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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 — Se a quantidade dimensiva do corpo de Cristo está toda neste sacramento.

O quarto discute-se assim. — Parece que a quantidade dimensiva do corpo de Cristo não está toda neste sacramento.
 
1. — Pois, como se disse, todo o corpo de Cristo está contido em qualquer parte da hóstia consagrada. Ora, nenhuma quantidade dimensi­va está contida roda num todo e em qualquer das partes dele. Logo é impossível que toda a quantidade dimensiva do corpo de Cristo esteja contida neste sacramento.
 
2. Demais. — É impossível duas quantidades dimensivas existirem simultaneamente, mesmo se uma esteja separada, e a outra num corpo natu­ral, como está claro no Filósofo. Ora, neste sa­cramento permanece a quantidade dimensiva do pão, como os nossos sentidos o atestam. Logo, aí não está o corpo de Cristo quantitativamente.
 
3. Demais. — Se duas quantidades dimen­sivas desiguais forem justapostas, a maior se estende além da menor. Ora, a quantidade dimensiva do corpo de Cristo é muito maior que a quantidade dimensiva da hóstia consagrada em todas as dimensões. Se portanto, neste sa­cramento coexiste a quantidade dimensiva do corpo de Cristo como a quantidade dimensiva da hóstia, a quantidade dimensiva do corpo de Cristo se estende além da quantidade da hóstia que contudo não existe sem a substância do corpo de Cristo. Logo, a substância do corpo de Cristo estará neste sacramento, mesmo sem a es­pécie do pão. O que é inadmissível, pois, a subs­tância do corpo de Cristo não está neste sacra­mento senão pela consagração do pão, como se disse. Logo, é impossível o corpo de Cristo estar quantitativa e totalmente neste sacramento.
 
Mas, em contrário, a quantidade dimensiva de um corpo não se separa, quanto ao ser, da substância dele. Ora, neste sacramento está to­talmente a substância do corpo de Cristo, como se estabeleceu. Logo', a quantidade dimensiva do corpo de Cristo está toda neste sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos de dois modos algo de Cristo está neste sacramento: por força do sacramento e por concomitância real. - Por força do sacramento, a quantidade dimensiva do corpo de Cristo não está neste sacramento. Mas por força do sacramento neste está aquilo que é diretamente o termo da conversão. Ora, a conversão neste sacramento operado diretamen­te, termina na substância do corpo de Cristo mas não nas suas dimensões. O que resulta de perma­necer a quantidade dimensiva, feita a consagra­ção e desaparecida só a substância do pão. Como porem a substância do corpo de Cristo não fica realmente dividida da sua quantidade dimensiva e dos outros acidentes, daí vem que, em virtude da concomitância real, está neste sacramento totalmente a quantidade dimensiva do corpo de Cristo e todos os seus acidentes.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O modo de ser de uma coisa se determina pelo que lhe é essencial e não pelo que lhe é acidental. Assim, um corpo é visível por ser branco e não por ser doce; embora esse mesmo corpo possa ser branco e doce. Por onde, a doçura é visível en­quanto brancura, e não enquanto doçura. Ora, como em virtude deste sacramento está no altar a substância do corpo de Cristo, e a sua quan­tidade dimensiva aí está concomitantemente e quase por acidente, por isso a quantidade dimen­siva do corpo de Cristo está neste sacramento, não ao modo que lhe é a ele próprio, isto é, estando toda no todo e cada parte em cada parte - mas a modo de substância, que por natureza está toda no todo e toda em cada parte.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Duas quantidades dimensivas não podem coexistir simultaneamen­te no mesmo sujeito, de maneira que cada uma aí esteja ao modo próprio de quantidade dimen­siva. Ora, neste sacramento, a quantidade dimen­siva do pão está ao seu modo próprio, isto é, se­gundo uma certa comensuração; mas não a quantidade dimensiva do corpo de Cristo, que aí está ao modo da substância, como dissemos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A quantidade dimen­siva do corpo de Cristo não está neste sacra­mento enquanto susceptível de comensuração, próprio à quantidade, em virtude do qual uma quantidade maior é mais extensa que uma me­nor; mas aí está do modo já referido.

Art. 3 — Se o corpo de Cristo está todo em qualquer parte das espécies do pão ou do vinho.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não está todo em qualquer parte das espécies do pão e do vinho.
 
1. — Pois. essas espécies não podem dividir-­se ao infinito. Se portanto Cristo estivesse todo em cada uma das partes das espécies referidas, estaria por consequência infinitas vezes neste sa­cramento. O que é inadmissível, porque o infinito repugna, não só à natureza, mas também à graça.
 
2. Demais. — O corpo de Cristo, sendo orgânico, tem partes em determinadas distantes uma das outras, como um olho, do outro, e os olhos, dos ouvidos. Ora, tal não podia dar-se se Cristo estivesse todo em qualquer das espécies: porque então, qualquer parte estaria necessària­mente em qualquer outra e, portanto, onde esti­vesse uma estaria também à outra. Logo, não pode Cristo estar todo em qualquer parte da hóstia ou do vinho contido no cálice.
 
3. Demais. — O corpo de Cristo conserva sempre a natureza de um verdadeiro corpo, nem se transforma nunca no espírito. Ora, é da natu­reza do corpo ter uma quantidade numa certa posição, como o ensina Aristóteles. Mas essa quantidade requer essencialmente que partes di­versas ocupem partes diversas do lugar. Logo, pa­rece que não é possível o corpo de Cristo estar todo em qualquer parte das espécies.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Cada qual recebe a N. S. Jesus Cristo que está todo em cada uma das partes nem fica diminuído por estar em cada uma mas ao contrário da se todo em cada uma delas.
 
SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, neste sacramento a substância do corpo de Cristo está por força mesma do sacramento ao passo que a quantidade dimensiva nele está em virtude da concomitância real. Logo, o corpo de Cristo está neste sacramento substancialmente, isto é, ao modo pelo qual a substância está contida nas suas di­mensões; não porem ao modo das dimensões, isto é, não do modo pelo qual a quantidade dimensiva de um corpo está na quantidade dimensiva do lugar. Ora, como é manifesto, substância, por na­tureza, esta toda em qualquer parte das dimen­sões em que esta contida, assim como em qual­quer parte do ar esta todo ele, por natureza, em qualquer parte do pão está, por natureza, todo o pão. E isto indiferentemente: quer estejam as di­mensões divididas atualmente, como quando o ar é dividido ou o pão cortado; quer também se estivessem indivisas em ato, mas forem divisí­veis em potência. Por onde é manifesto que o corpo de Cristo está todo em cada parte das espécies do pão, mesmo a hóstia permanecendo inteira, e não somente quando é fracionada como dizem certos, aduzindo o exemplo da imagem que apa­rece num espelho, a qual aparece una, num es­pelho inteiro, ao passo que, num espelho partido, aparece cada imagem em cada uma das partes do espelho. Pois, esse símile não é perfeito. Por­que, a multiplicação dessas imagens se dá num espelho quebrado por causa das diversas refle­xões das partes diversas ao espelho; ao passo que no caso vertente não há senão uma consagração em virtude da qual o corpo de Cristo está neste sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O número resulta da divisão. Por onde, enquan­to a quantidade permanece indivisa, nem o subs­tância da coisa está várias vezes sob as suas di­mensões próprias nem o corpo de Cristo sob as dimensões do pão. E por conseqüência nem infi­nitas vezes; mas tantas vezes quantas as partes divididas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa distância deter­minada das partes de um corpo orgânico se funda na quantidade dimensiva dele; mas a na­tureza da substância precede mesmo a quantida­de dimensiva. Por onde a conversão da substân­cia do pão, tendo como termo direto a substân­cia do corpo de Cristo, segundo cujo modo o corpo de Cristo está própria e diretamente neste sacramento, essa distância entre as partes existe por certo no corpo mesmo verdadeiro de Cristo: mas não é segundo essa distância que está neste sacramento, mas ao modo da sua substância, como se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe quanto à natureza que um corpo tem pela quan­tidade dimensiva. Ora, dissemos que o corpo de Cristo não está neste sacramento em razão da quantidade dimensiva, mas substancialmente como dissemos.

Art. 2 — Se sob uma e outra espécie deste sacramento Cristo está contido totalmente.

O segundo discute-se assim. — Parece que sob uma e outra espécie deste sacramento Cristo não está totalmente contido.
 
1. — Pois, este sacramento se ordena à salvação dos fiéis, não em virtude das espécies, mas em virtude do que está nelas, contido. Porque as espécies já existiam antes da consagração, donde tira este sacramento a sua virtude. Se, portanto, nada contém uma espécie que também não con­tenha a outra, mas Cristo está totalmente numa e noutro, resulta ser inútil uma delas neste sa­cramento.
 
2. Demais. — Como se disse, na denomina­ção de carne estão contidas todas as outras partes do corpo, como os ossos, os nervos e outras semelhantes. Ora, o sangue é uma das partes do corpo humano, como está claro em Aristóteles. se pois, o sangue de Cristo está contido na es­pécie do pão, assim como nele estão conti­das as outras partes do corpo, não deveria o sangue ser consagrado separadamente, assim como não é consagrada separadamente a outra parte do corpo.
 
3. Demais. — O já feito não pode sê-lo de novo. Ora, o corpo de Cristo já começou a existir neste sacramento pela consagração do pão. Logo não pode começar a existir de novo pela consa­gração do vinho. E assim, na espécie do vinho não estará contido o corpo de Cristo e, por consequência, nem todo Cristo. Logo, sob uma e outra espécie não esta contido, Cristo totalmente.
 
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo - o cálice - diz a Glosa: sob uma e outra espécie, isto é, do pão e do vinho, tomamos o mesmo Cristo. Donde se conclui que Cristo está totalmente sob uma e outra espécie.
 
SOLUÇÃO. — Devemos ter certissímamente que sob uma e outra espécie está todo Cristo. Mas de modos diferentes. Assim, sob as espécies do pão está o corpo de Cristo por força do sa­cramento; e o sangue, por concomitância real, como dissemos quando tratamos da alma e da divindade de Cristo. De outro lado sob as espé­cies do vinho está o sangue de Cristo, por força do sacramento, e o corpo de Cristo, por concomi­tância real, como a alma e a divindade. Porque, no sacramento o sangue de Cristo não lhe está separado do corpo, como o esteve no tempo da paixão e da morte. Por onde, se então fosse este sacramento celebrado, sob as espécies do pão es­taria o corpo de Cristo, sem o sangue; e sob as espécies do vinho, o sangue sem o corpo, como o era da realidade das coisas.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora Cristo esteja totalmente sob uma e outra espécie, contudo nenhuma delas é inútil. - Primeiro porque serve de representar a paixão de Cristo, em que o sangue se separou do corpo. Por isso, na forma da consagração do sangue se faz menção da sua efusão. - Segundo tal é con­veniente ao uso deste sacramento, a fim de ser dado separadamente aos fiéis - o corpo de Cristo, como comida e o sangue como bebida. ­Terceiro, quanto ao efeito, pois, como dissemos, o corpo é dado para a salvação do nosso corpo e sangue, para a salvação da alma.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Na paixão de Cristo de que este sacramento é o memorial, não houve outras partes do corpo separadas das demais como, o sangue; mas o corpo permaneceu na sua integridade, conforme àquilo da Escritura: Por isso, neste sacramento o sangue é consagrado separadamente do corpo, mas não outra parte qualquer, separada do conjunto.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos o corpo de Cristo não está sob a espécie do vinho, por força do sacramento, mas por concomitância real. Por onde depois de consagrado o vinho aí não está o corpo de Cristo por si mesmo, mas por concomitância.

Art. 1 — Se Cristo está totalmente contido neste sacramento.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não está totalmente contido neste sacra­mento.
 
1. Pois Cristo começa a existir neste sacramento pela conversão do pão e do vinho. Ora, é manifesto que o pão e o vinho não podem con­verter-se nem na divindade de Cristo nem na sua alma. Logo, havendo em Cristo três substâncias - a da divindade, a da alma e a do corpo, como se disse - resulta que ele não está totalmente neste sacramento.
 
2. Demais. — Cristo está neste sacramento do modo por que o convém à alimentação dos fiéis, que consiste na comida e na bebida, como se disse. Ora, o Senhor diz: A minha carne ver­dadeiramente é comida, e o meu sangue verda­deiramente é bebida. Logo, só a carne e o san­gue de Cristo estão contidos neste sacramento. Mas o corpo de Cristo tem muitas outras partes - nervos, ossos e semelhantes. Logo, o corpo de Cristo não está totalmente contido neste sacra­mento.
 
3. Demais. — Um corpo de maior quantida­de não pode ser totalmente contido pela medida de um de menor quantidade. Ora, a medida do pão e do vinho consagrados é muito menor que a medida própria ao corpo de Cristo. Logo, não é possível Cristo estar totalmente contido neste sacramento.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Naquele sacramento está Cristo.
 
SOLUÇÃO. — É absolutamente necessário con­fessarmos, segundo a fé, católica, que Cristo está totalmente neste sacramento. Devemos porém saber que algo de Cristo está neste sacramento de dois modos: quase por força do sacramento e por natural concomitância. - Por força do sacramento, está sob as espécies deste aquilo em que diretamente se converte a substância preexistente do pão e do vinho, como o significam as palavras de forma, que são eficazes neste sacra­mento, bem como nos outros, e que são: Isto é o meu corpo, Isto é o meu sangue. - Por concomi­tância natural, porém, está neste sacramento o com que realmente está unido àquilo em que ter­mina a referida conversão. Ora, quando duas coisas estão realmente unidas, onde quer Que uma esteja realmente, aí há de a outra também estar. Mas só por operação da alma se discernem as coisas realmente unidas.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­A conversão do pão e do vinho não têm por termo a divindade ou a alma de Cristo; e por consequência a divindade ou a alma de Cristo não estão neste sacramento por força do mesmo, mas por concomitância real. Mas, como a divin­dade nunca depôs o corpo assumido, onde quer que esteja o corpo de Cristo, aí estará necessària­mente também a sua divindade. Por isso, neste sacramento está necessariamente a divindade de Cristo, concomitante ao seu corpo. Daí o ler-se rio Símbolo Efesino: Tomamo-nos participantes do corpo e do sangue de Cristo, não como se co­mêssemos uma carne comum, ou a de um varão santificado e unido ao Verbo pela unidade da dignidade, mas uma carne verdadeiramente san­tificante e feita própria do Verbo mesmo. Quanto porem à alma, foi realmente separada do corpo, como se disse. Por onde, se no tríduo da morte de Cristo fosse celebrada este sacramento, nele não estaria a sua alma, nem por força do sacramento nem por concomitância real. Mas, como Cristo, ressurgido dos mortos, já não morre, na frase do Apóstolo, a sua alma lhe está sempre realmente unida ao corpo. Por onde, neste sacramento o corpo de Cristo está pela força mesma do sacramento; mas a alma de Cristo nele está por concomitância real.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por força do sacra­mento, este contém, quanto à espécie do pão, não só a carne, mas todo o corpo de Cristo, a saber, os ossos, os nervos e partes semelhantes. O que resulta da forma mesma deste sacramento, que não reza - Esta é a minha carne, mas - Isto é o meu corpo. Por onde, quando o Senhor disse ­A minha carne é verdadeiramente comida ­carne aí significa todo o corpo, porque, segundo o costume humano, é mais própria para ser co­mida, pois comumente nos nutrimos da carne dos animais, não porém dos OSSOS e partes semelhan­tes.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, feita a conversão do pão no corpo de Cristo ou a do vinho no sangue, os acidentes de um e de outro permanecem. Por onde é claro que as di­mensões do pão e do vinho não se con­vertem nas do corpo de Cristo, mas uma substância é a que se converte em outra. E assim a substância do corpo de Cristo ou do sangue está neste sacramento por força mesma do sa­cramento, não porem as dimensões do corpo ou do sangue de Cristo. Por onde, é claro que o corpo de Cristo está neste sacramento substancialmen­te e não, quantitativamente. Ora, a totalidade própria à substância contém-se indiferentemen­te numa quantidade pequena ou grande; assim como a natureza total do ar está numa quanti­dade grande ou pequena dele, e a total natureza do homem num homem grande ou num pequeno. Por onde, a substância total do corpo e do sangue de Cristo está contida neste sacramento, depois da consagração, assim como antes da consagra­ção, estava aí contida a substância do pão e do vinho na sua totalidade.

Questão 76: Do modo pelo qual Cristo está neste sacramento

Em seguida devemos tratar do modo pelo qual Cristo está neste sacramento.
 
E nesta questão discute-se oito artigos:

Art. 8 — Se é falsa a proposição: o pão se torna no corpo de Cristo.

O oitavo discute-se assim. — Parece falsa a proposição: O pão se torna no corpo de Cristo.
 
1. — Pois, o de que outra coisa se faz tam­bém dizemos que nesta se torna, mas não ao inverso. Assim, dizemos que do branco se faz o negro e que o branco se torna negro. Mas, em­bora digamos que um homem se fez negro, con­tudo não dizemos que do homem se faça o negro, como está claro em Aristóteles. Se portanto, é verdade que do pão se faz o corpo de Cristo, será verdade dizer-se que o pão se torna no corpo de Cristo. O que é falso, pois o pão não é sujeito da facção, mas é antes o termo dela. Logo, não se diz com verdade, que do pão se faz o corpo de Cristo.
 
2. Demais. — O devir se termina no ser ou no ser feito. Ora a proposição seguinte nunca é verdadeira: O pão é o corpo de Cristo ou, o pão foi feito o corpo de Cristo; ou ainda, o pão será o corpo de Cristo. Logo, parece que também esta não é verdadeira: Do pão se faz o corpo de Cristo.
 
3. Demais. — Tudo aquilo, de que outra causa se faz, nesta se converte. Ora, esta proposição é falsa: O pão se converte no corpo de Cristo, porque tal conversão seria mais miraculo­sa que a criação, na qual, contudo não se diz, que o não ser se convertesse no ser. Logo, resulta que também esta é falsa: Do pão se faz o corpo de Cristo.
 
4. Demais. — Aquilo de que uma coisa se faz pode ser tal coisa. Ora, esta é falsa: O pão pode ser o corpo de Cristo. Logo, também est'outra o é: Do pão se, faz o corpo de Cristo.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Quando se opera a consagração do pão se faz o corpo de Cristo.
 
SOLUÇÃO. — A conversão do pão no corpo de Cristo, de certo modo convém com a criação e a transmutação natural; e de certo outro, difere de ambas. Pois, é comum a essas três ordens de ter­mos o ser um consecutivo ao outro, a saber: na criação, o ser depois do não ser; neste sacramento, o corpo de Cristo, depois da substância do pão; na transmutação natural, o branco de­pois do preto ou o fogo depois do ar. É que esses termos não são simultâneos. Ora, a conversão de que agora falamos convém com a criação, porque em nenhuma delas há um sujeito comum a um e outros dos extremos. Cujo contrário aparece em toda transmutação natural. Por outro lado, esta conversão tem dupla conveniência com a transmutação natural, em­bora não semelhantemente. - Primeiro, porque em uma e outra um dos extremos se converte no outro, como o pão, no corpo de Cristo e o ar, no fogo: mas o não ser não se converte no ser. Essa conversão, porém de um extremo a outro não se processa do mesmo modo em ambos os casos. Pois, neste sacramento, toda substância do pão se transforma totalmente no corpo de Cristo; ao passo que nas transmutações naturais a matéria de um corpo recebe a forma do outro, depois de ter perdido a forma anterior. - A segunda conveniência está que em ambas as trans­formações, há algo que não muda o que não acontece na criação. Mas diferentemente; pois, nas transmutações naturais permanece a mesma a matéria ou o sujeito; ao passo que neste sa­cramento os acidentes é que permanecem os mesmos. Donde podemos concluir os diferentes modos com que nesses casos devemos predicar. Pois, não existindo os extremos simultaneamente em nenhuma das três transformações referidas, por isso em nenhuma delas pode um extremo ser predicado de outro pelo verbo substantivo no tempo presente. Assim, não dizemos - o não ­ser, é ser ou o pão é o corpo de Cristo, ou o ar é fogo, ou o preto é branco.
 
Mas, levando em conta a ordem dos extre­mos, podemos usar em todas estas proposições, da preposição de (ex), designativa da ordem. Assim, podemos própria e verdadeiramente di­zer: do não ser se faz o ser; e, do pão, o corpo de Cristo; e, do ar, o fogo; ou, do branco o negro. Como, porém; na criação um extremo não se transforma no outro não podemos nela, usar da palavra - conversão, de modo a dizermos que o não ser se converte no ser. Palavra porem de que podemos usar neste sacramento, bem como nas transformações naturais. Mas como neste sacramento uma substância se muda total­mente em outra, por isso, essa conversão se cha­ma propriamente transsubstanciação. Além disso, como a essa conversão não podemos atribuir nenhum sujeito, o que se verifi­ca, nas transformações naturais, em relação ao sujeito, não o podemos atribuir, nesta conver­são. - E primeiro, é manifesto, que do sujeito resulta a possibilidade para termos opostos; em razão do que, dizemos, que o branco pode ser preto, e, o ar pode ser fogo. Embora esta última proposição não seja tão própria como a primei­ra; porque o sujeito de branco, que tem a pos­sibilidade de vir a ser a negrura, é a substância do branco na sua totalidade, pois a brancura não é parte dela; ao passo que o sujeito da for­ma do ar é parte dele; por isso, quando dizemos - o ar pode ser fogo, isso é verdade em razão da parte, por sinédoque. Mas, na conversão eucarística, e semelhantemente na criação, por não haver nenhum sujeito, não dizemos que um extremo pode se transformar no outro; assim, que o não-ser possa se transformar no ser, ou que o pão possa ser o corpo de Cristo. E pela mesma razão não podemos propriamente dizer que do não ser se faça o ser, ou que o pão se torne no corpo de Cristo, porque a preposição de (de) designa a causa consubstancial; e essa con­substancialidade dos extremos, nas transmuta­ções naturais, consiste na sua conveniência no mesmo sujeito. - E por semelhante razão, não se pode conceder que o pão será o corpo de Cristo, ou que se faça o corpo de Cristo, como também não se concede, na criação, que o não ­ser será o ser, ou que o não ser se faça o ser. Porque esses modos de falar se verificam nas transmutações naturais em razão do sujeito, por exemplo, quando dizemos - o branco se faz negro, ou, o branco será negro.
 
Como porem neste sacramento, feita a conversão, ainda há um remanescente, a saber, os acidentes do pão, como dissemos, algumas des­sas locuções podem, por uma certa semelhança, ser concedidas. Assim; o pão se faz o corpo de Cristo, ou, o pão será o corpo de Cristo, ou do pão se faz o corpo de Cristo. Entendendo-se pela palavra - pão - não a substância do pão, mas em universal, o conteúdo das espécies do pão, sob as quais estava primeiro contida a substância do pão e depois, o corpo de Cristo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Aquilo de que uma coisa se faz, às vezes im­porta simultaneamente o sujeito com um dos ex­tremos da transmutação; assim, quando dizemos - do (ex) branco se faz o negro. Mas outras vêzes importa só o oposto ou o extremo, como quando dizemos - da (ex) manhã se faz o dia. E assim também no caso proposto, embora pro­priamente digamos, que do (ex) pão se faz o corpo de Cristo, mas não possamos dizer, com propriedade - o pão se faz o corpo de Cristo salvo por uma certa semelhança, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Aquilo, de que algu­ma coisa se faz, será às vezes essa coisa, por causa do sujeito que implica. Ora, como a con­versão de que se trata, não tem nenhum sujeito, não há semelhança de razão.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nesta conversão há maiores dificuldades que na criação, onde a única dificuldade é fazer alguma coisa, do nada; o que porem pertence ao modo próprio de pro­dução da primeira causa que nenhuma coisa pressupõe. Ao passo que nesta conversão não só é difícil a conversão de uma totalidade em outra, de modo que nada reste da primeira ­o que não se dá com o modo comum de pro­dução de nenhuma causa; mas também outra dificuldade é a permanência dos acidentes, cor­rupta a substância. E há ainda muitas outras dificuldades de que a seguir trataremos. Con­tudo, empregamos neste sacramento a palavra conversão, não, porém na criação, como dis­semos.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Como dissemos, a po­tência respeita ao sujeito, o que não podemos ad­mitir na conversão vertente. Por isso não conce­demos que o pão, possa ser o corpo de Cristo; pois, esta conversão não se faz pela potência passiva da criatura, mas pela só potência ativa do Criador.

Art. 7 — Se a conversão de que se trata se faz instantânea ou sucessivamente.

O sétimo discute-se assim. — Parece que a conversão de que se trata não se faz instantânea, mas sucessivamente.
 
1. — Pois, nessa conversão existe primeiro, a substância do pão e, depois, a substância do corpo de Cristo. Logo, uma e outra existe não num mesmo instante, mas em dois. Ora, entre dois instantes quaisquer há um tempo intermédio. Logo, há de necessàriamente essa conver­são operar-se no tempo sucessivo que medeia entre o último instante, em que ainda existe o pão, e o primeiro instante, em que já aí existe ­o corpo de Cristo.
 
2. Demais. — Toda conversão implica o vir a ser e o ser feito. Ora, um não se identifica com o outro, pois, o vir a ser não existe; e o feito já deixou de existir. Logo, nesta conversão há anterioridade e posterioridade. E, portanto não pode ser instantânea, mas é sucessiva.
 
3. Demais. — Ambrósio diz que este sacra­mento se celebra pela palavra de Cristo. Ora, a palavra de Cristo é proferida sucessivamente. Logo, esta conversão se opera sucessivamente.
 
Mas, em contrário, esta conversão se opera pelo poder infinito, cuja operação é subitânea.
 
SOLUÇÃO. — Uma mudança pode ser instantânea por três razões. - De um modo, por parte da forma, termo da mutação. Se, pois, houver uma forma susceptível de mais e de menos, como a saúde, o sujeito a recebe sucessivamente. Ora, a forma substancial, não sendo susceptível de mais nem de menos, é recebida pela matéria instantaneamente. - De outro modo, por parte do sujeito, que às vezes é preparado sucessiva­mente para receber a forma. Por isso a água se aquece sucessivamente. Mas quando já o sujei­to está na disposição última para receber a forma, recebe-a instantaneamente. Assim, um cor­po diáfano é iluminado subitamente. - De um terceiro modo, quando o agente tem um poder infinito pode dispor imediatamente a matéria, para receber a forma. Assim, refere o Evangelho, que quando Cristo disse: Epheta, que quer dizer - abre-te, no mesmo instante se abri­ram os olhos do paciente e se lhe soltou a prisão da língua.
 
E, por estas três razões, a conversão de que se trata é instantânea. - Primeiro, porque a substância do corpo de Cristo, em que termina esta conversão, não é susceptível de mais nem de menos. - Segundo, porque nesta conversão não há nenhum sujeito preparado sucessivamente. - Terceiro, porque a operação resulta do poder infinito de Deus.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Certos (como Alberto Magno e S. Boaventura) não concedem, absolutamente falando, que entre dois instantes quaisquer haja um tempo intermediário. Isto, dizem se dá com dois instantes referidos ao mesmo movimento; não porem com dois instantes relativos a termos diversos. Por onde, entre o instante que mede o fim do re­pouso, e outro instante que mede o princípio do movimento, não há tempo intermediário. - Mas nisto se enganam. Porque a unidade do tempo e do instante, ou ainda a pluralidade deles, não dependem de movimentos quaisquer, mas do movimento do céu, medida de todos os movimentos e repouso. Por isso outros o concedem, em se tratando do tempo que mede o movimento dependente do movimento do céu. Mas há certos movimentos não dependentes do movimento do céu nem por este medidos, como na Primeira Parte dissemos, dos movimentos dos anjos. Por onde, entre esses dois instantes, correspondentes aos referidos mo­vimentos, não há tempo intermediário. - Mas isto não se dá no caso vertente. Porque, em­bora a conversão, de que se trata não dependa em si mesma do movimento do céu, depende po­rém da prol ação de certas palavras, que necessàriamente há de medir-se pelo movimento do céu. E, portanto, é forçoso haver um tempo mé­dio entre dois instantes determinados quaisquer na conversão em questão.
 
Por isso outros dizem, que o instante em que por último existe o pão e o em que primeiro existe o corpo de Cristo, são por certo dois, rela­tivamente ao medido, mas são um só relativa­mente ao tempo que os mede; assim como quan­do duas linhas se tocam, são dois os pontos per­tencentes a duas linhas, mas apenas um ponto da parte da linha continente. - Mas este símile não colhe. Porque o instante e o tempo não são medida intrínseca aos movimentos particulares, como a linha e o ponto o são, dos corpos; mas são uma medida extrínseca, como o lugar, para os corpos.
 
Donde, outros opinam pela identidade entre o instante e a realidade, embora difiram racionalmente. - Mas, segundo esta opinião, os con­trários existiriam real e simultaneamente. Pois, a diversidade de razão não introduz nenhuma variação na realidade. Portanto, devemos concluir, que esta conversão, como dissemos, se opera pelas palavras de Cristo, proferidas pelo sacerdote, de modo que o instante último da prolação das palavras é o primeiro da existência do corpo de Cristo no sacramento, havendo ai, em todo o tempo prece­dente, a substância do pão. Em cujo tempo não devemos supor nenhum instante proximamente precedente ao último, porque o tempo não se compõe de instantes consecutivos uns aos outros, como o prova Aristóteles. Portanto, devemos por certo admitir um primeiro instante da existência do corpo de Cristo, mas não um último instante, em que existe a substância do pão; mas sim, um último tempo. E o mesmo se dá nas mutações naturais, como está claro no Filósofo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nas mutações instan­tâneas, vir a ser e ser feito são simultâneos, assim como simultâneos são o iluminar-se e o estar iluminado. Pois, em tais casos, ser feito, diremos do que já existe; e vir a ser, do que não existia antes.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Esta conversão, como se disse, se opera no último instante da prolação das palavras; porque então se completa a signi­ficação delas, que é eficaz nas formas dos sacra­mentos. Donde não se segue que esta conver­são seja sucessiva.

Art. 6 — Se feita a consagração, remanesce neste sacramento a forma substancial do pão.

O sexto discute-se assim. — Parece que, feita a consagração, remanesce neste sacramento a forma substancial do pão.
 
1. — Pois, como se disse, feita a consagração, remanescem os acidentes. Ora, o pão, sendo um produto artificial, também a sua forma é aciden­tal. Logo, remanesce, feita a consagração.
 
2. Demais. — A forma do corpo de Cristo é a alma, pois, como diz Aristóteles, a alma é o ato do corpo físico, tendo a vida em potência. Ora, não se pode dizer que a forma substancial do pão se converta na alma. Logo, remanesce, feita a consagração.
 
3. Demais. — A operação própria de um ser resulta da sua forma substancial. Ora, o remanes­cente neste sacramento nutre, e produz todos os efeitos produzidos pelo pão real. Logo, a forma substancial do pão permanece feita a consagra­ção.
 
Mas em contrário. - A forma substancial do pão faz parte da substância do pão. Ora, a subs­tância do pão se converte no Corpo de Cristo, como se disse. Logo, a forma substancial do pão não permanece.
 
SOLUÇÃO. — Certos disseram que depois da consagração, não só permanecem os acidentes do pão, mas também a forma substancial dele. Mas isto não pode ser. Primeiro, porque se a forma substancial do pão permanecesse só a matéria do pão é que se converteria no corpo de Cristo. Donde a conclusão, que não se converteria totalmente no corpo de Cristo, mas na matéria dele. O que repugna à fórmula do sacramento que reza: Isto é o meu corpo. - Segundo, porque se a forma substancial do pão permanecesse, ou permaneceria na matéria ou separada da maté­ria: ora, a primeira alternativa não pode ser. Porque se permanecesse na matéria do pão, então a substância do pão permaneceria totalmente,- o que vai contra o que já dissemos. E em outra matéria não poderia permanecer, porque uma forma própria não existe senão na matéria própria. Se porem permanecesse separada da matéria, então seria uma forma inteligível em ato, e também inteligente, pois, tais são todas as formas separadas da matéria: - Terceiro, tal seria inconveniente a este sacramento. Pois, os acidentes do pão neste sacramento permanecem para, sob eles, ser visto o corpo de Cristo, mas não na sua espécie própria, como se disse. Donde devemos concluir que a forma substancial do pão não permanece.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Nada impede uma produção da arte ter forma, não acidental, mas substancial: assim, a arte pode produzir rãs e serpentes. Mas tal forma a arte não na produz por virtude própria, senão em virtude dos princípios naturais. E deste modo produz a forma substancial do pão, em virtude do fogo, que coze a matéria feita de farinha e água.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A alma é a forma do corpo, que lhe dá a ordem total do ser perfeito: o ser, o ser corpóreo, o ser animado e assim por diante. Por onde, a forma do pão se converte na forma do corpo de Cristo, enquanto lhe dá o ser corpóreo, não porem enquanto lhe dá o ser animado de uma determinada alma.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Dos efeitos do pão uns dele resultam em razão dos acidentes, como o de afetar os nossos sentidos. E tais efeitos os produzem as espécies do pão, depois da con­sagração, por causa dos seus acidentes remanes­centes. Mas outros efeitos o pão os produz, ou em razão da matéria - tal a sua conversão em outro ser; ou em razão da sua forma substan­cial - tal o resultante da sua espécie, como o de nos alimentar a vida. E tais efeitos os en­contramos neste sacramento, não em virtude da forma ou da matéria, que permanecem, mas por serem milagrosamente conferidos aos próprios acidentes, como diremos mais abaixo.

Art. 5 — Se neste sacramento permanecem os acidentes do pão e do vinho.

O quinto discute-se assim. — Parece que neste sacramento não permanecem os acidentes do pão e do vinho.
 
1. — Pois, removido o anterior, removido fica o posterior. Ora, a substância é naturalmente anterior ao acidente, como o prova Aris­tóteles. Como, portanto, depois da consagração, não permanece a substância do pão neste sacramento, parece que não lhe podem permane­cer os acidentes.
 
2. Demais. — No sacramento da verdade não pode haver nenhum engano. Ora, pelos acidentes julgamos da substância. Logo, pare­ce que o nosso juízo se engana se, permanecendo os acidentes não permanece a substância do pão. Logo, não pode ser tal conveniente a este sacramento.
 
3. Demais. — Embora a nossa fé não de­penda da razão, não é, contudo contrária, mas superior a ela, como se disse no principio desta obra. Ora, a nossa razão se apóia em dados dos sentidos. Logo, a nossa fé não deve ser contrária aos sentidos. Mas, é contrária a eles, porque, onde julgam haver pão, a nossa fé crê que está a substância do corpo de Cristo. Logo, não é conveniente a este sacramento que os acidentes do pão permaneçam sujeitos aos sentidos e não, a substância do pão.
 
4. Demais. — O que permanece, depois da conversão, é o sujeito da mutação. Se, pois, os acidentes do pão permanecem depois da conver­são, os próprios acidentes é que seriam o sujeito da conversão. Ora, tal é impossível, pois, não há acidente de acidente. Logo, neste sacramento devem permanecer os acidentes do pão e do vinho.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: Nós, nas espécies do pão e do vinho, que vemos, honramos as realidades invisíveis da carne e do sangue.
 
SOLUÇÃO. — Percebemos pelos sentidos que, feita a consagração, permanecem os acidentes do pão e do vinho. O que a Divina Providência racionalmente o faz. - Primeiro, porque não costumamos os homens, antes temos horror, de comer a carne e beber o sangue hu­mano. E por isso são nos propostos, para que os tomemos, a carne e o sangue de Cristo, sob as espécies do pão e do vinho, de que mais fre­quentemente nos servimos. - Segundo, para este sacramento não vir a ser a irrisão dos infiéis, se comêssemos a N. Senhor, sob espécie própria. ­Terceiro, para nos aproveitar ao mérito da fé o comermos invisivelmente o corpo e o sangue do Senhor.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz o livro Das causas, um efeito depende mais da causa primeira que da segunda. Por isso, o poder de Deus causa primeira de tudo, pode fazer com que permaneça o posterior, desaparecido o anterior.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Neste sacramento não há nenhum engano, pois, nele estão verdadeiros acidentes, percebidos pelos sentidos. Pois, o inte­lecto, cujo objeto próprio é a substância, como diz Aristóteles, é preservado do engano pela fé.
 
Donde se deduz a RESPOSTA À TERCEIRA. — Pois, a fé não é contrária ao sentido, mas tem por ob­jeto o que os sentidos não atingem.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Esta conversão não tem sujeito próprio, como se disse. Mas, os acidentes remanescentes conservam alguma seme­lhança do sujeito.

Art. 4 — Se o pão pode converter-se no corpo de Cristo.

O quarto discute-se assim. — Parece que o pão não pode converter-se no corpo de Cristo.
 
1. — Pois, a conversão é uma mudança. Ora. toda mudança supõe um sujeito anteriormente em potência e depois um ato; porque, como diz Aristóteles, o movimento é o ato do ser exis­tente em potência. Ora, não é possível haver nenhum sujeito da substância do pão e do corpo de Cristo, porque é da essência da substância não existir num sujeito, como o diz Aristóteles. Logo, não é possível a substância do pão conver­ter-se totalmente no corpo de Cristo.
 
2. Demais. — A forma de um ser, no qual outro se converteu, começa a existir no primei­ro. Assim, quando o ar se converte no fogo ainda não existente, a forma do fogo começa a existir na matéria do ar; e semelhantemente, quando o alimento se converte num homem, antes não existente, a forma deste começa a existir na matéria do alimento. Se, portanto, o pão se converte no corpo de Cristo, necessària­mente a forma do corpo de Cristo começa a exis­tir na matéria do pão - o que é falso. Logo, o pão não se converte na substância do corpo de Cristo.
 
3. Demais. — De seres essencialmente diversos, nunca um se converte em outro; assim, a brancura nunca vem a ser negrura, mas o sujeito da brancura é que se transforma no da negrura, como diz Aristóteles. Ora, sendo duas formas contrárias essencialmente diversas, por serem os principias da diferença formal, tam­bém duas matérias signadas são essencialmente diversas, por serem os princípios da distinção ma­terial. Logo, não é possível a matéria do pão vir a ser a matéria pela qual se individua o corpo de Cristo. E assim, não é possível a substância de tal pão converter-se na substân­cia do corpo de Cristo.
 
Mas, em contrário, Eusébio Emisseno diz: Não ter como uma impossível novidade a con­versão do que é terreno e mortal na substância do corpo de Cristo.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, está verdadeiramente neste sacramento o corpo de Cristo, nem começa a existir nele pelo movimento lo­cal; porque ai não está como num lugar, con­forme do sobredito se mostra. Donde devemos necessàriamente concluir, que começa a nele existir por ser o resultado da conversão da subs­tância do pão. Mas esta conversão não é semelhante às conversões naturais, porque é absolutamente so­brenatural, produzida pelo só poder de Deus. Por isso diz Ambrósio: É claro que a Virgem gerou fora da ordem da natureza. E no sacra­mento que celebramos está o corpo nascido da Virgem. Por que buscas, pois, a ordem da na­tureza no corpo de Cristo, pois que fora das leis da natureza nasceu da Virgem N. S. Jesus Cris­to? E àquilo do Evangelho: As palavras que eu vos disse, isto é, sobre este sacramento, são espí­rito e vida, diz Crisóstomo: Isto é, são espiri­tuais, por nada terem de carnal nem consequên­cia natural; mas estarem acima de toda necessidade terrestre e das leis deste mundo.
 
Pois, é manifesto, que todo agente age enquanto atual. Ora, todo agente criado é determinado no seu ato, por ser de gênero e es­pécie determinados. Por onde, a ação de todo agente criado recai sobre um ato determinado. Ora a existência atual e determinada, de um ser, se realiza mediante a sua forma. Por onde, nenhum agente natural ou criado pode agir se­não mudar uma forma. E por isso toda conver­são, feita segundo as leis da natureza, é formal. Ora, Deus é o ato infinito, como estabelecemos na Primeira Parte. Logo, a sua ação se estende à natureza total do ser. Por onde, não só pode realizar a conversão formal, de modo que formas diversas se sucedam, no mesmo sujeito; mas a conversão total do ser, de modo que toda a substância de um se converta totalmente na substância de outro.
 
E é o que faz o poder divino neste sacramen­to. Pois, a substância do pão se converte todo na substância total do corpo de Cristo; e toda a substância do vinho, na substância total do sangue de Cristo. Por onde, tal conversão não é formal, mas substancial. Nem está contida entre as espécies de movimento natural, mas pode receber a denominação própria de transubstanciação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto à mutação formal, por ser próprio à forma existir na matéria ou num sujeito. Mas não, quanto à conversão substancial, implicando uma certa ordem das substân­cias, das quais uma se converte em outra, se rea­liza, como no sujeito, em cada substância, como a ordem e o número.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe quanto à conversão ou mutação formal; porque, como dissemos, a forma existe necessàriamente na matéria ou num sujeito. Mas não, quanto à conversão total da substância, a que não pode mos atribuir nenhum sujeito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O poder de um agente finito não pode mudar uma forma em outra, nem uma em outra matéria. Mas a virtude de um agente infinito, cuja ação se esten­de à totalidade do ser, pode operar essa conver­são; porque uma e outra forma e uma e outra matéria têm a natureza comum de ser; e a en­tidade de uma pode o Autor do ser converter na entidade de outra, desaparecendo a diferença que a distinguia desta.

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