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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 6 — Se a forma da consagração do pão não produz o seu efeito até que se profira a forma da consagração do vinho.

O sexto discute-se assim. — Parece que a forma da consagração do pão não produz o seu efeito, até que se profira a forma de consagração do vinho.
 
1. — Pois, assim como pela consagração do pão começa o corpo de Cristo a estar neste sacra­mento, assim, pela consagração do vinho come­ça a nele estar o sangue. Se, pois, as palavras da consagração do pão produzissem o seu efeito, antes da consagração do vinho, resultaria neste sacramento a existência do corpo de Cristo, sem o sangue. O que é inadmissível.
 
2. Demais. — Cada sacramento tem o seu complemento; por onde, embora no batismo haja três imersões, contudo a primeira não produz o seu efeito antes de estar terminada a terceira. Ora, todo o sacramento da Eucaristia é uno, como se disse. Logo, as palavras com que se consagra o pão não produzem o seu efeito sem as palavras sacramentais com que é consagrado o vinho.
 
3. Demais. — Na forma mesma da consa­gração do pão há várias palavras, a primeira das quais não produz o seu efeito sem a prolação da última, conforme se disse. Logo e pela mesma razão, nem as palavras com que se consagra o corpo de Cristo têm efeito, senão pronunciadas as com que é consagrado o sangue de Cristo.
 
Mas, em contrário, logo que são pronuncia­das as palavras da consagração do pão, a hóstia consagrada é oferecida à adoração do povo. O que não se daria se nela não estivesse o corpo de Cristo; o contrário constituiria idolatria. Lo­go, as palavras da consagração do pão produzem o seu efeito, antes de proferidas as da consagra­ção do vinho.
 
SOLUÇÃO. — Certos doutores antigos disseram que as duas formas — a da consagração do pão e a do vinho dependem nos seus efeitos uma da outra. De modo que a primeira não produz o seu efeito, antes de proferida a segunda. Mas isto não pode ser. Porque, como dissemos, para ser verdadeira a locução — Isto é o meu corpo — é necessário, por causa do verbo no tempo presente, que a realidade significa da seja simultânea no tempo com a significação mesmo da locução. Do contrário, se se esperasse, como futura, a realidade significada, o verbo seria usa­do no tempo futuro e não no presente. De modo que não se diria — Isto é o meu corpo — mas ­isto será o meu corpo. Pois, o significado desta locução se realiza logo que as suas palavras foram completamente pronunciadas. Por onde, há de a realidade significa da existir desde então, que é o efeito deste sacramento; do contrário a locução não seria verdadeira. — Além disso, a referida opinião encontra o rito da Igreja, que adora o corpo de Cristo imediatamente depois da prolação das palavras. Donde devemos concluir que a primeira forma não depende da segunda para produzir o seu efeito, mas o produz imediatamente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Por essa razão se enganaram os que se colocaram em tal posição. Donde devemos concluir que, feita a consagração do pão, transforma-se ele no corpo de Cristo em virtude do sacramento; e o sangue também, por concomitância real. E em seguida, e inversamente pela consagração do vinho, este se torna no sangue de Cristo; e o corpo também por concomitância real. De modo Que Cristo está todo numa e noutra espécie, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Este sacramento é uno em sua perfeição, como dissemos, por ser cons­tituído de dois elementos, a comida e a bebida. cada um dos quais tem por si a sua perfeição. Ao passo que as três imersões do batismo se ordenam a um único efeito. Logo, o símile não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As diversas palavras da forma da consagração do pão constituem ver­dadeiramente uma só locução; mas não as palavras das diversas formas. Logo, o simile não colhe.

Art. 5 — Se as referidas locuções são verdadeiras.

O quinto discute-se assim. — Parece que as referidas locuções não são verdadeiras.
 
1. — Pois, na expressão — Isto é o meu corpo — o vocábulo — isto — é designativo da substância. Ora, conforme foi dito, quanto se profere o pronome — isto — ainda é existente a substân­cia do pão; porque o transubstanciação se opera no último instante da prolação das palavras. Ora, esta proposição é falsa. — O pão é o corpo de Cristo. Logo, também est’outra o é: Isto é o meu corpo.
 
2. Demais. — O pronome — isto — designa alguma coisa aos sentidos. Ora, as espécies sen­síveis, neste sacramento, nem são o corpo mesmo de Cristo, nem acidentes dele. Logo. esta SOLUÇÃO não pode ser verdadeira — Isto é o meu corpo.
 
3. Demais. — Estas palavras, como se disse, pela sua significação, produzem a conversão do pão no corpo de Cristo. Ora, a causa eficiente nós a concebemos como anterior ao efeito. Logo, a significação dessas palavras se entende com an­terior à conversão do pão nó corpo de Cristo. Ora, antes da conversão, é falsa a preposição — Isto é o meu corpo. Logo, devemos julgá-la como falsa, absolutamente falando. E o mesmo se dá com a locução — isto é o cálice do meu sangue, etc.
 
Mas, em contrário, estas palavras são proferidas da pessoa de Cristo, que de si diz: Eu sou a verdade.
 
SOLUÇÃO. — Nesta matéria são muitas as opiniões. Uns (Inoc. III) disseram que na locução — Isto é o meu corpo — adição — isto — implica uma designação concebida e não, realizada; pois, toda esta locução é tomada materialmente, quanto proferida declarativamente. Assim, o sa­cerdote declara ter dito — Isto é o meu corpo. ­Mas esta opinião é insustentável. Porque, segun­do ela, as referidas palavras não se aplicariam à matéria corporal presente de modo que o sacra­mento não se celebraria. Por isso diz Agostinho: Acrescentou-se a palavra ao elemento e resultou o sacramento. — Nem assim não se evita totalmente a dificuldade desta questão. Pois, as mes­mas dificuldades permanecem relativamente à primeira prolação, com que Cristo proferiu tais palavras. Por onde é claro, que não foram toma­das materiais, mas, significativamente. Donde de­vemos concluir que, mesmo proferidas pelo sa­cerdote, são tomadas significativa e não só ma­terialmente. — Nem atesta que o sacerdote as profira declarativamente, como se fossem ditas por Cristo. Porque, pelo infinito poder de Cristo, assim como pelo contacto da sua carne, a virtude regenerativa foi infundida, não só naquelas águas que o tocaram, mas em todas as águas da terra, por todos os séculos futuros; assim tam­bém, pela prolação do próprio Cristo, as palavras formais adquiriram a virtude de consagrar, ditas seja por que sacerdote for, como se o próprio Cristo fosse quem as pronunciasse. Por isso outros (Alex. Hal.) disseram que a partícula — isto — nesta locução, designa não aos sentidos, mas à inteligência, significando — ­Isto é o meu corpo, isto é, o que isto significa é o meu corpo. — Mas também tal é insustentável. Porque, como, nos sacramentos, o significado é realizado, não estaria por essa forma verdadeira­mente o corpo de Cristo neste sacramento. Mas só como em sinal. O que e herético, como dissemos. E por isso outros disseram que o pronome — isto — faz uma designação aos sentidos; mas essa designação se entende como realizada não no instante da locução em que a partícula é pro­ferida, mas no último instante da locução. Assim como quando dizemos — agora me calo — o advér­bio agora designa o instante imediatamente se­guinte à locução, sendo o sentido — assim que forem ditas essas palavras, calo-me. — Mas também isto é inadmissível. Porque então, o sen­tido da locução discutida seria — o meu corpo é o meu corpo. O que não é o significado da lo­cução, pois, assim já era mesmo antes da prola­ção das palavras. Por onde, nem isso significa a referida locução.
 
Portanto, devemos dizer de outro modo, que, como ficou estabelecido, esta locução tem a vir­tude de operar a conversão do pão no corpo de Cristo. E assim está para as outras locuções, cuja força é apenas significativa e não eficiente como está à concepção do intelecto prático. que é efi­ciente realmente, para a concepção do nosso in­telecto especulativo, derivada das coisas; pois, as vozes são sinais do intelecto, segundo o Filóso­fo. Por onde, assim como a concepção do intelec­to prático não pressupõe a causa concebida, mas a faz, assim, a verdade desta locução não pressu­põe a causa significa da, mas a produz; pois, tal é a relação da palavra de Deus com as coisas feitas pelo verbo. Essa conversão, porém não se opera sucessivamente, mas num instante, como dissemos. Por onde, havemos de entender a refe­rida locução relativamente ao último instante da prolação das palavras. Não, porém supondo, em relação ao sujeito, aquilo que é o termo da conversão, a saber, que O corpo de Cristo seja o corpo de Cristo. Nem também o que existia antes da conversão, a saber, o pão. Mas o que se refere em comum a um e outro, isto é, o conteúdo em geral de essas espécies. Pois, não fazem essas palavras com que o corpo de Cristo seja o corpo de Cristo; nem que o pão seja o corpo de Cristo; mas, que o conteúdo dessas espécies, que antes era pão, seja o corpo de Cristo. Por isso o Senhor não diz sinaladamente — este pão é o meu corpo — o que estaria de acordo com o modo de entender da segunda opinião. Nem — este meu corpo é o meu corpo — o que o estaria com o modo de en­tender da terceira. Mas em geral — Isto é o meu corpo — sem acrescentar nenhum nome relati­vo ao sujeito, mas empregando apenas o prono­me, que significa a substância em geral, sem nenhuma qualidade, isto é, sem forma determi­nada.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A dicção — isto — designa a substância, mas sem determinação da natureza própria, como se disse.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pronome — isto ­não designa os acidentes, mas a substância sob eles contida, o qual de pão, que era, veio a ser o corpo de Cristo, que, embora não informado por esses acidentes, está contudo, contado sob eles.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A significação desta locução se pre-intelige à realidade significada, na ordem da natureza, assim como a causa é na­turalmente anterior ao efeito. Mas não em a or­dem do tempo, pois, esta causa produz simulta­neamente consigo o seu efeito. E isto basta à ver­dade da locução.

Art. 4 — Se as referidas palavras das formas encerram alguma virtude criada, efetiva da consagração.

O quarto discute-se assim. — Parece que as referidas palavras das formas não encerram ne­nhuma virtude criada, efetiva da consagração.
 
1. — Pois, diz Damasceno: Pela só virtude do Espírito Santo se opera a conversão do pão no corpo de Cristo. Ora, a virtude do Espírito Santo é uma virtude incriada. Logo, este sacra­mento não se consuma por nenhuma virtude criada das referidas palavras.
 
2. Demais. — Nenhum poder criado pode fazer obras milagrosas, mas só o poder divino, como se estabeleceu na Primeira Parte. Ora, a conversão do pão e do vinho no corpo e no san­gue de Cristo é obra não menos milagrosa que a criação do mundo ou mesmo que a formação do corpo de Cristo no ventre virginal — causas que nenhum poder criado poderia fazer. Logo, nem este sacramento é consagrado por nenhuma vir­tude criada das referidas palavras.
 
3. Demais. — As referidas frases não são simples, mas compostas de muitas; nem se pro­ferem simultânea, senão sucessivamente. Ora, a conversão discutida se opera instantaneamente, como se disse. Logo, há de fazer-se por uma vir­tude simples e não por virtude das referidas pa­lavras.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Se tão grande poder, tem a palavra de N. S. Jesus Cristo, a ponto de fazer existir o que não existia, com quanto maior razão não é capaz de transformar o ser já existente, em outro? Assim, o que era pão antes da consagração, já é corpo de Cristo, de­pois dela, porque a palavra de Cristo pode mu­dar a criatura.
 
SOLUÇÃO. — Alguns disseram, que as referidas palavras nenhuma virtude criada tem para obrar a transubstanciação, nem as formas dos outros sacramentos, ou mesmo os próprios sacramentos, para produzir os efeitos deles. — Ora, isto como já estabelecemos, repugna às palavras dos Santos e derroga a dignidade dos sacramentos da Lei Nova. Por onde, sendo este sacramento o mais digno de todos, conforme estabelecemos, resulta por consequência, que as suas palavras formais têm uma certa virtude criada para obrar a con­versão que nele se opera. Mas virtude instrumen­tal, como a do outros sacramentos, conforme dis­semos. Ora, sendo as referidas palavras proferi­das em nome de Cristo, por disposição dele rece­bem uma virtude instrumental; assim como os demais atos ou ditos seus tem uma virtude sa­lutífera instrumental, conforme mostramos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O dizer-se que pela só virtude do Espírito Santo o pão se converte no sangue de Cristo, não ex­clui a virtude instrumental, que é a forma deste sacramento. Como o dizer-se que o ferreiro faz uma faca, por si só, não exclui a virtude do mar­telo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Obras milagrosas ne­nhuma criatura pode fazê-las, como agente prin­cipal; pode porém fazê-las como agente instru­mental, como quando o simples contacto da mão de Cristo curou o leproso. E deste modo as pala­vras de Cristo convertem o pão no corpo de Cristo. O que não podia dar-se na concepção, pela qual se formou o corpo de Cristo, de modo que qualquer· ação procedente desse corpo tives­se a virtude instrumental de o formar. Também na criação nenhum extremo houve que pudesse ser o termo da ação instrumental da criatura. Logo o símile não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As referidas palavras, que obram a consagração, operam sacramental­mente. Por onde, a virtude conversiva das formas deste sacramento, resulta da significação; completa com a prolação da última dicção. Por onde, no último instante da prolação das referidas palavras, elas se revestem da virtude em questão; ordenadamente, porém, às precedentes. E tal vir­tude é simples em razão do significado; embora as palavras exteriormente proferidas tenham uma certa composição.

Art. 3 — Se esta é a forma conveniente da consagração do vinho: Este é o cálice do meu sangue...

O terceiro discute-se assim. — Parece que esta não é a forma conveniente da consagração do vinho: Este é o cálice do meu sangue, do novo e eterno testamento, mistério da fé, que será der­ramado por vós e por muitos, para remissão de pecados.
 
1. — Pois, assim como o pão se converte no corpo de Cristo em virtude da consagração assim também o vinho no sangue de Cristo conforme do sobredito se colhe. Ora na forma da consagra­ção a palavra pão está no caso recto (panis), sig­nificando o corpo de Cristo, nem se lhe faz ne­nhum acréscimo. Logo, está, na forma, inconve­nientemente posto num caso oblíquo a expressão sangue de Cristo (sanguinis), acrescentando-se a palavra cálice no caso recto (calix), quando se diz: Este é o cálice do meu sangue.
 
2. Demais. — Não têm maior eficácia as palavras proferidas na consagração do pão, que as proferidas e a consagração do vinho, sendo todas palavras de Cristo. Ora, uma vez pronunciadas as palavras — Isto é o meu corpo, consuma-se a consagração do pão. Logo, desde que forem pro­nunciadas as palavras — Este é o cálice do meu sangue, está perfeita a consagração do sangue. E assim, as palavras seguintes não parece serem da substância da forma, sobretudo por exprimi­rem propriedades deste sacramento.
 
3. Demais. — O Testamento Novo parece constituir uma inspiração interna, como resulta das palavras de Jeremias citadas pelo Apóstolo: Consumarei sobre a casa de Israel um testamen­to novo, imprimindo a minha lei nas suas entra­nhas. Ora, o sacramento opera de um modo vi­sível. Logo, está inconvenientemente dito na for­ma: do novo Testamento.
 
4. Demais. — Chama-se novo o que é propriamente o princípio do seu ser. Ora, o eterno não tem princípio do seu existir. Logo, está in­convenientemente dito — do novo e do eterno, pois implica uma contradição.
 
5. Demais. — Devemos evitar aos outros, ocasiões de erro, segundo àquilo da Escritura: Tirai os tropeços do caminho do meu povo. Ora, certos erraram, pensando que o corpo e o sangue de Cristo só misticamente estão neste sacramen­to. Logo, na forma se acrescenta inconveniente­mente: mistério da fé.
 
6. Demais. — Conforme se disse, assim como o batismo é o sacramento da fé. E assim a Eucarisia é o sacramento da caridade. Logo, na for­ma se devia pôr, antes, caridade, que, fé.
 
7. Demais. — Todo este sacramento, tanto no concernente ao corpo como ao sangue, é um memorial da paixão do Senhor, segundo àquilo do Apóstolo: Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Se­nhor. Logo, na forma da consagração do sangue não se devia, mais do que na da consagração do corpo, fazer-se menção da paixão de Cristo, sobretudo que o Senhor disse: Isto é o meu corpo, que se dá por vós.
 
8. Demais. — A paixão de Cristo, como se disse, quanto à sua suficiência, aproveita a todos; mas, quanto à sua eficiência, aproveita a muitos. Logo, a forma devia dizer — será derramado por todos, ou por muitos, sem se acrescentar — por vós.
 
9. Demais. — As palavras com que se cele­bram este sacramento haurem a sua eficácia na instituição de Cristo. Ora, nenhum Evangelista refere às tivesse Cristo pronunciado. Logo, não é conveniente a forma da consagração do vinho.
 
Mas, em contrário, a Igreja, instituída pelos Apóstolos, usa dessa forma na consagração do vinho.
 
SOLUÇÃO. Sobre esta forma duas são as opiniões. Uns (Alex. Hal. S, Boav., P. de Tarant), disseram que da substância desta forma são só as palavras — Este é o cálice do meu sangue; mas não as que se lhe seguem. — Mas isto é inadmis­sível porque as palavras seguintes são umas de­terminações do predicado, isto é, do sangue de Cristo; e portanto pertencem à integridade da locução. E por isso outros dizem, melhor, que todas as palavras seguintes são da substância da forma. até o que depois se segue: — Todas as vezes que o fizerdes significativas do uso deste sacramen­to, sem fazerem parte da substância da forma. Donde vem que o sacerdote profere todas essas palavras no mesmo rito e modo, isto é, tendo o cá­lice nas mãos. Mas no Evangelho de S. Lucas, interpõem-se as primeiras, as palavras seguintes: Este é o novo testamento em meu sangue. Donde devemos concluir que todas as palavras referidas são da substância da forma. Mas as primeiras — Este é o cálice do meu sangue ­significam a conversão mesma do vinho no meu sangue, do modo que referimos na forma da con­sagração do pão. As palavras seguintes designam a virtude do sangue derramado na paixão, que obra neste sacramento. As quais têm um tríplice fim. — Primeira e principalmente, fazer-nos alcançar a herança eterna, segundo àquilo do Apóstolo: Tende confiança de entrar no santuário, pelo sangue de Cristo. E para significá-lo diz a forma: do novo e eterno Testamento. Segundo para a justificação da graça, que é pela fé, se­gundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu san­gue, a fim de que ele seja achado justo e justifi­cador de aquele que tem a fé de Jesus Cristo. Por isso na forma se diz: mistério da fé. — Terceiro, para remover os pecados impedimentos à heran­ça eterna e à justificação da graça, segundo aqui­lo do Apóstolo: O sangue de Cristo alimpará a nossa consciência das obras da morte, isto é, dos pecados. E por isso se acrescenta: Que será der­ramado por vós e por muitos para remissão de pecados.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A locução — Este é o cálice do meu sangue — é figurada. E pode ser entendida em duplo sentido: — Primeiro por metonímia, que põe o conti­nente pelo conteúdo, sendo o sentido: Este é o meu sangue contido no cálice. Do qual se faz aí menção, porque o sangue de Cristo é consagrado neste sacramento como bebida dos fiéis, o que não está incluído na idéia de sangue; donde a necessidade de ser isso significado pelo vaso acomodado a tal uso. — Em outro sentido, podemos tomá-lo metaforicamente, entendendo-­se pelo cálice, e por semelhança, a paixão de Cristo, que, como o cálice, inebria, segundo aquilo da Escritura: Encheu-me de amargura, embriagou-me de absinto. Donde o chamar o pró­prio Senhor à sua paixão, cálice quando disse: Passe de mim este cálice. De modo que o sentido da forma é: Este é o cálice da minha paixão. Da qual se faz menção, quanto ao sangue, reparada­mente do corpo consagrado; porque a paixão operou a separação entre o corpo e o sangue.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como se disse, o san­gue, consagrado separadamente, representa de modo expressivo a paixão de Cristo. Por isso, na consagração do sangue, se faz menção do efeito da paixão, de preferência a fazê-lo na consagra­ção do corpo, que é o sujeito da paixão. O que também está significado nas palavras do Senhor — que será entregue por vós, quase dizendo ­que será sujeito à paixão por vós.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O testamento é a dis­posição da herança. Ora, a herança celeste o senhor dispôs, que devia ser dada aos homens pela virtude do sangue de Cristo Jesus. Pois, como diz o Apóstolo, onde há um testamento, é necessário que intervenha a morte do testador. Ora, o sangue de Cristo foi derramado duas vezes pelos homens. — Primeiro, em figura, na vigên­cia do Testamento Velho. Por isso o Apóstolo conclui no mesmo lugar: Por onde, nem ainda o pri­meiro testamento foi celebrado sem sangue. O que é claro, pelo dito do Exodo: Moisés, depois de ter lido todas as ordenações da lei, aspergiu todo o povo dizendo: Eis o sangue do testamento que Deus fez convosco — segundo, foi derramado ver­dadeira e realmente, como o sabemos pelo Tes­tamento Novo. Por onde, o Apóstolo no mesmo lu­gar, tinha dito antes: Por isso Cristo é mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte, recebam a promessa da herança eterna os que têm sido chamados. Dai o dizer a forma ­diz — sangue do Novo Testamento, por ter sido derramado, não já em figura, mas verdadeira­mente. — Por isso se acrescenta: que será derrama­do por vós. — Quanto à inspiração interna, ela procede da virtude do sangue, porque somos jus­tificados pela paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O Testamento Novo o é em razão da sua manifestação. Mas é conside­rado eterno, tanto em razão da eterna pré-orde­nação de Deus, como pela razão da herança eter­na, disposta por meio deste Testamento. Também a pessoa mesma de Cristo, pelo sangue de quem foi o Testamento disposto, é eterna.
 
RESPOSTA À QUINTA. — A palavra mistério é usada na forma, não por excluir a verdadeira realidade, mas por mostrar a sua ocultação. Pois, o sangue mesmo de Cristo está neste sacramen­to de modo oculto; e a própria paixão de Cristo foi figurada ocultamente no Testamento Velho.
 
RESPOSTA À SEXTA. — A expressão — mistério da fé — significa o quase objeto da fé; porque só pela fé sabemos que o sangue de Cristo está ver­dadeiramente neste sacramento. E também a paixão mesma de Cristo justifica pela fé, Quanto ao batismo, chama-se sacramento da fé, por ser uma protestação dela. — Mas este é o sacramento da caridade, pela figurar e produzir.
 
RESPOSTA À SÉTIMA. — Como dissemos, o san­gue, consagrado separadamente do corpo, repre­senta de maneira mais expressiva a paixão de Cristo. Por isso, na consagração do sangue, antes que na consagração do corpo, faz-se menção da paixão de Cristo e do seu fruto.
 
RESPOSTA À OITAVA. — O sangue da paixão de Cristo não só tinha eficácia para os judeus elei­tos, por quem era derramado o sangue do Testamento Velho, mas também para os gentios. Nem só para os sacerdotes, que celebram esse sacra­mento, ou para os que o recebem, mas também para aqueles por quem é oferecido. Por isso diz a forma sinaladamente — por vós, judeus; e ­por muitos, isto é, pelos gentios; ou — por vós, os que comeis, e — por muitos por quem é oferecido.
 
RESPOSTA À NONA. — Os Evangelistas não in­tencionavam transmitir as formas dos sacramen­tos que na Igreja primitiva deveriam ser ocultas, como diz Dionísio: mas intencionavam narrar a história de Cristo. – E, contudo quase todas as pa­lavras das formas podem ser deduzidas de diver­sos lugares da Escritura. Assim o dito — Este é o cálice — Está em S. Lucas e no Apóstolo. E Mateus diz: — este é o meu sangue do novo testamento, que será derramado por muitos, para remissão de pecados. – Quanto à expressão do eterno, e a outra mistério da fé, fundam-se na tradição do Senhor, transmitida à Igreja pelos Apóstolos, segundo o lugar: Eu recebi do Senhor o que também vos en­sinei a vós.

Art. 2 — Se esta é a forma conveniente da consagração do pão: Isto é o meu corpo.

O segundo discute-se assim. — Parece que esta não é a forma conveniente da consagração do pão: Isto é o meu corpo.
 
1. — Pois, a forma do sacramento deve exprimir-lhe o efeito. Ora, o efeito da consagração do pão é a conversão da substância do pão no corpo de cristo, a qual antes se exprime pelo verbo — torna-se (fit) — do que pelo verbo é. Logo, a forma da consagração deveria dizer: Isto se torna o meu corpo.
 
2. Demais. — Ambrósio diz: As palavras de Cristo obraram este sacramento. Que palavras de Cristo? As pelas quais todas as causas foram feitas. O Senhor mandou e se fez o céu e a terra. Logo, também a forma deste sacramento seria mais conveniente em forma imperativa, dizendo-­se assim: Isto seja o meu corpo.
 
3. Demais. — O sujeito dessa oração declara o que se converte; assim como o predicado, o termo da conversão. Ora, assim como é determi­nado aquilo no que se faz a conversão, pois, ela não se faz senão no corpo de Cristo; assim, é determinado o que é convertido, pois, só o pão é o convertido no corpo de Cristo. Logo, como se em­prega um nome relativo do predicado, também se deve empregar outro relativo ao sujeito, de modo a dizer: este pão é o meu corpo.
 
4. Demais. — Assim como aquilo no que termina a conversão tem uma determinada nature­za, pois é corpo; assim também tem uma pessoa determinada. Logo, para determinar a pessoa de­veria dizer-se: Isto é o corpo de Cristo.
 
5. Demais. — Nas palavras da forma nada se deve introduzir que não lhe seja da substância. Logo, certos livros acrescentam inconveniente­mente a conjugação, pois, que não é da substân­cia da forma.
 
Mas, em contrário, o Senhor usou dessa for­ma ao consagrar, como o refere o Evangelho.
 
SOLUÇÃO. — A referida forma da consagração do pão é a conveniente. Pois, como dissemos, a consagração consiste na conversão do pão no corpo de Cristo. Ora, a forma do sacramento há­ de necessariamente significar o que nele se ope­ra. Por onde, a forma da consagração do pão deve significar a conversão mesma do pão no corpo de Cristo. Na qual três coisas se consideram, a saber: a própria conversão, o termo de origem e o termo final. Quanto à conversão, pode ser considerada à dupla luz: no seu devir c na sua realização. Ora, a conversão nesta forma não devia significar como em devir, mas como realização. — Primeiro, porque esta conversão não é sucessiva, como dissemos, mas instantânea: pois, em tais transformações, o devir não é senão o ser realizado. — Segundo, porque as formas sacramentais significam o efeito do sacramento, como as formas artificiais representam o efeito da arte. Ora, uma forma artificial é semelhança do efeito último buscado pela intenção do artífice; assim como a forma da arte na mente do edificador é principalmente a forma da casa edificada; e por consequência, da edificação. Por isso, também esta forma deve exprimir a conversão como sen­do a realização buscada pela intenção. E a conversão exprimindo-se nesta forma como o que é realizado, necessàriamente os ex­tremos da conversão hão de ser significados do modo pelo qual existem em uma conversão rea­lizada. Pois então o termo final tem a natureza própria à sua substância; mas o termo de ori­gem não permanece na sua substância, mas só, nos seus acidentes, pelos Quais é percebida pelos sentidos e por estes pode ser determinada. Por onde e convenientemente, o termo original da conversão se exprime pelo pronome demonstrati­vo referido aos acidentes sensíveis, que permane­cem. Ao passo que o termo final é expresso pelo nome significativo da natureza do em que a conversão se faz, a saber, todo o corpo de Cristo, e não só a carne, como dissemos. Por onde, é con­venientemente a forma: Este é o meu corpo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O devir não é o efeito último desta consagração; mas o ser feito, como se disse. Por onde, isto deve de preferência ser expresso na forma.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras de Deus observam na criação das coisas, que também obram nesta consagração. Mas de maneiras di­ferentes. Pois, aqui obram efetiva e sacramen­talmente, isto é, por força da sua significação. Por isso, nas palavras sacramentais é mister que o efeito último da consagração seja significado pelo verbo substantivo no modo indicativo e no tempo presente. — Ao passo que, na criação das coisas essas palavras observam só efetivamen­te, eficiência resultante do império da sua sabe­doria. Por isso, na criação das coisas a palavra divina exprimiu-se com o verbo no modo impe­rativo, segundo àquilo da Escritura: Faça-se a luz, e foi feita a luz.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O termo de origem, no fato mesmo da conversão, não conserva a natureza de sua substância, como o termo final. Logo o símile não colhe.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O pronome meu, indi­cativo da primeira pessoa, a pessoa que fala, ex­prime suficientemente a pessoa de Cristo, à qual as referidas palavras se referem.
 
RESPOSTA À QUINTA. — A conjunção — pois ­acrescentou-se na forma, por costume da Igreja Romana, derivado de S. Pedro Apóstolo. E isto, para ter continuidade com as palavras preceden­tes. Por onde, não faz parte da forma, como dela não o fazem as palavras precedentes.

Art. 1 — Se esta é a forma deste sacramento: Isto é o meu corpo; e: Este é o cálice do meu sangue.

O primeiro discute-se assim. – Parece que esta não é a forma deste sacramento: Isto é o meu corpo; e: este é o cálice do meu sangue.
 
1. — Pois, essas palavras parece pertence­rem à forma do sacramento, com as quais Cristo consagrou o seu corpo e o seu sangue. Ora, Cristo benzeu antes o pão que tomou, e depois disse: Tomai e comei, isto é o meu corpo, como se lê no Evangelho. E o mesmo fez com o cálice. Logo, as referidas palavras não são a forma deste sa­cramento.
 
2. Demais. — Eusébio Emisseno (Pseudônimo) diz: O sacerdote invisível converte no seu corpo as criaturas visíveis, dizendo — Tomai e comei, isto é o meu corpo. Logo, parece que to­das essas palavras constituem a forma deste sa­cramento. E portanto o mesmo devemos dizer das palavras referentes ao sangue.
 
3. Demais. — A forma do batismo exprime a pessoa do ministro e o seu ato, quando diz ­Eu te batizo. Ora, as referidas palavras não fa­zem menção nenhuma da pessoa do ministro nem do seu ato. Logo, não é a forma convenien­te do sacramento.
 
4. Demais. — A forma do sacramento basta à perfeição dele. Por isso o sacramento do ba­tismo pode às vezes ser ministrado com a pro­nunciação das sós palavras da forma, omitindo-­se todas as mais. Se, pois, as palavras referidas são a forma deste sacramento, parece que às vezes ele poderá ser celebrado com a só pronun­ciação delas, omitindo-se tudo o mais dito na missa. O que, contudo é falso, porque se as outras palavras fossem omitidas, as de que se trata se­riam aplicadas à pessoa do sacerdote que as pro­fere, em cujo corpo e sangue o pão e o vinho não se convertem. Logo, as referidas palavras não são a forma deste sacramento.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: A consa­gração se faz pelas palavras e expressões de Je­sus, Senhor Nosso, pois, todas as mais palavras que se pronunciam são ou em louvor de Deus, ou são orações em que se pede pelo povo, pelos reis, pelos demais. Mas quando o sacerdote chega ao ponto de consumar o venerável sacramento, já não emprega palavras suas, mas de Cristo. Logo, são as palavras de Cristo que consumam esse sa­cramento.
 
SOLUÇÃO. — Este sacramento difere dupla­mente dos outros. — Primeiro, porque este se consuma pela consagração da matéria; ao passo que os outros, pelo uso da matéria consagrada. — Segundo, porque nos outros sacramento a con­sagração recebe instrumentalmente uma certa, virtude espiritual, que mediante o ministro, que é um instrumento animado, pode agir como os instrumentos inanimados. Ao passo que neste sa­cramento a consagração da substância, que só por Deus pode ser operada. Por onde, o ministro, ao celebrar este sacramento, nenhum outro ato exerce senão o de pronunciar as palavras. Ora, como a forma deve ter conveniência com o seu objeto, por isso a forma deste sacramento duplamente difere da dos outros. — Primeiro, porque a forma dos outros implicam uso da ma­téria, por exemplo, a ablução ou a assimilação; ao passo que a forma deste implica a só consagração da matéria, consistente na transubstanciação. A saber, quando o sacerdote diz: Isto é o meu cor­po, ou, este é o cálice do meu sangue. — Segundo, porque as formas dos outros sacramentos são pro­feridas pela pessoa do ministro. Quer o modo de quem pratica um ato, como quando diz — Eu te batizo, ou Eu te confirmo. Quer de modo impe­rativo, como quando diz no sacramento da ordem — Por esta unção e pela nossa intercessão, etc. Ao passo que a forma deste sacramento é proferi­da quase pela pessoa do próprio Cristo, que fala. Para dar a entender que o ministro, ao celebrar este sacramento, outra causa não faz senão o que significam as palavras de Cristo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Muitas são as opiniões relativas a esta matéria. Certos (Prepositivo) disseram que Cristo, tendo o poder de excelência, nos sacramentos, celebrou este sacramento sem nenhuma forma verbal; e depois proferiu as palavras com as quais outros no futuro celebrassem. E é o que parecem significar as palavras de Inocência III, quando diz: Podemos sem engano dizer que Cristo cele­brou este sacramento pelo seu poder exprimindo depois a forma sob a qual os pósteros deviam celebrá-lo. — Mas contra isto vão expressamen­te as palavras do Evangelho. que referem que Cristo benzeu, cuja bênção com certas palavras foi dada. Por onde, as referidas palavras de Ino­cência têm sentido, antes, opinativo que deter­minativo. Mas outros (Odon bispo cameracense) disse­ram, que essa bênção foi dada com outras pala­vras que desconhecemos. — Mas nem isto é sus­tentável. Porque a bênção da consagração é ora dada, pela narração do que então foi feito. Por onde, se então essas palavras não operaram a consagração, nem operam. Por isso outros (Estevam, Bispo eduense) disseram que a bênção foi lançada com as mes­mas palavras com que agora o é. Mas Cristo as pronunciou duas vezes: primeiro, secretamente, para consagrar; depois, manifestamente, para instruir. Mas também isto não é sustentável. Por­que o sacerdote consagra, proferindo tais pala­vras, não como as tendo sido por Cristo numa bênção oculta, mas como as tendo proferido pu­blicamente. Por onde, essas palavras nenhuma força tendo senão pelas ter proferido Cristo, re­sulta que também Cristo, ao proferi-las consa­grou manifestamente. E por isso outros (Antissiod.) disseram, que os Evangelistas não observam sempre a mesma ordem ao narrarem como se passaram as causas. conforme está claro em Agostinho. Por onde, de­vemos entender que se pode exprimir assim a ordem dos fatos realizados: Tomando o pão, benzeu-o dizendo — Isto é o meu corpo; e depois o fracionou e deu aos seus discípulos. — Mas o mesmo sentido pode se dar às palavras do Evan­gelho sem as mudar. Pois, o particípio — dizen­do — implica uma certa concomitância das pa­lavras proferidas, com as precedentes. Mas não é preciso entender-se essa concomitância só em relação às palavras ultimamente proferidas, como se Cristo então as tivesse proferidas, quan­do deu o pão aos seus discípulos. Mas podemos entender essa concomitância em relação a tudo o precedente, sendo então o sentido: Enquanto benzia, partia e dava aos seus discípulos, dizia: Tomai etc.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por estas palavras ­Tomai e comei — entende-se o uso da matéria consagrada, não necessário para a validade deste sacramento, como estabelecemos. Por isso, tam­bém essas palavras não são da substância da for­ma. — Como porem o emprego da matéria consagrada contribui para maior perfeição do sacra­mento, assim como a operação não é a primei­ra, mas a segunda perfeição do ser, por isso, todas essas palavras exprimem a perfeição total deste sacramento. E neste sentido Eusébio enten­deu que este sacramento se celebra, no tocante a primeira e a segunda perfeição.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — No sacramento do ba­tismo, o ministro exerce uma certa ação sobre o uso da matéria, que é da essência do sacra­mento; o que com este sacramento não se dá. Logo, não colhe a comparação.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Certos disseram que este sacramento não pode consumar-se pela pro­lação das referidas palavras e a omissão de ou­tras, sobretudo as do canon da missa. — Mas isto é evidentemente falso. Quer em virtude das pa­lavras de Ambrósio supra referidas. Quer tam­bém por não ser o canon da missa o mesmo para todos, nem em todos os tempos, mas serem feitos acréscimos diversos, por diversos. — Donde, de­vemos dizer, que se o sacerdote proferisse só as palavras referidas com a intenção de celebrar este sacramento, celebrá-lo-ia. Pois a intenção faria com que essas palavras se entendessem como proferidas pela pessoa de Cristo, mesmo se se deixassem de recitar as palavras precedentes. Gravemente pecaria porem o sacerdote assim celebrando, por não observar o rito da Igreja. Nem há símile com o batismo, sacramento de necessi­dade para a salvação; pois, a falta do sacramen­to da Eucaristia pode supri-la a manducação espiritual, como diz Agostinho.

Questão 78: Da forma do sacramento da Eucaristia.

Em seguida devemos tratar da forma deste sacramento. E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 8 — Se com o vinho consagrado pode-se misturar outro líquido.

O oitavo discute-se assim. — Parece que o vinho consagrado não pode misturar-se com ou­tro líquido.
 
1. — Pois toda causa misturada com outra recebe a qualidade desta. Ora, nenhum liquido pode receber a qualidade das espécies sacramen­tais, porque esses acidentes não tem sujeito como se disse. Logo, parece que nenhum liquido pode misturar-se com as espécies sacramentais do vinho.
 
2. Demais. — Se um líquido fosse misturado com as referidas espécies, necessariamente de ambas se faria um só. Ora, não podem resultar uma unidade, nem do liquido, que é uma subs­tância, e mais das espécies sacramentais, que são acidentes; nem do líquido, e mais do sangue de Cristo, o qual em razão da sua incorruptibilidade, não é susceptível de adição nem de diminuição. Logo, nenhum líquido pode ser misturado com o vinho consagrado.
 
3. Demais. — O líquido misturado com o vi­nho consagrado parece que também se tornaria consagrado, assim como a água misturada com água benta também fica benta. Ora, o vinho con­sagrado é o verdadeiro sangue de Cristo. Logo, também o líquido misturado com ele seria o san­gue de Cristo. E assim, existiria sangue de Cristo de outro modo que não a consagração, o que é inadmissível. Logo, com o vinho consagrado não pode misturar-se nenhum líquido.
 
4. Demais. — Não há mistura de dois seres, quando um deles se corrompe totalmente, como diz Aristóteles. Misturada com qualquer líquido, parece que se corrompe totalmente a espécie sa­cramental do vinho de modo que sob ela deixa de estar o sangue de Cristo. Quer por serem a grandeza e a pequenez diferenças de quantida­de, que diversificam, como o branco e o negro diversificam a cor. Quer também porque o liquido misturado, não se lhe oferecendo nenhum obstá­culo havia de difundir-se por todo o outro; e assim desapareceria o sangue de Cristo, cuja existência neste sacramento não se compadece com o de nenhuma outra substância. Logo, ne­nhum líquido pode misturar-se com o vinho con­sagrado.
 
Mas, em contrário, os sentidos nos atestam que pode um líquido misturar-se com o vinho, tanto depois como antes da consagração.
 
SOLUÇÃO. — A verdade, nesta questão, se ma­nifesta pelo que já foi dito. Pois, como dissemos as espécies remanescentes neste sacramento, assim como adquirem, em virtude da consagra­ção, o modo de existir da substância, assim também adquirem o modo da atividade e da passivi­dade dela, de maneira que podem agir e sofrer tudo o que agiria e sofreria a substância se esti­vesse presente. Ora, é manifesto que se aí esti­vesse a substância do vinho, poderia um outro líquido misturar-se com ela. Mas dessa mistura diverso seria o efeito, quanto à forma do líquido e quanto à quantidade. Se pois, um líquido se misturasse em tão grande quantidade que pudesse difundir-se por todo o vinho, todo este ficaria misturado. Ora, o misto de dois outros corpos nenhum deles é; mas cada um deles passa a ser um terceiro, composto de ambos. Donde resultaria que o vinho primeiro existente não permaneceria, se o líquido mis­turado fosse de outra espécie. - se porem o li­quido adjunto fosse da mesma espécie, por exemplo, vinho misturado com vinho, permaneceria por certo a mesma espécie, mas o vinho não ficaria numericamente o mesmo. O que o declara a di­versidade dos acidentes; por exemplo, sendo um vinho branco e outro, tinto. Se porém o líquido adjunto fosse em tão pe­quena quantidade que não pudesse difundir-se por todo o vinho, não ficaria todo este mistura­do, mas só uma parte dele. A qual não permane­ceria idêntica e individualmente a mesma, por causa da mistura de matéria estranha. Mas per­maneceria da mesma espécie, não só se fosse mis­turada uma quantidade pequena de líquido da mesma espécie, mas ainda se fosse de espécie diferente. Porque uma gota de água, misturada com muito vinho, transforma-se na espécie do vi­nho, como o diz Aristóteles.
 
Ora, ê manifesto pelo sobredito, que o corpo e o sangue de Cristo permanecem neste sacra­mento enquanto as referidas espécies permane­cem numericamente as mesmas; pois, é consa­grado um determinado pão e um determinado vi­nho. Por onde, se a mistura de um líquido qual­quer for tanta que atinja todo o vinho consagra­do, tornando-o misto, já será ele numericamen­te outro e aí não mais estará o sangue de Cristo. Se porem a adjunção do líquido for em tão pe­quena quantidade que não possa difundir-se pelo todo, mas só por uma parte das espécies, nessa parte do vinho consagrado deixa de estar o sangue de Cristo, permanecendo porém na outra.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Inocêncio III diz em uma Decretal: Os acidentes também afetam o vinho acrescentado; porque acrescentada água, fica com o sabor do vinho. Pois, tanto podem os acidentes mudar de sujeito como o sujeito, de acidentes. Assim que a natu­reza cede ao milagre e o poder tem império sobre o que nos é habitual. Não podemos porem enten­dê-lo no sentido em que o acidente do vinho, an­teriormente à consagração, venha depois a exis­tir numericamente o mesmo, no vinho acrescen­tado; senão que essa mudança se dá mediante ação da substância. Assim, os acidentes remanes­centes do vinho conservam a ação substancial, conforme dissemos; de modo que afetam o lí­quido acrescentando, alterando-o.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O líquido acrescenta­do ao vinho consagrado de nenhum modo se mis­tura com a substância do sangue de Cristo. Mis­tura-se porem com as espécies sacramentais; mas de modo que, feita a mistura, corrompem-se as referidas espécies, total ou parcialmente, da ma­neira pela qual, como dissemos antes, essas espécies podem gerar a certos seres. Mas se se corromperem totalmente, já não haverá nenhuma questão, pois o todo será uniforme. Sendo porem parcial a corrupção delas, haverá por certo uma só dimensão quanto à continuidade quantitati­va, mas não quanto ao modo de existir. Porque, uma parte dela existirá sem sujeito, e a outra num sujeito. Como se um corpo fosse constituído de dois metais haverá um só corpo sob o aspecto quantitativo mas não um só especificamente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Inocêncio III, na Decretal citada se depois da consagração do cálice se lhe acrescentar mais vinho, este por certo não se transforma em sangue nem com o sangue se mistura; mas, misturado com os acidentes do vinho já existente, difunde-se por to­dos os lados no corpo sob eles latente, sem o mo­lhar. Mas isto se dá quando a mistura do líquido estranho não for tamanha a ponto de o corpo de Cristo deixar de existir no todo. Então diz que se difunde por todos os lados; não que atinja o sangue de Cristo nas suas dimensões próprias, mas nas dimensões sacramentais, sob as quais está contido. - Nem colhe o símile da água ben­ta; pois, essa bênção nenhuma alteração causa na substância da água, como o faz a consagração do vinho.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Certos disseram que, por pequena que seja a mistura do líquido estra­nho, a substância do corpo de Cristo deixa de estar sob o todo. E isso pela razão aduzida. Mas esta não é cogente. Pois a grandeza e a pequenez diversificam a quantidade dimensiva, não quanto à essência dela, mas quanto à determinação da medida. – Semelhantemente, também o líquido acrescentado pode ser de tal modo pouco, que pela sua pouquidade fique impedido de difundir-se pelo corpo; e não só pelas suas dimensões. As quais, embora não tenham sujeito, contudo obs­tam ao outro líquido, como o fazia a substância se ai existisse. conforme o que já dissemos antes.

Art. 7 — Se as espécies sacramentais se fracionam neste sacramento.

O sétimo discute-se assim. — Parece que as espécies sacramentais não se fracionam, neste sacramento.
 
1. — Pois, segundo o Filósofo, dizemos que os corpos podem fracionar-se, por causa da de­terminada posição dos seus poros. O que não se pode atribuir ás espécies sacramentais. Logo, as espécies sacramentais não podem fracionar-se.
 
2. Demais. — Da fração resulta o som. Ora. às espécies sacramentais não dão nenhum som; pois, como diz o Filósofo, produz som o corpo duro com superfície plana. Logo, as espécies sa­cramentais não se fracionam.
 
3. Demais. — O que comemos também, fra­cionamos e mastigamos. Ora, comemos o verda­deiro corpo de Cristo, segundo o diz o Evangelho: O que come a minha carne e bebe o meu sangue. Logo, também fracionamos e mastigamos o cor­po de Cristo. Por isso diz a confissão de Beren­gário: Estou de acordo com a santa Igreja Ro­mana, confessando de coração e de boca, que o pão e o vinho postos no altar, depois da consa­gração são o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, verdadeiramente tocado pelas mãos dos sacer­dotes, fracionado e torturado pelos dentes dos fiéis. Logo, não podemos dizer que as espécies sa­cramentais são fracionadas.
 
Mas, em contrário, a fração resulta da di­visão da quantidade. Ora, no caso vertente, nenhuma quantidade se divide, senão as espécies sacramentais; pois, nem o corpo de Cristo, que é incorruptível, nem a substância do pão, que não permanece. Logo, as espécies sacramentais se fracionam.
 
SOLUÇÃO. — Os antigos professavam várias opiniões sobre essa matéria. Assim, certos, (como Abelardo e Hugo Vito­rino), diziam que neste sacramento não havia real e verdadeiramente fração senão só para os olhos dos espectadores. - Mas isto é insusten­tável. Porque neste sacramento da verdade os sentidos não se enganam naquilo que podem le­gitimamente julgar; e entre essas coisas está a fração pela qual a multiplicidade resulta da unidade, sendo uma e outra sensíveis comuns, como o mostra Aristóteles. Por isso outros disseram haver aí verdadeira fração, sem substância existente. - Mas tam­bém isso encontra os nossos sentidos. Pois vemos neste sacramento uma quantidade, primeira do­tada de unidade, depois dividida em muitas par­tes; a qual é forçosamente o objeto da fração. - Não podemos porém dizer que o corpo mesmo de Cristo seja fracionado. Primeiro, por ser in­corruptível e impossível. Segundo, por estar em cada parte, como estabelecemos o que por certo encontra a possibilidade de fracionar-se. Donde se concluí que a fração se funda, como no sujeito, na quantidade dimensiva do pão, como os outros acidentes. E sendo as espé­cies sacramentais n sacramento do verdadeiro corpo de Cristo, a fração dessas espécies é o sa­cramento da paixão do Senhor, que sofrem ver­dadeiramente o corpo de Cristo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como as espécies sacramentais são sus­ceptíveis de rarefação e de condensação, con­sequentemente também o são de porosidade e portanto, de ser fracionadas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Da condensação re­sulta a dureza. E portanto desde que as espécies sacramentais são susceptíveis de condensação, resulta por consequência que o são da dureza e portanto da sonoridade.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Aquilo que comemos, na sua espécie própria, isso mesmo fracionamos e mastigamos, nessa espécie. Ora, o corpo de Cristo não é comido em sua espécie própria, mas na espécie sacramental. Por isso, àquilo do Evan­gelho - A carne para nada aproveita - diz Agostinho: Isto deve entender-se no sentido dos que carnalmente o entendiam. Pois, por carne entendiam a cortada do cadáver ou a vendida nos açougues. Por isso o corpo mesmo de Cristo não se fraciona, senão na espécie sacramental. - Sendo neste sentido, que deve entender- se a confissão de Berengário: referindo-se a fra­ção e a tortura dos dentes à espécie sacramen­tal, sob a qual verdadeiramente está o corpo de Cristo.

Art. 6 — Se as espécies sacramentais podem nutrir.

O sexto discute-se assim. — Parece que as espécies sacramentais não podem nutrir.
 
1. — Pois, diz Ambrósio: Este não é o pão material que comemos, mas o pão da vida eterna, que sustenta a substância da nossa alma. Ora, tudo o que nutre entra no corpo. Logo, este pão não nutre. E o mesmo se diga do vinho.
 
2. Demais. — Como diz o livro De genera­tione, nós nos nutrimos de aquilo mesmo de que somos feitos. Ora, não espécies sacramentais são acidentes de que o homem não é feito; pois, o acidente não é parte da substância. Logo parece que as espécies sacramentais não podem nutrir.
 
3. Demais. — O Filósofo diz que o alimen­to nutre enquanto determinada substância; e faz crescer enquanto tem uma certa quantidade. Ora as espécies sacramentais não são substâncias. Logo, não podem nutrir.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo, falando deste sacramento, diz: Uns têm fome e outros estão mui fartos. E diz a Glosa a esse lugar, que ele se refere aqueles que, depois da celebração do sa­grado mistério e da consagração do pão e do vi­nho, reclamavam as suas oblações e, não comun­gando com os outros, as tornavam sós a ponto de com isso se fartarem. O que não poderia ser se as espécies sacramentais não nutrissem. Logo, a espécies sacramentais nutrem.
 
SOLUÇÃO. — Esta questão não oferece dificul­dades, tendo sido já resolvida a precedente. Pois, a comida nutre por se converter na substância do ser nutrido. Ora, como dissemos, as espécies sacramentais podem converter-se em qualquer substância delas geradas. E pela mesma razão podem converter-se no corpo humano mediante a qual podem converter-se em cinzas ou em ver­mes. Logo, é claro que nutrem. Certos, porém, di­zem, que não nutrem verdadeiramente, como se se convertessem no corpo humano, mas nutrem e confortam, por uma certa alteração dos senti­dos, assim como nós nos confortamos pelo odor da comida e nos inebriamos com o cheiro do vi­nho. Mas essa opinião os nossos sentidos a demonstram como falha. Pois, tal nutrição não nos basta por muito tempo, por necessitar o nosso corpo de uma nutrição continua, por causa das perdas das suas energias. E, contudo poderíamos sustentar-nos por muito tempo, tomando hóstias e vinho consagrado, em grande quantidade. Semelhantemente, é insustentável a opinião segundo a qual as espécies sacramentais nutrem por causa da forma substancial do pão e do vi­nho, que remanesce. E o é, quer porque essa substância não remanesce, como dissemos. Quer por não ser ato da forma o nutrir, mas, antes da matéria, que recebe a forma do ser nutrido, quando desaparece a da nutrição. Por isso diz Aristóteles, que a nutrição, começando por disse­melhança, acaba pela semelhança.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Feita a consagração, em dois sentidos podemos dizer que há pão neste sacramento. Num consi­derando as espécies mesmas do pão, que conser­vam o nome da substância primitiva, como ensi­na Gregório. Em outro sentido podemos chamar pão ao corpo mesmo de Cristo, pão místico, que desceu do céu. Assim, quando Ambrósio diz este pão não se transforma no corpo, toma a pa­lavra pão no segundo sentido, porque o corpo de Cristo não se converte no corpo nosso, mas nos conforta a alma. Mas não se refere ao pão no primeiro sentido.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As espécies sacramen­tais, embora não entrem na composição do corpo humano, contudo nele se convertem, como disse­mos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As espécies sacramentais, embora não sejam substâncias, têm contudo a virtude da substância, como dissemos.

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