Category: Santo Tomás de Aquino
(IV. Sent., dist. XLIV, q; 1, a. 1, qª 1, ad 4; IV Cont. Gent., cap LXXX De Spirit. Creat., a. 3; Qu. De Anima, a. 9; QuodI. I, q. 4, a.1; XI, q. 5; Compend. Theol., cap. XC).
O quarto discute-se assim. ― Parece que há, no homem, outra forma, além da alma intelectiva.
1. ― Pois, diz o Filósofo, a alma é o ato do corpo físico que tem a vida em potência. Ora, a alma está para o corpo como a forma para a matéria. Mas, o corpo tem uma forma substancial pela qual é corpo. Logo, à alma precede, no corpo outra forma substancial.
2. Demais. ― O homem, bem como qualquer animal, move-se a si mesmo. Ora, todo ser que se move a si mesmo divide-se em duas partes, uma motora e, outra, movida, como o prova Aristóteles28. Ora, a parte motora sendo a alma, é necessário que a outra parte seja tal, que possa ser movida. Mas, a matéria prima não pode ser movida, por ser potencial apenas, como o prova Aristóteles; e, tudo o que é movido é corpo. Logo, é necessário que, no homem e em qualquer animal, haja outra forma substancial pela qual seja constituído o corpo.
3. Demais. ― A ordem das formas depende da tendência delas para a matéria prima; pois, anterior e posterior se dizem por comparação com algum princípio. Se, portanto, não houvesse, no homem, nenhuma forma substancial, além da alma racional, mas esta aderisse imediatamente à matéria prima, daí resultaria que a alma pertence à ordem das formas as mais imperfeitas, que aderem imediatamente à matéria.
4. Demais. ― O corpo humano é um corpo misto. Ora, a missão não se opera só pela matéria, porque, então, só haveria corrupção. Logo, é necessário que permaneçam as formas dos elementos, no corpo misto, que são as formas substanciais. Portanto, no corpo humano, há outras formas substanciais, além da alma intelectiva.
Mas, em contrário. ― Uma mesma coisa tem um só ser substancial. Ora, como a forma substancial é que dá o ser substancial, cada coisa tem só uma forma substancial. Logo, é impossível que haja, no homem, alguma outra forma substancial, além da alma intelectiva.
SOLUÇÃO. ― Se se admitisse, com os Platônicos, que a alma intelectiva não está unida ao corpo, como forma, mas só corno motor, seria necessário admitir, no homem, outra forma substancial que constituísse, no seu ser, o corpo, movido pela alma. Mas se, como já dissemos antes (a. 1), a alma intelectiva está unida ao corpo como forma substancial, é impossível haja, no homem, qualquer outra forma substancial, além dela.
Para a evidência do que devemos considerar que a forma substancial difere da acidental, por não dar esta o ser absolutamente mas o ser sob certo aspecto; assim, o calor faz o seu objeto ser, não absolutamente, mas ser quente. Por onde, pela adveniência da forma acidental, um ser não é feito ou gerado, absolutamente, senão sob certo aspecto ou de determinado modo; e, semelhantemente, desaparecida a forma acidental, um corpo não .se corrompe absolutamente, mas só de certo modo. Ao passo que a forma substancial dá o ser absoluto. Por isso, com a sua adveniência, um ser é gerado, pura e simplesmente; e, pelo seu desaparecimento, fica pura e simplesmente, concorrido. E, por essa razão, os antigos Filósofos da natureza, admitindo a matéria prima como um ser atual, ao modo do fogo, do ar ou corpos semelhantes, diziam que nenhum ser é, pura e simplesmente, gerado nem corrompido, mas que todo o vir a ser é alteração, como se vê em Aristóteles. Se, portanto além da alma intelectiva, preexistisse, na matéria, qualquer outra forma substancial, que tornasse atual o sujeito da alma, resultaria daí que a alma não dá o ser, pura e simplesmente e, por conseqüência não é forma substancial; e que, advindo à alma ou separando-se, não haveria geração nem corrupção, pura e simplesmente, mas só sob certo aspecto. Coisas manifestamente falsas.
Por onde, deve-se admitir que, além da alma intelectiva, nenhuma outra forma substancial há no homem; e que esta, assim como, na sua virtude, contém a alma sensitiva e a nutritiva, assim também contém todas as formas inferiores, fazendo, ela só, tudo o que as formas menos imperfeitas fazem nos outros seres.
E o mesmo se deve dizer da alma sensitiva, nos brutos, da nutritiva, nas plantas e, universalmente, de todas as formas mais perfeitas, em relação às mais imperfeitas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. . Aristóteles não diz que a alma é o ato do corpo somente, mas o ato do corpo físico orgânico tendo a vida em potência e, que tal potência não exclui a alma. Por onde, é manifesto, a alma também está incluída no ser de que ela é ato, do mesmo modo que o calor é o ato do que é cálido, a luz do que é lúcido; não que, separadamente, haja corpo lúcido sem luz, senão que é lúcido por ela. E, semelhantemente, se diz, que a alma é o ato do corpo, etc., porque, pela alma, é que há corpo, e esse, orgânico com vida potencial. Mas, o ato primeiro é assim chamado em relação ao ato segundo, que é a operação. Portanto, tal potência não rejeita, i. é., não exclui a alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A alma não move o corpo pelo seu ser, enquanto unida a este como forma. Mas, pela potência motora, cujo ato pressupõe o corpo já atualizado pela alma; de modo que esta, pela força motora, é a parte que move, sendo o corpo animado, a parte motora.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Na matéria, consideram-se diversos graus de perfeição, como, ser, viver, sentir e inteligir. Mas, sempre, o que sobrevém, em segundo lugar, é mais perfeito do que o que existe em primeiro. Por onde, a forma, que dá só o primeiro grau da perfeição da matéria, é imperfeitíssima; mas, a que dá o primeiro, o segundo e o terceiro, e assim por diante, é perfeitÍssima e, contudo imediata à matéria.
RESPOSTA À QUARTA. ― Avicena ensinava que as formas substanciais dos elementos permanecem integras no misto; e a mistão se faz pela redução das qualidades contrárias dos elementos à média. ― Mas isto é impossível. Pois, as diversas formas dos elementos só podem existir nas diversas partes da matéria e, para essas diversidades, é necessário se suporem as dimensões, sem as quais a matéria não pode ser divisível. Ora, matéria sujeita à dimensão só se encontra no corpo. E, como corpos diversos não podem ocupar o mesmo lugar, segue-se que os elementos estão, no misto, distintos pela situação e, assim, não haverá verdadeira micção, em relação à totalidade, mas só em relação aos nossos sentidos, o que se dá quando corpos mínimos estão justapostos. ― Porém Averróisensinava que as formas dos elementos, pela sua imperfeição, são médias entre as formas acidentais e as substanciais e, portanto, admitindo o mais e o menos, ficando, mitigadas, na micção, reduzem-se ao médio e, deles, se compõe uma só fôrma. ― Mas, isto ainda é mais impossível. Porque o ser substancial de qualquer coisa é indivisível; e toda adição ou subtração varia a espécie, como nos números, conforme diz Aristóteles. Por onde, é impossível que qualquer forma substancial seja susceptível de mais e de menos. Nem é menos impossível que haja um meio entre a substância e o acidente. ― E, portanto, deve-sê admitir, com o Filósofo, a permanência, não atual, mas virtual, das formas dos elementos, no misto. Permanecem, assim, as qualidades próprias dos elementos, embora mitigados e nas quais está a virtude das formas elementares. E, deste modo, a qualidade da mistão é a disposição própria para receber a forma substancial do corpo misto, p. ex., a forma da pedra ou de qualquer ser animado.
(II Cont. Gent., cap.LVIII; De Pot., q.3, a. 9, ad 9; De Spirit. Creat., a. 3; Qu. De Anima, a. 2; Quodl. XI, q. 5; Compend. Theol., cap. XC sqq.).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que, além da alma intelectiva, há no homem, outras almas ― a sensitiva e a nutritiva ― essencialmente diferentes.
1. ― Pois, a mesma substância não pode ser corruptível e incorruptível. Ora, ao passo que a alma intelectiva é incorruptível, as outras almas - a sensitiva e a nutritiva ― são corruptíveis, como resulta do que já vimos antes (q. 75, a. 6). Logo, no homem, não podem ter a mesma essência as almas intelectiva, sensitiva e nutritiva.
2. ― Se se disser que a alma sensitiva, no homem, é incorruptível, responde-se em contrário. ― O corruptível e o incorruptível diferem genericamente, como diz o Filósofo. Ora, a alma sensitiva, no cavalo, no leão e nos outros animais, é corruptível. Se, pois, no homem, for incorruptível, não será do mesmo gênero a ― alma sensitiva, no homem e no bruto. Ora, como o animal assim se chama porque tem alma sensitiva, não serão do mesmo gênero o homem e o animal, o que é inadmissível.
3. Demais. ― O Filósofo diz que o embrião, antes de ser homem, é animal. O que não poderia ser, se as almas sensitiva e intelectiva tivessem a mesma essência, porque então, seria animal, pela alma sensitiva e homem, pela intelectiva. Logo, no homem, não é a mesma a essência das almas sensitiva e intelectiva.
4. Demais. ― O Filósofo diz que o gênero provêm da matéria e a diferença, da forma. Mas racional, diferença constitutiva do homem, provém da alma intelectiva; pois, o animal assim se chama por ter o corpo animado da alma sensitiva. Por onde, a alma intelectiva está para o corpo animado pela alma sensitiva, como a forma para a matéria. Logo, a alma intelectiva não é, no homem, essencialmente a mesma que a alma sensitiva, mas aquela pressupõe esta como o seu suposto material.
Mas, em contrário, está dito: Nem dizemos, como Jacó e os outros sírios escrevem, que há, num homem duas almas: uma animal, misturada com o sangue, que anime o corpo, e outra espiritual, dotada de razão. Mas dizemos que, no homem, só há uma mesma alma, que, pela sua união, vivifica o corpo, dispondo-se de si mesma, pela sua razão.
SOLUÇÃO. ― Platão, como refere Aristóteles, admitia que um mesmo corpo têm diversas almas, mesmo distintas pelos órgãos, aos quais atribuía as diversas operações vitais. Assim, a virtude nutritiva está no fígado; a concupiscível, no coração; a cognoscitiva, no cérebro. Mas Aristóteles rejeita essa opinião, quanto àquelas partes da alma, que usam de órgãos corpóreos, nas suas operações, baseado em que nos animais vivos ainda, quando cortados em partes, em, cada uma delas se encontram as diversas operações da alma, como a sensibilidade e o apetite. O que não se daria, se os vários princípios das operações da alma, diversos por essência, fossem distribuídos pelas diversas partes do corpo. Mas fica na dúvida, quanto à parte intelectiva, sobre se está separada das outras partes da alma só racionalmente, ou se também localmente. ― A opinião de Platão, porém, poderia sustentar-se, se se admitisse que a alma está unida ao corpo, não como forma, mas como motor, segundo ele queria. Pois, nenhum inconveniente resultaria de o mesmo móvel ser movido por diversos motores, sobretudo segundo partes diversas.
Mas, se admitimos que a alma está unida ao corpo, como forma, é absolutamente impossível existirem, no mesmo corpo, várias almas essencialmente diferentes. O que se pode demonstrar por tríplice razão.
E a primeira é que, o animal, com três almas, não seria absolutamente uno. Pois, nenhum ser é pura e simplesmente uno, senão pela forma una, pela qual as coisas existem; porque é em virtude do mesmo princípio que uma coisa existe e é una. Por onde, seres denominados por formas diversas não têm a unidade absoluta como, p. ex., homem branco. Se, portanto, o homem fosse vivo por uma forma, a alma vegetativa; animal, por outra, a sensitiva; homem, por outra, a racional, daí resultaria que não seria homem absolutamente. Ou, como também Aristóteles argumenta contra Platão, se uma fosse a idéia de animal e outra a de bípede, o animal bípede não seria uno absolutamente E por isso, aos que admitem diversas almas num mesmo corpo, pergunta o que as contém, i. é., o que lhes dá unidade. E não se pode responder que sejam unidas pela unidade do corpo, porque, antes, é a alma que contém o corpo e lhe dá unidade, do que inversamente.
A segunda demonstra a impossibilidade, pelo modos da predicação. Pois, as predicações, dependentes de formas diversas, convêm entre si, umas às outras: ou por acidente, se as formas não forem ordenadas umas para as outras, assim p. ex., quando dizemos que o branco é doce; ou, se as formas forem ordenadas umas para as outras, haverá predicação em si, conforme o segundo modo dessa predicação, em que o sujeito entra na definição do predicado. Assim, a superfície, sendo precedente, à cor, se dissermos que um corpo, dotado de superfície, é colorido, haverá o segundo modo da predicação em si. Se, portanto, por uma forma, um ser é animal e, por outra, homem, resulta daí, ou que um desses predicados não convém ao outro, senão acidentalmente, se essas duas formas não forem ordenadas uma para a outra; ou que haverá então predicação, conforme o segundo modo de se predicar em si, se uma das almas for ordenada para a outra. Ora, ambas estas posições são manifestamente falsas, porque animal se predica, em si, do homem, e não por acidente; e homem não entra na definição de animal, mas inversamente. Logo, necessariamente é em virtude da mesma forma que um ser é animal e é homem; do contrário o homem não seria verdadeiramente animal, de modo que animal se predicasse, em si, do homem.
A terceira razão da impossibilidade está em que uma operação da alma, quando intensa, impede outra; o que de nenhum modo se daria se o princípio das ações não fosse essencialmente uno.
Portanto, é forçoso admitir que a alma sensitiva, intelectiva e nutritiva é, no homem, uma só alma.
E como seja isso possível, é fácil compreender se se considerarem as diferenças das espécies e das formas.
Pois, vemos que as espécies e as formas das causas diferem umas das outras, como o mais perfeito difere do menos perfeito. Assim, na ordem das causas, os seres animados são mais perfeitos que os inanimados; os animais, que as plantas; os homens, que os brutos; e, em cada um destes gêneros, há graus diversos. E, por isso, Aristóteles assimila as espécies das causas aos números, especificamente diferentes pela adição ou subtração da unidade; e compara as diversas almas às espécies das figuras, nas quais uma contém outra, como o pentágono contém e excede o tetrágono. Do mesmo modo, a alma intelectiva contém, pela sua virtude, tudo o que tem a alma sensitiva dos brutos e a nutritiva das plantas. Assim como, pois, a superfície pentagonal não o é, pela figura pentagonal e pela tetragonal, porque esta seria inútil, desde que está contida naquela; assim também Sócrates não é homem, por uma alma, e animal, por outra, senão por uma só e mesma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. . A alma sensitiva não é incorruptível só pelo fato de ser sensitiva, mas por ser intelectiva. Enquanto, pois, unicamente sensitiva, é corruptível; quando, porém, unida ao princípio intelectivo, é incorruptível. Por onde, embora o sensitivo não dê a incorruptibilidade, todavia, não pode privar desta o intelectivo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― As formas não se unem ao gênero nem à espécie, mas ao composto. Por isso, o homem é corruptível, como os outros animais. Por onde, a diferença fundada no corruptível e no incorruptível, das formas, não torna o homem genericamente diferente dos outros animais.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O embrião tem, primeiro, a alma que é somente sensitiva; desaparecida essa, advém à alma sensitiva e intelectiva, que é mais perfeita, como a seguir se mostrará mais plenamente (q. 118, a. 2 ad 2).
RESPOSTA À QUARTA. ― Não se deve, das diversas razões ou intenções lógicas, resultantes do modo de inteligir, concluir a diversidade das coisas naturais; porque a razão pode apreender uma mesma coisa por modos diversos. Como, pois, segundo já se disse, a alma intelectiva contém, na sua virtude, aquilo que tem a sensitiva e ainda mais; a razão pode considerar separadamente o que pertence à virtude sensitiva como algo de imperfeito e material; e, vendo que isso é comum ao homem e aos outros animais, daí forma o conceito de gênero. Porém, aquilo em que a alma intelectiva excede a sensitiva, a razão o toma como formal e completivo, formando, daí, o conceito diferencial do homem.
(I Sent., disto VIII. q. 5,.a. 2, ad 6; II, disto XVII, q. 2, a. 1; IICont.Gent., cap. LXXIII, LXXV; De Spirit Creat., a. 9; Qu. De Anima, a .3, Compende. Theol., cap. LXXXV;De Ubit Intellec. Per tot).
O segundo discute-se assim. ― Parece que o princípio intelectivo não se multiplica com a multiplicação dos corpos, mas há um só intelecto para todos os homens.
1. ― Pois, nenhuma substância imaterial se multiplica numericamente, numa mesma espécie. Ora, a alma humana é substância imaterial, pois, não é composta de matéria e forma, como já se demonstrou (q. 75, a. 5). Logo, não há muitas da mesma espécie; mas todos os homens o são e, portanto, todos têm um só intelecto.
2. Demais. ― Removida a causa, removido fica o efeito. Se, pois, com a multiplicação dos corpos, se multiplicassem as almas humanas, conseqüentemente, removidos aqueles, não permaneceria a multidão destas, restando só uma, de todas elas. O que é herético porque, então, desapareceria a diferença entre os prêmios e as penas.
3. Demais. ― Se o meu intelecto é diferente do teu, o meu é um certo indivíduo, bem como o teu; pois, seres particulares são os que, diferindo pelo número, convêm na mesma espécie. Ora, tudo o que noutro ser é recebido o é ao modo do que recebe. Logo, as espécies das coisas seriam recebidas, individualmente, pelo meu e pelo teu intelecto. O que é contra a natureza deste, que é cognoscitivo do universal.
4. Demais. ― O inteligido está no intelecto que intelige. Se, pois, o meu intelecto é diferente do teu, é necessário seja uma a coisa inteligida por mim e outra, a por ti; e, assim, o inteligido será multiplicado individualmente e será somente potencial. E será forçoso abstrair de um e outro o ato cognitivo comum; pois de dois seres diversos quaisquer é necessário abstrair o que neles haja de inteligível comum. O que vai contra a natureza do intelecto, pois que, então não se poderia distinguir o intelecto da virtude imaginativa. Logo, é forçoso concluir ser um só o intelecto para todos os homens.
5. Demais. ― Embora o discípulo receba a ciência do mestre, não se pode dizer que esta gera a daquele; porque, assim, também a ciência seria uma forma ativa, como o calor, o que evidentemente é falso. Portanto, numericamente a mesma é a ciência do mestre, comunicada ao discípulo; o que não é possível, a menos que ambos tenham o mesmo intelecto. Logo, um só é o intelecto do mestre e do discípulo e, por conseqüência, de todos os homens.
6. Demais. ― Agostinho diz: Se afirmar, que somente as almas humanas são muitas, a mim mesmo me tornarei ridículo. Ora, é sobretudo quanto ao intelecto que a alma humana é considerada una. Logo, há um só intelecto para todos os homens.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: as causas universais estão para as coisas universais, como as particulares para as coisas particulares. Ora, é impossível a alma, especificamente una, ser a mesma para animais especificamente diversos. Logo, é impossível que a alma intelectiva, numericamente una, possa ser a de seres numericamente diversos.
SOLUÇÃO. ― É absolutamente impossível haja um só intelecto para todos os homens. E isto é evidente se, segundo a opinião de Platão, o homem é o seu intelecto mesmo. Pois, daí resultaria que, se Sócrates e Platão têm o mesmo intelecto, ambos são o mesmo homem e não se distinguirão um do outro senão pelo que lhes for exterior à essência. E, assim, a distinção entre eles seria a mesma que entre um homem vestido de túnica e outro de capa, o que é completamente absurdo. ― Semelhantemente, também se verá a mesma impossibilidade se, conforme a opinião de Aristóteles, se admitir o intelecto como parte ou potência da alma, que é a forma do homem. Pois, é impossível que muitos seres, numericamente diversos, tenham a mesma forma; assim como o é tenham o mesmo ser, do qual a forma é o princípio.
Do mesmo modo verá essa impossibilidade quem, de qualquer maneira que seja, admitir a união do intelecto com tal homem ou tal outro. Pois, é manifesto, dado um só princípio agente e dois instrumentos, pode haver um só agente, absolutamente, mas várias ações; assim, se o mesmo homem tocar coisas diversas com as duas mãos, haverá, certamente, vários agentes, mas uma só ação; como se muitos puxarem, com uma corda, uma embarcação, haverá muitos que puxam, mas uma só ação tratora. Se, porém, for um o agente principal e um o instrumento, haverá um só agente e uma só ação; assim, se um ferreiro percute com um martelo um é o percutidor e uma a percussão. Ora, é manifesto, que seja como for o modo por que o intelecto, esteja unido ou ligado a tal homem ou tal outro, ele têm, entre os demais atributos do homem, a principalidade, pois, as forças sensitivas lhe obedecem e servem. Se, pois, se admitissem, para dois homens, vários intelectos e um só sentido, e se, assim, dois homens tivessem os mesmos olhos, seriam dois a ver, com uma só visão. Se, portanto, o intelecto é um, embora sejam diversos os meios de que todo intelecto usa, como de instrumentos, de nenhum outro modo poderiam Sócrates e Platão ser considerados senão como um só e mesmo homem, que intelige. E se acrescentarmos que o ato mesmo de inteligir, próprio do intelecto, não se realiza por nenhum outro órgão a não ser pelo intelecto, resultará, mais, a unidade do agente e da ação, i. é., todos os homens serão um só ser inteligente, com o mesmo ato de inteligir, em relação ao mesmo inteligível.
Porém, a minha ação intelectual poderia diversificar-se da tua, pela diversidade dos fantasmas, pois que um é o fantasma de uma pedra em mim e outro, em ti, se o fantasma mesmo, enquanto um, o meu e outro, o teu, fosse a forma do intelecto possível. Porque, o mesmo agente, segundo as diversas formas, produz diversas ações; assim, segundo são diversas as formas das coisas, em relação aos mesmos olhos, assim são diversas as visões. Mas, o fantasma não é a forma do intelecto possível, mas sim, a espécie inteligível, dele abstraída. Ora, num mesmo intelecto, de fantasmas diversos da mesma espécie só pode ser abstraída uma espécie inteligível. O que bem se vê, considerando-se um mesmo homem, no qual podem existir diversos fantasmas das coisas; e, todavia, de todos eles é abstraída uma só espécie inteligível da pedra, pela qual o seu intelecto, por operação una, intelige a natureza da pedra, não obstante a diversidade dos fantasmas. Se, pois, fosse um só o ’intelecto de todos os homens, as diversidades dos fantasmas, neles, não poderiam causar a diversidade da operação intelectual, neste ou naquele, como supõe o Comentador. Conclui-se, portanto, que é absolutamente impossível e inconveniente admitir que há um só intelecto para todos os homens.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. . Embora nem a alma intelectiva, nem o anjo, tenham matéria de que provenham, aquela é, todavia, a forma de uma certa matéria. Por onde, conforme a divisão da matéria, assim há muitas almas da mesma espécie; ao passo que é absolutamente impossível assim existirem muitos anjos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Cada ser tem a unidade do mesmo modo pelo qual tem o ser e, por conseqüência, o que se diz da multiplicação das coisas diz-se-lhes também do ser. Ora, é manifesto, a alma intelectual, está, por natureza, unida ao corpo, como forma; e contudo, destruído este, ela permanece no ser. E, pela mesma razão, a multidão das almas é relativa à dos corpos; contudo, destruídos estes, elas permanecem multiplicadas no seu ser.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A individuação do ser inteligente ou da espécie pela qual intelige, não exclui a inteligência dos universais; do contrário, sendo os intelectos separados substâncias subsistentes e, por conseqüência, particulares, não poderiam inteligir os universais. Mas, a materialidade do conhecente e da espécie, pela qual conhece, impede o conhecimento do universal. Pois, assim como toda ação é relativa ao modo da forma pela qual o agente age, como, p. ex., a cale facção é relativa ao modo do calor; assim, o conhecimento é relativo ao modo da espécie, pela qual o conhecente conhece. Ora, é manifesto que a natureza comum se distingue e multiplica segundo os princípios individuantes, que dependem da matéria. Se, pois, a forma, pela qual se faz o conhecimento, for material, não abstraída das condições da matéria, essa forma será a semelhança da natureza da espécie ou do gênero, porque será distinta e multiplicada, pelos princípios individuantes; e, então, não poderá ser conhecida à natureza da coisa, na sua comunidade. Se, porém, a espécie for abstraída das condições da matéria individual, haverá a semelhança da natureza sem aquilo que a distingue e multiplica; e, assim, será conhecido o universal. Nem importa, quanto a isto, se o intelecto for um só ou se forem muitos; porque, mesmo que fosse só um, seria necessário sê-lo determinadamente, e também deveria ser a espécie pela qual intelige uma espécie determinada.
RESPOSTA À QUARTA. ― Quer o intelecto seja um, quer sejam muitos, só uma e mesma coisa é o que é inteligido. Pois, isto não está no intelecto, conforme o que é, mas pela sua semelhança. Assim, não a pedra, mas sim a sua espécie é que está na alma como diz Aristóteles. E, contudo, é a pedra a inteligida, e não a sua espécie, a não ser pela reflexão do intelecto sobre si mesmo; do contrário, não haveria ciências das causas, mas só das espécies inteligíveis. Ora, forçosamente, se diversas coisas se assemelham ao mesmo ser, se-lo-á por formas diversas. E como o conhecimento se opera pela assimilação do conhecente com a causa conhecida, resulta que a mesma coisa pode ser conhecida por diversos conhecentes, como se dá com os sentidos. Assim, vários vêm à mesma cor, sob semelhanças diferentes; e, do mesmo modo, vários intelectos inteligem a mesma causa. Mas, na opinião de Aristóteles, entre os sentidos e o intelecto há só esta diferença: uma causa é sentida, conforme a disposição que tem, na sua particularidade, fora da alma; ao passo que a natureza da causa inteligida existindo, por certo, fora da alma, aí não tem, contudo, o modo de ser pelo qual é inteligida. Pois, o que é inteligido é a natureza comum, separada de todos os princípios individuantes. Ora, tal modo de existir, a causa não o tem fora da alma. Mas, conforme a opinião de Platão, que admitia serem as naturezas das causas separadas da matéria, a coisa inteligida está fora da alma do mesmo modo pelo qual é inteligida.
RESPOSTA À QUINTA. ― De um modo está à ciência no mestre e, de outro, no discípulo. E a seguir se verá como ela é causada (q. 117, a. 1).
RESPOSTA À SEXTA. ― Agostinho quer dizer que não há pluralidade de almas sem que estejam unidas sob a noção de uma mesma espécie.
(II Cont. Gent., capo LVI, LVII, LIX, LXVIII seqq.; De Spirit.Creat., a, 2; Qu. De Anima, a. 1, 2; De Unit:. Intell.; II De Anima, lect. IV; III, lect. VII).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o princípio intelectivo não está unido ao corpo como forma.
1. ― Pois, diz o Filósofo que o intelecto é separado e não é ato de nenhum corpo. Logo, não está unido ao corpo como forma.
2. Demais. ― Toda forma é determinada pela natureza da matéria a que pertence; do contrário não seria preciso a proporção entre aquela e esta. Se, pois, o intelecto estivesse unido ao corpo como forma, como todo corpo tem uma natureza determinada, seguir-se-ia que também o intelecto a teria e, então, não seria cognoscitivo, como é claro pelo que já foi dito (q. 75, a. 2). Ora, isto é contra a natureza dele; e, logo, não está unido ao corpo como forma.
3. Demais. ― Toda potência receptiva, que é ato de algum corpo, recebe a forma material e individualmente; porque o recebido está no recipiente ao modo deste. Ora, a forma da causa inteligida não é recebida no intelecto, material e individualmente, mas antes, imaterial e universalmente; do contrário, o intelecto não seria cognoscitivo do imaterial e do universal, senão só do singular, como os sentidos. Logo, não está unido ao corpo como forma.
4. Demais. ― Ao mesmo ser pertencem a potência e o ato; pois, é o mesmo ser que pode agir e que age. Mas, como resulta do já dito (Ibid), a ação intelectual não pertence a um determinado corpo. Logo, nem a potência intelectiva é potência de nenhuma corpo determinado. Ora, a virtude ou potência não pode ser mais abstrata ou mais simples do que a essência, da qual deriva. Logo, também a substância do intelecto não é forma do corpo.
5. Demais. ― O que tem o ser em si não se une ao corpo como forma; pois esta, sendo causa de alguma causa existir, o seu ser mesmo não é o ser da forma em si. Ora, o princípio intelectivo tem o ser em si e é subsistente, Como já antes se disse (Ibid). Logo, não está unido ao corpo como forma.
6. Demais. ― O inerente a uma causa em si sempre nela existe. Ora, é inerente à forma em si estar unida à matéria; e não por algum acidente, mas por essência, é o ato da matéria; do contrário, a matéria e a forma não constituiriam unidade substancial, mas acidental. Logo, a forma não pode existir sem a matéria própria. Ora, o princípio intelectivo, sendo incorruptível, como antes se demonstrou (Ibid, a. 6), permanece não unido ao corpo, uma vez este corrompido. Logo, não está unido ao corpo como forma.
Mas, em contrário, segundo o Filósofo, a diferença é deduzida da forma da causa. Ora, a diferença constitutiva do homem é ser racional, qualidade esta que se lhe atribui em virtude do princípio intelectivo. Logo este é a forma do homem.
SOLUÇÃO. ― Deve-se admitir que o intelecto, princípio da operação intelectual, é a forma do corpo humano. Pois, aquilo que faz, primariamente, com que um ser opere, é a forma do ser ao qual se atribui à operação; assim, aquilo pelo que, primariamente, o corpo é são é a saúde, e o pelo que, primariamente, a alma sabe é a ciência; por onde, a saúde é a forma do corpo e a ciência é, de certo modo, a forma da alma. E a razão disto está em nenhum ser agir senão como atual; por onde, o que torna um ser atual também fá-lo agir. Ora, é manifesto que a alma é o principio primário da vida do corpo. E como a vida se manifesta por operações diversas nos diversos graus de viventes, aquilo que produz, primariamente, cada uma das obras da vida é a alma. Pois é pela alma que, primariamente nos nutrimos, sentimos, movemo-nos localmente e, semelhantemente, inteligimos. Logo, esse princípio pelo qual primariamente inteligimos, quer se chame intelecto, quer alma intelectiva, é a forma do corpo. E tal é a demonstração de Aristóteles. E quem pretender que a alma intelectiva não é a forma do corpo, necessário é encontrar o modo pelo qual o ato de inteligir seja o ato de um determinado homem. Pois, cada um de nós sente que é o nosso ser mesmo que intelige.
Ora, uma ação pode ser atribuída a alguém de tríplice modo, como se vê claramente no Filósofo. Assim, diz-se que um ser move ou age, totalmente, como o médico cura; parcialmente, como o homem vê com os olhos; acidentalmente, como se diz que o branco constrói porque acontece que um construtor é branco. Quando, pois, dizemos que Sócrates ou Platão intelige, é manifestO que isso não lhe é atribuído por acidente; pois, o que dele essencialmente se predica é-lhe atribuído enquanto homem. Ou então, forçoso é dizer-se que Sócrates intelige por si mesmo, na sua totalidade, como ensinava Platão, dizendo que o homem é a alma intelectiva; ou que o intelecto é uma parte de Sócrates
Ora, a primeira posição não se pode sustentar, como já se demonstrou antes (q. 75, a. 4), porque o homem que se percebe o seu inteligir é o mesmo que se percebe o seu sentir. Ora, sentir não vai sem o corpo. Portanto, necessário é seja este uma parte do homem.
Resta, portanto, que o intelecto, com o qual Sócrates intelige seja parte deste, a ponto que lhe esteja, de certo modo, unido ao corpo. E esta união, diz o Comentador, se realiza pela espécie inteligível, que tem duplo sujeito: o intelecto possível e os fantasmas, que estão nos órgãos corpóreos. Assim, pela espécie inteligível, une-se o intelecto possível ao corpo de tal ou tal homem. ― Mas esta continuidade ou união não basta para a ação do intelecto ser a ação de Sócrates. O que se torna patente pela semelhança com o sentido, do qual Aristóteles parte para considerar as coisas do intelecto. Ora, os fantasmas estão para o intelecto, diz, como as cores para a vista. Pois, assim como as espécies das cores estão na vista, assim as dos fantasmas, no intelecto possível. Mas é evidente que, pelo fato de estarem numa parede as cores, cujas semelhanças estão na vista, não se atribui à parede o ato da visão; e por isso, não dizemos que a parede vê, mas antes, que é vista. Assim também, do fato de estarem as espécies dos fantasmas no intelecto possível, não se segue que Sócrates, em quem estão os fantasmas, intelija; mas antes, que ele ou os seus fantasmas são inteligidos.
Outros ensinaram que o intelecto está unido ao corpo como um motor, ambos constituindo uma unidade, de modo que a ação do intelecto pode ser atribuída ao todo. ― Mas esta opinião é, de muitas maneiras, vã. ― Primeiro, porque o intelecto não move o corpo senão pela apetição, cujo movimento pressupõe a operação do intelecto. Pois, não é porque Sócrates é movido pelo intelecto, que ele intelige, mas antes, inversamente, porque intelige é que é movido pelo intelecto. ― Segundo, porque, sendo Sócrates um determinado indivíduo da natureza, cuja essência é una, composta de matéria e forma, se o intelecto não for à forma dele, resulta que lhe estranha à essência; e, então, o intelecto se há de comparar com todo Sócrates, assim como o motor com o movido. Ora, inteligir é ação imanente no próprio sujeito e não transeunte para outro, como a calefação. Logo, inteligir não pode ser atribuído a Sócrates por que seja este movido pelo intelecto. ― Terceiro, porque a ação do motor nunca se atribui ao movido senão como a um instrumento; assim, a ação do carpinteiro é atribuída a serra. Se, portanto, inteligir é atribuído a Sócrates, porque é a ação do motor deste, segue-se que lhe é atribuído como a instrumento; o que vai contra o Filósofo, ensinando que o inteligir não é por meio de um instrumento corpóreo. Quarto, porque, embora a ação da parte seja atribuída ao todo, como a ação dos olhos ao homem, contudo, esta nunca é atribuída à outra parte qualquer, a não ser, talvez, por acidente; pois, não dizemos que a mão vê porque os olhos vêm. Se, portanto, é do modo supradito que intelecto e Sócrates constituem unidade, a ação daquele não pode ser atribuída a este. Se, porém, Sócrates é um todo composto da união do intelecto com tudo o mais que é de Sócrates; e, contudo, o intelecto não se une a este mais, senão como motor, então resulta que Sócrates não é um, absolutamente; e, por conseqüência, não é ser absolutamente, pois, uma coisa é ser do mesmo modo pelo qual é uma.
Resta, portanto, só o modo ensinado por Aristóteles, a saber, que tal homem intelige porque o princípio intelectivo é a sua: forma. Assim, pois, da operação mesma do intelecto resulta que o princípio intelectivo está unido ao corpo como forma.
E isso mesmo também pode ser deduzido da natureza da espécie humana. Pois, a operação de um ser indicando-lhe a natureza, e a operação própria do homem, como tal, sendo inteligir; por ela transcende todos os animais. Donde vem que Aristóteles faz constituir a felicidade última nessa operação, como própria do homem. Ora, é necessário que o homem pertença a uma espécie determinada pelo princípio dessa operação; pois cada ser pertence à espécie que lhe é determinada pela forma da mesma. Resulta daí, portanto, que o princípio intelectivo é a forma própria do homem.
Mas devemos notar que, quanto mais nobre for a forma, tanto mais dominará a matéria corpórea, tanto menos nesta estará imersa e tanto mais a excederá pela sua operação ou virtude; por onde, vemos que a forma do corpo misto tem uma certa operação não causada pelas qualidades elementares. E quanto mais avançarmos em a nobreza das formas, tanto mais veremos a virtude da forma exceder a matéria elementar; assim, a alma vegetativa é mais que a forma do metal e a alma sensível, mais que a vegetativa. Ora, a alma humana é a última, em a nobreza das formas. Por onde, excede, pela sua virtude, a matéria corpórea, na medida mesma em que tem uma operação e uma virtude, das quais de nenhum modo participa a matéria corpórea. E essa virtude se chama intelecto.
Deve-se, porém, atender a que, se alguém disser que a alma é composta de matéria e forma, de nenhum modo poderá dizer que ela é a forma do corpo. Pois, sendo a forma ato, e a matéria, ser somente potencial, de nenhum modo o que é composto de matéria e forma poderá ser, em si e totalmente, forma de outro ente. Se, porém, for forma só quanto a uma parte de si, então chamamos alma ao que é forma; e primeiro animado, ao ser de que é forma, como antes já ficou dito (q. 75, a. 5).
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Como diz o Filósofo, a última das formas naturais, com a qual termina a consideração do Filósofo natural, i. é., a alma humana, é certamente separada; contudo, está unida à matéria. E a prova está em que o homem, juntamente com o sol, gera outro homem, da matéria. Porém, é separada quanto à virtude intelectiva; porque esta não é virtude de nenhum órgão corpóreo, como a virtude visiva ato dos olhos; pois, inteligir é ato que se não pode exercer por um órgão corpóreo, como se exerce a visão. Está, porém, na matéria, porque a alma mesma, a que pertence tal virtude, é forma do corpo e o termo da geração humana. Assim, pois, o Filósofo diz, que o intelecto é separado por não ser virtude de nenhum órgão corpóreo.
E daqui se deduzem as RESPOSTAS À SEGUNDA E À TERCEIRA OBJEÇÕES. Pois, para o homem inteligir todas as coisas pelo intelecto, e também os seres imateriais e universais, basta que a virtude intelectiva não seja ato do corpo.
RESPOSTA À QUARTA. ― A alma humana, por causa da sua perfeição, não é forma imersa na matéria corpórea, ou por esta totalmente compreendida; por onde, nada impede que alguma virtude sua não seja ato do corpo, embora, na sua essência, seja a forma deste.
RESPOSTA À QUINTA. ― A alma comunica à matéria corpórea o ser no qual subsiste; e, deste e da alma intelectiva constitui-se uma unidade, de modo que o ser de todo o composto é também o da alma mesma; o que não se dá com as outras formas não subsistentes. E por isso, a alma humana permanece no ser, destruído o corpo; não, porém, as outras formas.
RESPOSTA À SEXTA. ― Em si, convém à alma estar unida ao corpo, assim como, em si, convém ao corpo leve o elevar-se. E assim como este permanece certamente leve, quando separado do lugar próprio, conservando, contudo, a aptidão e a inclinação para esse lugar; assim a alma humana permanece no ser, quando separada do corpo, conservando a aptidão e a inclinação natural para a união com o mesmo.
Em seguida, temos de tratar da união da alma e do corpo. E, sobre esta questão, oito artigos se discutem:
O oitavo discute-se assim. — Parece que o anjo bem-aventurado pode pecar.
1. — Pois, a beatitude não suprime a natureza, como se disse. Ora, da essência da natureza criada é ser deficiente. Logo, o anjo bem-aventurado pode pecar.
2. Demais. — As potências racionais são relativas a termos opostos, como diz o Filósofo. Ora, a vontade do anjo beato nunca deixa de ser racional. Logo, é relativa ao bem e ao mal.
3. Demais. — Pelo livre arbítrio o homem pode escolher o bem e o mal. Ora, a liberdade do arbítrio não diminui nos anjos beatos. Logo, podem pecar.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que nos santos anjos há a natureza, que não pode pecar. Logo, não podem pecar.
Solução. — Os anjos bem-aventurados não podem pecar, pois a beatitude deles consiste em ver a essência de Deus. Ora, esta é a essência mesma da bondade. Donde, o anjo que vê a Deus está para o próprio Deus, como está para a noção comum do bem quem quer que não vê a Deus. Ora, é impossível que alguém queira ou faça alguma obra sem visar o bem; ou que queira se desviar do bem como tal. Logo, o anjo beato, não podendo querer ou agir sem visar a Deus, não pode, assim querendo ou agindo, pecar. Por onde, o anjo beato de nenhum modo pode pecar.
Donde a resposta à primeira objeção. — O bem criado, em si considerado, pode ser deficiente. Mas pela união perfeita com o bem incriado, como é a união da felicidade, ele consegue não poder pecar, pela razão supra dita.
Resposta à segunda. — As virtude racionais são relativas a termos opostos quanto ao a que não estão naturalmente ordenadas; não, porém, quanto ao a que estão. Assim, o intelecto não pode deixar de assentir aos princípios naturalmente conhecidos; e semelhantemente, a vontade não pode deixar de aderir ao bem, como tal, porque está naturalmente ordenada para ele como para o seu objeto. Portanto, a vontade dos anjos é relativa a termos opostos, quanto a fazer ou não fazer muitas coisas. Mas, quanto a Deus mesmo, que vêem como sendo a própria essência da bondade, não são relativos a termos opostos; antes, conformando-se com Deus, se dirigem a tudo, sejam quais forem os opostos que escolham; e nisso não há pecado.
Resposta à terceira. — O livre arbítrio está para a eleição dos meios como o intelecto para as conclusões. Ora, como é manifesto pela sua virtude o intelecto pode proceder a diversas conclusões segundo os princípios dados; mas, se proceder a alguma conclusão preterindo a ordem dos princípios será isso defeito seu. Por onde, à perfeição da liberdade do arbítrio pertence o poder de eleger diversos meios, conservada a ordem do fim; mas, será um defeito da sua liberdade se eleger algum meio divertindo da ordem do fim, e pecando. Donde, maior é a liberdade do arbítrio nos anjos, que não podem pecar, do que em nós, que podemos.
(II Sent., dist. III. q. 1, a. 6; II Cont. Gent., cap. XCIV; Qu. De Anima, a. 7).
O sétimo discute-se assim. ― Parece que a alma e o anjo são da mesma espécie.
1. ― Pois, cada ser é ordenado ao próprio fim pela natureza da sua espécie, que lhe dá a inclinação para o fim. Ora, idênticos são os fins
da alma e do anjo, a saber, a felicidade eterna. Logo, ambos são da mesma espécie.
2. Demais. ― A diferença específica última é a mais nobre, porque realiza plenamente a noção da espécie. Ora, nada há de mais nobre, no anjo e na alma, do que o ser intelectual. Logo, eles convêm na última diferença específica, sendo, assim, da mesma espécie.
3. Demais. ― A alma só difere do anjo por estar unida ao corpo. Ora este, sendo estranho à essência da alma, não é da mesma espécie que ela. Logo, a alma e o anjo são da mesma espécie.
Mas, em contrário. ― Seres diferentes, por operações naturais diversas, diferem pela espécie. Ora, a alma e o anjo têm operações naturais diversas; pois, como diz Dionísio, os espíritos angélicos tem conceitos intelectuais simples e bons e não congregam elementos divisíveis para chegar à união com Deus; e, depois, diz ao contrário da alma. Logo, a alma e o anjo não são da mesma espécie.
SOLUÇÃO. ― Orígenes ensinou que todas as almas humanas e os anjos são da mesma espécie. E isto porque ensinava que a diversidade de graus existentes em tais substâncias é acidental, como proveniente do livre arbítrio, segundo já se disse antes (q. 47, a. 2). Ora, tal não pode ser. Porque nas substâncias incorpóreas não pode haver diversidade numérica sem diversidade específica e sem desigualdade natural. Pois, não sendo compostas de matéria e forma, mas sendo formas subsistentes, é claro que necessário será haver entre elas diversidade específica. Porque não se pode compreender exista alguma forma separada que não seja única da sua espécie; assim como, se existisse a brancura separada, essa não poderia ser senão uma única, pois uma brancura não difere de outra senão porque é tal ou tal. Ora, a diversidade específica sempre vai com a diversidade natural concomitante; assim, nas espécies de cores, uma cor é mais perfeita que outra; e, semelhantemente, em outras espécies. E isto porque as diferenças que dividem o gênero são contrárias. Ora, os contrários entre si se comportam como o perfeito com o imperfeito, porque o princípio da contrariedade é a privação e o hábito, como diz Aristóteles. Também o mesmo se seguiria se tais substâncias fossem compostas de matéria e forma. Se, pois, a matéria de uma se distingue da de outra, necessário é que ou a forma seja o princípio da distinção da matéria, de modo que as matérias sejam diversas pela tendência para formas diversas, donde também resultaria a diversidade específica e a desigualdade natural; ou que a matéria seja o princípio da distinção das formas. Nem se pode dizer que esta matéria seja diferente daquela, senão quanto à divisão quantitativa, que não tem lugar nas substâncias incorpórea, como o anjo e a alma. Por onde, não é possível sejam ambos da mesma espécie. Como é porém que há muitas almas da mesma espécie, a seguir se demonstrará (q. 76, a. 2 ad 1).
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Essa doutrina é procedente quanto ao fim próximo e natural. Ora, a beatitude eterna é o fim último e sobrenatural.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A diferença específica última é a mais nobre, enquanto determinada em máximo grau, ao modo pelo qual o ato é mais nobre que a potência. Ora, desse modo, o intelectual não é nobilíssimo, por ser indeterminado e comum a muitos graus de intelectualidade, como o sensível a muitos graus, quanto ao ser sensível. Por onde, assim como nem todos os sensíveis são da mesma espécie, assim nem todos os intelectuais.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O corpo não é da essência da alma; mas é da essência desta que seja capaz de união com o corpo. Por onde, nem, propriamente, a alma pertence a uma espécie, mas sim, o composto. E o fato mesmo de a alma precisar, de certo modo, do corpo para a sua operação, mostra que ela tem um grau de intelectualidade inferior ao do anjo, que não está unido a um corpo.
(II Sent. disto XIX, a. 1; IV, dist. q. 1, a. 1; II Cont. Gent., cap.LXXIX sqq.; Quodl. X, q. 3, a. 2; Qu. De Anima, a. 14; Compend. Theol., cap. LXXXIV).
O sexto discute-se assim. ― Parece que a alma humana é corruptível.
1. ― Pois, seres que têm princípio e processão semelhantes também têm fim semelhante. Ora, o princípio da geração dos homens é semelhante ao da dos asnos, pois ambos foram feitos da terra; e também é semelhante, em ambos. a processão da vida, pois, como diz a Escritura (Ecle 3, 19), todos respiram da mesma sorte, e o homem não tem nada de mais do que o bruto. Logo, como no mesmo passo da Escritura se conclui, por isso uma é a morte dos homens e dos brutos, e de uns e outros é igual à condição. Mas, a alma dos brutos é corruptível. Logo, também o é a alma humana.
2. Demais. ― Tudo o que provém do nada é redutível ao nada, porque o fim deve corresponder ao princípio. Mas, como diz a Escritura (Sb 2, 2), do nada somos nascidos; o que é verdade, não só do corpo, mas também da alma. Logo, como ainda no mesmo passo se conclui, depois desta vida seremos como se nunca tivéramos sido, mesmo em relação à alma.
3. Demais. ― Não há ser que não tenha a sua operação própria. Ora, a operação própria da alma, inteligir por meio do fantasma, não vai sem o corpo. Pois, a alma não intelige nada sem fantasma e este não existe sem o corpo, como diz Aristóteles. Logo, a alma não pode subsistir uma vez destruído o corpo.
Mas, em contrário, diz Dionísio, que as almas humanas têm da bondade divina o serem intelectuais e o terem a vida substancial inconsumível.
SOLUÇÃO. ― É necessário admitir-se que a alma humana, a que chamamos princípio intelectivo, é incorruptível. Pois, um ser pode se corromper de duplo modo: por si ou por acidente. Ora, é impossível um ser subsistente ser gerado ou corrompido por acidente, i. é., porque nele houve alguma parte gerada ou corrupta. Pois, a todo ente lhe convém o ser gerado ou corrompido do mesmo modo pelo qual lhe convém o ser, que pela geração se adquire e pela corrupção se perde. Por onde, o que tiver o ser por si só por si pode gerar-se ou corromper-se. Os seres porém não subsistentes, como os acidentes e as formas materiais, dizem-se feitos e corruptos pela geração e corrupção dos compostos. Ora, já se demonstrou antes (a. 3), que as almas dos brutos não são por si subsistentes, senão só a alma humana. Por isso, aquelas se corrompem, uma vez corruptos os seus corpos; porém esta só por si poderia corromper-se. Ora, isto é absolutamente impossível, não só a esta, mas a qualquer ser subsistente que seja só forma. Pois, é manifesto, o que convém, em si, a um ser, é inseparável deste. Ora, o ser em si, convém à forma, que é um ato. Por onde, a matéria adquire o ser atual na medida em que adquire a forma e corrompe-se na medida em que lhe sucede separar-se dela. Ao passo que, sendo impossível à forma separar-se de si mesma, impossível é também que a forma subsistente perca o ser.
Dado, porém, que a alma seja composta de matéria e forma, como certos dizem, ainda assim é necessário admiti-la como incorruptÍvel. Pois, só se encontra corrupção onde se encontra a contrariedade; porque as gerações e as corrupções são passagens de uns para outros contrários. Por isso os corpos celestes, sem matéria sujeita à contrariedade, são incorruptíveis. Ora, na alma intelectiva nenhuma contrariedade pode haver. Pois, ela é receptiva ao modo do seu ser e as coisas por ela recebidas o são sem contrariedade; pois que as noções dos contrários não são contrárias no intelecto, mas há uma só ciência dos contrários. Logo, é impossível que a alma intelectiva seja corruptível.
Também se pode tirar uma prova desta doutrina do fato de cada ente desejar ser naturalmente, ao seu modo. Ora, o desejo, nos seres que conhecem, segue-se ao conhecimento. E, ao passo que o sentido não conhece o ser senão num determinado lugar e tempo, o intelecto o apreende absolutamente e referente a qualquer tempo. Por isso, todo ser que tem intelecto deseja existir sempre. Ora, o desejo natural não pode ser vão. Logo, toda substância intelectual é incorruptível.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Salomão aplica essa razão à pessoa dos insipientes, como se exprime noutra parte. E quanto a dizer-se que o homem e os outros animais têm o princípio da geração semelhante, isso é verdade quanto ao corpo, pois, todos os animais foram feitos da terra, semelhantemente. Não, porém, quanto à alma; pois, ao passo que a dos brutos é produzida por uma virtude corpórea, a alma humana o é por Deus. E, para o exprimir, a Escritura (Gn 1) diz dos outros animais: Produza a terra animais viventes. Mas do homem: inspirou no seu rosto um assopro de vida. Por onde, conclui Salomão (Ecl 12, 7): E o pó se torne na sua terra de onde era, e o espírito volte para Deus que o deu. Do mesmo modo, a processão da vida é semelhante quanto ao corpo; e a isso se referem os passos (Ecl 3, 19): Todos respiram da mesma sorte e (Sb 2, 2) a respiração nos nossos narizes é um fumo. Mas não é semelhante a essa a processão da alma, pois, o homem intelige e os brutos não. Por isso é falso o dito: O homem não tem nada de mais do que o bruto. Por onde, semelhante é a morte, quanto ao corpo, mas não quanto à alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Assim como se diz que um ser pode ser criado, não pela potência passiva, mas só pela potência ativa do Criador que, do nada, pode produzir uma coisa; assim também dizer que um ser é redutível ao nada não importa, na criatura, a potência para o não ser, mas sim a potência do Criador não influindo o ser. Ora, chama-se corruptível ao ente em que existe a potência para o não ser.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Inteligir, por meio do fantasma é, propriamente, operação da alma, enquanto unida ao corpo. Separada deste, porém, terá outro modo de inteligir, semelhante ao das outras substâncias separadas, como a seguir melhor se verá (q. 89, a. 1).
(I Sent., dist. VIII, q. 5, a. 2; II dist. XVII, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. L; Quodl. III, q. VIII; IX, q. 4, a. 1; De Spirit. Creat., a. 1; a. 9, ad; Qu. De Anima, a. 6; Opusc. XV, De Angelis, cap. VII).
O quinto discute-se assim. ― Parece que a alma é composta de matéria e forma.
1. ― Pois, a potência se divide por oposição com o ato. Ora, todos os seres em ato, quaisquer que sejam, participam do primeiro ato, que é Deus; por cuja participação todos são bons, entes e viventes, como é claro pela doutrina de Dionísio. Logo, quaisquer seres em potência participam da primeira potência. Ora, esta é a matéria prima. Como, pois, a alma humana é, de certo modo, potencial, o que se evidência por ser o homem, às vezes, inteligente em potência, resulta que ela participa da matéria prima, tendo a esta como parte sua.
2. Demais. ― Onde quer que se encontrem as propriedades da matéria, aí se encontra a matéria. Ora, na alma se encontram tais propriedades, a saber, o ser sujeito e o transmutar-se; pois, é sujeito da ciência e da virtude e muda-se da ignorância para a ciência ou do vicio para a virtude. Logo, na alma, há matéria.
3. Demais. ― O que não tem matéria não tem a causa do seu ser, como diz Aristóteles. Ora, a alma, sendo criada por Deus, tem essa causa. Logo, tem matéria.
4. Demais. ― O que não tem matéria, mas só forma, é ato puro e infinito. Ora, tal só Deus o é. Logo, a alma tem matéria.
Mas, em contrário, Agostinho prova que a alma não é feita de matéria corpórea nem espiritual.
SOLUÇÃO. ― A alma não tem matéria, o que se pode duplamente provar. ― Primeiro, pela natureza da alma, em comum, que a torna forma de certo corpo. Ora, ou a alma é, em si, forma total ou parcial. Se total, é impossível tenha, como parte, a matéria, considerada esta última como ser somente potencial; pois, a forma, como tal, sendo ato; o que é puramente potencial não pode ser parte dês te, pois, a potência, repugna ao ato, dividida, como é, por oposição a ele. Se parcial, essa parte a consideraremos como alma; e a matéria, de que é o ato primário, como o primeiro animado. Segundo, especialmente, pela natureza da alma humana, enquanto intelectiva. Pois, é manifesto, tudo o que é recebido por outro ser o é ao modo desse ser recipiente. Assim, o que é conhecido o é do modo pelo qual a sua forma está no conhecente. Ora, a alma intelectiva conhece as coisas em a natureza absoluta delas, p. ex., uma pedra enquanto absolutamente pedra. Por onde, a forma da pedra, na sua razão formal própria, está absolutamente na alma intelectiva. Logo, esta é forma absoluta e não algo composto de matéria e forma; pois, se o fosse, as formas das coisas ela as receberia como individuais; e assim não conheceria senão o singular, como se dá com as potências sensitivas, que recebem as formas das coisas num órgão corpóreo; pois, a matéria é o princípio da individuação das formas. Resulta, portanto, que a alma intelectiva e toda substância intelectual conhecedora das formas, absolutamente, carece da composição de forma e matéria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O ato primeiro é o princípio universal de todos os atos, pois, é o infinito, que virtualmente em si compreende todas as coisas, como diz Dionísio. Por isso, é participado por elas, não como parte, mas pela difusão da processão de si mesmo. Porém, a potência, como receptiva do ato, deve se proporcionar a este. Ora, os atos recebidos, procedentes do primeiro ato infinito, e sendo determinadas participações dele, são diversos. Por onde, não pode haver uma potência única receptiva de todos os atos, como há um ato único que influi em todos os atos participados; do contrário, a potência receptiva se adequaria à potência ativa do ato primeiro. Há, porém, outra potência receptiva, na alma intelectiva, diferente daquela da matéria prima, como se vê pela diversidade das coisas recebidas; pois, ao passo que a matéria prima recebe as formas individuais, o intelecto recebe as absolutas. E, portanto, tal potência, existente na alma intelectiva, mostra que a alma não é composta de matéria e forma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Ser sujeito e transmutar-se convêm à matéria como potencial. Se, portanto, uma é a potência do intelecto e outra a da matéria prima, também haverá noções diversas da sujeição e da transmutação. Assim, o intelecto é. sujeito da ciência e transmuta-se da ignorância para a ciência, enquanto é potencial em relação às espécies inteligíveis.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A forma é, para a matéria, a causa do existir e do agir; por onde, o agente, como redutor da matéria ao ato da forma, transmutando-a, é-lhe a causa da existência. Se, porém, há alguma forma subsistente, esta não existe por nenhum princípio formal nem tem causa que a transmute da potência para o ato. Por isso, depois das palavras anteriores, o Filósofo conclui que os seres compostos de matéria e forma não têm outra causa a não ser a que os move da potência para o ato; todos os seres, porém, que não têm matéria e são seres, absolutamente, são a sua mesma qüididade.
RESPOSTA À QUARTA. ― Todo participado se compara com o participador, como ato deste. Ora, necessário é que qualquer forma criada, que se suponha por si subsistente, participe do ser; pois, a própria vida, ou qualquer causa de semelhante, participa do ser em si, como diz Dionísio. Ora, o ser, participado, sendo limitado pela capacidade do participante, segue-se que só Deus, que é o seu próprio ser é ato puro e infinito. Nas substâncias intelectuais, porém, há composição de ato e de potência; não de matéria e forma mas, de forma e do ser participado. E, por isso, alguns as consideram compostas da causa do ser e do ser; pois, o ser em si mesmo é a causa de qualquer outro ser existir.
(III Sent., dist., V, q. 3, a. 2; dist. XXII, q. 1, a. 1; II Cont. Gent., cap. LVII; Opusc. XVI, De Unit. Intell.; De Ent. Et Ess., cap. II;VII Metaphys., lect IX).
1. ― O quarto discute-se assim. ― Parece que a alma é o homem. Pois, diz a Escritura (2 Cor 4, 16): Essa é a razão porque não desfalecemos; mas ainda que se destrua em nós o homem exterior, todavia o interior se vai renovando de dia em dia. Ora, o que no homem é interior é a alma. Logo, a alma é o homem interior.
2. Demais. ― A alma humana é uma determinada substância, mas não é a substância universal. Logo, é particular e, portanto, hipóstas e ou pessoa e não outra senão humana. Logo, a alma é o homem; pois, a pessoa humana é o homem.
Mas, em contrário, Agostinho elogia Varrão dizendo que o homem não é só alma, nem só corpo, mas simultaneamente, alma e corpo.
SOLUÇÃO. ― Que a alma seja o homem, pode-se entender de dois modos. De um modo, que o homem é a alma, mas não este determinado homem, composto de alma e corpo, como Sócrates. E digo assim porque certos ensinaram que só a forma pertence à natureza da espécie, sendo a matéria parte do indivíduo e não da espécie. ― O que certamente não pode ser verdadeiro. Pois, à natureza da espécie pertence aquilo que significa a definição. Ora, a definição, nas coisas naturais, não significa só a forma, mas a forma e a matéria. Por onde, a matéria é parte da espécie, nas sobreditas coisas; não por certo a matéria signada, que é o princípio de individuação, mas a matéria comum. Assim, pois, como da natureza de um determinado homem é que seja composto de tal alma e tais carnes e tais ossos, assim da natureza do homem é que o seja da alma e das carnes e dos ossos; pois, é necessário que a substância da espécie tenha tudo o que comumente pertence à substância de todos os indivíduos contidos na espécie.
Porém, de outro modo, pode-se entender no sentido em que uma determinada alma seja um determinado homem. E isso se poderia sustentar se se estabelecesse que a operação da alma sensitiva fosse só dela, sem o corpo, porque as operações atribuídas ao homem conviriam só à alma. Ora, cada coisa produzindo as suas operações próprias, o homem é o que opera as suas. Pois, já se demonstrou (a. 3) que sentir não é operação só da alma. ― Sendo, portanto, o sentir uma certa operação do homem, embora não própria, é manifesto que este não é só a alma, mas algo composto de alma e corpo. Platão, porém, ensinando que o sentir é próprio da alma, podia ensinar que o homem é uma alma que usa de um corpo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Segundo o Filósofo, um ser é principalmente aquilo que nele é o principal; assim, o que faz o chefe de uma cidade se considera como feito pela cidade. E, desse modo, às vezes se chama homem ao que neste é o principal; umas vezes, à parte intelectiva, segundo a verdade das coisas, chamada o homem interior; outras vezes, porém, à parte sensitiva com o corpo, segundo a opinião de alguns que só se detêm nas coisas sensíveis; e este se chama o homem exterior.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Nem toda substância particular é hipóstase ou pessoa, mas a que tem a natureza completa da espécie. Por onde, a mão ou o pé não se pode chamar hipóstase ou pessoa; e semelhantemente, nem a alma, que é parte da espécie humana.