Category: Santo Tomás de Aquino
(Infra, q. 23, a. 7, ad 3; I Send., dist. III, q. 4, a. 1; II Cont. Gent., cap. LXXIV; De Verit., q. 10, a. 3).
O sétimo discute-se assim. ― Parece que uma potência é a memória intelectiva e outra, o intelecto.
1. ― Pois, Agostinho compreende na mente a memória, a inteligência e a vontade. Ora, é manifesto que a memória é uma potência diferente da vontade. Logo, semelhantemente, também do intelecto.
2. Demais. ― O fundamento da distinção das potências da parte sensitiva é idêntico ao da distinção das potências da parte intelectiva. Ora, a memória, na parte sensitiva, é potência diferente do sentido, como antes já se disse (q. 78, a. 4). Logo, a memória da parte intelectiva é uma potência diferente do intelecto.
3. Demais. ― Segundo Agostinho, a memória, a inteligência e a vontade são iguais entre si, nascendo uma, da outra. Ora, isso não poderia ser, se a memória fosse a mesma potência que o intelecto. Logo, não é a mesma potência.
Mas, em contrário. ― A memória é, por natureza, o tesouro ou o lugar conservativo das espécies. Ora, essa função o Filósofo atribui ao intelecto, como já se disse (a. 6). Logo, na parte intelectiva, a memória não é potência diferente do intelecto.
Solução. ― Como já ficou dito antes (q. 77, a. 3), as potências da alma se distinguem pelos, aspectos diversos dos objetos, porque o de cada potência consiste em ser ordenada para seu objeto próprio. Ora, como também já se disse antes (Ibid., ad 4), desde que se ordene por essência a algum objeto, conforme o aspecto comum deste, nenhuma potência poderá ser diversificada pelas variadas diferenças particulares. Assim, a potência visiva, que diz respeito ao seu objeto, conforme a noção de colorido, não se diversifica pelas noções de branco e preto. Ora, o, objeto do intelecto cai sob o aspecto comum de ente; pois, o intelecto possível é o princípio pelo qual a alma se torna em todas as causas. Por onde, a diferença do intelecto possível não se diversifica por nenhuma diferença entitativa.
Porém, diversifica-se a potência do intelecto agente da do intelecto possível. Porque em relação ao mesmo objeto, é necessário que um princípio seja potência ativa, que atualiza o objeto, e outro, potência passiva, que é movido pelo objeto atualizado. E, assim, a potência ativa está para o seu objeto como o ser em ato para o ser em potência; porém, a potência passiva está para o seu objeto, inversamente, como ser em potência para o ser em ato. E portanto, não pode haver no intelecto nenhuma outra diferença de potências, a não ser a de intelecto possível e intelecto agente. Por onde é claro, que a memória não é potência diferente do intelecto. Porém, é da essência da potência passiva conservar, bem como receber.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Embora se diga que a memória, a inteligência e a vontade são três potências, contudo, não é conforme a intenção de Agostinho, que diz expressamente: se tomamos a memória, a inteligência e a vontade, como sempre presentes à alma, que sejam objetos de cogitação, quer não, então se incluem na memória. Porém, agora me refiro à inteligência pela qual inteligimos, cogitando; e vontade, amor ou dileção, a que une a sobredita prole e parentela. Por onde se vê que Agostinho não toma essas três atividades como potências; mas entende por memória a retenção habitual à alma; por inteligência, o ato do intelecto; por vontade, o ato da vontade.
Resposta à segunda. ― O pretérito e o presente podem ser as diferenças próprias diversificativas das potências sensitivas; não, porém, das potências intelectivas, pela razão sobredita (a. 6, ad 2).
Resposta à terceira. ― A inteligência nasce da memória, como o ato, do hábito e, deste modo, também se iguala com ela; não se iguala, porém, como uma potência com outra.
(Iª IIae q. 67, a. 2; I Sent., dist. III q. 4, a. 1; III, dist. XXVI, q. 1, a. 5 ad. 4; IV, dist. XLIV, q. 3, a. 3qª 2, ad 4; dist. L, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. LXXIV; De Verit., q. 10, a. 2; q. 19, a. 1; Quodl. III, q. 9, a. 1; XII, q. 9, a. 1; I Cor., cap. XIII, lect. III; De Mem. et Remin., lect. II).
O sexto discute-se assim. ― Parece que a memória não está na parte intelectiva da alma.
1. ― Pois, Agostinho diz que à parte superior da alma pertencem aquelas coisas que não são comuns aos homens e aos animais. Ora, a memória é comum a uns e a outros, pois, o mesmo autor diz, que os animais podem sentir, pelos sentidos do corpo, as coisas corpóreas, e mandá-las à memória. Logo, a memória não pertence à parte intelectiva da alma.
2. Demais. ― A memória guarda as coisas pretéritas. Mas pretérito se refere a um tempo determinado. Logo, a memória é cognoscitiva das causas, num determinado tempo, o que é conhecê-las local e atualmente. Ora, isto não é próprio do intelecto, mas do sentido. Logo, a memória não está na parte intelectiva, mas só na sensitiva.
3. Demais. ― Na memória se conservam as espécies das coisas que não são pensadas atualmente. Ora, isso não se pode dar com o intelecto, pois este se atualiza informado pela espécie inteligível; ora, como o intelecto em ato é o inteligir mesmo, em ato, resulta que o intelecto intelige atualmente. todas as coisas cujas espécies traz em si. Logo, a memória não está na parte intelectiva.
Mas, em contrário, Agostinho diz que a memória, a inteligência e a vontade são uma somente.
Solução. ― Sendo da natureza da memória conservar as espécies das coisas não atualmente apreendidas, é preciso, antes de tudo, examinar se as espécies inteligíveis podem se conservar desse modo, no intelecto. Ora, Avicena ensinava que isso é impossível, dizendo que tal se dá com certas potências, atos de órgãos corpóreos, nas quais podem conservar-se algumas espécies sem a apreensão atual. Porém no intelecto, que não tem órgão corpóreo, nada existe senão inteligivelmente. Por onde é necessário ser inteligido em ato aquilo cuja semelhança existe no intelecto. Assim, pois, na opinião dele, logo que alguém acaba de inteligir alguma coisa em ato, acaba de existir a espécie dessa coisa no intelecto; sendo necessário, se quiser de novo inteligir tal coisa, converter-se ao intelecto agente, que Avicena admite como substância separada, para que dele efluam as espécies inteligíveis para o intelecto possível. E desse exercício e uso de se converter ao intelecto agente, resulta, segundo o mesmo filósofo, uma certa habilidade, para o intelecto possível, de se converter ao intelecto agente, e dizia ser o hábito da ciência. Segundo, pois, tal opinião, nada se conserva, na parte intelectiva, que não seja inteligido em ato. Por isso, não se pode admitir, desse modo, a memória na parte intelectiva.
Essa opinião, porém, manifestamente repugna as palavras de Aristóteles, dizendo que o intelecto possível, quando considerado em ato, torna-se, como ciente, nas coisas singulares; o que, porém, acontece, quando ele pode operar por si mesmo. Está, pois, então, em potência, de certo modo; não, porém, absolutamente, como antes de aprender ou descobrir. Ora diz-se que o intelecto possível se torna nas coisas singulares, recebendo as espécies delas. Por onde, recebendo as espécies dos inteligíveis, pode operar quando quiser, mas não operar sempre; porque então está, de certo modo, em potência, embora de maneira diferente da de antes de inteligir, a saber, do modo pelo qual o ciente habitual está em potência para considerar em ato. ― Demais, tal opinião também repugna à razão. Pois, o que é recebido em algum ser o é ao modo do ser recipiente. Ora, o intelecto é de natureza mais estável e imóvel do que a matéria corpórea. Se, portanto, esta conserva as formas que recebe, não só enquanto, por elas, age atualmente, mais ainda depois que cessou de agir pelas mesmas; com muito maior razão, o intelecto, imóvel e inamissívelmente, recebe as espécies inteligíveis, tanto as recebidas dos sentidos, como as dimanadas de algum intelecto superior.
Se, portanto, se entende a memória somente como a virtude conservativa das espécies, é necessário admiti-la como existente na parte intelectiva. Se, porém, da natureza dela é ter como objeto o pretérito como tal, então não existe na parte intelectiva, senão só na sensitiva, apreensora dos particulares. Pois, o pretérito, como tal, exprimindo o ser, num determinado tempo, tem a condição do particular.
Donde a resposta à primeira objeção. ― A memória, como conservativa das espécies, não nos é comum com os animais; pois, aquelas se conservam, não somente na parte sensitiva da alma, mas sobretudo no conjunto, porque a virtude memorativa é o ato de um órgão. Porém o intelecto, em si, é conservativo das espécies, mesmo sem a cooperação do órgão corpóreo. E, por isso, o Filósofo diz que a alma é o lugar das espécies, não toda ela, mas só o intelecto.
Resposta à segunda. ― A preterição tem duplo ponto de referência: o objeto conhecido e o ato do conhecimento; ambos simultaneamente se unem na parte sensitiva, apreensiva das coisas, quando sofre mutação proveniente do sensível presente. Por onde, é simultaneamente que o animal se lembra de que, primeiro, sentiu no passado, e depois, de que sentiu um certo pretérito sensível. Mas, no atinente à parte intelectiva, a preterição é acidental e não conveniente por si mesma, quanto ao objeto do intelecto. Pois, o intelecto intelige o homem como tal. Ora, a este, como tal, é-lhe acidental estar no presente, no pretérito ou no futuro. Quanto ao ato, porém, a preterição pode ser admitida, em si, tanto no intelecto como no sentido; porque o inteligir da nossa alma é um ato particular existente num determinado tempo, segundo o qual é considerado inteligir agora, ontem ou amanhã. O que não repugna à intelectualidade; porque tal inteligir, embora seja um particular é, contudo, um ato imaterial, como antes já se disse (q. 76, a. 1), tratando-se do intelecto. E, portanto, assim como o intelecto se intelige a si mesmo, embora seja um intelecto singular; assim também intelige o seu inteligir, que é um ato singular, existindo no pretérito, no presente ou no futuro. Assim, pois, fica salva a natureza da memória, quanto a referir-se às coisas passadas, no intelecto, e segundo os quais ela se intelige como tendo inteligido anteriormente; não porém enquanto intelige o pretérito, local e atualmente determinado.
Resposta à terceira. ― As espécies inteligíveis ora estão no intelecto só potencialmente, e então o intelecto é chamado potencial; ora estão segundo o acabamento último do ato e, então, o intelecto intelige em ato; ora, estão de um modo intermédio entre a potência e o ato,e então o intelecto se chama habitual; e, deste último modo, o intelecto conserva as espécies, mesmo quando não as intelige em ato.
(II Sent., dist. XVII, q. 2, a. 1; De Spirit. Creat., a. 10; Qu De Anima, a. 5; Compend. Theol., cap. LXXXXVI).
O quinto discute-se assim. ― Parece que o intelecto agente é um só para todos.
1. ― Pois, nada do que é separado do corpo se multiplica com a multiplicação dos corpos. Ora, o intelecto agente é separado, como já se disse. Logo, não se multiplica nos muitos corpos dos homens, mas é um só para todos.
2. Demais. ― O intelecto agente gera o universal, que é um para muitos seres. Mas a causa da unidade é una em máximo grau. Logo, o intelecto agente é um só para todos.
3. Demais. ― Todos os homens convêm nas primeiras concepções do intelecto, pois, assentem nelas pelo intelecto agente. Logo, todos convêm num só intelecto agente.
Mas, em contrário, o Filósofo diz que o intelecto agente é como a luz. Ora, esta não é a mesma, nos diversos seres iluminados. Logo, não é o mesmo o intelecto agente, em todos os homens.
Solução. ― A verdade, nesta questão, depende das remissas. Se, pois, o intelecto agente não fizesse parte da alma, mas fosse uma substância separada, seria um só o intelecto agente de todos os homens; e assim o entendem os que admitem a unidade desse intelecto. Se, porém, tal intelecto faz parte da alma, sendo uma virtude dela, necessário é admitirem-se vários intelectos agentes, segundo a pluralidade das almas, multiplicadas com a multiplicação dos homens, corno já antes se disse (q. 76, a. 2). Pois, diversas substâncias não podem ter a mesma virtude, numericamente única.
Donde a resposta à primeira objeção. ― O Filósofo prova que o intelecto agente é separado, porque o possível o é; ora, diz, o agente é mais digno que o paciente. O intelecto possível diz-se separado por não ser ato de nenhum órgão corpóreo. E é desse mesmo modo que também se chama separado o intelecto agente, e não corno se fosse uma substância separada.
Resposta à segunda. ― O intelecto agente causa o universal abstraindo-o da matéria. Mas, por isso, é necessário, não que seja um só para todos os que têm intelecto, mas que seja um só na sua relação com todas aquelas coisas das quais abstrai o universal, relativamente às quais o universal é um. E essa é a função do intelecto agente, enquanto imaterial.
Resposta à terceira. ― Todos os seres de uma mesma espécie comunicam pela ação conseqüente à natureza da espécie; e, portanto pela virtude, que é princípio da ação; sem ser necessário que essa virtude seja, numericamente, a mesma, em todos. Ora, conhecer os primeiros inteligíveis é ação conseqüente à espécie humana. Por onde, é necessário que todos os homens comuniquem pela virtude que é princípio dessa ação; e tal é a virtude do intelecto agente. Mas, nem por isso, é necessário que ela seja a mesma, numericamente, em todos, embora o seja que derive, para todos, de um mesmo princípio. E, assim, essa comunicação dos homens, pelos primeiros inteligíveis, demonstra a unidade do intelecto separado, que Platão compara ao sol; não, porém, a do intelecto agente, que Aristóteles compara à luz.
(II Sent., dist. XVII. Q. 2, a. 1; II Cont. Gent., cap. LXXVI, LXXVIII; De Spirit Creat., a 10; Qu. De Anima, a. 5; Compend. Theol, cap. LXXXVI; III De Anima, lect. X).
O quarto discute-se assim. ― Parece que o intelecto agente não faz parte da alma.
1. ― Pois, o efeito do intelecto agente é iluminar, para que possamos inteligir. Ora, isto se faz por algo de mais elevado que a alma, segundo a Escritura (Jo 1, 9): Era a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo. Logo resulta, que o intelecto agente não faz parte da alma.
2. Demais. ― O Filósofo diz que não se pode atribuir ao intelecto agente que ora intelige e ora, não. Ora, a nossa alma não intelige sempre, mas, ora, sim, ora, não. Logo, o intelecto agente não faz parte da alma.
3. Demais. ― O agente e o paciente bastam para agir. Se, pois, o intelecto possível ― virtude passiva ― e, semelhantemente, o intelecto agente ― virtude ativa ― fazem parte da nossa alma, resulta que o homem poderá inteligir sempre que quiser, o que, evidentemente, é falso. Logo, o intelecto agente não faz parte da nossa alma.
4. Demais. ― O Filósofo diz, que o intelecto agente é um ser de substância atual. Ora, nada pode ser ao mesmo tempo atual e potencial. Se, portanto, o intelecto possível ― potencial em relação a todos os inteligíveis ― faz parte da nossa alma, resulta a impossibilidade de também dela fazer parte o intelecto agente.
5. Demais. ― Se o intelecto agente faz parte da nossa alma, é necessário que seja uma potência. Porquanto, não é nem paixão nem hábito; pois, os hábitos e as paixões não desempenham função de agente em relação às paixões da alma; mas antes, a paixão é a ação mesma da potência passiva, ao passo que o hábito é algo resultante dos atos. Ora, toda potência, emanando da essência da alma, segue-se que o intelecto agente procede dessa mesma essência e, então, não está na alma por participação de algum intelecto superior, o que é inadmissível. Logo, o intelecto agente não faz parte da alma.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que é necessário existam na alma estas diferenças, a saber, o intelecto possível e o agente.
Solução. ― O intelecto agente, de que se fala o Filósofo, faz parte da alma. E isso se evidencia considerando que é necessário admitir-se, além da alma intelectiva humana, a existência de um intelecto superior, do qual a alma obtém a virtude de inteligir. Pois, sempre, o ser participante, móvel, imperfeito, preexige algo de anterior a si, que seja tal, por essência, imóvel e perfeito. Ora, a alma humana é intelectiva, por participação da virtude intelectual. E a prova está em que é intelectiva, não na sua totalidade, mas só em parte; pois, chega à inteligência da verdade, pelo discurso e pelo movimento, argumentando. E também tem inteligência imperfeita, quer por não inteligir tudo, quer por passar da potência para o ato, quando intelige. Logo, é necessário exista um intelecto mais alto, que ajude a alma a inteligir.
Ora, certos ensinaram que esse intelecto, separado por substância, é o intelecto agente que, iluminando, por assim dizer, os fantasmas, torna-os inteligíveis em ato. ― Mas, dado que exista tal intelecto agente separado, ainda assim é necessário admitir, na alma humana mesma, alguma virtude participada desse intelecto superior, pela qual a alma atualize os inteligíveis. Do mesmo modo que nos outros seres naturais perfeitos, existem, além das causas universais agentes, as virtudes próprias ínsitas neles, singularmente, e derivadas dos agentes universais. Assim, não somente o sol gera o homem, mas há ainda, em cada homem, a virtude geratriz de outro; e o mesmo se dá com os outros animais perfeitos. Ora, dentre os seres inferiores, não há nenhum mais perfeito que a alma humana. Por onde, é necessário concluir que há, nela, uma virtude derivada do intelecto superior e pela qual ela pode iluminar os fantasmas. E isto conhecemos pela experiência, quando nós percebemos abstrair as formas universais, das condições particulares; o que é torná-las inteligíveis em ato. Ora, nenhuma ação convém a uma coisa, senão por um princípio que lhe seja formalmente inerente, como antes se disse (q. 76, a. 1), ao tratar do intelecto potencial ou possível. Logo, é necessário que a virtude ― princípio de tal ação ― faça parte da alma. E, por isso, Aristóteles comparou o intelecto agente com a luz, que se dissemina no ar. Ao passo que Platão comparou o intelecto separado, que imprime em as nossas almas, com o sol, como refere Temístio.
Mas, pelos ensinamentos da nossa fé, o intelecto separado é Deus mesmo, Criador da alma e só em quem ela acha a sua beatitude, como a seguir se mostrará. Por onde, dele é que a alma humana participa a luz intelectual, segundo aquilo da Escritura (Sl 4, 7): Gravada está , Senhor, sobre nós a luz do teu rosto.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Essa luz verdadeira ilumina como causa universal, da qual a alma humana participa uma certa virtude particular, como já se disse.
Resposta à segunda. ― O Filósofo não refere essas palavras ao intelecto agente, mas ao intelecto atual. Por isso, antes, do mesmo tinha dito: Pois ele é, quanto ao ato, o mesmo que a ciência da coisa. Ou, se se quiser entendê-las como referentes ao intelecto agente, significam então que não é por esse intelecto que ora inteligimos e ora, não; mas pelo intelecto potencial.
Resposta à terceira. ― Se o intelecto agente se comparasse com o intelecto possível na qualidade de objeto agente em relação à potência, do mesmo modo que o visível em ato se compara com o que é visto, resultaria que, instantaneamente, inteligiríamos tudo, por ser o intelecto agente o princípio de atualização de todo conhecimento. Ora, ele não se comporta como objeto, mas como o atualizador dos objetos; e, para isso, é necessária, além da presença do intelecto agente, a presença dos fantasmas com a boa disposição das forças sensitivas e a exercitação em tal obra. Pois, uma coisa inteligida faz com que outras também o sejam; assim como, pelos termos, se inteligem as proposições e, pelos primeiros princípios, as conclusões. E, neste ponto, pouco importa que o intelecto agente faça parte da alma ou seja algo de separado.
Resposta à quarta. ― A alma intelectiva é, por certo, atualmente imaterial; mas é potencial em relação a determinadas espécies das coisas. Porém os fantasmas, inversamente, são semelhanças atualizadas de certas espécies, mas imateriais em potência. Por onde, nada impede seja uma e mesma a alma que, como atualmente imaterial, tenha uma virtude, que atualiza as coisas imateriais, abstraindo das condições da matéria individual, virtude essa chamada intelecto agente; e tenha outra virtude, chamada intelecto possível, receptiva de tais espécies e potencial em relação às mesmas.
Resposta à quinta. ― Sendo a essência da alma, criada pelo intelecto supremo, imaterial, nada impede que a virtude, participada desse intelecto e pela qual ela abstrai da matéria, proceda da sobredita essência do mesmo modo que as outras potências suas.
(Supra. Q. 54. a. 4; II Cont. Gent., cap. LXXVII; De Spirit. Creat., a. 9, Compend. Theol., cap. LXXXIII; Qu. De Anima, a. 4; III De Anima, lect. X).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que não se deve admitir um intelecto agente.
1. ― Pois, o sentido está para os sensíveis assim como o intelecto para os inteligíveis. Ora, como o sentido é potencial em relação aos sensíveis, não se admite um sentido agente, mas somente o paciente. Logo, como o nosso intelecto é potencial em relação aos inteligíveis, resulta que não se deve admitir um intelecto agente, mas só o possível.
2. Demais. ― Se se disser que, no sentido, há também algum agente, como luz, responde-se, em contrário, o seguinte. ― A luz é necessária para a visão, enquanto torna o meio atualmente lúcido; mas é a cor mesma, em si, a causa do lúcido. Ora, não havendo, na operação do intelecto, nenhum meio que precise ser atualizado, nenhuma necessidade há de intelecto agente.
3. Demais. ― O paciente recebe em si e a seu modo a semelhança do agente. Ora, o intelecto possível é uma virtude imaterial e, portanto, a sua imaterialidade basta para que nele sejam recebidas as formas, imaterialmente. Mas é pelo fato mesmo de ser imaterial que uma forma é inteligível em ato. Logo, nenhuma necessidade há de admitir um intelecto agente que torne as espécies inteligíveis em ato. Logo, nenhuma necessidade há de admitir um intelecto agente que torne as espécies inteligíveis em ato.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: como em toda a natureza, assim também na alma há um princípio pelo qual ela tudo se faz e outro pelo que tudo faz. Logo é preciso admitir um intelecto agente.
Solução. ― Para Platão, nenhuma necessidade havia de se admitir um intelecto agente que atualizasse os inteligíveis, senão talvez para fornecer a luz inteligível a quem intelige, como a seguir se dirá (a. 4; q. 84, a. 6). Pois, o mesmo filósofo ensina que as formas das coisas naturais subsistem sem matéria e, por conseqüência, são inteligíveis; pois é por ser imaterial que um ser é inteligível em ato. E tais formas ele as denomina, espécies ou idéias, por cuja participação, ensina, se forma não só a matéria corpórea, para que os indivíduos fiquem naturalmente constituídos nos gêneros e espécies próprios, mas também os nossos intelectos, para que tenham ciência dos gêneros e espécies das coisas.
Mas Aristóteles, de um lado não admitindo a subsistência das formas das coisas naturais, sem matéria; e de outro, dizendo que as formas existentes na matéria não são inteligíveis em ato, resulta que as naturezas ou formas das coisas sensíveis, que inteligimos, não são inteligíveis em ato. Ora, nada passa da potência para o ato senão por um ser em ato; assim, o sentido torna-se atual pelo sensível atual. Logo, é necessário admitir-se uma virtude, no intelecto, que atualize os inteligíveis, abstraindo as espécies das condições materiais. E essa é a necessidade de se admitir um intelecto agente.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Como os sensíveis existem em ato fora da alma, não é necessário haver um sentido agente. ― Por onde é claro que, na parte nutritiva, todas as potências são ativas; porém, na sensitiva, todas passivas; e, por fim, na intelectiva, há algo de ativo e algo de passivo.
Resposta à segunda. ― A respeito do efeito da luz há duas opiniões. ― Assim dizem uns, a luz, tornando as cores visíveis em ato, é necessária para a visão. E, então, semelhantemente e pela mesma razão, é necessário um intelecto agente, para inteligir, como é necessária a luz para ver. ― Outros, porém, dizem que a luz é necessária para a visão, não porque torne as cores visíveis em ato, mas para que torne o meio lúcido em ato, como ensina o Comentador. E, então, a semelhança que Aristóteles descobre entre o intelecto agente e a luz está em que, assim como esta é necessária para se ver, assim aquele, para se inteligir; não porém pela mesma razão.
Resposta à terceira. ― Suposto o agente, a sua semelhança deve ser recebida nos diversos seres, diversamente, segundo a disposição diversa deles. Mas, se o agente não preexiste, para nada serve a disposição do recipiente. Ora, o inteligível em ato não é algo de existente em a natureza das coisas, quanto à natureza dos seres sensíveis, não subsistentes sem matéria. Por onde, para inteligir não basta à imaterialidade do intelecto possível, sem o intelecto agente, que, por abstração, atualiza os inteligíveis.
(III. Sent., dist. XIV, a. 1, qª 2; De Verit., q. 16, a. 1, ad 13; III De Anima, lect. VIII, IX).
O segundo discute-se assim. ― Parece que o intelecto não é uma potência passiva.
1. ― Os seres sofrem pela matéria e agem pela forma. Ora, a virtude intelectiva resulta da imaterialidade da substância inteligente. Logo, conclui-se que o intelecto não é potência passiva.
2. Demais. ― A potência intelectiva é incorruptível, como antes se disse (q. 75, a. 6). Ora, o intelecto, sendo passivo, é corruptível, como já se disse. Logo, a potência intelectiva não é passiva.
3. Demais. ― O agente é mais nobre que o paciente, como diz Agostinho e Aristóteles. Ora, as potências da parte vegetativa, que, entretanto, são as ínfimas, dentre as potências da alma, são todas ativas. Logo, com maioria de razão, as potências intelectivas, que são as supremas, são todas ativas.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que inteligir é, de certo modo, sofrer.
Solução. ― Sofrer se emprega em tríplice sentido. ― De modo propríssimo, quando uma coisa que convém a outra, por natureza ou inclinação própria desta, é da mesma removida. Assim, quando a água perde a frieza, pela calefação, ou quando um homem está doente ou triste. ― Segundo, de modo menos próprio, diz-se que alguém sofre, quando é privado de alguma causa, quer esta lhe seja conveniente, quer não; e, assim, diz-se que sofre não só quem está doente, mas ainda quem está são; não só quem está triste, mas ainda quem está alegre; ou de qualquer modo por que alguém seja alterado ou movido. ― Terceiro, diz-se que alguém sofre, comumente, só porque o que é potencial em relação a alguma causa recebe aquilo em relação ao que era potencial, sem ser privado de nada. E, deste modo, diz-se que sofre tudo o que passa da potência para o ato, mesmo quando se aperfeiçoa. Assim, o nosso inteligir é sofrer.
O que bem se evidencia pela razão seguinte. A operação do intelecto, como já ficou dito antes (q. 78, a. 1), se exerce sobre o ser universal. Ora, pode-se saber se o intelecto está em ato ou em potência, se se sabe como ele se comporta em relação ao ser universal. Assim, há um intelecto que está para o ser universal como o ato do ser total. E tal é o intelecto divino, que é a essência de Deus, no qual original e virtualmente todo ser preexiste como na causa primeira; por isso, o intelecto divino não é potencial, mas é ato puro. E nenhum intelecto criado pode ser ato em relação ao ser universal total porque, então, deveria ser infinito. Por onde, todo intelecto criado, pelo fato mesmo de o ser, não pode ser ato de todos os inteligíveis, mas está para eles como a potência para o ato.
Ora, esta se comporta de duplo modo em relação ao ato. Há uma potência que é sempre perfeita pelo ato; como acontece com a matéria dos corpos celestes. Há outra potência que não é sempre atual, mas passa para o ato, como acontece com os seres susceptíveis de geração e corrupção. ― Assim, o intelecto angélico está sempre em ato em relação aos seus inteligíveis, por causa da proximidade com o intelecto primeiro, que é ato puro, como antes se disse (q. 58, a. 1). Porém, o intelecto humano, ínfimo na ordem dos intelectos e maximamente remoto da perfeição do intelecto divino, é potencial em relação aos inteligíveis; e, no princípio, é uma como tábua em que nada está escrito, como diz o Filósofo. E isto se vê claramente do fato de, a princípio, sermos inteligentes só em potência; depois é que nos tornamos inteligentes em ato. ― Assim, pois, é claro que o nosso inteligir é um como sofrer, conforme o terceiro modo da paixão. E, por conseqüência, o intelecto é uma potência passiva.
Donde a resposta à primeira objeção. ― A objeção é procedente, em relação ao primeiro e ao segundo modo da paixão, que são próprios da matéria prima, Porém, o terceiro modo é o de qualquer ser existente em potência e reduzido a ato.
Resposta à segunda. ― O intelecto passivo, segundo alguns, chama-se apetite sensitivo, no qual estão as paixões da alma e que também, segundo Aristóteles, se chama racional por participação, porque obedece à razão. Segundo outros, porém, o intelecto passivo se chama virtude cogitativa, que é denominada razão particular. E, de um e outro modo, passivo pode ser tomado em acepção conforme aos dois primeiros modos da paixão: enquanto o assim chamado intelecto é o ato de um órgão corpóreo. Mas, o intelecto que é potencial em relação aos inteligíveis e ao qual Aristóteles, por isso, chama intelecto possível, só é passivo do terceiro modo; pois, não é ato de órgão corpóreo. E, portanto, é incorruptível.
Resposta à terceira. ― O agente é mais nobre que o paciente se à mesma coisa se referirem à ação e a paixão; não, porém, sempre, se se referirem a coisas diversas. O intelecto, porém, é virtude passiva, em relação ao ser universal total. Ao passo que o vegetativo é ativo em relação a um certo ser particular, a saber, o corpo conjunto. Por onde, nada impede tal passividade seja mais nobre que uma tal atividade.
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o intelecto não é uma potência da alma, mas é a essência mesma dela.
1. ― Pois, intelecto é o mesmo que mente. Ora esta é, não uma potência, mas a essência mesma da alma, como diz Agostinho: A mente e o espírito não tem significação relativa, mas demonstram a essência. Logo, o intelecto é a essência mesma da alma.
2. Demais. ― Os diversos gêneros de potências da alma não se unificam por nenhuma potência, mas só pela essência da alma. Ora, o apetitivo e o intelectivo são dois gêneros diversos das potências da alma, como já se disse, e que se unificam pela mente; pois Agostinho nesta compreende a inteligência e a vontade. Logo, a mente e o intelecto são a essência mesma da alma e não potências suas.
3. Demais. ― Segundo Gregório, o homem intelige com os anjos. Ora estes são chamados mentes e intelectos. Logo, a mente e o intelecto do homem não constituem uma potência da alma, mas a alma mesma.
4. Demais. ― É por ser imaterial que uma substância é intelectiva. Ora, a alma é imaterial por essência. Logo, por essência, é intelectiva.
Mas, em contrário, o Filósofo considera o intelectivo como potência da alma.
Solução. ― É necessário admitir-se, conforme o que já ficou estabelecido, que o intelecto é uma potência da alma e não a essência mesma dela. Pois, o princípio imediato de operação é a essência mesma do operante só quando a operação mesma é ser deste. Porquanto, do mesmo modo que a potência está para a operação, como para o seu ato, assim também está a essência para o ser. Ora, só em Deus é que se identifica o intelecto com a essência. Ao passo que em todas as criaturas inteligentes, o intelecto é uma potência do inteligente.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Umas vezes sentido se toma na acepção de potência; outras, porém, pela alma sensitiva mesma. Ora, esta é designada pelo nome da sua potência mais importante, que é o sentido. E, semelhantemente, a alma intelectiva é designada, umas vezes, pelo nome de intelecto, como pela sua virtude mais importante; assim, se diz que o intelecto é uma substância. E também deste modo Agostinho diz que a mente é espírito ou essência.
Resposta à segunda. ― O apetitivo e o intelectivo são gêneros diversos das potências da alma, segundo as naturezas diversas dos objetos. Ora, o apetitivo, em parte, convém com o intelectivo e, em parte, com o sensitivo, quanto ao modo de operar por meio de um órgão corpóreo ou sem tal órgão; pois o apetite resulta da apreensão. E é assim que Agostinho compreende a vontade na mente e o Filósofo, na razão.
Resposta à terceira. ― Nos anjos não pode haver outra virtude senão a intelectiva e a vontade, conseqüente ao intelecto. E, por isso, o anjo se chama mente ou intelecto, porque nisso consiste toda a virtude do mesmo. A alma, porém, têm muitas outras potências; assim, as sensitivas e as nutritivas. E portanto, não há símile.
Resposta à quarta. ― A imaterialidade mesma da substância inteligente criada não se lhe identifica com o intelecto; mas, dessa imaterialidade lhe advém à virtude de inteligir. Por onde, não é necessário que o intelecto seja a substância da alma, senão virtude e potência dela.
Em seguida se tratará das potências intelectivas. E nesta questão treze artigos se discutem:
O segundo discute-se assim. — Parece que nos anjos não pode haver somente os pecados da soberba e da inveja.
1. — Quem quer que seja capaz do deleite de qualquer pecado é também capaz desse pecado. Ora, os demônios deleitam-se também com as obscenidades dos pecados carnais, como diz Agostinho. Logo, neles também podem existir esses pecados.
2. Demais. — Como a soberba e a inveja são pecados espirituais, assim também a preguiça, a avareza e a ira. Mas, como ao espírito convém os pecados espirituais, à carne convém os carnais. Logo, não só a soberba e a inveja podem existir nos anjos, mas também a preguiça e a avareza.
3. Demais. — Segundo Gregório, da soberba nascem vários vícios e, semelhantemente da inveja. Ora, posta a causa, segue-se o efeito. Se portanto, a soberba e a inveja podem existir nos anjos, por uma razão semelhante, também o podem os outros vícios.
Mas, em contrário, diz Agostinho que o diabo não é fornicador, ou ébrio, nem vicioso de maneiras semelhantes; é contudo, soberbo e invejoso.
Solução. — De dois modos pode o pecado existir em um ser: pelo reato e pelo afeto. — Pelo reato, por certo todos os pecados podem existir nos demônios, porque, induzindo os homens a todos, incorrem o reato de todos. — Porém, pelo afeto, podem existir nos maus anjos só os pecados a que pode a natureza espiritual propender. Ora, esta não pode propender para os bens próprios só aos corpos, senão para os susceptíveis de existir nos seres espirituais; pois, nenhum ser deseja senão o que pode, de certo modo, convir-lhe à natureza. Ora, quando desejamos bens espirituais, só pode haver pecado se nesse afeto não for observada a regra imposta pelo que é superior; sendo pecado de soberba esse não submeter-se ao superior, no que for devido. Donde, o primeiro pecado do anjo não pôde ser outro senão o da soberba. — Mas, conseqüentemente, podia haver nos maus anjos a inveja; pois, pela mesma razão porque o afeto tende a alguma coisa apetecível, por essa mesma se rebela contra o oposto. Assim, o invejoso sofre como bem de outrem, por considerá-lo impedimento ao seu. Ora, o bem alheio não podia ser considerado impedimento ao bem afetado pelo anjo mau, senão por desejar este uma excelência singular, que cessa pela excelência de outrem. Donde, ao pecado da soberba seguiu-se no anjo pecador o mal da inveja, pela qual sofre, não só com o bem do homem, mas ainda com a excelência divina, enquanto Deus usa dela para a sua glória, contra a vontade do próprio diabo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os demônios não se deleitam com as obscenidades dos pecados carnais, como se as desejassem; mas tudo da inveja procede: deleitam-se com quaisquer pecados dos homens, por serem estes impedimentos ao bem humano.
Resposta à segunda. — A avareza, como pecado especial, é o apetite imoderado das coisas temporais aplicadas ao uso da vida humana e que podem ser avaliadas em dinheiro; e essas coisas, bem como as deleitações carnais, os demônios não as desejam. Donde, a avareza, em acepção própria, não pode existir neles. Mas, se por avareza se entender toda cobiça imoderada de possuir qualquer bem criado, enão ela se inclui na soberba, que existe nos demônios. Porém a ira, assim como a concupiscência, já é acompanhada de certa paixão; por isso não pode existir nos demônios senão metaforicamente. Quanto à preguiça, ela é uma forma de tristeza, que torna o homem tardo para os atos espirituais, por causa do trabalho corporal, o qual não convém aos demônios. Assim, resulta claro, que somente a soberba e a inveja são pecados puramente espirituais, que podem competir aos demônios; contanto porém, que não se tome a inveja como uma paixão, mas como vontade rebelada contra o bem de outrem.
Resposta à terceira. — Na inveja e soberba dos demônios se compreendem todos os pecados delas derivados.
(Qu. De Anima, art. 13).
O quarto discute-se assim. ― Parece que os sentidos externos se distinguem inconvenientemente.
1. ― Pois, o comum não se divide por oposição com o próprio. Logo, o sentido comum não deve ser enumerado entre as virtudes sensitivas interiores, além dos sentidos exteriores próprios.
2. Demais. ― Para o que basta o sentido próprio e externo não se deve atribuir nenhuma virtude apreensiva interna. Ora, para julgar dos sensíveis bastam os sentidos próprios e externos, pois, cada sentido julga do seu objeto próprio. E, semelhantemente, bastam para perceberem os seus próprios atos; pois, sendo a ação do sentido, de certo modo, média entre a potência e o objeto, resulta que o sentido da vista pode perceber a sua visão, como lhe sendo mais próxima, muito mais do que percebe a cor; e assim por diante. Logo, não é necessário, para isso, admitir uma potência interna, chamada sentido comum.
3. Demais. ― Segundo o Filósofo, a fantasia e a memorativa são paixões do primeiro sensitivo. Ora, a paixão não se divide por oposição com o sujeito. Logo, não se devem admitir a memória e a fantasia como potências outras, além do sentido comum.
4. Demais. ― O intelecto depende do sentido, menos que qualquer potência, da parte sensitiva. Ora, o intelecto não conhece nada que não receba do sentido; e, por isso, diz Aristóteles que, aos que falta uma, sentido falta uma ciência. Logo, com maioria de razão, não se deve admitir uma potência da parte sensitiva chamada estimativa, para perceber as apreensões que o sentido não percebe.
5. Demais. ― O ato da cogitativa ― comparar, compor e dividir ― e o da reminiscitiva ― usar de um silogismo, para indagar ― não distam menos do ato da estimativa e da memorativa, do que o ato da estimativa, do ato da fantasia. E, portanto, deve-se admitir a cogitativa e a reminiscitiva como outras virtudes, além da estimativa e da memorativa; ou, então, não se deve admitir a estimativa e a memorativa, como outras virtudes, além da fantasia.
6. Demais. ― Agostinho admite três gêneros de visões: a corpórea, que se realiza pelo sentido; a espiritual, pela imaginação ou fantasia; e a intelectual, pelo intelecto. Logo, não há outra virtude interna, média entre o sentido e o intelecto, a não ser a imaginativa.
Mas em contrário, Avicena admite cinco potências sensitivas internas: o sentido comum, a fantasia, a imaginativa, a estimativa e a memorativa.
Solução. ― Como a natureza não falha, nas coisas necessárias, forçoso é haver tantas ações da alma sensitiva quantas bastem para a vida do animal perfeito. E delas, as que não puderem se reduzir a um princípio, exigem potências diversas; pois, uma potência da alma não é outra coisa senão o princípio próximo da operação da alma.
Ora, deve-se considerar que, para a sua vida, é necessário que o animal perfeito apreenda a coisa, estando o sensível não só presente, mas ainda ausente; do contrário, pois que o seu movimento e ação resultam da apreensão, o animal não se moveria a buscar qualquer coisa ausente. Ora, é o contrário disso que se vê, sobretudo nos animais perfeitos, que se movem por movimento progressivo; pois, movem-se para alguma coisa apreendida como ausente. Logo, não somente é necessário que o animal, pela alma sensitiva, receba as espécies dos sensíveis, quando sofre mutação pela presença deles; mas ainda as retenha e conserve. Ora, receber e reter reduzem-se, nos seres corpóreos, a princípios diversos; assim, as coisas úmidas recebem bem mas retêm mal; e o contrário acontece com as secas. Por onde, sendo a potência sensitiva o ato do órgão corpóreo, é necessário haja outra potência que receba as espécies dos sensíveis e as conserve.
Além disso, deve-se considerar que, se o animal se movesse só pelo deleitável, e pelo doloroso, sensivelmente, não seria necessário admitir, no animal, senão a apreensão das formas percebidas pelo sentido, e com as quais se deleita ou sofre. Mas é necessário que o animal busque ou fuja certas coisas; não só por que sejam convenientes ou inconvenientes para serem sentidas, mas também por certas outras comodidades e utilidades ou nocividades. Assim, a ovelha, vendo o lobo aproximar-se, foge, não pela feiúra da cor ou da figura do mesmo, mas como sendo um inimigo da sua natureza. E, semelhantemente, a ave colhe a palha, não porque lhe deleite o sentido, mas por lhe ser útil para a feitura do ninho. Logo, é necessário ao animal perceber tais espécies intencionais, não percebidas pelo sentido externo. E essa percepção deve ter algum outro princípio, pois que a percepção das formas sensíveis provém da imutação sensível, não porém a das espécies intencionais preditas.
Assim portanto, à recepção das formas sensíveis é destinado o sentido próprio e comum, de cuja distinção a seguir se tratará. ― Porém, à retenção e à conservação dessas formas é destinada à fantasia ou imaginação, que é um como tesouro das formas recebidas pelo sentido. Ao passo que, a apreender as espécies intencionais, que não são recebidas pelo sentido, se destina à virtude estimativa. ― E, por fim, a conservá-las se destina à virtude memorativa, que é o como tesouro de tais espécies intencionais. E a prova é que o princípio da lembrança resulta, nos animais, de alguma espécie intencional como esta, a saber, o que é nocivo ou inconveniente. E o passado, na sua natureza, à qual se reporta a memória, é computado entre tais espécies.
Deve-se considerar, porém, que, quanto às formas sensíveis, não há diferença entre o homem e os outros animais que, semelhantemente, sofrem mutação dos sensíveis externos. Mas há diferença quanto às espécies intencionais preditas. Pois, os animais percebem tais espécies só por um como instinto natural; ao passo que o homem, por uma certa comparação. E por isso, a chamada estimativa natural, nos animais, chama-se cogitativa no homem, que chega a tais espécies intencionais por uma certa comparação. Donde vem o chamar-se também razão particular, à qual os médicos assinalam um órgão determinado, a saber, a parte média da cabeça. Pois, é apreensiva das espécies intencionais individuais, assim como a razão intelectiva o é das espécies intencionais universais. ― E, quanto a memorativa, o homem não somente tem a memória, como os outros animais, pela recordação súbita das coisas pretéritas; mas também a reminiscência, pela qual indaga silogísticamente a memória do passado, segundo as espécies intencionais individuais.
E, quanto a Avicena, ele admite uma quinta potência, média entre a estimativa e a imaginativa e que compõe e divide as formas imaginadas. E isso bem claramente se vê, quando, das formas imaginadas do ouro e de uma montanha, compomos a forma única de uma montanha de miro, que nunca vimos. Mas essa operação não existe nos animais, mas só no homem em quem, para tal, basta à virtude imaginativa. E a ele também Averróis lhe atribui tal ação, em certo livro que escreveu.
Assim que não é necessário admitir mais de quatro virtudes internas da parte sensitiva, a saber: o sentido comum, a imaginação, a estimativa e a memorativa.
Donde a resposta à primeira objeção. – O sentido interno não se chama comum por predicação, como se fosse gênero; mas como sendo a raiz comum e o princípio dos sentidos externos.
Resposta à segunda. ― O sentido próprio julga do sensível próprio, discernindo-o dos outros, que lhes são também subordinados;assim, discernindo o branco do preto ou do verde. Mas nem o sentido da vista nem o do gosto podem discernir o branco do doce; porque, necessariamente, quem discerne entre duas causas deve conhecê-las. Por onde, é forçoso pertença ao sentido comum o juízo, por discernimento do termo a que se refiram como ao término comum, todas as apreensões dos sentidos; e pelo qual sejam também percebidas as ações dos sentidos, como, p. ex., quando alguém se vê ver. Pois, isto não se pode dar pelo sentido próprio, que só conhece a forma do sensível que lhe causou mutação, na qual mutação se completa a visão, e da qual resulta outra mutação no sentido comum, que percebe a visão.
Resposta à terceira. ― Assim como uma potência nasce da alma, mediante outra, como antes se disse; assim também a alma está sujeita a outra potência, mediante uma terceira. E, deste modo, a fantasia e a memorativa se chamam paixões do primeiro sensitivo.
Resposta à quarta. ― Embora a operação do intelecto nasça do sentido, contudo, na causa apreendida por este último, o intelecto conhece muitas coisas que o sentido não pode perceber j e o mesmo se dá com a estimativa, embora de modo inferior.
Resposta à quinta. ― Essa eminência, que a cogitativa e a memorativa têm no homem, não é pelo que é próprio à parte sensitiva, mas por uma certa afinidade e propinqüidade com a razão universal, segundo certa refluência. Por onde, não são virtudes diferentes, mas as mesmas, mais perfeitas do que às existentes nos outros animais.
Resposta à sexta. ― Agostinho chama visão espiritual a que se dá pelas semelhanças dos corpos, na ausência destes. Por onde se vê que ela é comum a todas as apreensões internas.