisas corpóreas realizadas neste mundo.
Mas, em contrário, diz Agostinho: os corpos mais grosseiros e inferiores são regidos, numa certa ordem, pelos mais subtis e poderosos. E Dionísio diz: a luz do sol contribui para a geração dos corpos sensíveis, gera a própria vida, nutre, faz crescer e leva ao termo.
Solução. — Considerando que toda multidão procede da unidade; que o imóvel conserva-se do mesmo modo, e o movido tem aspectos multiformes, deve-se concluir que em toda a natureza, qualquer movimento procede do que é imóvel. Por onde, quanto mais um ser é imóvel, tanto mais é causa do que é móvel. Ora, os corpos celestes são os mais imóveis de todos os corpos, pois só têm movimento local. E portanto os movimentos vários e multiformes dos corpos inferiores deste mundo dependem do movimento dos corpos celestes, como de causa.
Donde a resposta à primeira objeção. — O dito de Damasceno deve-se entender como exprimindo que os corpos celestes não são a causa primeira da geração e da corrupção das coisas, que se operam neste mundo, como dizem os que os consideram como deuses.
Resposta à segunda. — Como princípios ativos, os corpos inferiores deste mundo têm só as qualidades ativas dos elementos, a saber, o calor, o frio e outros. E se as formas substanciais dos corpos inferiores só se diversificassem por esses acidentes, cujos princípios os antigos fisiólogos diziam ser a rarefação e a condensação, não seria necessária a existência de nenhum princípio ativo superior a esses corpos, mas eles agiriam por si mesmos. Os que pensarem bem, pois, concordarão que esses acidentes comportam-se como disposições materiais para as formas substanciais dos corpos naturais. Ora, a matéria não podendo agir por si mesma, é necessário admitir-se algum princípio ativo superior a essas disposições materiais. Daí o terem os Platônicos admitido as espécies separadas, pela participação das quais os corpos inferiores alcançam as suas formas substanciais. Estas porém não bastam; porque, tais espécies sendo consideradas como imóveis, daí resultaria que os corpos inferiores não teriam nenhuma variação, quanto à geração e à corrupção, o que é falso. Por onde, segundo o Filósofo, necessário é admitir-se algum princípio ativo móvel, causa, pela sua presença e ausência, da variedade dos corpos inferiores, quanto à geração e à corrupção; e tais são os corpos celestes. E por isso, tudo o que, nos corpos inferiores deste mundo, gera e especifica, é como que instrumento do corpo celeste, o que permite dizer que o homem e o sol geram o homem.
Resposta à terceira. — Os corpos celestes não são semelhantes aos corpos inferiores, por semelhança específica, mas porque contêm em sua virtude universal tudo o que nos inferiores é gerado. E desse modo dizemos também que todas as coisas são semelhantes a Deus.
Resposta à quarta. — As ações dos corpos celestes são recebidas diversamente pelos corpos inferiores, conforme à disposição diversa da matéria deles. Assim, acontece às vezes que a matéria da concepção humana não está totalmente disposta para o sexo masculino e, por isso forma em parte· o masculino e em parte o feminino. E disto se serve Agostinho para repelir a adivinhação por meio dos astros, porque os efeitos destes variam, mesmo em relação às coisas corpóreas, segundo as disposições diversas da matéria.
(II Sent., dist. XVIII, q. 1, a. 2; De Verit., q. 5, a. 9, ad 8).
O segundo discute-se assim. — Parece que na matéria corpórea não há razões seminais.
1. — Pois, razão importa algo de espiritual. Ora, na matéria corpórea nada há espiritual, mas somente material, i. é, conforme a natureza dela. Logo, não há nela razões seminais.
2. Demais. — Agostinho diz, que os demônios fazem certas obras, servindo-se, com movimentos ocultos, de certos germes, que conhecem como existentes nos elementos. Ora, coisas aplicadas por meio do movimento local são corpos e não razões. Logo, é incongruente dizer-se que há na matéria corpórea razões seminais.
3. Demais. — O sêmen é princípio ativo. Ora, na natureza corpórea não há nenhum princípio ativo, porque não é próprio dela agir, como já se disse. Logo, nela não há razões seminais.
4. Demais. — Diz-se que há na matéria certas razões causais que se consideram suficientes para a produção das coisas. Ora, essas razões são diferentes das seminais, porque, há milagres que vão contra aquelas e não contra estas. Logo, é inconveniente dizer-se que há razões seminais na matéria corpórea.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Há nos elementos corpóreos de todas as coisas diste mundo, que nascem, corporal e visivelmente, certos germes latentes.
Solução. — Como diz Aristóteles, é costume derivar as denominações, do que é mais perfeito. Ora, em toda a natureza corpórea são os seres vivos os mais perfeitos, e por isso o próprio nome de natureza passou, dos seres vivos, para todos os seres naturais. Pois, como diz o Filósofo, o próprio nome de natureza foi primitivamente imposto para exprimir a geração dos seres vivos, chamada natividade. E sendo os seres vivos gerados de um princípio conjunto, como o fruto, da árvore, e o feto, da mãe, a que está ligado, estendeu-se, por conseqüência, o nome da natureza a todo princípio de movimento, que existe no ser movido. Ora, é manifesto que o princípio ativo e passivo da geração dos seres vivos é o sêmen, de que são gerados. E por isso Agostinho convenientemente chama razões seminais a todas as virtudes ativas e passivas, princípios das gerações e dos movimentos naturais.
Estas virtudes ativas e passivas porém podem ser consideradas em múltipla ordem. — Pois, em primeiro lugar, como diz Agostinho, existem no Verbo mesmo de Deus, principal e originàriamente, como razões ideais. — Em segundo lugar, existem nos elementos do mundo, como nas causas universais, e foram produzidas simultaneamente com eles. — Em terceiro lugar, estão nas coisas produzidas pelas causas universais, na sucessão dos tempos; assim, estão numa determinada planta e num determinado animal, como em causas particulares. — De quarto modo, existem nos germes gerados dos animais e das plantas, estando então para os outros efeitos particulares, como as causas primordiais universais para os primeiros efeitos produzidos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Essas virtudes ativas e passivas dos seres naturais, embora se não possam chamar razões, por existirem na matéria corpórea, podem contudo se chamar assim quanto à origem, porque são derivadas das razões ideais.
Resposta à segunda. — Essas virtudes ativas e passivas estão em certas partes corpóreas; e se diz que são aplicados pelos demônios os germes, quando eles empregam tais virtudes, pelo movimento local, para produzirem certos efeitos.
Resposta à terceira. — O sêmen masculino é o princípio ativo na geração do animal; mas também se pode chamar sêmen ao princípio feminino, que é passivo. E assim o mesmo nome pode significar as virtudes ativas e as passivas.
Resposta à quarta. — Das palavras de Agostinho, ao tratar das razões seminais, pode-se suficientemente concluir que essas mesmas razões são também causais, como o sêmen; pois, diz ele, que assim como as mães são grávidas dos seus fetos, assim também o mundo está prenhe das causas dos seres que se vão produzir. Mas também as razões ideais podem se chamar causais; não porém propriamente falando, seminais, porque o sêmen não é um princípio separado. E contra tais razões não podem ser feitos milagres, bem como não o podem contra as virtudes passivas infusas na criatura, de modo que desta possa ser feito tudo o que Deus mandar. Mas contra as virtudes ativas naturais e as potências passivas ordenadas a tais virtudes, consideram-se feitos os milagres operados contra as razões seminais.
(III Cont. Gent., cap. LXIX; De Verit., q. 5, a. 9 ad. 4, De Pot., q. 4, a. 7)
O primeiro discute-se assim. — Parece que não há nenhum corpo ativo.
1. — Pois, diz Agostinho, há seres que são feitos e não agem, como os corpos; há um ser que é agente e não feito, que é Deus; e há outros, agentes e feitos, que são as substâncias espirituais.
2. Demais. — Todos os agentes, exceto o primeiro, necessitam, para agir, de um sujeito, sobre o qual lhes recaia a ação. Ora, abaixo da substância corpórea não há substância que seja susceptível de tal ação, porque essa substância está no último grau dos seres. Logo, a substância corpórea não é ativa.
3. Demais. — Toda substância corpórea tem quantidade. Ora, a quantidade impede o movimento e a ação da substância, porque a compreende e está como imersa nesta; assim como o ar nebuloso fica impedido de receber a luz. E prova disto é que, quanto maior for a quantidade do corpo, tanto mais este será pesado e grave ao mover-se. Logo, nenhuma substância corpórea é ativa.
4. Demais. — Todo agente recebe a sua virtude ativa da proximidade do ser ativo primeiro. Ora, os corpos compostos, em máximo grau, são os mais afastados do ser abaixo primeiro, que é simplicíssimo. Logo, nenhum corpo é agente.
5. Demais. — O corpo, que for agente, há-de agir, pela forma substancial ou pela acidental. Ora, hão por aquela, porque os corpos não têm nenhum princípio de ação, a não ser as qualidades ativas, que são acidentais; e o acidente não pode ser causa da forma substancial, porque a causa é superior ao efeito. Nem, semelhantemente, pela forma acidental, porque o acidente não alcança além do seu sujeito, como diz Agostinho. Logo, nenhum corpo é ativo.
Mas, em contrário, diz Dionísio que, entre as outras propriedades do fogo corpóreo, está a manifestação da sua grandeza, como ativo e poderoso, em relação às matérias dela susceptíveis.
Solução. — É sensível que certos corpos são ativos. Mas há três opiniões erradas, relativamente às ações dos corpos.
Assim, para uns os corpos são totalmente privados de ação. E esta é a opinião de Avicebrão, na obra A Fonte da vida, em que aduz razões, esforçando-se por provar que nenhum corpo age, sendo todas as ações, que parecem deles, as de alguma virtude espiritual, que os penetra a todos. Segundo tal opinião, pois, não é o fogo que aquece, mas uma virtude espiritual, que penetra, por meio dele. E essa opinião considera-se derivada da de Platão, que ensina serem todas as formas da matéria corpórea participadas, determinadas e realizadas numa particular matéria; ao passo que as formas separadas são absolutas e como que universais. E por isso considera essas formas separadas como causas das formas existentes na matéria. Por onde, sendo a forma da matéria corpórea de terminada a uma certa matéria, individuada pela quantidade, esta mesma quantidade, ensina Avicebrão, como princípio de individuação, retém e impede a forma corpórea, para que não possa agir sobre outra matéria. E só a forma espiritual e imaterial, não coarctada pela quantidade, pode influir sobre outra, pela sua ação.
Esta opinião porém não conclui que a forma corpórea não é agente, mas que não é agente universal. Pois, na medida em que uma coisa é participada, nessa mesma há-de necessariamente ser participado o que a essa coisa é próprio; assim, na medida em que um ser participa da luz, nessa mesma participa da visibilidade. Ora, agir, que não é mais do que atualizar alguma coisa, é em si próprio do ato, como ato; e, por isso todo agente age de modo semelhante a si. Por onde, a forma não determinada pela matéria quantificada é agente indeterminado e universal; sendo porém determinada a uma certa matéria particular, é agente determinado e particular. E assim se a forma do fogo fosse separada, como querem os Platônicos, seria de certo modo a causa de toda ignição. Porém a forma do fogo, existente numa determinada matéria corpórea, é a causa de uma determinada ignição, procedente de tal corpo para tal outro; sendo por isso que esse ato se realiza pelo contato dos dois corpos.
Mas esta opinião de Avicebrão sobreexcede a de Platão. Pois, este ensina que só as formas substanciais são separadas, e reduz as acidentais aos princípios materiais da grandeza e da pequenez, que considera como os primeiros contrários, do mesmo modo que outros consideram tais a rarefação e a densidade. Por onde, tanto Platão como Avicena, que em algo o segue, admitem que os agentes corpóreos agem pelas formas acidentais, dispondo a matéria para a forma substancial; ao passo que a perfeição última, que se realiza pela união com a forma substancial, procede de um princípio imaterial.
E esta é a segunda opinião sobre a ação dos corpos, à qual se aludiu antes, quando se tratou da criação.
A terceira opinião, enfim, é a de Demócrito, ensinando que a ação resulta do eflúvio dos átomos, do corpo agente; e a paixão, do recebimento destes nos poros do corpo paciente. Esta opinião é refutada por Aristóteles, pois dela resultaria que o corpo não seria passivo, na sua totalidade, e que a quantidade do corpo agente diminuiria pela ação, conseqüências manifestamente falsas.
Logo, deve-se concluir que um corpo age, como atual, sobre outro corpo, como potencial.
Donde a resposta à primeira objeção. — O dito de Agostinho pode ser concedido, como referente a toda a natureza corpórea, simultaneamente considerada, que não tem nenhuma natureza inferior sobre que atue, como a natureza espiritual age sobre a corpórea e a incriada, sobre a criada. Porém o corpo que é potencial em relação a outro, no que tem este de atual, é-lhe inferior.
Donde se deduz clara a resposta à segunda objeção. — Deve-se contudo saber que é admissível o argumento seguinte de Avicebrão: Há um motor não movido, e é esse o autor primeiro das causas; logo, por oposição, há algo que é somente movido e paciente, que é a matéria prima, potência pura, como Deus é o ato puro. O corpo, porém, sendo composto de potência e ato, é agente e paciente.
Resposta à terceira. — A quantidade não priva, de nenhum modo, a forma corpórea, da ação, como já se disse; mas a impede de ser agente universal, porque a forma é individuada pela matéria sujeita à quantidade. Não vem a ponto, porém, a prova deduzida do peso dos corpos. Primeiro, porque a quantidade adicionada não é a causa da gravidade, como o prova Aristóteles. Segundo, por ser falso que o peso torna o movimento mais lento; antes, quanto mais um corpo é pesado, tanto mais se move com movimento próprio. Terceiro, porque a ação não se realiza pelo movimento local, como ensina Demócrito, mas pela passagem da potência para o ato.
Resposta à quarta. — O corpo não é o que dista de Deus, em máximo grau; pois, participa algo da semelhança do ser divino, pela forma que tem. Mas é a matéria prima o que há de mais distante de Deus, a qual, sendo somente potencial, de nenhum modo é agente.
Resposta à quinta. — O corpo age tanto pela forma acidental como pela substancial. Assim, a qualidade ativa, como o calor,embora seja acidente, age contudo em virtude da forma substancial, como instrumento desta; e portanto pode agir como forma substancial. Assim, o calor natural, enquanto instrumento da alma, age para a geração da carne. Como acidente porém age por virtude própria. Nem é contra a essência do acidente o exceder o seu sujeito, pela ação, mas sim, pela existência; a menos talvez que alguém imagine que um acidente, numericamente o mesmo, deflua do agente para o paciente, no sentido de Demócrito, que ensina que a ação se realiza pelo eflúvio dos átomos.
Em seguida deve-se tratar da ação da criatura corpórea; e do destino atribuído a certos corpos.
Sobre as ações corpóreas seis artigos se discutem:
(II Sent., dist. VI, a. 6).
O quinto discute-se assim. — Parece que o demônio vencido nem por isso fica impedido de atacar.
1. — Pois, Cristo venceu eficacissimamente o seu tentador. Mas este depois atacou-o de novo, incitando os Judeus a que o matassem. Logo, não é verdade que o diabo vencido cessa de atacar.
2. Demais. — Infringir uma pena ao que sucumbiu na luta é incitá-lo lutar mais fortemente. Ora, isto não é próprio da misericórdia de Deus. Logo, os demônios vencidos não ficam impedidos de atacar.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Então o demônio deixou-o, i. é, a Cristo que o havia vencido.
Solução. — Certos dizem que o demônio vencido por um homem não pode mais tentá-lo, nem quanto ao mesmo pecado, nem quanto a outro. Outros porém dizem que podem tentar outros homens, mas não o mesmo; e isto é mais provável se se entender como referido a um determinado tempo. Por onde, no Evangelho se diz que, consumada toda tentação, o diabo abandonou a Cristo; por algum tempo. E a razão disto é dupla. Uma se funda na divina clemência; pois, como Crisóstomo diz, o diabo não tenta os homens pelo tempo que quer, mas pelo que Deus permite; e Deus, depois de lhe ter permitido tentar, por um tempo, repele-o, por causa da fraqueza da nossa natureza. A outra razão se funda na astúcia do diabo; e por isso Ambrósio diz, que o diabo teme instar porque evita o mais possível ser derrotado. Mas que às vezes o diabo volte a tentar o que já abandonara, é claro pelo passo do Evangelho: Voltarei para minha casa, donde saí.
Donde se deduzem as respostas às objeções.
(Supra. q. 110. a. 4, ad. 2; IIª IIae, q. 178 a. 1, ad. 2; a. 2; II Sent., dist. VII, q. 3, a. 1; De Pot., q. 6, a. 5; In Matth., cap. XXIV; II Thess., cap. II, lect. II).
O quarto discute-se assim. — Parece que os demônios não podem seduzir os homens com milagres verdadeiros.
1. — Pois, os demônios terão especial influência nas obras do Anticristo. Mas diz o Apóstolo: A vinda dele é por obra de Satanás com todo o poder, e com sinais e prodígios mentirosos. Logo, com maior razão, em outros tempos, os fatos demoníacos maravilhosos não passarão de mentiras.
2. Demais. — Os verdadeiros milagres se realizam com alguma imutação nos corpos. Ora, os demônios não podem mudar a natureza de um corpo em outro: pois, diz Agostinho: Por nenhuma razão acreditarei que o corpo humano possa vir a ser verdadeiramente convertido em corpo de animal, por arte ou poder dos demônios. Logo, estes não podem fazer verdadeiros milagres.
3. Demais. — O argumento que pode referir-se a dois termos opostos não tem eficácia. Se pois milagres verdadeiros pudessem ser feitos pelos demônios para persuadir à falsidade, não poderiam ser eficazes para confirmar a verdade da fé. O que é inadmissível, conforme à Escritura: Cooperando com eles o Senhor, e confirmando a sua pregação com os milagres que a acompanhavam.
Mas, em contrário, diz Agostinho: pelas artes mágicas se fazem milagres muito semelhantes aos feitos pelos servos de Deus.
Solução. — Como resulta do já dito, milagres, em sentido próprio, não nos podem fazer os demônios nem nenhuma criatura, mas só Deus; porque o milagre propriamente dito vai contra a ordem de toda a natureza, cuja ordem compreende todas as virtudes criadas. Porém, chama-se milagre, em sentido lato, ao que excede à faculdade e à razão humanas. E assim os demônios podem fazer milagres, que enchem os homens de estupefação, porque excedem à faculdade e ao conhecimento destes. Pois também qualquer homem, quando faz algo que excede a faculdade e o conhecimento de outro, provoca o espanto deste, com a sua obra, de modo que parece, de certo modo, fazer milagre. Mas devemos saber que, embora essas obras dos demônios, que nos parecem milagres, não realizem a verdadeira essência destes, contudo eles fazem às vezes coisas verdadeiras. Assim os mágicos do Faraó, por virtude dos demônios fizeram serpentes e rãs verdadeiras. E, como diz Agostinho, quando caiu o fogo do céu e de um ímpeto consumiu a família de jó, com seus rebanhos; e um turbilhão destruiu-lhe a casa e lhe matou os filhos, essas foram obras de Satanás e não fantasmagorias.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como diz Agostinho, as obras do Anticristo podem se chamar sinais de mentira, quer porque há-de enganar com fantasmagorias os sentidos mortais, de modo a parecer realizar o que não realiza; quer porque, sendo os prodígios verdadeiros, arrastarão porém ao engano os que neles crerem.
Resposta à segunda. — Como já se disse antes, a matéria corpórea não obedece à vontade dos anjos bons ou maus, de modo que os demônios possam pela sua virtude transmutar a matéria de uma forma para outra. Mas podem aplicar certos germes existentes nos elementos do mundo, para realizar tais efeitos, como diz Agostinho. Por onde deve-se dizer, que todas as transmutações das coisas corpóreas, que podem ser feitas por algumas virtudes naturais, entre as quais estão os referidos germes, podem ser feitas por operação dos demônios, com aplicação desses germes; assim quando certas coisas são transmutadas em serpentes ou rãs, seres que podem ser gerados por putrefação. Porém as transmutações das coisas corpóreas, que não podem ser feitas por virtude da natureza, de nenhum modo podem ser realizadas por operação dos demônios, na verdade da expressão. E se às vezes algo de tal parece ser feito, por operação dos demônios, isso não se dá real, mas só aparentemente, o que pode acontecer de duplo modo. De um, interiormente; assim o demônio pode mudar a fantasia do homem e mesmo os sentidos corpóreos, de maneira que uma coisa pareça diversa do que é, como já se disse. E isto também se pode considerar como feito às vezes por virtude de certos agentes corpóreos. De outro modo, exteriormente. Pois assim como o demônio pode formar, do ar, um corpo de qualquer forma ou figura, de modo que, assumindo-o, apareça visivelmente, pela mesma razão pode revestir qualquer coisa de uma forma corpórea, de modo que seja visto, na figura desta. E é o que diz Santo Agostinho: a fantasia do homem, mesmo quando este pensa ou sonha, varia conforme os inumeráveis gênios das causas e, como corporificada na imagem de algum animal, aparece aos outros sentidos entorpecidos. O que significa, não que a virtude fantástica do homem, ou uma espécie da mesma, corporificada e com ela numericamente idêntica, seja manifestada aos sentidos de outrem, mas que o demônio, que forma uma certa espécie, na fantasia de um homem, também pode apresentar outra espécie semelhante aos sentidos de outro homem.
Resposta à terceira. — Como diz Agostinho, quando os magos fazem as mesmas causas que os santos, fazem-nas com fim e por direito diverso. Pois aqueles as fazem, buscando a glória própria; estes, a de Deus. Aqueles, por um como comércio privado; estes porém por pública ordem e mandado de Deus, a quem estão sujeitas todas as criaturas.
(Iª IIae, q. 80, a. 4; De Maio, q. 3, a. 5).
O terceiro discute-se assim. — Parece que todos os pecados procedem da tentação do diabo.
1. — Pois, diz Dionísio, que a multidão dos demônios é a causa de todos os males, próprios e dos outros. E Damasceno: todas as malícias e todas as imundícies são excogitadas pelo diabo.
2. Demais. — De qualquer pecador pode-se dizer o que o Senhor diz dos Judeus: Vós tendes por pai o demônio. Ora, isto é porque pecavam por sugestão do diabo. Logo, desta sugestão vem todo pecado.
3. Demais. — Assim como os anjos são deputados à guarda dos homens, assim os demônios, à luta. Ora, todo o bem que fazemos procede da sugestão dos bons anjos, porque mediante anjos é que recebemos os dons divinos. Logo, também todo o mal que fazemos provém da sugestão do diabo.
Mas, em contrário, se disse: Nem todas as nossas más cogitações são excitadas pela instigação diabólica mas às vezes nascem do movimento do nosso arbítrio.
Solução. — De dois modos se pode considerar uma coisa: direta e indiretamente. Indiretamente, quando um agente causa uma disposição para determinado efeito, diz-se que é ocasional e indiretamente a causa desse efeito; assim, se se disser que o que seca a madeira é a ocasião da combustão da mesma. E deste modo deve-se dizer que o diabo é a causa de todos os nossos pecados, por ter instigado o primeiro homem a pecar, donde resultou, para todo o gênero humano, inclinação para todos os pecados. E neste sentido devem-se entender as palavras aduzidas de Damasceno e Dionísio, na primeira objeção. — Diretamente porém considera-se causa o que obra algum efeito, de modo direto. E então o diabo não é a causa de todos os pecados, pois nem todos são cometidos à instigação dele, mas muitos procedem da liberdade do arbítrio e da corrupção da carne. Porque, como diz Orígenes, mesmo que o diabo não existisse, os homens teriam desejo de alimentos, dos atos venéreos e coisas semelhantes; ora, em relação a tais coisas há muito desregramento se tais desejos não forem refreados pela razão, e, máxime, suposta a corrupção da natureza. Ora, refrear e ordenar esses desejos cai sob a alçada do livre arbítrio. Por onde, não é necessário que todos os pecados procedam da instigação diabólica. Mas se porventura alguns procederem dessa instigação para os cometer, os homens são atualmente enganados pelas mesmas blandícias com que o foram os nossos primeiros pais, como diz Isidro.
Donde se deduz a resposta à primeira objeção.
Resposta à segunda. — Pecados perpetrados sem instigação diabólica tornam, contudo, os homens filhos do diabo, enquanto o imitam a ele, o primeiro pecador.
Resposta à terceira. — O homem pode por si mesmo cair em pecado; mas, não pode obter mérito senão pelo auxílio divino, dado ao homem pelo ministério dos anjos. E por isso os anjos cooperam para todos os nossos bens, mas nem todos os nossos pecados procedem da sugestão dos demônios, embora não haja nenhum gênero de pecados que às vezes não provenham dessa sugestão.
(II Sent., dist. XXI, q. 1, a. 1; Opusc. VII, Exposit. Orat. Dom., petit. VI; in Math., cap. IV; I Thess., cap. I lect. Unic.: Hebr., cap. XI, lect. IV).
O segundo discute-se assim. — Parece que tentar não é próprio do diabo.
1. — Pois, a Escritura diz que Deus tenta: Tentou Deus a Abraão. Também a carne e o mundo tentam; e dize-se ainda que o homem tenta a Deus e a outro homem. Logo, não é próprio do demônio tentar.
2. Demais. — O ignorante é que tenta. Ora, os demônios sabem o que devem fazer em relação aos homens. Logo não tentam.
3. Demais. — A tentação é via para o pecado. Ora este reside na vontade. Portanto, como os demônios não podem imutar a vontade do homem, segundo já se estabeleceu, resulta que deles não é próprio tentar.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Não vos haja tentado aquele que tenta: ao que, a Glossa: i. é, o diabo, cujo ofício é tentar.
Solução. — Tentar propriamente é experimentar alguma coisa; e se experimenta para que se saiba algo dessa coma; sendo por isso o fim próprio de quem tenta, a ciência. Mas, às vezes busca-se ulteriormente pela ciência algum outro fim, bom ou mau; bom, quando se quer conhecer alguém, quanto à ciência ou à virtude, para fazê-lo progredir; mau, quando é para o enganar ou prejudicar. E deste modo pode-se compreender como tentar é diversamente atribuído a diversos. — Assim, diz-se que o homem tenta às vezes só para saber; e então tentar a Deus é pecado, porque o homem, como se estivesse incerto, presume experimentar a virtude de Deus. Outras vezes porém tenta para ajudar. Outras enfim para prejudicar. O diabo porém sempre tenta para prejudicar, fazendo cair em pecado. E por isso, diz-se que o ofício próprio dele é tentar; pois, embora também o homem às vezes tente assim, ele o faz como ministro do diabo. — Ao passo que quando se diz que Deus tenta, para saber, isso significa que faz os outros saberem. E por isso diz a Escritura: O Senhor vosso Deus vos tenta, para se fazer manifesto se o amais ou não. — Diz-se porém que a carne e o mundo tentam, instrumental ou materialmente, i. é, enquanto se pode conhecer um homem, porque seguir ou rejeitar as concupiscências da carne, e desprezar prosperidades ou adversidades do mundo; coisa de que o diabo também se serve, para tentar.
Donde se deduz a resposta à primeira Objeção.
Resposta à segunda. — Os demônios sabem o que fazem, exteriormente, em relação aos homens; mas a condição interior do homem pela qual uns são mais inclinados a tal vício que a tal outro, só Deus, ponderador dos espíritos, a conhece. Por onde, o diabo explora a condição interior do homem, para tentá-lo no vício a que este é mais inclinado.
Resposta à terceira. — O demônio, embora não possa imutar a vontade, pode contudo, como já se estabeleceu, imutar de certo modo as virtudes inferiores do homem, que, embora não coajam a vontade, contudo a inclinam.
(Supra, q. 64, a. 4).
O primeiro discute-se assim. — Parece que os homens não são atacados pelos demônios.
1. — Pois os anjos Deus os envia como deputados, à guarda dos homens. Ora, os demônios não são enviados por Deus, porque a intenção deles é perder as almas, enquanto que a de Deus é salvá-las. Logo, os demônios não são deputados a atacar os homens.
2. Demais. — Não há igualdade de condição na luta do fraco contra o forte, do ignaro contra o astuto. Ora, ao passo que os homens são fracos e ignaros, os demônios são poderosos e astutos. Logo, Deus, autor de toda justiça, não pode permitir que os homens sejam atacados pelos demônios.
3. Demais. — Para exercitar o homem bastam os ataques da carne e do mundo. Ora, Deus permite que os seus eleitos sejam atacados, para exercício deles. Logo, não é necessário que sejam atacados pelo demônio.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Nós não temos que lutar contra a carne e o sangue; mas sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares.
Solução. — Duas coisas se devem considerar em relação ao ataque dos demônios: o ataque em si, e a ordem dele. — O ataque, em si, procede da malícia dos demônios que, por inveja, esforçam-se por opor obstáculos ao homem adiantando em perfeição: e pela soberba, usurpam a semelhança do divino poder deputando determinados ministros seus a atacarem os homens, assim como os anjos são ministros de Deus, exercendo determinadas funções, para a salvação dos mesmos. — Por outro lado, a ordem mesma do ataque procede de Deus, que sabe servir-se ordenadamente dos males para deles tirar o bem. — Quanto aos anjos porém tanto a guarda, como a ordem dela dependem de Deus, como do autor primeiro.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os maus anjos atacam os homens de dois modos. — Instigando-os ao pecado; e então não são mandados por Deus, para atacar, mas tal lhes permitem às vezes os justos juízos de Deus. — Outras vezes porém atacam os homens, para os punir: e então são mandados por Deus; assim, foi mandado o espírito da mentira para punir Acabe, rei de Israel, conforme a Escritura; pois, a pena depende de Deus, como do seu autor primeiro. Contudo, os demônios mandados para punir punem com intenção diferente daquela pela qual foram mandados; pois punem por ódio ou por inveja, embora Deus os tivesse mandado pela sua justiça.
Reposta à segunda. — Por não haver igualdade de condição na luta é que há compensação da parte do homem; principalmente, pelo auxílio da graça divina e, secundariamente, pela guarda dos corpos. Por onde, segundo a Escritura, Eliseu disse ao seu ministro: Não temas; muitos mais estão conosco do que com eles.
Resposta à terceira. — Bastariam para a fraqueza humana, os ataques da carne e do mundo, como exercitação; mas não bastam, para malícia dos demônios, que usam de ambos para atacar os homens. Contudo, por ordenação divina, isso redunda em glória dos eleitos.
Em seguida deve-se tratar do ataque dos demônios.
E sobre esta questão cinco artigos se discutem: