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Art. 4 — Se os demônios podem seduzir os homens com milagres verdadeiros.

(Supra. q. 110. a. 4, ad. 2; IIª IIae, q. 178 a. 1, ad. 2; a. 2; II Sent., dist. VII, q. 3, a. 1; De Pot., q. 6, a. 5; In Matth., cap. XXIV; II Thess., cap. II, lect. II).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que os demônios não podem seduzir os homens com milagres verdadeiros.
 
1. — Pois, os demônios terão especial in­fluência nas obras do Anticristo. Mas diz o Apóstolo: A vinda dele é por obra de Satanás com todo o poder, e com sinais e prodígios men­tirosos. Logo, com maior razão, em outros tempos, os fatos demoníacos maravilhosos não passarão de mentiras.
 
2. Demais. — Os verdadeiros milagres se realizam com alguma imutação nos corpos. Ora, os demônios não podem mudar a natureza de um corpo em outro: pois, diz Agostinho: Por nenhuma razão acreditarei que o corpo humano possa vir a ser verdadeiramente conver­tido em corpo de animal, por arte ou poder dos demônios. Logo, estes não podem fazer verda­deiros milagres.
 
3. Demais. — O argumento que pode re­ferir-se a dois termos opostos não tem eficácia. Se pois milagres verdadeiros pudessem ser fei­tos pelos demônios para persuadir à falsidade, não poderiam ser eficazes para confirmar a verdade da fé. O que é inadmissível, conforme à Escritura: Cooperando com eles o Senhor, e confirmando a sua pregação com os milagres que a acompanhavam.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: pelas artes mágicas se fazem milagres muito seme­lhantes aos feitos pelos servos de Deus.
 
Solução. — Como resulta do já dito, milagres, em sentido próprio, não nos podem fazer os demônios nem nenhuma criatura, mas só Deus; porque o milagre propriamente dito vai contra a ordem de toda a natureza, cuja ordem compreende todas as virtudes criadas. Porém, chama-se milagre, em sentido lato, ao que excede à faculdade e à razão humanas. E assim os demônios podem fazer milagres, que enchem os homens de estupefação, porque excedem à faculdade e ao conhecimento destes. Pois também qualquer homem, quando faz algo que excede a faculdade e o conhecimento de outro, provoca o espanto deste, com a sua obra, de modo que parece, de certo modo, fazer milagre. Mas devemos saber que, embora essas obras dos demônios, que nos parecem milagres, não realizem a verdadeira essência destes, con­tudo eles fazem às vezes coisas verdadeiras. Assim os mágicos do Faraó, por virtude dos demônios fizeram serpentes e rãs verdadeiras. E, como diz Agostinho, quando caiu o fogo do céu e de um ímpeto consumiu a família de jó, com seus rebanhos; e um turbilhão destruiu­-lhe a casa e lhe matou os filhos, essas foram obras de Satanás e não fantasmagorias.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Como diz Agostinho, as obras do Anticristo podem se chamar sinais de mentira, quer por­que há-de enganar com fantasmagorias os sen­tidos mortais, de modo a parecer realizar o que não realiza; quer porque, sendo os prodígios verdadeiros, arrastarão porém ao engano os que neles crerem.
 
Resposta à segunda. — Como já se disse antes, a matéria corpórea não obedece à von­tade dos anjos bons ou maus, de modo que os demônios possam pela sua virtude transmutar a matéria de uma forma para outra. Mas po­dem aplicar certos germes existentes nos ele­mentos do mundo, para realizar tais efeitos, como diz Agostinho. Por onde deve-se dizer, que todas as transmutações das coisas corpó­reas, que podem ser feitas por algumas virtudes naturais, entre as quais estão os referidos ger­mes, podem ser feitas por operação dos demônios, com aplicação desses germes; assim quan­do certas coisas são transmutadas em serpen­tes ou rãs, seres que podem ser gerados por putrefação. Porém as transmutações das coisas corpóreas, que não podem ser feitas por vir­tude da natureza, de nenhum modo podem ser realizadas por operação dos demônios, na ver­dade da expressão. E se às vezes algo de tal parece ser feito, por operação dos demônios, isso não se dá real, mas só aparentemente, o que pode acontecer de duplo modo. De um, inte­riormente; assim o demônio pode mudar a fan­tasia do homem e mesmo os sentidos corpóreos, de maneira que uma coisa pareça diversa do que é, como já se disse. E isto também se pode considerar como feito às vezes por virtude de certos agentes corpóreos. De outro modo, ex­teriormente. Pois assim como o demônio pode formar, do ar, um corpo de qualquer forma ou figura, de modo que, assumindo-o, apareça vi­sivelmente, pela mesma razão pode revestir qualquer coisa de uma forma corpórea, de modo que seja visto, na figura desta. E é o que diz Santo Agostinho: a fantasia do ho­mem, mesmo quando este pensa ou sonha, va­ria conforme os inumeráveis gênios das causas e, como corporificada na imagem de algum ani­mal, aparece aos outros sentidos entorpecidos. O que significa, não que a virtude fantástica do homem, ou uma espécie da mesma, corpori­ficada e com ela numericamente idêntica, seja manifestada aos sentidos de outrem, mas que o demônio, que forma uma certa espécie, na fan­tasia de um homem, também pode apresentar outra espécie semelhante aos sentidos de outro homem.
 
Resposta à terceira. — Como diz Agosti­nho, quando os magos fazem as mesmas causas que os santos, fazem-nas com fim e por direito diverso. Pois aqueles as fazem, buscando a gló­ria própria; estes, a de Deus. Aqueles, por um como comércio privado; estes porém por pú­blica ordem e mandado de Deus, a quem estão sujeitas todas as criaturas.
 

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