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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 5 — Se das espécies sacramentais pode provir alguma geração.

O quinto discute-se assim. — Parece que das espécies sacramentais nada pode ser gerado.
 
1. — Pois, o gerado, de alguma matéria o é, porque do nada é gerado, embora do nada possa provir o ser, por criação. Ora, as espécies sacramentais nenhuma outra matéria têm a não ser o corpo de Cristo, que é incorruptível. Logo, parece que das espécies sacramentais nada pode ser gerado.
 
2. Demais. — Coisas que não são do mesmo gênero não podem provir umas das outras; assim, da brancura não procede a linha. Ora, o aciden­te e a substância diferem genericamente. Logo, as espécies sacramentais, sendo acidentes, parece que delas nenhuma substância pode ser gerada.
 
3. Demais. — A substância corpórea que delas for gerada há de ter acidentes. Se, portan­to das espécies sacramentais for gerada alguma substância corpórea, necessàriamente do aciden­te será gerada a substância e o acidente, isto é, dois, de um; o que é impossível. Logo, é impossível, das espécies sacramentais ser gerada uma subs­tância corpórea.
 
Mas, em contrário, pelos sentidos podemos aprender que certos seres são gerados, das espé­cies sacramentais, ou cinzas, se forem queima­das; ou vermes, se se putrefizerem; ou pó, se fo­rem trituradas.
 
SOLUÇÃO. — Sendo a corrupção de um ser a geração de outro, como diz Aristóteles, necessa­riamente alguma geração há de provir, das es­pécies sacramentais corruptas, como dissemos. Pois, não se corrompem de modo a desaparece­rem totalmente, quase reduzidas ao nada; mas manifestamente lhes sucede um corpo sensível. Como, porém, delas pode algum ser gerar-­se, é difícil compreender. Pois, como é manifesto, do corpo e do sangue de Cristo, que aí verdadei­ramente estão nada é gerado, por serem as es­pécies sacramentais incorruptíveis. Se, pois, a substância do pão ou do vinho permanecesse neste sacramento, ou a matéria deles, seria fácil compreender que deles é gerado o sensível que lhes sucede, como certos afirmaram. Mas isto é falso, como estabelecemos. Por isso disseram outros, que as causas ge­radas não o são das espécies sacramentais, mas do ar circunstante. - O que por muitas razões aparece ser impossível. - Primeiro, porque o ser delas gerado aparece logo como alterado e cor­rupto. Ora, nenhuma alteração ou corrupção se manifestou antes, no ar circunstante. Por onde daí não se poderiam gerar vermes ou cinzas. ­Segundo, porque a natureza do ar não é tal, que dele, por tais alterações, sejam gerados tais seres. - Terceiro, porque pode dar-se que em grande quantidade sejam queimadas ou putrefatas hóstias consagradas, nem seria possível uma tão grande quantidade de corpo térreo ser gerado do ar, sem que este se tornasse de uma grande e muito sensível espessidão. - Quarto, porque o mesmo poderia dar-se com os corpos sólidos cir­cunstantes, como o ferro ou as pedras, que per­manecem intactos depois da geração dos referi­dos corpos. Por onde, essa posição não pode manter-se, por contrariar o que manifestamente apa­rece aos sentidos.
 
Por isso outros disseram, que, corrompendo-­se as espécies, reaparece a substância do pão e do vinho; e assim, reaparecendo a substância do pão e do vinho são geradas as cinzas, ou os ver­mes ou matérias semelhantes. - Mas esta posi­ção deve ser tida como insustentável. - Primei­ro, porque se a substância do pão e do vinho se convertem no corpo e no sangue de Cristo, como dissemos, não pode a substância do pão ou do vi­nho reaparecer, a não ser que o corpo ou o san­gue de Cristo de novo se convertem na substân­cia do pão ou do vinho, o que é impossível; assim como, se o ar se convertesse no fogo, não poderá o ar retornar, senão convertendo-se de novo o fogo em ar. Uma vez aniquilada porem a substân­cia do pão ou do vinho, não pode voltar de novo; porque o ser reduzido ao nada não pode tornar-­se no mesmo que numericamente era. Salvo se se disser, que as referidas substâncias voltam por­que Deus cria de novo outra nova substância, em lugar da primeira. - Segundo isso é impossível, porque não podemos determinar quando reapa­reça a substância do pão. Pois, é manifesto, pelo sobredito, que permanecendo as espécies do pão e do vinho, permanece o corpo e o sangue de Cristo, que não existem simultaneamente com a substância do pão e do vinho neste sacramen­to, segundo o que estabelecemos. Por onde a substância do pão e do vinho não pode voltar, permanecendo as espécies sacramentais. Do mes­mo modo, nem quando elas desaparecem, porque já a substância do pão e do vinho existiria sem os acidentes próprios, o que é impossível Salvo se se disser que volta, no último instante mesmo da corrupção das espécies, não por certo a subs­tância do pão e do vinho - porque esse instante mesmo é o em que começam a existir as subs­tâncias geradas das espécies -, mas a matéria do pão e do vinho, da qual, propriamente falan­do, diríamos que foi antes criado de novo, do que voltou. E, nesta interpretação, poderia ser sus­tentada a referida posição. Mas, não é racional admitir-se nenhum mi­lagre neste sacramento senão em virtude mesmo da consagração, e esta não faz a matéria ser criada nem retornar à existência. Por isso é me­lhor dizer que a própria consagração faz mila­grosamente com que a quantidade dimensiva do pão e do vinho seja o sujeito primeiro das for­mas subsequentes. Ora, isto é próprio da matéria. Por onde e consequentemente, a essa referida quantidade dimensiva é atribuído tudo o perti­nente à matéria. Portanto, tudo o que poderia ser gerado da matéria do pão ou do vinho, se ela fosse a existente, isso mesmo poderia ser gerado da quantidade dimensiva do pão ou do vinho, não por um novo milagre, mas em virtude do milagre anteriormente feito.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora ai não exista a matéria de que um ser é gerado, contudo a quantidade dimensiva faz as vezes da matéria, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essas espécies sacra­mentais não são, por certo, acidentes; têm po­rém a atividade e a virtude da substância, como se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. – A quantidade dimen­siva do pão e do vinho conserva a natureza pró­pria, e recebe milagrosamente a virtude e a pro­priedade da substância. Por isso, pode se transformar em uma e outra, isto é, na substância e na dimensão.

Art. 4 — Se as espécies sacramentais podem corromper-se.

O quarto discute-se assim. — Parece que as espécies sacramentais não podem corromper-se.
 
1. — Pois, a corrupção resulta de separar-se a forma, da matéria. Ora, assim como a matéria do pão permanece neste sacramento, como se disse. Logo, tais espécies não podem corromper-­se.
 
2. Demais. — A corrupção do sujeito não acarreta senão acidentalmente a corrupção da forma; por isso as formas por si subsistentes são incorruptíveis, como demonstram as, substâncias espirituais. Ora, as espécies sacramentais são for­mas sem sujeito. Logo, não podem corromper-se.
 
3. Demais. — Se as espécies sacramentais se corromperem, se-lo-á natural ou milagrosamente. Ora, naturalmente, não porque não têm elas nenhum sujeito de corrupção, que permaneça consumada a corrupção. Nem tão pouco milagrosamente, porque os milagres que se realizam neste sacramento se fazem em virtude da consagração, pela qual se conservam as espécies sacra­mentais; mas, a conservação e a corrupção não têm a mesma causa. Logo, de nenhum modo as espécies sacramentais podem corromper-se.
 
Mas, em contrário, os nossos sentidos perce­bem quando as hóstias se putrefazem e corrom­pem.
 
SOLUÇÃO. — A corrupção é um movimento do ser para o não ser. Ora, como dissemos, as espé­cies sacramentais conservam o mesmo ser que antes tinham quando existiam as substâncias do pão e do vinho. Portanto, assim como a substân­cia desses acidentes podia corromper-se, quando existiam as substâncias do pão e do vinho, assim também o pedem desaparecidas essas substân­cias. Ora, esses acidentes podiam primeiro, corromper-se de dois modos: essencial e acidental­mente. - Essencialmente, como pela alteração das qualidades, e pelo aumento ou diminuição da quantidade. Não, certo, ao modo do aumento ou diminuição de que só os corpos animados são susceptíveis, e tais não são as substâncias do pão nem a do vinho mas por adição ou divisão. Pois, como diz Aristóteles, pela divisão uma dimensão se corrompe e se torna em duas; pela adição, ao contrário, de duas se faz uma só. E deste modo, manifestamente podem corromper-se tais aci­dentes, depois da consagração. Porque a própria quantidade dimensiva remanescente é susceptível de divisão e de adição; e sendo sujeito de quali­dades sensíveis, como dissemos, pode também ser o sujeito da alteração delas, como, por exemplo, se se alterasse a cor ou o sabor do pão e do vinho. ­De outro modo, poderiam corromper-se aciden­talmente, pela corrupção do sujeito. E, desta ma­neira, podem corromper-se mesmo depois da con­sagração. Embora, pois, o sujeito não permaneça, permanece porem o ser que tais acidentes te­nham no sujeito, ser próprio e conforme a esse sujeito. Por onde, esse ser pode corromper-se por força de um agente contrário, assim como se cor­rompia a substância do pão ou do vinho; a qual também não se corrompia, senão por alteração precedente dos acidentes.
 
Devemos porém distinguir entre esses dois modos das referidas corrupções. Pois o corpo e o sangue de Cristo, sucedendo-se neste sacramento à substância do pão e do vinho, desde que os aci­dentes sofram uma alteração tal, que não bastas­se a corromper o pão e o vinho, por causa dessa alteração não deixa o corpo e o sangue de Cristo de estar neste sacramento. Quer a alteração se opere no concernente à qualidade, por exemplo, quando se muda um pouco a cor ou o sabor do pão e do vinho; Quer no concernente à qualidade, como quando se divide o pão ou o vinho em partes tais, que ainda possam conservar a natureza do pão ou do vinho. Se porem a alteração for tão gran­de, a ponto de corromper-se a substância do pão ou do vinho, o corpo e o sangue de Cristo não permanecem neste sacramento. E isso, quer no tocante às qualidades, como quando de modo tal alteram-se a cor, o sabor e outras qualidades do pão e do vinho, que já não podem com essa alte­ração conservar·se a natureza de um ou de ou­tro. Ou também no tocante à qualidade, por exemplo, se o pão se reduzisse a pó ou o vinho se dividisse em partes tão diminutas, que já não permitissem as espécies deste ou de aquele.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. ­É da essência da corrupção destruir a substância do ser. Por onde, enquanto o ser de uma forma permanece unido à matéria, é consequência da corrupção o separar-se a forma, da matéria. Se, porém tal, ser não existisse unido à matéria, mas fosse semelhante ao que a ela está unido, pode­ria a forma ser destruída pela corrupção, mesmo sem a existência da matéria, e é o que se dá neste sacramento, como do sobredito se colhe.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As espécies sacramen­tais, embora sejam formas sem matéria, conser­vam, contudo o ser que antes na matéria tinham.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A corrupção dessas espécies não é milagrosa, mas natural. Pressu­põe, contudo o milagre feito na consagração, a sa­ber, que essas espécies sacramentais conservam o ser, sem sujeito, que antes tinham num sujeito: assim como um cego milagrosamente ilumi­nado vê de maneira natural.

Art. 3 — Se as espécies remanescentes neste sacramento podem alterar a matéria exterior.

O terceiro discute-se assim. — Parece que as espécies remanescentes neste sacramento não po­dem alterar a matéria exterior.
 
1. — Pois, como Aristóteles o prova, as for­mas unidas à matéria são produzidas por outras também na matéria existentes, e não por formas sem matéria; porque o semelhante produz o seu semelhante. Ora, as espécies sacramentais são espécies sem matéria; pois, remanescem sem su­jeito, como do sobre dito se colige. Logo nenhuma alteração podem causar na matéria exterior, in­fundindo-lhe alguma forma.
 
2. Demais. — Cessada a ação do agente principal, necessàriamente cessa a ação do instrumento. Assim, cessada a ação do ferreiro, cessa a do martelo. Ora, todas as formas aciden­tais agem como instrumentos, em virtude da forma substancial, agente principal. Logo, não per­manecendo neste sacramento a forma substan­cial do pão nem a do vinho, como se demonstrou, resulta que as formas acidentais remanescentes não podem alterar a matéria exterior.
 
3. Demais. — Nenhum ser age mais do que o permite a sua espécie, porque o efeito não pode ser superior à causa. Ora, todas as espécies sa­cramentais são acidentes. Logo, não podem alte­rar a matéria exterior, pelo menos na forma substancial.
 
Mas, em contrário, se não pudessem alterar a matéria exterior, não poderiam ser percebidas; ora, um objeto é percebido porque o sentido é alterado pelo sensível, como diz Aristóteles.
 
SOLUÇÃO. — Todo ser, agindo enquanto atual, resulta por consequência que cada ser, assim como existe, assim age. Ora, segundo o que foi dito, as espécies sacramentais o poder divino permite que conservem o ser que tinham, en­quanto existia a substância do pão e a do vinho. Logo, também lhes permite conservem a sua atividade. Por onde, todas ação que podiam exercer enquanto existia a substância do pão e a do vinho, continuam a podê-lo, quando as subs­tâncias do pão e do vinho se transformaram no corpo e no sangue de Cristo. Não há, portanto nenhuma dúvida, que podem alterar os corpos externos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As espécies sacramentais, embora sejam formas existentes sem matéria, conservam contudo, o mesmo ser que tinham anteriormente na maté­ria. Logo, têm um ser assimilável às formas existentes na matéria.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A ação da forma aci­dental depende da ação da forma substancial, assim como o ser do acidente depende do da substância. Por onde, assim como por virtude di­vina as espécies sacramentais podem existir sem a substância, assim também podem agir sem a forma substancial, por virtude de Deus, de quem, como do agente primeiro depende totalmente a atividade da forma, tanto substancial como acidental.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A alteração sofrida pela substancial não é operada pela forma subs­tancial imediata, mas mediante as qualidades ativas e passivas, que agem em virtude da forma substancial. Ora, essa virtude instrumental se conserva nas espécies sacramentais, por virtude divina, como era dantes. Por isso podem agir como instrumento, para armar uma forma subs­tancial. Por cujo modo, um ser pode agir ultrapassando a sua espécie, não por virtude própria, mas em virtude do agente principal.

Art. 2 — Se neste sacramento a quantidade dimensiva do pão ou do vinho é sujeito dos outros acidentes.

O segundo discute-se assim. — Parece que neste sacramento quantidade dimensiva do pão e do vinho não é o sujeito dos outros acidentes.
 
1. — Pois, não há acidente de acidente, por­que nenhuma forma pode ser sujeito, por ser próprio da matéria o estar sujeita. Ora, a quan­tidade dimensiva é um acidente. "Logo, a quanti­dade dimensiva não pode ser o sujeito dos outros acidentes.
 
2. Demais. — Assim como a quantidade se individua pela substância, assim também os ou­tros acidentes. Se, portanto a quantidade dimen­siva do pão e do vinho permanecer individuada no ser que antes tinha, no qual se conserva, pela mesma razão também os outros acidentes per­manecem individuado no ser que antes tinham na substância. Logo, não estão na quantidade di­mensiva como sujeito, pois, todo acidente se in­dividua pelo seu sujeito.
 
3. Demais. — Entre os outros acidentes do pão e do vinho remanescentes, os nossos sentidos aprendem também a rarefação e a conden­sação. Os quais não podem existir na quantida­de dimensiva existente fora da matéria, pois, rarefeito é o que tem pouca matéria, sob grandes dimensões, e condensado, o que tem muita ma­téria, sob pequenas dimensões, como diz Aristó­teles. Logo, parece que a quantidade dimensiva não pode ser sujeito dos acidentes remanescentes neste sacramento.
 
4. Demais. — A quantidade separada do su­jeito é a quantidade matemática, que não é sujeito de qualidades sensíveis. Ora, os acidentes remanescentes, neste sacramento sendo sensíveis, parece que não podem estar, como no sujeito, na quantidade do pão e do vinho, remanescente de­pois da consagração.
 
Mas, em contrário, as qualidades não são di­visíveis, senão por acidente, isto é, em razão do su­jeito. Ora, as qualidades remanescentes neste sa­cramento são susceptíveis das divisões da quan­tidade dimensiva, como os nossos sentidos o revelam. Logo, a quantidade dimensiva é o sujeito dos acidentes remanescentes neste sacramento.
 
SOLUÇÃO. — É forçoso admitir que os outros acidentes remanescentes neste sacramento têm como sujeito a quantidade dimensiva do pão e do vinho, que permanecem. Primeiro, porque os nossos sentidos aí per­cebem um ser colorido e afetado pelos outros acidentes, e nisso não se enganam. Segundo, porque a primeira disposição da matéria é a quantidade dimensiva; por isso disse Platão que as diferenças primeiras da matéria são o grande e o pequeno. E sendo a matéria o sujeito primeiro, resulta por consequência, que todos os outros acidentes se referem ao sujeito, mediante a quantidade dimensiva, sendo assim que dizemos ser a superfície o sujeito da cor. Donde veio o terem certos considerado as di­mensões como as substâncias dos corpos. E como, desaparecido o sujeito, permanecem os aciden­tes com o ser que antes tinham é consequente que todos os acidentes remanescem, fundados na quantidade dimensiva.
 
Terceiro, porque, sendo o sujeito o princípio da individuação dos acidentes, necessàriamente será de algum modo princípio de individuação de certos acidentes o que é considerado sujeito deles. Pois, é da essência do indivíduo não poder existir em vários seres. Por duas razões. Primei­ro, por lhe não ser natural existir em outro ser; e deste modo as formas imateriais separadas e por si subsistentes se individuam por si mesmas. Se­gundo, porque apesar de à forma substancial ou a acidental lhe ser natural existir em outro ser, contudo não lhe é natural existir vários; tal uma determinada brancura de um determinado corpo. Ora, quanto ao primeiro modo, a matéria é o princípio de individuação de todas as formas que a ela se unem. Pois, sendo natural a essas formas, por essência, existirem em outro ser como no su­jeito, no qual uma delas é recebida na matéria, que não é unida a outro ser, por isso mesmo também não pode unir-se a outro ser essa forma assim exis­tente. Quanto ao segundo modo, devemos dizer que o princípio de individuação é quantidade dimensiva. Pois, o que toma um ente naturalmente existente em um s6 jeito é o ser em si mesmo indiviso e dividido em todos os outros. Ora, a divisão recai sobre a substância em razão da quantidade, como ensina Aristóteles.
 
Por onde, a quantidade dimensiva é um determi­nado princípio de individuação, nessas formas; isto é, enquanto formas numericamente diversas estão unidas a partes diversas da matéria. Por isso, também a quantidade dimensiva tem, em si mes­ma, uma certa individuação, de modo que po­demos imaginar várias linhas da mesma espécie diferentes pela posição, resultante da quantida­de; pois, a dimensão não é mais do que uma quantidade dotada de posição. Por onde, a quan­tidade dimensiva pode, antes, ser o sujeito dos outros acidentes, que ao inverso.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um acidente não pode por si ser sujeito de outro; pois, não existe por si mesmo. Mas, enquanto existente em outro ser, dizemos que um acidente é sujeito de outro, quando este é recebido pelo sujeito, mediante aquele; neste sentido dizemos que a superfície é o sujeito da cor. Por onde, quando Deus faz um acidente existir por si, pode também ser ele por si o sujeito de outro.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os outros acidentes, mesmo enquanto estavam na substância do pão, eram individuados mediante a quantidade di­mensiva, como dissemos. E assim, é antes a quan­tidade dimensiva o sujeito dos outros acidentes remanescentes neste sacramento, do que inversa­mente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O rarefeito e o con­densado são certas qualidades resultantes dos corpos, quando têm muita ou pouca matéria, em determinadas dimensões; assim como também todos os outros acidentes resultam dos princípios da substância. Por onde, assim como, desapare­cida a substância, por virtude divina se conser­vam os outros acidentes, assim também, desapa­recida a matéria, por virtude divina se conservam as qualidades dela resultante, como a rarefação e a condensação.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A quantidade matemá­tica não abstrai da matéria inteligível, mas da sensível, como diz Aristóteles. Ora, matéria sen­sível se chama a que é sujeito de qualidades sen­síveis. Por onde é manifesto, que a quantidade dimensiva, remanescente neste sacramento sem sujeito, não é a quantidade matemática.

Art. 1 — Se os acidentes remanescem neste sacramento, sem sujeito.

O primeiro discute-se assim. — Parece que os acidentes não remanescem neste sacramento, sem sujeito.
 
1. — Pois, este sacramento da verdade nada deve ter de desordenado ou de enganoso. Ora, existirem acidentes sem sujeito é contra a ordem das coisas, que Deus infundiu na natureza. Logo, parece que supõe uma certa falácia, pois, os acidentes são os sinais da natureza do sujeito. Por­tanto, não há neste sacramento acidentes sem sujeito.
 
2. Demais. — Não pode, mesmo milagrosa­mente, a definição de uma coisa separar-se dela, ou a definição de uma convém a outra; por exemplo, não é possível um homem, enquanto tal, ser ani­mal irracional. Pois, dai resultaria a existência simultânea dos contraditórios, pois, o que sig­nifica o nome de uma coisa é a sua definição, como diz Aristóteles. Ora, o acidente, por defi­nição, deve existir em um sujeito; e a substân­cia, por definição existe por si e não em um su­jeito. Logo, não pode dar-se miraculosamente, que neste sacramento existam acidentes sem sujeito.
 
3. Demais. — Um acidente se individua pelo seu sujeito. Se portanto os acidentes permanecem sem sujeito, neste sacramento, não serão individuais, mas universais. O que evidentemen­te é falso, porque então não seriam sensíveis, mas apenas inteligíveis.
 
4. Demais. — Os acidentes, pela consagra­ção deste sacramento, não são susceptíveis de nenhuma composição. Ora, antes da consagra­ção, não eram compostos nem de matéria e for­ma, nem de essência e existência. Logo, tam­bém depois da consagração, não tem nenhuma dessas composições. O que é inadmissível, porque então seriam mais simples que os anjos, apesar de serem esses acidentes sensíveis. Logo, os aci­dentes não permanecem, neste sacramento sem sujeito.
 
Mas, em contrário, Gregório diz: As espécies sacramentais são as denominações do que antes fora pão e vinho. E assim, não remanescendo a substância do pão e do vinho resulta que tais espécies não tem sujeito.
 
SOLUÇÃO. — Os acidentes do pão e do vinho, que os sentidos apreendem como remanescentes neste sacramento, depois da consagração, não têm como sujeito a substância do pão e do vinho, que não permanece, como dissemos. Nem tão pouco a forma substancial, que não permanece; e se permanecesse, não poderia ser sujeito, como está claro em Boécio. Também é manifesto que tais acidentes não têm como sujeito a substân­cia do corpo e do sangue de Cristo; porque a substância do corpo humano de nenhum modo pode ser afetada por esses acidentes. Nem é possível que o corpo de Cristo, na sua existência gloriosa e impassível, se altere para receber tais qualidades.
 
Certos porém dizem, que têm como sujeito o ar circunstante. - Mas isto não pode ser. Pri­meiro, por não ser o ar susceptível de tais aci­dentes. - Segundo, por não estarem esses aci­dentes onde está o ar; ao contrário, o movimen­to dessas espécies o expulsa. - Terceiro, porque os acidentes não passam de um sujeito para ou­tro, isto é, de modo que um acidente, numerica­mente o mesmo, existente primeiro em um su­jeito, venha depois a existir em outro. Pois, um acidente recebe do seu sujeito a unidade numé­rica. Por onde, não é possível, permanecendo numericamente o mesmo, estar ora em um su­jeito, ora em outro. - Quarto, porque o ar, não podendo então os seus acidentes próprios, teria simultaneamente os próprios e os alheios. - Nem se pode dizer que isso se opera miraculosamen­te em virtude da consagração; porque as pala­vras da consagração não significam tal, e contu­do não obram senão o que significam. Donde se conclui que os acidentes remanes­cem neste sacramento, sem sujeito. O que pode ser feito pelo poder divino. Ora, o efeito, depen­dendo mais da causa primeira que da causa segunda, Deus, causa primeira da substância e dos acidentes, por seu poder infinito pode con­servar a existência do acidente, subtraindo-lhe a substância que lhe dava a existência, como cau­sa própria dela. Assim como também pode Deus produzir os outros efeitos das causas naturais, sem as causas naturais; tal o corpo humano, que formou no ventre da Virgem, sem o sêmen viril.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nada impede ser um ente ordenado segundo a lei comum da natureza, e o seu contrário sê-la segundo um especial privilégio da graça. Tal o que se dá com a ressurreição dos mortos e com a iluminação dos cegos. Pois, também na ordem humana, certas vantagens são concedidas a uns por especial privilegio, fora da lei comum. E assim, embora a ordem comum da natureza exija que o acidente exista no seu sujeito, contudo por uma razão especial, segundo a ordem da graça, os acidentes existem neste sacramento, sem su­jeito, pelas razões supra-aduzidas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O ser, não sendo um gênero, não pode em si mesmo ser a essência da substância ou do acidente. Não é, pois, a defini­ção da substância - ser, por si, sem sujeito, nem a definição do acidente - ser existente num su­jeito. Mas à quididade ou à essência da substân­cia é que cabe ter o ser independente de um su­jeito. A qüididade porém ou à essência do aciden­te é próprio existir num sujeito. Ora, neste sacramento não se diz que haja acidentes que, em virtude da sua essência, não estejam num sujei­to, senão só por ação do poder divino. Por isso não deixam de ser acidentes, pois nem deles se separa a definição do acidente, nem lhes cabe a definição da substância.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os acidentes em ques­tão adquiriram o ser individual na substância do pão e do vinho; convertida esta porem no corpo e no sangue de Cristo, remanescem, por virtude divina, os acidentes no ser individuado que antes tinham. Por onde, são particulares e sensíveis.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Os acidentes em dis­cussão, enquanto permanece a substância do pão e do vinho, não existem por si mesmos, nem os outros acidentes, mas os sujeitos deles é que ti­nham por si mesmos, tal ser. Assim, a neve é branca pela brancura. Mas depois da consagra­ção, os acidentes remanescentes têm eles próprios o ser. Por isso são compostos de essência e de existência, como dissemos na Primeira Parte, ao tratar dos anjos. E, com isso, têm a composição quantitativa das partes.

Questão 77: Dos acidentes remanescentes neste sacramento

Em seguida devemos tratar dos acidentes remanescentes neste sacramento.
 
E nesta questão, discute-se oito artigos:

Art. 8 — Se quando neste sacramento aparece miraculosamente a carne ou um menino, aí está o verdadeiro corpo de Cristo.

O oitavo discute-se assim. — Parece que quando neste sacramento aparece miraculosamente a carne ou um menino, aí não está o ver­dadeiro corpo de Cristo.
 
1. — Pois, o corpo de Cristo deixa de estar neste sacramento, quando deixam de existir as espécies sacramentais, como se disse. Ora, quan­do aparece a carne ou um menino, deixam de existir as espécies sacramentais. Logo, aí não está o verdadeiro corpo de Cristo.
 
2. Demais. — Onde quer que esteja o corpo de Cristo, aí está ou sob a espécie própria ou sob a espécie sacramental. Ora, quando se dão tais aparições, é manifesto que aí não está o corpo de Cristo sob a espécie própria. Pois, neste sacra­mento está Cristo contido totalmente, que per­manece na forma íntegra com que subiu ao céu. E, contudo, o que aparece milagrosamente neste sacramento umas vezes é visto sob a forma de um pequeno corpo, e outras sob a de um menino pequeno. Mas, como é manifesto, também aí não está sob a espécie sacramental, que é a es­pécie do pão ou do vinho. Logo, parece que de nenhum modo aí está o corpo de Cristo.
 
3. Demais. — O corpo de Cristo começa a existir neste sacramento pela consagração e pela conversão, como se disse. Ora, a carne e o sangue milagrosamente aparecidos, não foram consagra­dos nem convertidos no verdadeiro corpo e san­gue de Cristo. Logo, sob tais espécies não está o corpo nem o sangue de Cristo.
 
Mas, em contrário dada à aparição, presta­sse a mesma reverência ao aparecido, que também se prestava à hóstia consagrada. O que se não faria se ai não estivesse verdadeiramente Cristo, a quem prestamos a reverência de latria. Logo, mesmo quando tem lugar tal aparição, Cristo está sob este sacramento.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos pode dar-se essa aparição, pela qual às vezes miraculosamente se vê neste sacramento a carne, o sangue ou também um menino. Assim, às vezes isso se dá da parte dos viden­tes, cuja vista sofre uma tal alteração, como se vissem exterior e expressivamente a carne, ou o sangue ou um menino, sem o sacramento so­frer nenhuma alteração. E isto acontece quando um vê sob a espécie de carne ou de um menino, continuando os outros a ver, como de antes, a espécie do pão; ou quando o mesmo corpo de Cristo é visto primeiro sob a espécie de carne ou de um menino, e depois sob a espécie de pão. Nem isto induz em qualquer engano, como o fazem as prestigitações dos magos; por­que tal espécie é formada por Deus nos olhos, para figurar alguma verdade, isto é, para mani­festar que o corpo de Cristo está verdadeiramen­te sob esse sacramento, assim como também Cristo, sem engano, apareceu aos discípulos que iam para Emaús. Pois, como diz Agostinho, quando a nossa ficção implica um significado, não há mentira, mas uma verdade figurada. E não sofrendo deste modo nenhuma alteração o sacramento, é claro que Cristo não deixa de nele estar, realizada a aparição.
 
Outras vezes porém se dá essa aparição, não pela só alteração nos olhos dos videntes, mas também na forma vista, real e exteriormente. E isto se dá quando todos vêem o corpo de Cristo sob tal espécie, e não momentaneamente, mas permanecendo durante longo tempo. E neste caso, certos dizem que se trata da espécie própria do corpo de Cristo. Nem importa que, às vezes, não seja aí visto todo o corpo de Cristo, mas só uma parte; ou ainda, que não seja visto sob uma figura juvenil, mas em efígie pueril. Pois, está no poder de um corpo glorioso deixar-se ver por olhos não glorificados, total ou parcialmente, e em efígie própria ou alheia, como a seguir se dirá. Mas esta opinião não é admissível. - Pri­meiro, porque o corpo de Cristo não pode ser vis­to da sua figura própria, senão no lugar em que definidamente está. Por onde, sendo contemplado e adorado nos céus, na sua figura própria, não pode ser sob essa mesma figura contemplado neste sacramento. - Segundo, porque o corpo glorioso, que aparece como quer, desaparece quando quer, depois da aparição; assim, refere o Evangelho, que o Senhor desapareceu aos olhos dos discípulos. Ora, o que aparece sob a espécie de carne neste sacramento, permanece longa­mente; e até mesmo, como se lê, foi às vezes en­cerrado e conservado numa pixide, por conselho de muitos bispos; o que não se poderia pensar, de Cristo, na sua figura própria. Por onde, devemos concluir que, enquanto permanecem as dimensões anteriormente exis­tentes, opera-se milagrosamente uma alteração sobre certos acidentes, por exemplo, a figura, a cor e outros semelhantes, de modo a ser vista a carne ou o sangue ou ainda um menino. E, como dis­semos, não há aí nenhum engano; porque isso se dá para figurar uma verdade, isto é, para mos­trar, por essa milagrosa aparição, que no sacra­mento está verdadeiramente o corpo e o sangue de Cristo. Por onde, é claro que, permanecendo as dimensões, fundamentos dos outros acidentes, como depois dizemos permanece o verdadeiro corpo de Cristo neste sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Durante essa aparição, as espécies sacramentais às vezes permanecem totalmente tais quais são; outras vezes porem, só no que têm de principal, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Em tais aparições, como dissemos, não é visto o corpo de Cristo na sua forma própria, mas uma espécie formada mi­lagrosamente ou nos olhos dos videntes, ou então nas próprias dimensões sacramentais, como se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As dimensões do pão e do vinho consagradas permanecem, sofrendo alteração milagrosa só os outros acidentes delas, como se disse.

Art. 7 — Se o corpo de Cristo enquanto está neste sacramento, pode ser visto por certos olhos, ao menos pelos dos glorificados.

O sétimo discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo, enquanto está neste sacramento, pode ser visto por certos olhos, ao menos pelos dos glorificados.
 
1. — Pois, os nossos olhos ficam impedidos de ver o corpo de Cristo, existente neste sacramento, por causa das espécies sacramentais que o velam. Ora, os olhos dos glorificados não sofrem nenhum impedimento que o impedisse de ver quaisquer corpos como são. Logo, os olhos dos glorificados podem ver o corpo de Cristo como está neste sacramento.
 
2. Demais. — Os corpos gloriosos; dos santos serão conformes ao corpo glorioso de Cristo, como diz a Escritura. Ora os olhos de Cristo o vêem a ele tal qual está neste sacramento. Lugo, pela mesma razão, quaisquer outros olhos glorificados podem vê-la.
 
3. Demais. — Os santos na ressurreição serão iguais aos anjos, no dizer do Evangelho. Ora, os anjos vêem o corpo de Cristo tal qual está neste sacramento; pois, mesmo os demônios fo­ram vistos prestar-lhe reverência e temê-lo. Logo, pela mesma razão, os olhos dos glorificados podem vê-la tal como neste sacramento está.
 
Mas, em contrário. - O que existe sempre do mesmo modo não· pode ser visto por ninguém sob espécies diversas. Ora, os olhos dos glorifi­cados sempre vêem a Cristo como ele é em espé­cie, segundo àquilo da Escritura: Verão o rei no seu esplendor. Logo, parece que não vêem a Cristo na espécie que tem neste sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Há duas espécies de olhos: os do corpo, que são propriamente, e os da inteligên­cia, assim chamados por semelhança. Ora, por nenhuns olhos corpóreos pode o corpo de Cristo ser visto tal como está neste sacramento. Primeiro, porque o corpo visível, pelos seus aci­dentes modifica o meio. Ora, os acidentes do corpo de Cristo estão neste sacramento mediante a substância. Mas de modo que os acidentes do corpo de Cristo não têm relação imediata nem com este sacramento, nem com os corpos que o circundam. E assim nenhuma mudança podem causar no meio, de maneira a poderem ser vistos por quaisquer olhos corpóreos. - Segundo, por­que, como dissemos, o corpo de Cristo está neste sacramento a modo de substância. Ora, a subs­tância como tal não é visível pelos olhos do cor­po, nem é perceptível por nenhum sentido, nem mesmo pela imaginação, mas só pelo intelecto, chamado olho do espírito, cujo objeto é a quidi­dade, como diz Aristóteles. - Por onde, propria­mente falando, o corpo de Cristo, pelo modo de ser que tem neste sacramento, não é perceptível nem pelos sentidos nem pela imaginação, mas só pelo intelecto, que são os olhos do espírito. É percebido porém diversamente pelos diversos in­telectos. Pois, o modo de ser pelo qual Cristo está neste sacramento sendo completamente sobre­natural, pelo intelecto sobrenatural, isto é, divino, é em si mesmo visível; e por consequência, pelo intelecto do anjo ou do homem bem-aventu­rados - que, segundo a claridade participada do intelecto divino vêem o sobrenatural - pela visão da essência divina. Mas, pelo intelecto do homem nesta vida, não pode ser visto senão ajudado da fé, pois é assim que também percebe tudo o mais sobrenatural. Mas nem ainda o intelecto angélico, pela suas potências naturais, é capaz dessa visão. Por isso os demônios não po­dem pelo intelecto ver a Cristo neste sacramento, senão com olhos da fé; à qual não assentem voluntàriamente, mas a evidência dos sinais disso os convencem, conforme àquilo da Escritu­ra - os demônios crêem e estremecem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os olhos do nosso corpo ficam pelas espécies sacramentais impedidos de ver o corpo de Cristo sob elas existentes. E não só por nos impedirem, por serem eles uma como cobertura, assim como ficamos impedidos de ver o que está velado por qualquer velame corpóreos; mas porque o corpo de Cristo não tem relação com o meio que cir­cunda este sacramento, mediante os acidentes próprios, senão mediante as espécies sacramen­tais.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os olhos corpóreos de Cristo vêm-no a ele mesmo existente sob o sa­cramento; mas não podem ver o modo mesmo pelo qual existe sob o sacramento, o que só o in­telecto o pode. Mas não há aí símile com a visão dos bem aventurados, porque os olhos mesmos de Cristo estão sob este sacramento, no que com ele não se conformam nenhuns olhos de bem aventurados.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O anjo bom ou mau não pode ver com olhos corpóreos, mas unica­mente com os olhos do intelecto. Logo, não há semelhança de razão, como se infere do que ficou dito.

Art. 6 — Se o corpo de Cristo se moveu, movendo-se o sacramento.

O sexto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo se move, movendo-se o sacramento.
 
1. — Pois, diz o Filósofo, que quando nos movemos, move-se tudo o existente em nós. Isso é verdade, mesmo da substância espiritual da alma. Ora, Cristo está neste sacramento, como se disse. Logo, move-se quando se ele move.
 
2. Demais. — A verdade deve responder à figura. Ora, do Cordeiro Pascal, que era a figura deste sacramento, nada restava até a manhã, como preceituava a Lei. Logo, nem neste sacra­mento, se for conservado para o dia seguinte, estará o corpo de Cristo. Portanto, nele não está de um modo imóvel.
 
3. Demais. — Se Cristo permanecesse neste sacramento até o dia seguinte, pela mesma razão nele permaneceria por todo o tempo subsequente; pois, não se pode dizer que aí cesse de estar de­saparecendo as espécies, porque a existência do corpo de Cristo não depende dessas espécies. Ora, Cristo não permanece neste sacramento por todo o tempo futuro. Logo, parece que já no dia seguinte, ou depois de pouco tempo, deixa de estar neste sacramento. Donde se concluí, que Cristo está neste sacramento, sujeito ao movimento.
 
Mas, em contrário. – Impossível, é um ente estar em movimento e em repouso, porque então, nele se realizariam os contraditórios. Ora, o corpo de Cristo está no céu em repouso. Logo, não está neste sacramento sujeito ao movimento.
 
SOLUÇÃO. — Um ser uno quanto ao seu sujeito, mas multiplo por natureza, nada impede que se mova, de um modo, e permaneça imóvel, de outro. Assim, uma coisa é ser um corpo bran­co e outra, grande; e por isso, pode mover-se no concernente à brancura, e ficar imóvel quanto à grandeza. Ora, Cristo não tem o mesmo ser, em si mesmo e neste sacramento; pois, quando dizemos que está neste sacramento, queremos sig­nificar uma certa relação sua com ele. Por onde, segundo este modo de ser, Cristo não se move nenhuma outra mutação; por exemplo, deixando de nele estar. Pois o ser em si mesmo indefectível não pode ser princípio de defecção; mas quando o ser em que ele está desaparece deixa então de nele estar. Assim Deus, cujo ser é indefectível e imortal deixa de estar em uma criatura corru­ptível quando esta perde o ser. E deste modo, tendo Cristo em si mesmo um ser indefectível e incorruptível, não deixa de estar neste sacramento, nem quando este deixa de existir, nem por se mover localmente, como do sobre dito se mostra, mas só quando as espécies deste sacra­mento deixam de existir. Por onde é claro que Cristo, absolutamente falando, nele está imovel­mente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto ao movimento acidental, em virtude do qual, quando nos movemos tam­bém se move tudo o existente em nós. Mas, o que passa com os seres que por natureza podem estar num lugar, como os corpos, não passa com os que por natureza nele não podem estar como as formas e as substâncias espirituais. E a este modo pode reduzir-se o dizermos que Cristo pode mover-se acidentalmente segundo o ser que tem neste sacramento onde não está como em lugar.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pela razão aduzida foram levados certos, dizendo que o corpo de Cristo não permanece neste sacramento, se for guardado para o dia seguinte. Contra o que diz Cirilo: É uma insanidade a dos que dizem que a mística bênção cessa de existir, em qualquer parte do sacramento, guardada para o dia seguinte. Pois, não se muda o corpo sagrado de Cristo, mas a virtude da bênção e a graça vivifi­cada nele permanecem permanente. Assim como também todas as outras consagrações permane­cem imutáveis, permanecendo as coisas consa­gradas; e por isso não são reiteradas. - Pois, embora a verdade corresponda à figura, contudo esta não poder ser igual a ela.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O corpo de Cristo permanece neste sacramento não só até o dia seguinte, mas também para o futuro, enquanto permanecem as espécies sacramentais. Desapare­cidas elas, sob elas deixa de estar o corpo de Cristo; não que delas dependa, mas por desapa­recer a relação que com elas tem. Por cujo modo Deus deixa de ser Senhor da criatura desapare­cida.

Art. 5 — Se o corpo de Cristo está neste sacramento como em um lugar.

O quinto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo está neste sacramento como em um lugar.
 
1. — Pois, estar em alguma coisa definida ou circunscritivamente, é um modo de estar locativamente. Ora, o corpo de Cristo está defi­nidamente neste sacramento, porque aí está onde estão as espécies do pão ou do vinho, que não estão num outro lugar do altar. E também aí está circunscritivamente, porque de modo está con­tido na superfície da hóstia consagrada, que nem a excede nem é dela excedida. Logo, o corpo de Cristo está neste sacramento como num lugar.
 
2. Demais. — O lugar das espécies do pão não é o vácuo porque a natureza não se compadece com o vácuo. Nem ai está a substância do pão como se estabeleceu mas só o corpo de Cristo. Logo o corpo de Cristo enche esse lugar. Ora, tudo o que enche um lugar, nele está situado localmente. Logo, o corpo de Cristo está neste sacramento localmente.
 
3. Demais. — Como se disse, neste sacra­mento está o corpo de Cristo com a sua quanti­dade dimensiva e com todos os seus acidentes. Ora, estar num lugar é acidente do corpo, por isso a ubicação se enumera entre os nove gêneros de acidentes. Logo, o corpo de Cristo está neste sacramento localmente.
 
Mas, em contrário, lugar e locado devem ser iguais, como está claro no Filósofo. Ora, o lugar onde está este sacramento é muito menor que o corpo de Cristo. Logo, o corpo de Cristo não está neste sacramento como num lugar.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos o corpo de Cristo não está neste sacramento ao modo próprio da quantidade dimensiva, mas antes ao modo da substância. Ora, todo corpo locado está no lugar ao modo da quantidade dimensiva, isto é, enquan­to é comensurado com o lugar segundo a sua quantidade dimensiva. Donde se conclui, que o corpo de Cristo não está neste sacramento como em um lugar, mas ao modo da substância, isto é, do modo pelo qual a substância está contida nas dimensões. Pois, sucede a substância do corpo de Cristo, neste sacramento, à substância do pão. Por onde assim como a substância do pão não estava localmente contida nas suas dimensões, mas ao modo da substância, assim nem o está a substância do corpo de Cristo. Não é porem a substância do corpo de Cristo o sujeito dessas di­mensões, como o era a substância do pão. Por onde, o pão, em virtude das suas dimensões aí estava localmente, porque ocupava um lugar condizente com as próprias dimensões. Ao passo que a substância do corpo de Cristo ocupava esse lugar mediante dimensões alheias; de modo que, inversamente as dimensões próprias do corpo de Cristo ocupam esse lugar mediante a substância. O que é contrário à natureza do corpo locado. Por onde, de nenhum modo o corpo de Cristo está neste sacramento localmente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Cristo não está neste sacramento de maneira de­finida, porque então não estaria a não ser no altar onde o sacramento é celebrado; e contudo está também no céu em espécie própria e em muitos altares sob a espécie sacramental. Seme­lhantemente é também claro que não está neste sacramento circunscritivamente, porque nele não está segundo a comensuração da quantidade própria, como se disse. O que porém não está fora da superfície do sacramento, nem está em outra parte do altar, aí não está definida e circunscri­tivamente, mas aí começa a estar pela consagra­ção e pela conversão do pão e do vinho, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O lugar em que está o corpo de Cristo não está vazio. Nem contudo está propriamente cheio da substância do corpo de Cristo, que aí não está localmente, como se disse. Mas está cheio das espécies sacramentais, que podem ocupar o lugar, ou pela natureza das di­mensões, ou pelo menos miraculosamente, assim como subsistem miraculosamente a modo de substância.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os acidentes do corpo de Cristo estão neste sacramento, segundo se disse, por concomitância real. Por onde, aqueles acidentes do corpo de Cristo estão neste sacra­mento, que lhe são intrínsecos. Ora, estar em um lugar é um acidente relativamente ao continen­te extrínseco. Por isso não está Cristo necessàriamente neste sacramento como num lugar.

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