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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 — Se a substância do pão, depois da consagração deste sacramento, se aniquila, ou se resolve na matéria primitiva.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a substância do pão, depois da consagração deste sacramento, se aniquila ou se resolve na matéria primitiva.
 
1. — Pois, tudo o que é corpóreo deve estar em algum lugar. Ora, a substância do pão, que é corpórea, não permanece neste sacramento, como se disse; mas não se lhe pode assinalar nenhum lugar onde esteja. Logo, nada mais é depois da consagração. Portanto, ou se aniqui­lou ou se resolveu na primitiva matéria.
 
2. Demais. — O termo de origem de uma mudança não permanece, senão só na potência da matéria. Assim, quando do ar nasce o fogo, a forma do ar não permanece senão na potên­cia da matéria; e o mesmo se dá quando do branco procede o preto. Ora, neste sacramento a substância do pão e a do vinho se comportam como termo de origem, e o corpo ou o sangue de Cristo, como termo de chegada. Assim, diz Ambrósio: Antes da consagração há uma espé­cie, depois, o corpo de Cristo. Logo, feita a con­sagração, a substância do pão ou do vinho não permanece, salvo talvez resoluta na sua matéria.
 
3. Demais. — Necessàriamente um dos contraditórios é verdadeiro. Ora, esta proposição é falsa: Feita a consagração, a substância do pão ou do vinho é uma realidade. Logo, é verdadeira a proposição: A substância do pão ou do vinho não é nada.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: Deus não é causa da tendência para o não-ser. Ora, este sacramento se consuma pela virtude divina. Logo, neste sacramento não fica aniquilada a substância do pão ou do vinho.
 
SOLUÇÃO. — Porque a substância do pão ou do vinho não permanece neste sacramento, cer­tos, reputando impossível a conversão da subs­tância do pão ou do vinho no corpo ou no san­gue de Cristo afirmaram que pela consagração a substância do pão ou do vinho ou se resolve na matéria primitiva ou se aniquila. (Cf. Gui­lherme de Paris, de Euch. cap. I). Ora, a matéria primitiva, em que os corpos mistos podem resolver-se, são os quatro elemen­tos. Pois, a resolução não pode fazer-se na ma­téria-prima, de modo a existir sem a forma, por­que a matéria não pode existir sem a forma. Ora, como depois da consagração, nada perma­nece sob as espécies do sacramento, a não ser o corpo e o sangue de Cristo, será necessário con­cluir que os elementos, em que se resolveu a substância do pão ou do vinho, daí se separaram pelo movimento local, o que os sentidos perceberiam. - Semelhantemente, também a subs­tância do pão ou do vinho permanece até o últi­mo instante da consagração. Ora, no último instante da consagração, já aí existe a substân­cia do corpo ou do sangue de Cristo, assim como no último instante da geração já existe a for­ma. Por onde não se pode admitir nenhum instante no qual aí exista a matéria primitiva. Pois, não se pode dizer que a substância do pão ou do vinho se resolva aos poucos na matéria primitiva, ou saia sucessivamente do lugar das espécies. Porque, se isso começasse a realizar-­se no último instante da sua consagração, simultaneamente existiria numa mesma parte da hós­tia o corpo de Cristo e a substância do pão, o que vai contra o já dito. Se porem isso come­çasse a realizar-se antes da consagração, deve­ríamos admitir um tempo em que numa mesma parte da hóstia não existiria nem a substância do pão nem o corpo de cristo - o que é inad­missível.
 
E essa conseqüência eles próprios a ponderaram. E por isso à dijunctiva acrescentaram a hipótese da aniquilação da substância do pão. - Mas isto também não pode sustentar-se. Por­que não podemos admitir nenhum modo pelo qual o corpo de Cristo comece a estar verdadei­ramente neste sacramento, senão pela conversão nele da substância do pão. Conversão que fica anulada, posta a aniquilação da substância do pão ou a resolução na primitiva matéria. – Semelhantemente, também não podemos descobrir a causa de tal resolução ou aniquilação neste sacramento, pois que o efeito do sacramento é significado pela forma, e nem a resolução nem a significação pelas palavras da forma - Isto é o meu corpo. Por onde é clara a falsidade da opinião referida.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A substância do pão ou do vinho, feita a consa­gração, não permanece nem sob as espécies do sacramento, nem em nenhum outro lugar. Mas dai não se segue que fique aniquilada, pois se converte no corpo de Cristo. Como não se segue que o ar, donde se gera o fogo, desapareça, por­que não ocupa o lugar onde está o fogo, nem nenhum outro.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A forma termo de origem, não se converte noutra forma, mas uma sucede à outra, no sujeito; e portanto a primei­ra forma não permanece senão na potência da matéria. Ora, no caso vertente, a substância do pão se converte no corpo de Cristo, como disse­mos. Logo, a objeção não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora depois da consagração seja falsa a proposição - A subs­tância do pão é uma realidade - contudo o em que a substância do pão se converteu é uma realidade. E, portanto a substância do pão não ficou aniquilada.

Art. 2 — Se neste sacramento permanece a substância do pão e do vinho depois da consagração.

O segundo discute-se assim. — Parece que neste sacramento permanece a substância do pão e do vinho depois da consagração.
 
1. — Pois, Damasceno diz: Por ter o homem o costume de comer o pão e beber o vinho, Deus lhes uniu a divindade, fazendo deles o seu corpo e o seu sangue. E mais abaixo: O pão da co­munhão não é um pão simples, mas o unido à divindade. Ora, união só há entre causas exis­tentes em ato. Logo, o pão e o vinho estão simultaneamente neste sacramento com o corpo e o sangue de Cristo.
 
2. Demais. — Entre os sacramentos de Cris­to deve haver conformidade. Ora, nos outros sacramentos permanece a substância da matéria; assim, no batismo a substância da água e na confirmação, a do crisma. Logo, neste sa­cramento permanece a substância do pão e do vinho.
 
3. Demais. — O pão e o vinho são usados neste sacramento para significar a unidade da Igreja, pois, um pão é feito de muitos grãos e um vinho de muitos racimos, como diz Agostinho. Ora, isto concerne à substância mesma do pão e do vinho. Logo a substância do pão e do vinho permanecem neste sacramento.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Embora vejamos a figura do pão e do vinho, devemos porém crer que, depois da consagração, não são mais que a carne e o sangue de Cristo.
 
SOLUÇÃO. — Certos disseram que depois da consagração permanece a substância do pão e do vinho neste sacramento. - Mas esta opinião não pode sustentar-se. Primeiro, porque destrói a verdade da Eucaristia, na qual está verdadeiramente o corpo de Cristo; que aí não está antes da consagração. Ora, um corpo não pode estar onde antes não estava, senão por mudança de lugar, ou pela transformação de outro corpo nesse. Assim, o fogo começa a existir numa casa ou porque foi para ela levado ou nela gerado. Mas é mani­festo que o corpo de Cristo não começa a estar neste sacramento pelo movimento local. - Pri­meiro, porque daí resultaria que deixava de estar no céu. Pois, o que se move localmente não passa a ocupar novo lugar senão depois de sair donde primeiro estava. - segundo, porque todo corpo sujeito ao movimento local transpõe to­das as posições intermédias. O que neste caso não se pode dizer. - Terceiro, por ser impossível um movimento do mesmo corpo, localmente movido, terminar simultaneamente em lugares di­versos; ao passo que o corpo de Cristo, neste sa­cramento, começa a estar simultaneamente em vários lugares. - Donde se conclui que o corpo de Cristo não pode começar a existir neste sa­cramento senão pela transformação nele, da substância do pão. Ora, o que se converte em outro já não permanece depois da conversão. Donde resulta que, salva a verdade deste sacra­mento, a substância do pão não pode permane­cer depois da consagração. Segundo, porque tal opinião contraria a for­ma deste sacramento, que reza: Isto é o meu corpo. O que não seria verdade se a substância do pão aí permanecesse; pois, nunca a substân­cia do pão é o corpo de Cristo. Pois então, de­via ter dito: Aqui está o meu corpo. Terceiro, porque contraria à veneração deste sacramento, se nele existisse alguma substância criada que não pudesse ser adorada com adora­ção de latria. Quarto, porque contraria ao rito da Igreja, segundo o qual não é lícito tomar nenhum alimento antes de receber o corpo de Cristo; e con­tudo depois de uma hóstia consagrada podemos receber outra. Por onde, devemos rejeitar esta opinião como herética.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Deus uniu a sua divindade, isto é, a virtude divi­na, ao pão e ao vinho, não por permanecerem neste sacramento, mas para se transformarem no seu corpo e no seu sangue.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nos outros sacra­mentos não está Cristo mesmo realmente, como neste. Por isso nos outros permanece a subs­tância da matéria, mas não neste.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As espécies rema­nescentes neste sacramento, como mais abaixo diremos, bastam à significação dele; pois, pelos acidentes se conhece a natureza da substância.

Art. 1 — Se neste sacramento está o corpo de Cristo verdadeiramente ou se só em figura e como em sinal.

O primeiro discute-se assim. — Parece que neste sacramento não está o corpo de Cristo ver­dadeiramente, mas só em forma e como em sinal.
 
1. — Pois, refere o Evangelho, que tendo o Senhor dito - Se não comerdes a carne do Filho do homem e beberdes o seu sangue, etc. - muitos dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: duro é este discurso, a que Cristo replicou: O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita. Como se dissesse, segundo a exposição de Agos­tinho: Entendei o que falei, em sentido espiri­tual. Não havereis de comer este corpo que vedes, nem haveis de beber o sangue que hão de derramar os que me vão crucificar. É de um sacramento que vos falei. Entendei em sentido espiritual a expressão - vos vivificará, a carne para nada aproveita.
 
2. Demais. — O Evangelho diz: Eu estou convosco todos os dias, até a consumação do século. Expondo o que, Agostinho diz: Até que o século termine Deus está no céu, contudo está conosco a verdade do Senhor. Pois, o corpo com que ressurgiu há de necessàriamente estar num lugar; mas a sua verdade difundiu-se por toda parte. Logo, o corpo de Cristo não está verda­deiramente neste sacramento, mas só como em sinal.
 
3. Demais. — Nenhum corpo pode estar simultaneamente em vários lugares, porque isso nem o anjo o pode; do contrário, poderia pela mesma razão estar em toda parte. Ora, o corpo de Cristo é verdadeiramente corpo e está no céu. Logo, parece que não está verdadeiramente no sacramento do Altar, senão só como em sinal.
 
4. Demais. — Os sacramentos da Igreja se ordenam à utilidade dos fiéis. Ora, segundo Gregório, numa Homília, o régulo foi repreendido porque buscava a presença corporal de Cris­to; e os Apóstolos também ficaram impedidos de receber o Espírito Santo, porque estavam acos­tumados à presença corporal de Cristo, como o diz Agostinho, àquilo do Evangelho: Se eu não for, não virá a vós o Consolador. Logo, Cristo não está no Sacramento do Altar por uma pre­sença corpórea.
 
Mas, em contrário, diz Hilário: Sobre a verdade concernente ao corpo e ao sangue de Cristo, não há lugar para dúvidas. Pois, con­forme a afirmação mesma do Senhor e a nossa fé, a sua carne é verdadeiramente comida e o seu sangue verdadeiramente bebida. E Ambró­sio: Assim como N. S. Jesus Cristo é verdadeiramente Filho de Deus, assim a carne que rece­bemos é verdadeiramente carne de Cristo, e be­bida é verdadeiramente o seu sangue.
 
SOLUÇÃO. — Que o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente no sacramento do Altar, não podemos apreendê-la nem pelos sentidos nem pelo intelecto; mas só pela fé, que se apóia na autoridade divina. Por isso, àquilo do Evan­gelho - este é o meu corpo, que se dá por vós, diz Cirilo: Não duvides da verdade disto, mas antes tem fé nas palavras do Salvador, que, sen­do a verdade, não mente.
 
O que é conveniente é primeiro, a perfeição da Lei Nova. Pois, os sacrifícios da Lei Velha só representavam em figura o verdadeiro sacri­fício da paixão de Cristo, segundo aquilo do Após­tolo: A lei, tendo a sombra dos bens futuros, não a imagem mesma das coisas. Por onde, era necessário, que o sacrifício da Lei Nova, insti­tuído por Cristo, tivesse mais rico conteúdo, a saber, o próprio Cristo com a sua paixão, não só simbólica ou figuradamente, mas, também na realidade. E por isso este sacramento, que contém realmente o próprio Cristo, como diz Dio­nísio, é perfectivo de todos os outros sacramen­tos, nos quais é participada a virtude de Cristo. Em segundo lugar, convém à caridade de Cristo, levado da qual assumiu um corpo verda­deiramente da nossa natureza, para a nossa sal­vação. E porque é próprio por excelência à amizade, conviver com os amigos, como diz o Fi­lósofo, por isso nos reprometeu como prêmio a sua presença corporal, segundo aquilo do Evan­gelho: Em qualquer lugar em que estiver o corpo ali se hão de ajuntar também as águias. Mas, entretanto não nos privou da sua presença corporal nesta peregrinação, mas nos uniu a si neste sacramento, pelo seu verdadeiro corpo e sangue. Por isso êle próprio disse: O que come a minha carne e bebe o meu sangue, esse fica em mim e eu nele. Por onde, este sacramento é o máximo sinal da caridade e o sublevamento da nossa esperança pela união tão familiar de Cristo conosco. Em terceiro lugar convém à perfeição da fé, que tem por objeto tanto a divindade de Cristo como a sua humanidade, segundo aquilo do Evangelho: Se credes em Deus crede também em mim. E como a fé tem por objeto o invisível, do mesmo modo que Cristo nos revela a sua divindade invisivelmente, assim também neste sacramento nos dá a conhecer a sua carne de um modo invisível. Por não terem atendido a isto, certos disse­ram que o corpo e o sangue de Cristo não esta neste sacramento senão como num sinal. Opi­nião que deve ser rejeitada como herética, por contrária às palavras de Cristo. Por isso Beren­gário, primeiro autor desse erro, foi depois coa­gido a abjurá-lo e a confessar a verdade da fé.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Fundados nessa autoridade, os referidos heréti­cos foram induzidos em erro, por entenderem mal as palavras de Agostinho. Pois, quando Agostinho diz - Não havereis de comer este corpo que vedes - não teve a intenção de negar que o corpo de Cristo o fosse verdadeiramente; mas que não ia ser comido sob a forma em que eles o viam. E pelo que acrescenta - O sacra­mento de que vos falei vos vivificará, entenden­do-o em sentido espiritual, não quis dizer que o corpo de Cristo estivesse neste sacramento só na sua significação mística, mas espiritualmente, isto é, invisivelmente, e por virtude do espírito. Por isso, expondo aquilo do Evangelho - A carne para nada aproveita - diz: Mas do modo por que o entenderam. Pois, entenderam que a car­ne deve ser comida no sentido em que a corta­mos do animal morto, ou como é vendida no açougue, e não no sentido em que nutre o nosso espírito. Que o espírito nela penetre e de muito aproveita; pois, se a carne de nada aproveitasse, o Verbo não se faria carne para habitar entre nós.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas de Agostinho e expressões semelhantes devem entender-se do corpo de Cristo, enquanto visto na sua figura própria, no sentido em que tam­bém o Senhor mesmo disse: A mim nem sempre me tereis. Invisivelmente porém e sob as espé­cies deste sacramento, está em toda parte onde tal sacramento é celebrado.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O corpo de Cristo não está neste sacramento do mesmo modo por que um corpo está num lugar, comensurado pelas dimensões locais; mas de um modo especial próprio a este sacramento. Por isso dizemos que o corpo de Cristo está em diversos altares, não como em lugares diversos, mas como no sacramento. Pelo que não entendemos que Cristo ai esteja só como num sinal, embora o sacra­mento seja um gênero de sinais. Mas entende­mos que ai está o corpo de Cristo, como disse­mos, segundo o modo próprio a este sacramento.
 
RESPOSTA À QUARTA. - A objeção procede quanto à presença do corpo de Cristo, presente como corpo, isto é, na sua espécie visível; não po­rém na sua presença espiritual, isto é, de modo invisível e em virtude do espírito. Por isso diz Agostinho: Se entendeste espiritualmente as palavras de Cristo referentes à sua carne, terás em ti o espírito e a vida; se as entendeste carnalmente, também são espírito e vida, mas não para ti.

Questão 75: Da conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo

Em seguida devemos tratar da conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo.
 
E nesta questão discutem-se oito artigos:

Art. 8 — Se a água deve ser misturada em grande quantidade.

O oitavo discute-se assim. — Parece que a água deve ser misturada em grande quantidade.
 
1. — Pois, assim como o sangue correu sensivelmente do lado de Cristo, assim também a água. Ora, a água não poderia ser misturada sen­sivelmente neste sacramento, senão em grande quantidade. Logo, parece que a água deve ser misturada em grande quantidade.
 
2. Demais. — Pouca água, misturada a muito vinho, corrompe-se. Ora o que está cor­rupto não existe. Logo, por pouca água neste sacramento é o mesmo que não pôr nada. Ora não é lícito não pôr nada. Logo, não é lícito pôr pou­ca água.
 
3. Demais. — Se bastasse acrescentar pou­ca água, seria por conseqüência suficiente derramar uma gota de água em toda uma pipa de vi­nho. Ora, isto é ridículo. Logo, não basta mistu­rar uma pequena quantidade de água.
 
Mas, em contrário, uma disposição canônica reza: No teu país introduziu-se o abuso pernicio­so de pôr, no sacrifício, mais quantidade de água que de vinho; sendo, ao contrário, o uso comum da Igreja universal, pôr mais vinho que água.
 
SOLUÇÃO. - Sobre a água misturada com o vinho, como o diz Inocêncio III numa Decretal, há tríplice opinião. Assim, uns dizem que a água misturada com o vinho permanece água, quando o vinho se converte em sangue. - Mas esta opi­nião não pode sustentar-se. Porque no sacra­mento do Altar, depois da consagração, não há senão o corpo e o sangue de Cristo. Pois, diz Ambrósio: Antes da bênção há uma espécie que, depois da consagração, se transforma no corpo de Cristo. Do contrário, este não seria adorado com a veneração de latria. E por isso outros opinaram que assim como o vinho se converte em sangue, assim a água se converte na água que correu do corpo de Cristo. - Mas isto não se pode dizer com razão. Por­que, se assim fosse, a água separadamente do vinho seria consagrada, como o vinho separada­mente do pão. Por onde, como o mesmo Inocêncio III diz, é mais provável a opinião de outros, que dizem que a água se converte em vinho e o vinho em sangue. Mas isto não pode dar-se a não ser que se misturasse tão pouca água, que se conver­tesse em vinho. Por isso é sempre mais seguro pôr pouca água, sobretudo sendo fraco o vinho; pois, se se pusesse tanta água que desaparecesse a espécie do vinho, não se poderia celebrar o sa­cramento. Donde o repreender Júlio Papa (I) a certos que conservam durante o ano um pano de linho tinto de mosto· e na ocasião do sacrifí­cio lavam com água uma parte dele e assim sacrificam.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Basta para a significação deste sacramento sen­tir-se que a água é misturada com o vinho; mas não é preciso que ainda a percebamos depois da mistura.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. —Se a água fosse totalmente excluída, excluída de todo também ficaria a significação; mas, a conversão da água no vinho significa a incorporação do povo com Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fato de se pôr água numa pipa de vinho, não bastaria à significação deste sacramento: mas é necessário mis­turá-la com o vinho na celebração mesma do sacramento.

Art. 7 — Se a mistura da água é indispensável neste sacramento.

O sétimo discute-se assim. — Parece que a mistura da água é indispensável neste sacramento.
 
1. — Pois, diz Cipriano: Como no cálice do Senhor não há somente água nem vinho somen­te, mas ambos misturados, do mesmo modo o seu corpo não pode ser farinha só, mas um misto de farinha e água. Ora, a mistura da água com a farinha é indispensável neste sacramento. Logo, e pela mesma razão, a mistura da água com o vi­nho.
 
2. Demais. — Na paixão do Senhor, de que este sacramento é o memorial, assim como do seu lado saiu sangue, assim também água. Ora, o vinho, sacramento do sangue, é indispensável neste sacramento. Logo, pela mesma razão, a água.
 
3. Demais. — Se a água não fosse indispensável neste sacramento, não importaria de que água se usasse; portanto, poder-se-ia usar de água rosada, ou qualquer água semelhante, o que é o uso da Igreja. Logo, a água é indispensável neste sacramento.
 
Mas, em contrário, diz Cipriano: Se algum dos nossos antecessores, por ignorância ou sim­plicidade, não observou, isto é, se não misturou água com vinho neste sacramento, concedemos perdão à sua simplicidade. O que não se daria, se a água fosse indispensável neste sacramento, como o é o vinho ou o pão. Logo, a mistura com a água não é indispensável, neste sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Devemos julgar um sinal por aquilo que êle significa. Ora, a razão de se mis­turar a água com o vinho é significar a parti­cipação deste sacramento pelos fiéis, pois, essa mistura simboliza o povo amado com Cristo, como se disse. E o mesmo ter comido a água do lado de Cristo pendente da cruz, tem idêntica sig­nificação, pois, a água significa a ablução dos pecados, feita pela paixão de Cristo. Ora, como dissemos, este sacramento se consuma pela con­sagração da matéria: mas o uso dos fiéis não lhe é indispensável a êle, sendo apenas uma consequência do sacramento. Por onde, a mistura com a água não é indispensável neste sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Essas palavras de Cipriano devem entender-se no sentido em que dizemos não poder existir o que não pode convenientemente existir. E assim, a referida semelhança se funda no que deve ser feito, e não na necessidade de o fazer, pois, a água é da essência do pão, mas não da do vinho.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A efusão do sangue resultava diretamente da paixão mesma de Cris­to; pois, é natural do corpo humano ferido pro­manar o sangue. Ao contrário, a efusão da água não havia necessàriamente de se dar na paixão, senão para lhe mostrar o efeito, que é a ablução dos pecados e o refrigério contra o ardor da concupiscência. Por isso a água não é oferecida se­paradamente do vinho, neste sacramento, como o vinho é separadamente do pão; mas a água é oferecida misturada com vinho, para mostrar que o vinho por si é indispensável à existência mesma deste sacramento, ao passo que a água só é misturada com o vinho.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A mistura da água com o vinho não é de necessidade neste sacra­mento; por isso não importa à validade dele que água seja misturada com o vinho – natural, ar­tificial ou rosada. Embora, quanto à conveniên­cia do sacramento, peque quem misturar água que não seja a natural e verdadeira. Porque do lado de Cristo pendente da cruz, manou verda­deira água e não um humor fleugmático, como certos disseram, para mostrar que o corpo de Cristo era verdadeiramente composto dos quatro elementos; assim como o sangue que correu mos­trava ser o seu corpo composto dos quatro humo­res, conforme diz Inocêncio III, numa Decretal. Sendo porem a mistura da água com a farinha indispensável neste sacramento, por constituir a substância do pão, se se misturar farinha com água rosada, ou com qualquer outro líquido que não a verdadeira água, não pode com essa maté­ria ser celebrado o sacramento, porque não haveria verdadeiro pão.

Art. 6 — Se deve ser misturada a água com o vinho.

O sexto discute-se assim. — Parece que a água não deve ser misturada com o vinho.
 
1. — Pois, o sacrifício de Cristo foi significa­do pela oblação de Melquisedeque, de quem não diz a Escritura que oferecesse outra coisa senão pão e vinho. Logo, parece que neste sacramento não se deve acrescentar a água.
 
2. Demais. — Sacramentos diversos têm matérias diversas. Ora, a água é a matéria do batismo. Logo, não deve ser tomada como a des­te sacramento.
 
3. Demais. — O pão e o vinho são a matéria deste sacramento. Ora, ao pão nada se acrescenta. Logo, nem ao vinho se deve acrescentar nada.
 
Mas, em contrário, Alexandre Papa (I) determina: Nas oblações dos sacramentos que na solenidade da missa, se ofereçam ao Senhor, ofe­reçam-se no sacrifício somente pão e vinho mis­turado com água.
 
SOLUÇÃO. — O vinho oferecido neste sacramento deve ser misturado com água. - Primeiro, por causa da instituição. Pois, crê-se com proba­bilidade que o senhor instituiu este sacramento tomando vinho misturado com água, conforme ao costume da sua terra. Donde o dizer a Escritura: Bebei o vinho que vos preparei. - segundo, por assim convir à representação da paixão do se­nhor. Por isso dispõe Alexandre Papa: Não deve no cálice do Senhor, ser oferecido vinho só nem só água, mas ambos misturados; vais, como lemos no Evangelho, ambos conservam do lado de Cristo, na sua paixão. - Terceiro, porque assim convém para significar o efeito deste sacramento que é a união do povo crístão com Cristo. Pois, como diz Júlio Papa, vemos que pela água se entende o povo, e pelo vinho, o sangue de Cristo. Por isso, quando no cálice se mistura a água com o vinho, o povo se aduna com Cristo. ­Quarto porque tal convém ao efeito último des­te sacramento, que é a entrada na vida eterna. Por isso, diz Ambrósio: A água redunda no cálice e jorra em vida eterna.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Como diz Ambrósio no mesmo lugar, assim como o sacrifício de Cristo foi significado pela oblação de Melquisedeque, assim também o foi pela água, que no deserto jorrou da pedra, segundo aqui­lo do Apóstolo: E todos bebiam da pedra miste­riosa que os seguia.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A água é tomada no batismo para o uso da ablução. Ao passo que nes­te sacramento ela serve para a refeição espiritual, segundo aquilo da Escritura: ele me conduziu junto a uma água de refeição.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O pão é confecciona­do de água e de farinha. E portanto, sendo a água é misturada com o vinho tanto deste como do pão faz ela parte.

Art. 5 — Se é matéria própria deste sacramento o vinho da vide.

O quinto discute-se assim. — Parece que não é a matéria própria deste sacramento o vinho da vide.
 
1. — Pois, assim como a água é a matéria do batismo, assim o vinho, a deste sacramento. Ora, com qualquer água pode-se celebrar o batis­mo. Logo, com qualquer vinho, por exemplo, com o de maçãs granadas, de amoras ou de frutas seme­lhantes, pode-se celebrar este sacramento; tanto mais quanto em certas terras não cresce a vi­deira.
 
2. Demais. — O vinagre é uma espécie de vinho, extraído da uva, como diz Isidoro. Ora, com vinagre não se pode celebrar este sacramento. Logo, parece que o vinho da vide não é a matéria própria dele.
 
3. Demais. — Assim como da vide se extrai o vinho puro, assim também o agraço e o mosto. Ora, com estes não se pode celebrar a Eucaristia, conforme àquela disposição do Sexto Sínodo: Fo­mos informados que em certas Igrejas os sacer­dotes ajustavam uvas ao sacrifício da oblação; e assim distribuíam ao povo uvas e vinho. Nós de­terminamos porém que os sacerdotes não mais assim procedam. E Júlio Papa repreende certos que oferecem no sacramento do cálice do Senhor vinho que acabara de expremer, da uva. Logo, parece que o vinho da uva não é a ma­téria própria deste sacramento.
 
Mas, em contrário, assim como o Senhor se comparou ao grão de trigo, assim também se comparou ao da vide, quando disse: Eu sou a vi­deira verdadeira. Ora, só o pão de trigo é a ma­téria deste sacramento, como se disse. Logo, só o vinho da videira é a matéria própria dele.
 
SOLUÇÃO. — Só com o vinho da videira se po­de celebrar este sacramento. — Primeiro, por causa da instituição de Cristo, que o instituiu com esse vinho, como o demonstra o que êle pró­prio disse quando o fez: Não tomarei a beber do fruto da vide. — Segundo, porque, como disse­mos, para matéria deste sacramento se toma o que própria e geralmente tem tal espécie. Ora, propriamente se chama vinho ao extraído da uva; ao passo que outros líquidos assim se cha­mam por causa de certa semelhança com o vi­nho da vide. — Terceiro, porque o vinho da vi­de, é mais conducente ao efeito deste sacramen­to. que é a alegria espiritual; pois, está escrito ­o vinho alegra o coração do homem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Esses líquidos não se chamam propriamente vi­nho, senão por certa semelhança. Quanto ao ver­dadeiro vinho, pode ser levado às terras onde não crescem as vides, o quanto baste para este sacra­mento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O vinho pela corrup­ção se torna vinagre; por isso, o vinagre não vem de novo a ser vinho, como o explica Aristóteles. Por onde, assim como com pão totalmente cor­rupto não se pode celebrar este sacramento, as­sim nem com vinagre. Podemos porém celebrá-lo com vinho que se vai azedando, como com o pão em via de corrupção, embora peque quem assim o fizer, como dissemos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O agraço, estando em via de geração, ainda não tem a espécie de vinho. E por isso não se pode com êle celebrar este sa­cramento. - Ao contrário, o mosto já tem essa es­pécie; pois, como a sua doçura o prova, o vinho já está formado; isto é, que o calor natural já lhe deu seu complemento, como o diz Aristóteles. E portanto, com o mosto pode-se celebrar este sa­cramento. — Mas uvas inteiras a êle se não de­vem acrescentar, porque então já ai haveria ou­tra coisa além do vinho. - Também é proibido oferecer no cálice o mosto recém-exprimido da uva, o que não convém por causa da impureza do mosto. É permitido porém oferecê-lo em caso de necessidade, pois, o mesmo Papa Júlio diz (no logo cit.): Se for necessário, esprema-se um ca­cho de uvas no cálice.

Art. 4 — Se este sacramento deve celebrar-se com pão asmo.

O quarto discute-se assim. — Parece que es­te sacramento não deve ser celebrado com pão asma.
 
1. — Pois, devemos neste sacramento imitar a instituição de Cristo. Ora, parece que Cristo o instituiu com pão fermentado, pois, como lemos na Escritura, os judeus de conformidade com a lei, começavam a usar dos asmos no dia da Pás­coa, celebrado na décima quarta lua; ao passo que Cristo instituiu este sacramento na ceia que celebrou antes do dia da Páscoa, como o refere o Evangelho. Logo, também nós devemos celebrar este sacramento com pão fermentado.
 
2. Demais. — As cerimônias legais já não devem observar-se no tempo da graça. Ora, usar de asmos era uma cerimônia legal, como se lê na Escritura. Logo, neste sacramento da graça não devemos usar de asmos.
 
3. Demais. — Como se disse, a Eucaristia é o ·sacramento da caridade, como o batismo, o da fé. Ora, o fervor da caridade é simbolizado pelo fermento, como o ensina a Glosa àquilo do Evan­gelho: O reino dos céus semelhante ao fermen­to, etc. Logo, este sacramento deve ser celebrado com pão fermentado.
 
4. Demais. — O ser asmo e fermentado são acidentes do pão, que lhe não variam a espécie. Ora, na matéria do batismo nenhuma distinção se faz quanto à diferença nos acidentes da água; por exemplo, se é salgada ou doce, quente ou fria. Logo neste sacramento nenhuma distinção se deve fa­zer, se o pão é asmo ou fermentado.
 
Mas, em contrário, uma disposição canônica pune o sacerdote que ousar com pão fermentado e cálice de madeira celebrar a solenidade da missa.
 
SOLUÇÃO. — Sobre a matéria deste sacramen­to duas coisas podemos considerar: o que é ne­cessário e o que é conveniente. - Necessário é ser o pão de trigo, como se disse; sem o que não há o sacramento. Mas não é necessário que o pão seja asma ou fermentado, pois com qual­quer deles pode ser o sacramento celebrado. ­Conveniente é que cada um conserve o rito da sua Igreja ao celebrá-la. Sobre o que são diversos os costumes das Igrejas. Assim, diz S. Gregório: A Igreja Romana oferece pães asmos; porque o Senhor assumiu a nossa carne sem nenhuma mistura. Mas as Igrejas Gregas oferecem o pão fermentado, porque o Verbo do Pai se revestiu de carne, assim como o fermento é misturado com farinha. Por onde, assim como peca o presbítero da Igreja Latina que celebrar com pão fermen­tado, assim também pecará o presbítero grego que na Igreja dos Gregos celebrar com pão asmo, perverter assim o rito da sua Igreja. E contudo o costume de celebrar com pão asmo é mais racional. - Primeiro, pela instituição de Cristo, que instituiu este sacramento no primeiro dia dos asmos, como lemos nos Evangelhos. - Segundo, porque o pão é propriamente o sa­cramento do corpo de Cristo, concebido sem ne­nhuma corrupção, mais que o da sua divindade, como a seguir se dirá. - Terceiro, porque isso melhor convém à sinceridade dos fiéis, requerida pelo uso deste sacramento, segundo àquilo do Apóstolo: Cristo, que é a nossa Páscoa, foi imo­lado, e assim solenizemos o nosso convite com os asmas da sinceridade e da verdade. Contudo, o costume dos gregos tem alguma razão de ser, tanto pela significação, a que alu­de Gregório; como pela detestação da heresia dos Nazareus, que misturavam com o Evangelho as cerimônias da Lei.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como lemos na Escritura, a solenidade pascal co­meçava nas vésperas da décima quarta lua. E então Cristo, depois da imolação do cordeiro pas­cal, instituiu este sacramento. Por isso, João diz que esse dia precedeu o dia da Páscoa: e os três outros Evangelistas chamam primeiro dia dos asmas, aquele em que não conservavam os ju­deus em casa nada de fermentado. O que já ver­sámos antes, mais desenvolvidamente, no trata­do da paixão do Senhor.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os que celebram com o asma não têm a intenção de observar as ce­rimônias da lei, mas de se conformar com a ins­tituição de Cristo. E por isso não são judaizantes. Do contrário também o revidam os que celebram com pão fermentado, porque os judeus ofereciam fermentados os pães das primícias.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fermento, pelo seu efeito de tornar o pão mais saboroso e maior, é o símbolo da caridade. Mas, pela sua própria na­tureza especifica, significa a corrupção.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O fermentado de cer­to modo é corrupto, e com pão corrupto não se pode celebrar este sacramento, como se disse. Por isso, leva-se em maior conta a diferença, entre o pão asmo e o fermentado, que a diferença da água quente e fria, no batismo. Poderia, porém, ser tão grande a corrupção do pão fermentado, que com êle não se pudesse celebrar o sacra­mento.

Art. 3 — Se a matéria deste sacramento deve ser pão de trigo.

O terceiro discute-se assim. Parece não ser necessário que a matéria deste sacramento seja pão de trigo.
 
1. — Pois, este sacramento é comemorativo da paixão do Senhor. Ora, parece mais conveniente à paixão do Senhor o pão de cevada, que é mais áspero, e do qual o Senhor deu de comer à multidão no Monte, como o refere o Evangelho, que o pão de trigo. Logo, o pão de trigo não é a matéria própria deste sacramento.
 
2. Demais. — A figura é o sinal da espécie, nos seres naturais. Ora, há certos grãos semelhantes em figura ao grão de trigo, como o cen­teio e a aspelta, de que também em certos luga­res se confecciona o pão, para o uso deste sacra­mento. Logo, o pão de trigo não é a matéria pró­pria dele.
 
3. Demais. — A mistura destrói a espécie. Ora, apenas se encontra farinha de trigo sem mistura de outros grãos, se se fizer uma escolha es­pecial de grãos. Logo, parece que o pão de trigo não é a matéria própria deste sacramento.
 
4. Demais. — O que se corrompeu muda de espécie. Ora, há quem consagre com pão de tri­go estragado e que, portanto já não é pão de tri­go. Logo, parece que tal pão não é matéria pró­pria deste sacramento.
 
Mas, em contrário, neste sacramento está contido Cristo que se comparou ao grão de tri­go, quando disse: se o grão de trigo, que cai na terra, não morrer, fica êle só. Logo, o pão de tri­go, ou tritica, é a matéria deste sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, para o uso deste sacramento escolhe-se matéria de uso mais co­mum entre os homens. Ora, mais comumente usam os homens de pão de trigo; pois, os outros pães só foram introduzidos por falta deste. E por isso cremos que Cristo instituiu a Eucaristia sob a espécie de tal pão. Além disso, este pão é o mais nutritivo e, assim, mais convenientemente signi­fica o efeito deste sacramento. Logo, a matéria própria dele é o pão de trigo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O pão de cevada é próprio a significar a dureza da Lei Velha. Quer por causa da sua dureza, quer também porque, como diz Agostinho, o grão da cevada, coberto de uma palha sigidíssima, ou sig­nifica a própria lei, dada para que nela o alimen­to vital da alma ficasse oculto nos sacramentos corporíeos: ou o próprio povo ainda não purgado dos desejos carnais, que como palha lhes aderia ao coração. Mas, o sacramento eucarístico pertence ao suave jugo de Cristo e à verdade já manifestada e ao povo espiritual. Por isso, não se­ria a matéria conveniente dele o pão de cevada.
 
RESPOSTA A SEGUNDA. — O gerador gera um ser semelhante em espécie; mas há uma certa dissemelhança entre o gerador e o gerado, quan­to aos acidentes, quer por causa da matéria, quer pela debilidade da virtude gera triz. Se, pois, há grãos que possam ser gerados do grão do tri­go — assim como do grão semeado em terra má nasce o trigo candeal — desses pode ser confec­cionada a matéria deste sacramento. O que po­rem não se dá nem com a cevada, nem com a espelta, nem com o centeio, a grão de todos mais semelhante ao do trigo. Quanto à semelhança de figura em tais casos, significa antes a proximi­dade que a identidade específica; assim como a semelhança de figura põe de manifesto a propin­quidade, mas não a identidade de espécie, entre o lobo e o cão. Por onde, de tais grãos, que de nenhum modo podem ser gerados da semente do trigo, não pode confeccionar-se um pão que seja a matéria conveniente a este sacramento.
 
RESPOSTA A TERCEIRA. — Uma pequena mistura não destrói a espécie, porque o pouco é de certo modo absolvido pelo muito. Por onde, sendo pe­quena mistura da farinha de outro grão com uma quantidade muito maior de trigo, pode-se com isso fazer um pão que seja matéria conveniente a este sacramento. Se porem a mistura for gran­de, por exemplo, em partes iguais ou quase, tal mistu­ra muda a espécie. Por onde, o pão assim feito não será matéria conveniente à Eucaristia.
 
RESPOSTA A QUARTA. - A corrupção do pão pode ser tal que lhe destrua a espécie; por exemplo, quando se lhe muda a consistência, o sabor, a cor e acidentes semelhantes. Por isso, dessa ma­téria não pode produzir-se o corpo de Cristo. ­Mas outras vezes a corrupção não é tamanha que destrua a espécie, havendo apenas uma disposi­ção para a corrupção, como o denunciará uma certa mudança de sabor. E esse pão pode trans­formar-se no corpo de Cristo; mas peca quem o fez, por irreverência para com o sacramento. ­Quanto ao amido, sendo trigo corrupto, não se pode confeccionar com ele pão que possa transformar-se no corpo de Cristo; embora certos di­gam o contrário.

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