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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 ― Se as almas dos brutos são subsistentes.

(II. Cont. Gent., cap. LXXXII).
 
O terceiro discute-se assim. Parece que as almas dos brutos são subsistentes.
 
1. O homem tem o mesmo gênero que os outros animais. Ora, a alma humana é algo de subsistente, como já se demonstrou (a. 2). Logo, também as dos outros animais.
 
2. Demais. O sensitivo está para os sensíveis como o intelectivo para os inteligíveis. Ora, o intelecto intelige, sem o corpo, os inteligíveis. Logo também, do mesmo modo, o sentido apreende os sensíveis. Ora; as almas dos brutos são sensitivas. Logo, são subsistentes, pela mesma razão por que o é a alma intelectiva do homem.
 
3. Demais. A alma dos brutos move-lhes o corpo. Ora, este não move mas é movido. Logo, aquela tem alguma operação independente do corpo.
 
Mas em contrário, foi dito: Cremos que só o homem tem alma substantiva; e não são substantivas as almas dos animais.
 
SOLUÇÃO. Os antigos filósofos não faziam nenhuma distinção entre o sentido e o intelecto; e atribuíam ambos a um princípio corpóreo, como já se disse (a. 1). Porém Platão distinguia entre o intelecto e o sentido, atribuindo ambos a um princípio incorpóreo e dizendo que, como o inteligir, também o sentir convém à alma, em si mesma. E daí resultava que também as almas dos brutos são subsistentes. Mas Aristóteles estabeleceu que só o inteligir, entre as operações da alma, se exerce sem órgão corpóreo. Porém, o sentir, bem como as operações resultantes das operações da alma sensitiva, manifestamente se realizam com alguma imutação do corpo; assim, na visão, imuta-se a pupila, pela contemplação da cor, o mesmo se dando com as outras operações semelhantes. Por onde é manifesto que a alma sensitiva não tem, por si mesma, nenhuma operação própria, mas toda operação da alma sensitiva pertence ao conjunto. Donde resulta que as almas dos brutos, não operando por si mesmas, não são subsistentes, pois, cada ser tem, de maneira semelhante, o ser e a operação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O homem, tendo o mesmo gênero que os outros animais, deles difere pela espécie. Ora, a diferença específica depende da diferença formal. Nem é necessário que toda diferença formal importe na diversidade genérica.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. O sensitivo, de certo modo, está para os sensíveis, como o intelectivo para os inteligíveis, a saber, enquanto ambos são potenciais em relação aos seus objetos. Mas, de certo modo, comportam-se dissemelhantemente; pois, o sensitivo sofre a ação do sensível, com imutação do corpo e, por isso, a excelência dos sensíveis corrompe o sentido. Ao passo que isso não se dá com o intelecto, pois, este, inteligindo os máximos inteligíveis, mais facilmente poderá inteligir os menores. E se, no inteligir, o corpo se fatiga, isso o é só por acidente; porque o intelecto precisa da operação das forças sensitivas, pelas quais lhe são preparados os fantasmas.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. A força motiva é dupla. Uma, a apetitiva, que governa o movimento, e a operação dessa, na alma sensitiva, não se realiza sem o corpo; assim, a ira, a alegria e outras paixões semelhantes supõem certa imutação do coração. A outra força motiva é a que resulta do movimento, pela qual os membros tornam-se capazes de obedecer ao apetite; e o ato dessa força não é mover, mas ser movido. Por onde se evidencia que mover não é ato da alma sensitiva que se realize sem o corpo.

Art. 2 ― Se a alma humana é algo de subsistente.

(De Pot.,q. 3, a. 9, 11; De Spirit.Creat., a. 2 Qu. De Anima, a.1, 14; III De Anima, lect. VII).
 
O segundo discute-se assim. Parece que a alma humana não é algo de subsistente.
 
1. Pois, o que é subsistente é um determinado ser. Ora, a alma não é um determinado ser, mas um composto de corpo e alma. Logo não é ela algo de subsistente.
 
2. Demais. Tudo o que é subsistente pode ser considerado capaz de operação. Ora, a alma não é assim considerada, pois, segundo o Filósofo, dizer que a alma sente ou intelige é o mesmo que dizer alguém que ela tece ou edifica. Logo, a alma não é algo de subsistente.
 
3. Demais. Se a alma fosse algo de subsistente, alguma operação dela haveria, independente do corpo. Mas nenhuma das suas operações é assim, nem ainda o inteligir, porque não é possível inteligir sem fantasma e os fantasmas não existem sem o corpo. Logo, a alma humana não é algo de subsistente.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Quem vê a natureza da mente, que é substância, mas não corpórea, vê que os que opinam ser ela corpórea erram por lhe adjungirem as fantasias dos corpos, sem as quais não podem conceber nenhuma natureza. Logo, a natureza da alma humana não só é incorpórea, mas também é substância, isto é, algo de subsistente.
 
SOLUÇÃO. Necessário é admitir-se que o princípio da operação intelectual, a que chamamos alma do homem, é um certo princípio incorpóreo e subsistente. Pois, é manifesto, pela inteligência o homem pode conhecer a natureza de todos os corpos. Ora, o que pode conhecer certas causas, necessariamente não deve ter nada delas, na sua natureza, porque a causa que a esta fosse naturalmente inerente impedir-lhe-ia o conhecimento das outras. Assim, vemos que a língua do doente, afetada de humor colérico e amargo, nada pode sentir de doce, mas tudo lhe parece amargo. Se, pois, o princípio intelectual tivesse em si a natureza de algum corpo, não poderia conhecer todos os corpos, porque cada corpo tem a sua natureza determinada. Logo, é impossível que o princípio intelectual seja corpo. E, semelhantemente, também é impossível que intelija por meio de órgão corpóreo, porque também a natureza determinada desse órgão corpóreo impediria o conhecimento de todos os corpos.
 
Assim, se uma determinada cor estivesse, não só na pupila, mas ainda num vaso de vidro, o líquido contido neste seria dessa mesma cor. Por onde, o princípio intelectual chamado alma ou intelecto, tem a sua operação própria, não comum com o corpo. Ora, só pode operar por si o que por si subsiste, pois operar só é próprio do ser atual. Por isso, uma causa opera dó mesmo modo pelo qual existe e, assim, não dizemos que o calor aquece, mas que é cálido. Logo, conclui-se que a alma humana, chamada intelecto ou mente, é algo de incorpóreo e subsistente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Um determinado ser pode compreender-se de duplo modo: significando qualquer subsistente, ou um subsistente completo em a natureza de alguma espécie. O primeiro modo exclui a inerência acidental e a da forma material. O segundo exclui também a imperfeição da parte. Assim, pode-se dizer que a mão é um determinado ser, no primeiro sentido, não, porém, no segundo. E, portanto, sendo a alma humana parte da espécie humana, pode chamar-se um determinado ser, segundo o primeiro modo, como algo de quase subsistente; mas não conforme o segundo, que é o em que se chama algo de determinado o composto de alma e corpo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Aristóteles usa dessas palavras, não para exprimirem opinião própria, mas a dos que diziam que inteligir é ser movido, como é claro pelo que afirma antes. Ou deve dizer-se que o agir por si convém ao que existe por si. Ora, o existir por si pode-se atribuir a alguma causa que não seja inerente como acidente ou como forma material, mesmo se for parte. Mas diz-se que é, propriamente, subsistente por si o que nem é inerente desse predito modo, nem é parte; e segundo este modo de dizer, o olho ou a mão não se pode considerar subsistente por si e, por conseqüência, nem como operando por si. Por onde, também as operações das partes se atribuem ao todo, por meio delas; assim dizemos que o homem vê com os olhos e apalpa com as mãos; diferentemente de quando dizemos que o cálido aquece pelo calor, pois, propriamente falando, o calor de nenhum modo aquece. Logo, pode-se dizer que a alma intelige como o olho vê; mas é mais próprio dizer-se que o homem intelige por meio da alma.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O corpo é necessário para a ação do intelecto, não como o órgão pelo qual tal ação se exerce, mas em razão do objeto; pois os fantasmas estão para o intelecto como a cor para o sentido. Assim que, o precisar do corpo não impede, seja o intelecto subsistente; do contrário, o animal não seria algo de subsistente, por precisar dos sensíveis exteriores para sentir.

Art. 1 ― Se a alma é corpo.

(III Cont. Gent., cap. LXV; II De Anima, lect.I).
 
O primeiro discute-se assim. Parece que a alma é corpo.

Questão 75: Da alma em si mesma.

Depois da consideração da criatura espiritual e corpórea, é mister considerar o homem, composto da substância espiritual e corpórea. E, primeiro, a natureza do homem mesmo; segundo, a sua produção.
 
Ora, considerar a natureza do homem, quanto à alma, pertence ao teólogo; não porém, quanto ao corpo, senão para tratar da relação que tem este com aquela. Por onde, a primeira consideração versará sobre a alma. E como, segundo Dionísio, três coisas se encontram nas substâncias espirituais, a saber, a essência, a virtude e a operação, consideraremos, primeiro, as coisas pertencentes à essência da alma; segundo, as pertencentes à virtude ou às potências dela; terceiro, as pertencentes à sua operação.
 
Sobre o primeiro ponto ocorre dupla consideração: a primeira é a da alma mesmo, em si; a segunda é a da sua união como o corpo.
 
Sobre a primeira destas duas considerações sete artigos se discutem:

Art. 7 — Se os anjos beatos conservam o conhecimento e a dileção naturais.

O sétimo discute-se assim. — Parece que os anjos beatos não conservam o conhecimento e a dileção naturais.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Mas quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte. Ora, a dileção e o conhecimento natural são imperfeitos, por comparação com o conhecimento e a dileção da beatitude. Logo, com a beatitude, cessa esse conhecimento e essa dileção.
 
2. Demais. — Quando uma só coisa basta, é supérflua outra. Ora, aos santos anjos basta o conhecimento e a dileção da beatitude. Logo, seria supérflua a subsistência neles do conhecimento e da dileção naturais.
 
3. Demais. — A mesma potência não tem simultaneamente dois atos, como uma linha não termina, pelo mesmo lado, em dois pontos. Ora, os santos anjos estão sempre em ato de conhecimento e de dileção bem-aventurada; pois a felicidade não é habitual, mas atual, como diz Aristóteles. Logo, os anjos nunca podem ter conhecimento e dileção naturais.
 
Mas, em contrário. — Enquanto permanecer uma natureza lhe permanece a operação. Ora, a beatitude não destrói a natureza, da qual é a perfeição. Logo não destrói o conhecimento e a dileção naturais.
 
Solução. — Os anjos bem-aventurados conservam o conhecimento e a dileção naturais. Pois, a relação mútua existente entre os princípios das operações existe também entre estas. Ora, é manifesto, a natureza está para a beatitude como o que é primeiro para o que é segundo; pois, esta se acrescenta àquela. Mas, como o que é primeiro se deve sempre encontrar no que é segundo, resulta se deve conservar a natureza na beatitude. E que semelhantemente, é forçoso que, no ato da beatitude, se conserve o da natureza.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A perfeição superveniente destrói a imperfeição que lhe for oposta. Ora, a imperfeição da natureza não se opõe à perfeição da beatitude, mas nela se subsume; assim como a imperfeição da potência se subsume na da forma, ficando eliminada pela forma, não a potência, mas a privação, oposta à forma. E também, semelhantemente, a imperfeição do conhecimento natural não se opõe à perfeição do conhecimento da glória, pois nada impede conhecer alguma coisa simultaneamente, por meios diversos; assim, uma coisa pode ser conhecida simultaneamente pelo meio provável e pelo demonstrativo. E semelhantemente, o anjo pode conhecer a Deus, simultaneamente, pela essência deste — e nisso consiste o conhecimento da glória, e pela essência própria, o que respeita ao conhecimento da natureza.
 
Resposta à segunda. — Os atributos da beatitude são auto-suficientes; mas, para existirem, preexigem os da natureza; pois, nenhuma beatitude, salvo a incriada, é subsistente por si.
 
Resposta à terceira. — Duas operações não podem promanar simultâneamente de uma só potência, a menos que uma se ordene à outra. Ora, o conhecimento e a dileção naturais ordenam-se ao conhecimento e à dileção da glória. Por onde, nada impede tenha o anjo o conhecimento e a dileção naturais e o conhecimento e a dileção da glória.

Art. 2 — Se o sêmen é um alimento supérfluo ou faz parte da substância do gerador.

(II. Sent., dist. XXX. q. 2. a. 2).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que o sêmen não é um alimento supérfluo, mas faz parte da substância do gerador.
 
1. — Pois, diz Damasceno, que a geração é a obra da natureza, pela qual, da substância do gerador é produzido o gerado. Ora, o gerado o é, do sêmen. Logo, este faz parte da substância do gerador.
 
2. Demais. — O filho se assimila com o pai, porque deste recebeu alguma coisa. Ora, se o sêmen, do qual o ser é gerado, é um alimento supérfluo, ele nada receberia do avô e dos pre­decessores, nos quais tal alimento não existia, de nenhum modo. Logo, não teria relações com o avô e os demais ancestrais, como não tem com os outros homens.
 
3. Demais. — O gerador alimenta-se às ve­zes da carne do boi, do porco, e de animais se­melhantes. Se, pois, o sêmen fosse um alimento supérfluo, o homem gerado do sêmen teria maior afinidade com o boi e o porco do que com o pai e os outros consangüíneos.
 
4. Demais. — Agostinho diz, que nós exis­timos em Adão, não só pelo princípio seminal, mas também pela substância do corpo. Ora, tal não se daria, se o sêmen fosse alimento supér­fluo. Logo, não é tal.
 
Mas, em contrário, o Filósofo prova abun­dantemente que o sêmen é um alimento supérfluo.
 
Solução. — Esta questão depende, de certo modo, do que já foi estabelecido. Se, pois, a natureza humana tem a virtude de comunicar a sua forma à matéria, dela diferente, não só relativamente a outro ser, como relativamente a si mesma, manifesto é que o alimento, disse­melhante a princípio, torna-se semelhante pela forma comunicada. Ora, é ordem natural que um ser passe gradativamente da potência para o ato. Por onde, vemos que os seres gerados são a princípio imperfeitos, aperfeiçoando-se em seguida. Ora, é claro que o comum está para o próprio e o determinado, como o imperfeito, para o perfeito; e por isso, vemos que na gera­ção do animal antes é gerado este, que o homem ou o cavalo. Assim, pois, também o alimento, em si, primeiro recebe uma virtude comum, em relação a todas as partes do corpo e, afinal, é determinado a esta parte ou aquela outra.
 
Ora, não é possível considerar como sêmen aquilo que já se converteu resolvendo-se na substância dos membros. Pois, o que se resol­veu, se não conservasse nada da natureza do ser donde proveio, então estaria, separando-se da natureza do gerador, em via de corrupção; e, portanto, não teria a virtude de provocar a natureza do todo, senão só a da parte. A me­nos que alguém diga que se separou de todas as partes do corpo, conservando a natureza de todas elas; porque então o sêmen seria um como animálculo em ato, e a geração animal se daria por divisão, assim como o lodo é ge­rado do lodo e como acontece com os animais que vivem, cortados em partes. Mas isto é inad­missível.
 
Conclui-se pois daqui, que o sêmen foi se­parado não do todo atual, mas do todo potencial; e tem a virtude de produzir todo o corpo, derivada da alma do gerador, como já se disse. E o que é potencial, em relação ao todo, é o que é gerado do alimento, antes de se conver­ter na substância dos membros; e daí é derivado o sêmen. Por onde se diz que a virtude nutri­tiva serve à geração; pois, o que foi assimilado por essa virtude, a virtude geradora o recebe como sêmen. Para prova do que o Filósofo diz que os animais de copo grande, que necessi­tam de muito alimento, têm pouco sêmen, rela­tivamente ao tamanho do corpo, e pouca gera­ção; e, semelhantemente, os homens gordos têm pouco sêmen, pela mesma causa.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A geração faz parte da substância do gerador, nos animais e nas plantas, porque o sêmen tira a sua virtude da forma do gerador, e é poten­cial em relação à substância deste.
 
Resposta à segunda. — A assimilação do gerador ao gerado não se funda na matéria, mas na forma do agente, que gera o que lhe é se­melhante. Por onde, não é necessário, para que alguém seja relacionado com o avô, que neste existisse a matéria corpórea do sêmen, mas que tenha alguma virtude procedente do avô, mediante o pai.
 
E o mesmo se deve responder à terceira objeção. — Pois, a afinidade não se funda na matéria, mas é, antes, derivada da forma.
 
Resposta à quarta. — Pelas palavras de Agostinho não se deve entender que em Adão existia em ato próximo a virtude seminal de um determinado homem, ou a substância do seu corpo. Mas que ambas estavam em Adão originàriamente. Pois, a matéria corpórea mi­nistrada pela mãe, e a que ele chama substância do corpo, deriva originalmente, de Adão; e semelhantemente, a virtude ativa existente no sêmen do pai, que é o princípio seminal pró­prio de um determinado homem.
 
Mas diz-se que Cristo estava em Adão, quanto à substância corpórea, não porém, quanto ao princípio seminal. Porque a matéria do seu corpo, ministrada pela Virgem Maria, era derivada de Adão; não porém a virtude ativa, porque o corpo de Cristo não foi formado por virtude do sêmen viril, mas por obra do Espí­rito Santo. Pois, tal era a origem que convinha a Deus, bendito sobre todas as causas pelos sé­culos dos séculos. Amém.
 
 
FIM DA PRIMEIRA PARTE.

Art. 1 — Se algo do alimento se transforma realmente em a natureza humana.

(II Sent., disto XXX, q. 2, a. I; IV, dist. XLIV, q. I, a. 2, qª 4; Quodl. VIII, q. 3, a. I).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que nada, do alimento, se converte, realmente em a natureza humana.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Tudo o que entra pela boca passa ao ventre, e se lança depois num lugar escuro. Ora, o que é expulso, não se transforma realmente em a natureza humana. Logo, realmente, nada, do alimento, se transforma nessa natureza.
 
2. Demais. — O Filósofo distingue na car­ne a espécie e a matéria; e diz que a carne ma­terial advém e desaparece. Ora, o gerado do alimento advém e desaparece. Logo, este se con­verte na carne material, e não na específica. Ora, o que pertence realmente à natureza hu­mana pertence à espécie humana. Logo, real­mente o alimento não se transforma em a na­tureza humana.
 
3. Demais. — A umidade faz parte, funda­mental e realmente, da natureza humana; e uma vez perdida não pode ser recuperada, co­mo dizem os médicos. Ora, podê-lo-ia, se o ali­mento se convertesse na umidade mesma. Lo­go, realmente a nutrição não se converte em a natureza humana.
 
4. Demais. — Se o alimento se convertesse realmente em a natureza humana, o homem não teria nada que, perdido, não pudesse ser re­cuperado. Ora, a morte sobrevém ao homem por alguma perda. Logo, o homem poderia, alimentando-se, defender-se perpetuamente con­tra a morte.
 
5. Demais. — Se o alimento se convertesse realmente em a natureza humana, o homem poderia recuperar tudo o que perde; pois, o que nele é gerado do alimento pode perder-se e ser recuperado. Se, pois, vivesse muito tempo, seguir-se-ia que nada do que nele existia, no princípio da sua geração, permaneceria ao fim. E assim, um homem não seria numericamente idêntico a si mesmo, no decurso total da sua vida; pois, a identidade numérica exige a iden­tidade da matéria. Ora, isto é inadmissível. Logo, o alimento não se transforma, realmente, em a natureza humana.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Os ali­mentos corruptos da carne, i. é, que perderam a forma, passam a formar os membros. Ora, a formação dos membros pertence realmente à natureza humana. Logo, os alimentos se trans­formam realmente nessa natureza.
 
Solução. — Segundo o Filósofo, cada ser está para a verdade, como esta para a existência. Ora, à natureza de um ser pertence, realmente, o que lhe pertence à constituição. Porém a natureza pode ser considerada a dupla luz: em comum, especificamente; e individualmente. Ora, à natureza real de um ser, considerada em comum, pertencem a forma, e a matéria co­mum; porém, a essa natureza, considerada em particular, pertencem a matéria individual sig­nada e a forma individuada por essa matéria. Assim, a natureza humana, em comum, é, na sua realidade, constituída pela alma e pelo cor­po; mas a natureza humana real de Pedro e Martinho é uma determinada alma e um deter­minado corpo.
 
Ora, há certos seres cujas formas não po­dem se conservar senão numa certa matéria sig­nada; assim, a forma do sol que se não pode conservar senão na matéria que ela atualmente contém. E deste modo, alguns ensina­ram que a forma humana não pode conservar-­se senão numa certa matéria signada, informada por tal forma, desde o princípio, no primeiro homem; por onde, tudo quanto foi acrescen­tado, além do que os primeiros pais transmiti­ram aos pósteros, não pertence realmente à natureza humana, por não receber, por assim di­zer, a forma dessa natureza. Como porém a matéria do primeiro homem, sujeita à forma humana, multiplica-se, em si mesma, originou­-se, do corpo do primeiro homem, a multidão dos corpos humanos. E conforme aos desta opinião, o alimento não se converte realmente em a natureza humana; mas o consideram como um certo fomento para que a natureza, resis­tindo à ação do calor natural, este não lhe con­suma a umidade fundamental. Assim, mistura­-se o chumbo ou o estanho com a prata, para esta não ser consumida pelo fogo.
 
Mas esta opinião é irracional por muitas razões. — Primeiro, porque, pela mesma razão, uma forma pode ser realizada numa certa ma­téria e abandonar a matéria própria, e, por­tanto, todos os seres susceptíveis de geração são também susceptíveis de corrupção, é inversa­mente. Ora, é manifesto que a forma humana pode separar-se de determinada matéria que lhe está sujeita; do contrário, o corpo humano não seria corruptível. Logo, pode unir-se a outra matéria, convertendo-se então realmente, em algo de novo em a natureza humana. — Segundo, em todos os seres, nos quais a matéria está compreendida toda num só indivíduo, este é espe­cificamente uno; como claramente se vê no sol, na lua, e seres semelhantes. — Terceiro, porque a matéria só pode multiplicar-se quantitativa­mente, como nos seres rarefeitos, cuja matéria é susceptível de maiores dimensões, ou substan­cialmente. Pois, permanecendo só a mesma substância material, não se pode dizer que a matéria multiplica-se, porque o ser idêntico a si mesmo não constitui multidão, sendo esta, necessariamente causada pela divisão. Por on­de, é necessário que a matéria receba qualquer outra substância, por criação ou por conversão de outra causa na dita matéria. Donde se con­clui que matéria nenhuma pode se multiplicar, a não ser pela rarefação, como quando, da água, resulta o ar; ou pela adição de outra cau­sa, como quando o fogo se multiplica pela adi­ção de lenha; ou por criação de matéria. Ora, é manifesto, que a matéria, nos corpos huma­nos, não se multiplica pela rarefação, porque então os corpos dos homens, em idade perfeita, seriam mais imperfeitos que os das crianças. Nem ainda por criação de matéria nova, por­que, segundo Gregório, todas as causas foram criadas simultaneamente, quanto à substância material, embora, não, quanto à forma especí­fica. Donde se conclui que a multiplicação do corpo humano só se dá porque o alimento nele se converte realmente. — Quarto, porque o ho­mem, não diferindo dos animais e das plantas, pela alma vegetativa, resultaria que também os corpos destas e daqueles não se multiplicariam pela conversão do alimento no corpo nutrido, mas por uma certa multiplicação. O que não pode ser natural, porque a matéria por natureza não é susceptível senão de uma certa quantidade; e nada cresce naturalmente senão pela rarefação, ou pela conversão de outra coisa, nessa que cresce. E então, todas as operações gerativas e nutritivas, que constituem as virtu­des naturais, seriam miraculosas. O que é absolutamente inadmissível.
 
E por isso, outros disseram, que a forma humana pode começar a existir em alguma outra matéria, considerada a natureza humana em comum; não porém considerada num determi­nado indivíduo, no qual a forma humana per­manece fixa em determinada matéria, na qual foi primàriamente impressa, quando gerado o indivíduo, de modo que este nunca a abandona até a sua corrupção final. E dizem que essa matéria faz parte, principal e realmente da na­tureza humana. Mas, como tal matéria não tem a quantidade devida, forçoso é que advenha outra, pela conversão do alimento, que seja suficiente para o crescimento necessário. E di­zem que essa matéria faz parte, secundária e realmente, da natureza humana, porque não é necessária para o ser primeiro do indivíduo, mas para o seu aumento. E portanto, tudo o mais, proveniente do alimento, não faz parte, verdadeira e propriamente falando, da natureza humana.
 
Mas esta opinião também é inadmissível. — Primeiro, porque considera a matéria dos corpos vivos como se fosse dos corpos inanimados, que, embora tenham a virtude de gerar o especificamente semelhante, não têm, contudo, a de gerar o individualmente semelhante, vir­tude que, nos viventes, é a nutritiva. Do con­trário, a virtude nutritiva não acrescentaria nada aos corpos vivos e o alimento não se con­verteria realmente em a natureza deles. — Segundo, porque, como já se disse, a virtude ati­va do sêmen é uma impressão derivada da alma geratriz. E portanto, não pode ter maior vir­tude de ação, do que a alma mesma, da qual deriva. Se, pois, da virtude do sêmen, uma certa matéria adquire verdadeiramente a forma da natureza humana, com maior razão a alma pode, na nutrição conjunta, imprimir, pela po­tência nutritiva, a verdadeira forma da natu­reza humana. — Terceiro, porque a nutrição é necessária, não só para o crescimento — do con­trário, não mais seria necessária, terminado este — mas também para a restauração do perdido pela ação do calor natural. Pois, não haveria restauração se o gerado do alimento, não substituísse o perdido. Por onde, se o que primitivamente existia fazia verdadeiramente parte da natureza humana, assim também o faz o que é gerado do alimento.         
 
Por onde, segundo outros, deve-se dizer, que o alimento converte-se realmente, em a na­tureza humana, transformando-se nas espécies da carne, dos ossos e demais partes. E isto mesmo diz o Filósofo, quando escreve, que o alimento nutre porque é carne em potência.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Senhor não disse que a totalidade do que entra pela boca é expulso organicamente, mas, tudo, no sentido em que, em cada alimento, há algo de impuro, expulso organicamente. — Ou se pode dizer que tudo o que é gerado do alimento pode também ser eliminado pelo calor natural, e expulso por certos poros ocultos, como explica Jerônimo.
 
Resposta à segunda. — Alguns, pela carne específica entenderam aquilo que primeiro recebe a espécie humana e que provém do gera­dor; e dizem que isso permanece enquanto du­rar o indivíduo. Ao passo que a carne mate­rial, dizem, é gerada do alimento e não per­manece sempre, mas, assim como veio a existir, assim deperece. — Esta opinião, porém, vai con­tra a intenção de Aristóteles, que diz, no lugar citado: assim como se dá com os seres que têm a espécie material, p. ex., o vegetal e a pedra, assim também com a carne, uma parte é específica e outra material. Ora, é manifesto que a referida distinção não tem lugar nos seres inanimados, não gerados do sêmen, e que não se nutrem. E demais, como o gerado, do ali­mento, é assimilado por mistura, pelo corpo, que se nutre, — como a água  misturada com o vinho, segundo o próprio exemplo do Filósofo — não pode a natureza, do que sobrevém, diferir da do que o recebe, porque já verdadeiramente a mis­tura operou a unidade. Por onde, nenhuma razão há de ser a carne material consumida pelo calor natural, e a específica, permanecer. — E portanto, deve-se dizer, de outro modo, que a distinção do Filósofo não se refere a carnes di­versas, mas à mesma, segundo diversos pontos de vista. Assim, considerada a carne especifi­camente, i. é, no que tem de formal, então permanece sempre, porque sempre lhe perma­nece a natureza e a disposição natural. Consi­derada, porém, materialmente, não permanece, mas se consome e restaura, lentamente, como se vê no fogo da fornalha, cuja forma permanece, ao passo que a matéria consumida lentamente, é substituída por outra.
 
Resposta à terceira. — À umidade funda­mental pertence tudo o em que se funda a virtude específica; e perdida, não pode ser read­quirida, como se se amputasse a mão, o pé ou algo semelhante. Mas a umidade nutritiva é a que ainda não chegou a adquirir perfeitamente a natureza específica, estando em via para esta, como o sangue e outras semelhantes. Por onde, perdida essa umidade, não desaparece, mas per­manece fundamentalmente, a virtude específica.
 
Resposta à quarta. — Toda virtude do corpo passível enfraquece pela ação contínua, porque esses agentes também são paciente,s. E por isso, a virtude assimiladora é tão forte, no princípio que pode assimilar, não só o suficien­te para a restauração das perdas, mas também para o crescimento. Mais tarde, porém, só pode assimilar o suficiente para restaurar as perdas, e então cessa o crescimento. Finalmen­te, nem isso o pode, e então começa o deperecimento, até que, faltando a virtude, totalmente o animal morre. Assim como a virtude do vinho que assimila a água que lhe é misturada, a pouco e pouco, pela mistura da água, se enfra­quece, até tornar-se aquoso, como exemplifica o Filósofo.
 
Resposta à quinta. — Como diz o Filósofo, quando uma certa matéria, em si, converte-se, em fogo, então se diz que este existe de novo; quando porém ela se converte no fogo pree­xistente, diz-se que este é alimentado. Por onde, se uma certa matéria, simultaneamente perder de todo, a espécie ígnea, e outra se converter em fogo, este será outro, numericamente. Se porém lentamente queimar-se um lenho, e se lhe subs­tituir outro, e assim por diante, até que o primeiro fique totalmente consumido, permane­cerá sempre o mesmo fogo, numericamente, por­que sempre o que é acrescentado se transforma no fogo preexistente. E o mesmo, deve enten­der-se dos corpos vivos, nos quais, pela nutri­ção, é recuperado o consumido pelo calor na­tural.

Questão 119: Da propagação do homem quanto ao corpo.

Em seguida, deve-se tratar da propagação do homem, quanto ao corpo.
 
E sobre esta questão, dois artigos se discute:

Art. 6 — Se os anjos conseguiram a graça e a glória conforme a quantidade das suas capacidades naturais.

O sexto discute-se assim. — Parece que os anjos não conseguiram a graça e a glória conforme a quantidade das suas capacidades naturais.
 
1. — Pois a graça é dada pela mera vontade de Deus. Logo, também a quantidade de graça depende da vontade de Deus e não da quantidade das suas capacidades naturais.
 
2. Demais. — Mais próximo está da graça o ato humano do que a natureza, pois aquele é preparatório da graça. Mas esta não provém das obras, como diz a Escritura. Logo, com maior razão, a quantidade da graça, nos anjos, não é segundo a quantidade das suas capacidades naturais.
 
3. Demais. — O homem e o anjo se destinam por igual à beatitude ou graça. Ora, ao homem não é dada mais graça, segundo o grau das suas capacidades naturais. Logo, nem ao anjo.
 
Mas, em contrário, diz o Mestre das Sentenças que os anjos criados mais sutis, pela natureza, e mais perspicazes, pela sabedoria, também foram dotados de maiores capacidades da graça.
 
Solução. — é racionável sejam a graça e a perfeição da beatitude dadas aos anjos segundo o grau das suas capacidades naturais. E a razão disso é dupla. — A primeira se deduz da parte do próprio Deus que, na ordem da sua sabedoria, constituiu diversos graus em a natureza angélica. Ora, como esta foi feita por Deus para conseguir a graça e a beatitude, assim também os graus dessa natureza foram ordenados aos diversos graus da graça e da glória. Do mesmo modo que se o edificador polir pedras para construir uma casa, o fato mesmo de polir algumas mais belas e artisticamente mostra que as destina a uma parte mais nobre da casa. Donde, resulta que Deus ordenou a maiores dons da graça e a mais ampla beatitude os anjos, que fez de mais elevada natureza. — Em segundo lugar, o mesmo resulta por parte do próprio anjo. Pois, este não é composto de diversas naturezas, de modo que a inclinação de uma impeça ou retarde a tendência de outra, como acontece com o homem, no qual o movimento da parte intelectiva é retardado ou impedido pela inclinação da parte sensitiva. Quando, porém, não há nada que a retarde ou impeça, a natureza se move para o seu objeto segundo toda a sua virtude. Por onde, é racional que os anjos dotados de melhor natureza se convertessem para Deus mais forte e eficazmente. E isto também se dá com os homens, pois, segundo a intenção de converterem-se para Deus, é-lhes dada maior graça e glória. Donde se conclui que os anjos dotados de melhores capacidade naturais tiveram mais graça e glória.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Assim como a graça, também a natureza do anjo provém da mera vontade de Deus. E assim como esta ordenou para a graça a natureza, assim também os graus da natureza para os da graça.
 
Resposta à segunda. — Os atos da criatura racional desta mesma promanam; mas a natureza vem imediatamente de Deus. Donde, mais racional é seja a graça dada conforme o grau da natureza, do que segundo as obras.
 
Resposta à terceira. — A diversidade das capacidades naturais é uma nos anjos, especificamente diferentes, e outra nos homens, só numericamente diferentes. Pois, a diferença específica é formal, mas a numérica, material. Por onde, no homem há alguma coisa que pode impedir ou retardar o movimento da natureza intelectiva; não, porém, nos anjos. E, por isso, não é a mesma a razão num e noutro caso.

Art. 3 — Se as almas humanas foram criadas simultaneamente, no princípio do mundo.

(Supra, q. 90, a. 4; I Sant., dist. VIII. q. 5. a. 2, ad 6; II Sent., dist. III, q. I, a. 4, ad I; dist. XVII, q. 2, a. 2;· II Cont. Gent., cap.LXXXIII, LXXIV; De Pot., q.3, a. 10; De Malo, q. 5, a. 4; ad Hebr., cap. I, lect. IV).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que as almas humanas foram criadas simultaneamente, no princípio do mundo.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Deus descan­sou de toda a obra que fizera. Ora, tal não se daria se cada dia Deus criasse novas almas. Logo, todas foram criadas simultaneamente.
 
2. Demais. — As substâncias espirituais concorrem, especialmente, para a perfeição do universo. Se, pois, as almas fossem criadas simultaneamente com os corpos, inumeráveis substâncias espirituais seriam acrescentadas quo­tidianamente à perfeição do mesmo; e então, este, desde o princípio, seria imperfeito. O que vai contra aquilo da Escritura: Deus acabou a obra que tinha feito.
 
3. Demais. — Fim e princípio de uma mesma cousa se correspondem. Ora a  alma intelectiva permanece, uma vez destruído o corpo. Logo; começou a existir antes dele.
 
Mas, em contrário, diz um autor, que a alma é criada simultaneamente com o corpo.
 
Solução. — Alguns ensinaram que é aci­dental à alma intelectiva estar unida ao corpo, considerando-a como da mesma condição que as substâncias espirituais, não unidas a corpo. Donde concluíram que as almas dos homens foram criadas, no princípio, simultaneamente com os anjos.
 
Mas esta opinião é falsa. — Primeiro, quanto ao ponto de partida. Pois, se fosse aciden­tal à alma estar unida ao corpo, resultaria que o homem, constituído por essa união, seria um ser acidental, ou que a alma seria o homem — tudo o que é falso, como já se demonstrou. — E além disso, que a alma humana não é da mesma natureza que os anjos, a própria diver­sidade, nos modos de inteligir, o demonstra, como se estabeleceu antes. Assim, o homem intelige recebendo os dados, dos sentidos, e vol­tando-se para os fantasmas, como antes se de­monstrou. E portanto, a sua alma necessita estar unida ao corpo, do qual precisa para a operação da parte sensitiva. O que não se pode dizer do anjo. — Segundo, é falsa a opinião em si mesma. Pois, se é natural à alma estar unida ao corpo, existir sem corpo vai-lhe contra a natureza, e assim existindo, não realiza a perfei­ção desta. Ora, é inadmissível que Deus co­meçasse a sua obra por criaturas imperfeitas e pelo que é contra a natureza; pois, não fez o homem sem mãos ou sem pés, que são partes naturais dele. E com maior razão, não fez a alma sem o corpo.
 
Mas, se alguém disser que não é natural à alma estar unida ao corpo, necessário é in­quirir à causa porque está unida. Ora, é ne­cessário admitir-se, que o está por sua vontade ou por outra causa. — Por sua vontade, não é admissível. Primeiro, porque essa vontade se­ria irracional, se, não precisando do corpo, quisesse estar unida com ele; se porém preci­sasse, ser-lhe-ia natural estar com ele unida, por­que a natureza não falha no necessário. Segundo, porque nenhuma razão havia para a vontade da alma, criada no princípio do mundo, decidir, só agora, depois de tanto tempo, a unir-se ao corpo; pois, a substância espiritual, escapando à ação das revoluções do céu, está fora do tempo. Terceiro, porque resultaria que é por acaso que uma determinada alma está unida a um determinado corpo; pois, para isso, é necessário o concurso de duas vontades — a da alma adveniente e a do homem gerador. — Se porém é contra a vontade, e contra a sua natureza, que está unida ao corpo, necessário é que tal se dê por uma causa violenta, e então isso lhe há-de ser penoso e triste, o que é con­forme o erro de Orígenes, que dizia estarem as almas unidas ao corpo, como pena do pecado.
 
Por onde, todas essas conseqüências sendo inadmissíveis, deve-se admitir, absolutamente, que as almas não foram criadas antes dos cor­pos, mas são criadas ao mesmo tempo que são infundidas neles.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Diz-se que Deus cessou, no sétimo dia, não de fazer qualquer obra, pois, diz a Escritura: Meu Pai opera até hoje; mas, de fazer novos gêneros e espécies de cousas, que ainda não preexistissem de certo modo nas primeiras obras. Assim, pois, as almas atualmente criadas preexistiam, pela semelhança específica, nas primeiras obras, nas quais foi criada a alma de Adão.
 
Resposta à segunda. — Quanto ao numero dos indivíduos, algo pode ser acrescentado, ca­da dia, à perfeição do universo, não, porém, quanto ao elas espécies.
 
Resposta à terceira. — O permanecer a alma sem o corpo resulta da corrupção do cor­po, subseqüente ao pecado. E por isso não era conveniente que, por ele, começassem as obras de Deus, porque, como diz a Escritura: Deus não fez a morte, mas os ímpios a chamaram para si com mãos e palavras.

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