(II Sent., disto XXX, q. 2, a. I; IV, dist. XLIV, q. I, a. 2, qª 4; Quodl. VIII, q. 3, a. I).
O primeiro discute-se assim. — Parece que nada, do alimento, se converte, realmente em a natureza humana.
1. — Pois, diz a Escritura: Tudo o que entra pela boca passa ao ventre, e se lança depois num lugar escuro. Ora, o que é expulso, não se transforma realmente em a natureza humana. Logo, realmente, nada, do alimento, se transforma nessa natureza.
2. Demais. — O Filósofo distingue na carne a espécie e a matéria; e diz que a carne material advém e desaparece. Ora, o gerado do alimento advém e desaparece. Logo, este se converte na carne material, e não na específica. Ora, o que pertence realmente à natureza humana pertence à espécie humana. Logo, realmente o alimento não se transforma em a natureza humana.
3. Demais. — A umidade faz parte, fundamental e realmente, da natureza humana; e uma vez perdida não pode ser recuperada, como dizem os médicos. Ora, podê-lo-ia, se o alimento se convertesse na umidade mesma. Logo, realmente a nutrição não se converte em a natureza humana.
4. Demais. — Se o alimento se convertesse realmente em a natureza humana, o homem não teria nada que, perdido, não pudesse ser recuperado. Ora, a morte sobrevém ao homem por alguma perda. Logo, o homem poderia, alimentando-se, defender-se perpetuamente contra a morte.
5. Demais. — Se o alimento se convertesse realmente em a natureza humana, o homem poderia recuperar tudo o que perde; pois, o que nele é gerado do alimento pode perder-se e ser recuperado. Se, pois, vivesse muito tempo, seguir-se-ia que nada do que nele existia, no princípio da sua geração, permaneceria ao fim. E assim, um homem não seria numericamente idêntico a si mesmo, no decurso total da sua vida; pois, a identidade numérica exige a identidade da matéria. Ora, isto é inadmissível. Logo, o alimento não se transforma, realmente, em a natureza humana.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Os alimentos corruptos da carne, i. é, que perderam a forma, passam a formar os membros. Ora, a formação dos membros pertence realmente à natureza humana. Logo, os alimentos se transformam realmente nessa natureza.
Solução. — Segundo o Filósofo, cada ser está para a verdade, como esta para a existência. Ora, à natureza de um ser pertence, realmente, o que lhe pertence à constituição. Porém a natureza pode ser considerada a dupla luz: em comum, especificamente; e individualmente. Ora, à natureza real de um ser, considerada em comum, pertencem a forma, e a matéria comum; porém, a essa natureza, considerada em particular, pertencem a matéria individual signada e a forma individuada por essa matéria. Assim, a natureza humana, em comum, é, na sua realidade, constituída pela alma e pelo corpo; mas a natureza humana real de Pedro e Martinho é uma determinada alma e um determinado corpo.
Ora, há certos seres cujas formas não podem se conservar senão numa certa matéria signada; assim, a forma do sol que se não pode conservar senão na matéria que ela atualmente contém. E deste modo, alguns ensinaram que a forma humana não pode conservar-se senão numa certa matéria signada, informada por tal forma, desde o princípio, no primeiro homem; por onde, tudo quanto foi acrescentado, além do que os primeiros pais transmitiram aos pósteros, não pertence realmente à natureza humana, por não receber, por assim dizer, a forma dessa natureza. Como porém a matéria do primeiro homem, sujeita à forma humana, multiplica-se, em si mesma, originou-se, do corpo do primeiro homem, a multidão dos corpos humanos. E conforme aos desta opinião, o alimento não se converte realmente em a natureza humana; mas o consideram como um certo fomento para que a natureza, resistindo à ação do calor natural, este não lhe consuma a umidade fundamental. Assim, mistura-se o chumbo ou o estanho com a prata, para esta não ser consumida pelo fogo.
Mas esta opinião é irracional por muitas razões. — Primeiro, porque, pela mesma razão, uma forma pode ser realizada numa certa matéria e abandonar a matéria própria, e, portanto, todos os seres susceptíveis de geração são também susceptíveis de corrupção, é inversamente. Ora, é manifesto que a forma humana pode separar-se de determinada matéria que lhe está sujeita; do contrário, o corpo humano não seria corruptível. Logo, pode unir-se a outra matéria, convertendo-se então realmente, em algo de novo em a natureza humana. — Segundo, em todos os seres, nos quais a matéria está compreendida toda num só indivíduo, este é especificamente uno; como claramente se vê no sol, na lua, e seres semelhantes. — Terceiro, porque a matéria só pode multiplicar-se quantitativamente, como nos seres rarefeitos, cuja matéria é susceptível de maiores dimensões, ou substancialmente. Pois, permanecendo só a mesma substância material, não se pode dizer que a matéria multiplica-se, porque o ser idêntico a si mesmo não constitui multidão, sendo esta, necessariamente causada pela divisão. Por onde, é necessário que a matéria receba qualquer outra substância, por criação ou por conversão de outra causa na dita matéria. Donde se conclui que matéria nenhuma pode se multiplicar, a não ser pela rarefação, como quando, da água, resulta o ar; ou pela adição de outra causa, como quando o fogo se multiplica pela adição de lenha; ou por criação de matéria. Ora, é manifesto, que a matéria, nos corpos humanos, não se multiplica pela rarefação, porque então os corpos dos homens, em idade perfeita, seriam mais imperfeitos que os das crianças. Nem ainda por criação de matéria nova, porque, segundo Gregório, todas as causas foram criadas simultaneamente, quanto à substância material, embora, não, quanto à forma específica. Donde se conclui que a multiplicação do corpo humano só se dá porque o alimento nele se converte realmente. — Quarto, porque o homem, não diferindo dos animais e das plantas, pela alma vegetativa, resultaria que também os corpos destas e daqueles não se multiplicariam pela conversão do alimento no corpo nutrido, mas por uma certa multiplicação. O que não pode ser natural, porque a matéria por natureza não é susceptível senão de uma certa quantidade; e nada cresce naturalmente senão pela rarefação, ou pela conversão de outra coisa, nessa que cresce. E então, todas as operações gerativas e nutritivas, que constituem as virtudes naturais, seriam miraculosas. O que é absolutamente inadmissível.
E por isso, outros disseram, que a forma humana pode começar a existir em alguma outra matéria, considerada a natureza humana em comum; não porém considerada num determinado indivíduo, no qual a forma humana permanece fixa em determinada matéria, na qual foi primàriamente impressa, quando gerado o indivíduo, de modo que este nunca a abandona até a sua corrupção final. E dizem que essa matéria faz parte, principal e realmente da natureza humana. Mas, como tal matéria não tem a quantidade devida, forçoso é que advenha outra, pela conversão do alimento, que seja suficiente para o crescimento necessário. E dizem que essa matéria faz parte, secundária e realmente, da natureza humana, porque não é necessária para o ser primeiro do indivíduo, mas para o seu aumento. E portanto, tudo o mais, proveniente do alimento, não faz parte, verdadeira e propriamente falando, da natureza humana.
Mas esta opinião também é inadmissível. — Primeiro, porque considera a matéria dos corpos vivos como se fosse dos corpos inanimados, que, embora tenham a virtude de gerar o especificamente semelhante, não têm, contudo, a de gerar o individualmente semelhante, virtude que, nos viventes, é a nutritiva. Do contrário, a virtude nutritiva não acrescentaria nada aos corpos vivos e o alimento não se converteria realmente em a natureza deles. — Segundo, porque, como já se disse, a virtude ativa do sêmen é uma impressão derivada da alma geratriz. E portanto, não pode ter maior virtude de ação, do que a alma mesma, da qual deriva. Se, pois, da virtude do sêmen, uma certa matéria adquire verdadeiramente a forma da natureza humana, com maior razão a alma pode, na nutrição conjunta, imprimir, pela potência nutritiva, a verdadeira forma da natureza humana. — Terceiro, porque a nutrição é necessária, não só para o crescimento — do contrário, não mais seria necessária, terminado este — mas também para a restauração do perdido pela ação do calor natural. Pois, não haveria restauração se o gerado do alimento, não substituísse o perdido. Por onde, se o que primitivamente existia fazia verdadeiramente parte da natureza humana, assim também o faz o que é gerado do alimento.
Por onde, segundo outros, deve-se dizer, que o alimento converte-se realmente, em a natureza humana, transformando-se nas espécies da carne, dos ossos e demais partes. E isto mesmo diz o Filósofo, quando escreve, que o alimento nutre porque é carne em potência.
Donde a resposta à primeira objeção. — O Senhor não disse que a totalidade do que entra pela boca é expulso organicamente, mas, tudo, no sentido em que, em cada alimento, há algo de impuro, expulso organicamente. — Ou se pode dizer que tudo o que é gerado do alimento pode também ser eliminado pelo calor natural, e expulso por certos poros ocultos, como explica Jerônimo.
Resposta à segunda. — Alguns, pela carne específica entenderam aquilo que primeiro recebe a espécie humana e que provém do gerador; e dizem que isso permanece enquanto durar o indivíduo. Ao passo que a carne material, dizem, é gerada do alimento e não permanece sempre, mas, assim como veio a existir, assim deperece. — Esta opinião, porém, vai contra a intenção de Aristóteles, que diz, no lugar citado: assim como se dá com os seres que têm a espécie material, p. ex., o vegetal e a pedra, assim também com a carne, uma parte é específica e outra material. Ora, é manifesto que a referida distinção não tem lugar nos seres inanimados, não gerados do sêmen, e que não se nutrem. E demais, como o gerado, do alimento, é assimilado por mistura, pelo corpo, que se nutre, — como a água misturada com o vinho, segundo o próprio exemplo do Filósofo — não pode a natureza, do que sobrevém, diferir da do que o recebe, porque já verdadeiramente a mistura operou a unidade. Por onde, nenhuma razão há de ser a carne material consumida pelo calor natural, e a específica, permanecer. — E portanto, deve-se dizer, de outro modo, que a distinção do Filósofo não se refere a carnes diversas, mas à mesma, segundo diversos pontos de vista. Assim, considerada a carne especificamente, i. é, no que tem de formal, então permanece sempre, porque sempre lhe permanece a natureza e a disposição natural. Considerada, porém, materialmente, não permanece, mas se consome e restaura, lentamente, como se vê no fogo da fornalha, cuja forma permanece, ao passo que a matéria consumida lentamente, é substituída por outra.
Resposta à terceira. — À umidade fundamental pertence tudo o em que se funda a virtude específica; e perdida, não pode ser readquirida, como se se amputasse a mão, o pé ou algo semelhante. Mas a umidade nutritiva é a que ainda não chegou a adquirir perfeitamente a natureza específica, estando em via para esta, como o sangue e outras semelhantes. Por onde, perdida essa umidade, não desaparece, mas permanece fundamentalmente, a virtude específica.
Resposta à quarta. — Toda virtude do corpo passível enfraquece pela ação contínua, porque esses agentes também são paciente,s. E por isso, a virtude assimiladora é tão forte, no princípio que pode assimilar, não só o suficiente para a restauração das perdas, mas também para o crescimento. Mais tarde, porém, só pode assimilar o suficiente para restaurar as perdas, e então cessa o crescimento. Finalmente, nem isso o pode, e então começa o deperecimento, até que, faltando a virtude, totalmente o animal morre. Assim como a virtude do vinho que assimila a água que lhe é misturada, a pouco e pouco, pela mistura da água, se enfraquece, até tornar-se aquoso, como exemplifica o Filósofo.
Resposta à quinta. — Como diz o Filósofo, quando uma certa matéria, em si, converte-se, em fogo, então se diz que este existe de novo; quando porém ela se converte no fogo preexistente, diz-se que este é alimentado. Por onde, se uma certa matéria, simultaneamente perder de todo, a espécie ígnea, e outra se converter em fogo, este será outro, numericamente. Se porém lentamente queimar-se um lenho, e se lhe substituir outro, e assim por diante, até que o primeiro fique totalmente consumido, permanecerá sempre o mesmo fogo, numericamente, porque sempre o que é acrescentado se transforma no fogo preexistente. E o mesmo, deve entender-se dos corpos vivos, nos quais, pela nutrição, é recuperado o consumido pelo calor natural.