Category: Santo Tomás de Aquino
(II Sent., dist. II, q. 2, a. 2, ad 5; Qu. De Anima, a. 13; II De Anima, lect. XIV; III, lect. I).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que se distinguem inconvenientemente só cinco sentidos externos.
1. ― Pois, o sentido é cognoscitivo dos acidentes. Ora, como estes são de muitos gêneros, e as potências se distinguem pelos seus objetos, resulta que os sentidos se hão de multiplicar pelo número dos gêneros dos acidentes.
2. Demais. ― A grandeza, a figura e coisas semelhantes, chamadas sensíveis comuns, não são sensíveis por acidente, antes, dividem-se por oposição com estes. Ora, a diversidade dos objetos, por si, diversifica as potências. E como, mais que o som, a grandeza e a figura diferem da cor, resulta que, muito mais necessariamente, deve haver uma potência sensitiva cognoscitiva da grandeza ou da figura, que da cor e do som.
3. Demais. ― Cada sentido se refere a um contrário; assim, a visão à do branco e preto. Ora, o tacto conhece vários contrários, a saber: o cálido e o frio, o úmido e o seco, e outros semelhantes. Logo, não constitui um só sentido, mas vários. Logo, há mais de cinco sentidos.
4. Demais. ― A espécie não se divide por oposição com o gênero. Ora, o gosto é uma espécie de tacto. Logo, não se deve admitir nenhum outro sentido além do tacto.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que não há mais nenhum sentido além dos cinco.
Solução. ― A razão da distinção e do número dos sentidos externos, alguns quiseram deduzi-la dos órgãos, no quais domina um dos elementos ― a água, o ar ou outro qualquer. Outros porém, do meio, que é conjunto ou extrínseco; sendo este o ar, a água ou coisa semelhante. Outros, ainda, da natureza diversa das qualidades sensíveis, segundo a qual a qualidade ou é a de um corpo simples ou a resultante de um complexo. ― Mas nenhuma destas opiniões é aceitável. Pois, as potências não existem para os órgãos, mas estes para aquelas; por onde, não é por haver diversos órgãos que há de haver diversas potências, mas, antes, a natureza instituiu a diversidade de órgãos para corresponderem à das potências. E semelhantemente, atribuiu meios diversos aos diversos sentidos, como era conveniente aos atos das potências. Porém, conhecer as naturezas das qualidades sensíveis não é próprio do sentido, mas do intelecto.
Mas a razão do número e da distinção dos sentidos exteriores funda-se no que, propriamente e por si, pertence ao sentido. Ora, este é uma potência passiva, à qual é natural ser alterada pelo sensível externo. E o exterior é capaz de alterar porque, em si, é percebido pelo sentido, distinguindo-se, pela sua diversidade, as potências sensitivas.
Ora, dupla é a alteração: uma natural; outra, espiritual. Aquela consiste em a forma do alterante ser recebida no alterado, pelo seu ser natural; assim, o calor, no corpo aquecido. A espiritual, porém, consiste em a forma do alterante ser recebida no alterado, pelo seu ser espiritual; assim, a forma da cor, na pupila, que, nem por isso, se torna colorida. Ora, para a operação do sentido se requer a alteração espiritual, pela qual se realize no órgão do mesmo a espécie intencional da forma sensível; do contrário, se só a alteração natural bastasse para sentir, todos os corpos naturais, alterados, sentiriam.
Mas, em certos sentidos, como no da visão, só há a alteração espiritual. ― Em outros porém, além dessa, há também a natureza, quer só por parte do objeto, quer também por parte do órgão. ― Do objeto provém à transmutação natural, quer quanto ao lugar, como no som, objeto do ouvido, e resultante da percussão e da comoção do ar; quer quanto à alteração, como no odor, objeto do olfato, e o qual, para se evolar, é preciso que o corpo seja, de algum modo, alterado pela calidez. ― Por parte do órgão a mutação é natural no tacto e no gosto; assim, a mão, tocando corpos quentes, se aquece; e a língua se umedece pela umidade dos sabores. Ao passo que o órgão do olfato e o da audição não sofrem nenhuma mutação natural, quando sentem, salvo por acidente.
O sentido da visão, porém, que não precisa de nenhuma mutação natural do órgão e do objeto é, dentre todos os sentidos, o mais espiritual, perfeito e comum; em seguida, vem o sentido da audição, e, depois, o olfato, que sofrem mutação natural por parte do objeto. E, quanto ao movimento local, ele é mais perfeito do que o movimento de alteração e é anterior a este, como já se provou. Sendo o tacto e o gosto os sentidos os mais materiais, de cuja distinção a seguir se tratará. E daí resulta, que os outros três sentidos não se exercem por um meio conjunto e sem que alguma transmutação natural atinja o órgão, como acontece com os dois últimos.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Nem todos os acidentes têm a virtude de causar a mutação em si, mas só as qualidades da terceira espécie, que causam a alteração. Por onde, só tais qualidades são os objetos dos sentidos; porque, como diz Aristóteles, o sentido se altera pelas mesmas causas que alteram os corpos inanimados.
Resposta à segunda. ― A grandeza, a figura e atributos semelhantes, chamados sensíveis, comuns, são meios entre os sensíveis por acidente e os sensíveis próprios, objetos dos sentidos. Pois, os sensíveis próprios, sendo qualidades alterantes, causam, primariamente e por si, mutação no sentido. ― Porém, todos os sensíveis comuns se reduzem à quantidade. Assim, é evidente que a grandeza e o número são espécies de quantidade. A figura, porém, é uma qualidade quantitativa, pois, a sua natureza consiste em limitar a grandeza. Ao passo que o movimento e o repouso são sentidos, na medida em que o sujeito, de um só ou de muitos modos, se comporta relativamente à sua grandeza ou a distância local, quanto ao movimento de aumento e ao local; ou ainda relativamente às qualidades sensíveis, quanto ao movimento de alteração. Assim, sentir o movimento e o repouso é, de certo modo, sentir o que é uno e o que é múltiplo. A quantidade, por fim, é o sujeito próximo da qualidade alterativa; assim, a superfície é o sujeito da cor. Por onde, os sensíveis comuns não movem o sentido primariamente e por si, mas em razão da qualidade sensível, como a superfície, em razão da cor. E nem são, por isso, sensíveis por acidente, porque causam uma certa diversidade na mutação do sentido. Pois, este sofre mutação diferente, segundo a superfície é grande ou pequena, porque também a brancura pode ser considerada grande ou pequena e, portanto, é dividida segundo o seu sujeito próprio.
Resposta à terceira. ― Como diz o Filósofo, o sentido do tato é, genericamente, um; mas, especificamente se divide em muitos sentidos e por isso, diz respeito às contrariedades diversas. Como estas, porém, não se separam, organicamente, umas das outras mas aplicam-se ao corpo todo, por isso a distinção delas não aparece. Porém o gosto, que percebe o doce e o amargo, identifica-se com o tacto, na língua e não por todo o corpo e, por isso, facilmente dele se distingue. ― Mas também se poderia dizer que todas aquelas contrariedades convêm, singularmente, pelo gênero próximo e, totalmente, pelo gênero comum, que é o objeto do tacto, segundo a noção comum. Mas esse gênero comum não têm denominação, como também não a tem o gênero próximo do cálido e do frio.
Resposta à quarta. ― O sentido do gosto, segundo diz o Filósofo, é uma certa espécie de tacto, que só existe na língua. Não se distingue porém do tacto, genericamente, mas quanto às outras espécies espalhadas por todo o corpo. Se, pois, o tacto é um seu tido só, por causa da noção comum única do objeto, deve-se concluir que, pela natureza diversa da mutação se há de distinguir o gosto do tacto. Pois o órgão deste sofre mutação natural, e não só espiritual, quanto à qualidade que lhe serve de objeto próprio. Ao passo que o órgão do gosto não sofre mutação necessariamente natural, quanto à qualidade que lhe serve de objeto próprio, de modo que a língua se torne doce ou amarga; mas, quanto à qualidade preliminar, em que se funda o sabor, a saber, o humor, objeto do tacto.
(IV Cont. Gent., cap. LVIII; Qu. De Anima, a. 13; II De anima, lect IX).
O segundo discute-se assim. ― Parece que as partes vegetativas não estão bem enumeradas assim: a nutritiva, a aumentativa e a geratriz.
1. ― Pois, tais virtudes são naturais. Ora, as potências da alma lhes são superiores. Logo, as mesmas não devem ser consideradas como potências.
2. Demais. ― Ao que é comum aos viventes e aos não-viventes não se deve atribuir nenhuma potência da alma. Ora, a geração é comum a todos os seres susceptíveis de geração e corrupção, tanto viventes como não-viventes. Logo, a virtude geratriz não deve ser considerada como potência da alma.
3. Demais. ― A alma é mais potente que a natureza corpórea. Ora, esta, pela mesma virtude ativa, dá a espécie e a quantidade devidas. Logo, com maioria de razão, a alma não tem uma potência aumentativa diferente da geratriz.
4. Demais. ― A causa que dá o ser é a mesma que o conserva. Ora, pela potência geratriz é que o vivente adquire o ser; logo, pela mesma é que se conserva vivo. Ora, à conservação do vivente é que se destina a virtude nutritiva, como já se disse: Pois, é a potência capaz de conservar o ser que o recebe. Logo, a potência nutritiva não se deve distinguir da geratriz.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, as operações desta alma são gerar, alimentar-se e, por fim, crescer.
Solução. ― São três as potências da alma vegetativa. Pois, o gênero vegetativo, como já se disse, tem como objeto o corpo mesmo, que vive pela alma, para cujo corpo necessária é tríplice operação dela. Uma, pela qual adquire o ser; e, a essa se destina à potência geratriz. Outra, pela qual adquire a quantidade devida; e a essa se destina à virtude aumentativa. Outra, enfim, pela qual se conserva no ser e na quantidade devida, e a essa se destina à virtude nutritiva.
Deve-se, porém, atender a uma certa diferença entre essas potências. Assim, a nutritiva e a aumentativa produzem o seu efeito no ser em que existem; pois é o corpo mesmo, que está unido à alma, que cresce e se conserva pela virtude aumentativa e pela nutritiva existentes na mesma alma. Porém, a virtude geratriz produz o seu efeito, não no mesmo corpo, mas em outro, pois nenhum ser é gerador de si mesmo. E, por isso, a virtude geratriz se aproxima, de certo modo, em dignidade, da alma sensitiva, cuja operação recai sobre coisas exteriores, embora de modo mais excelente e universal. Pois, o que é supremo, em a natureza inferior, confina com o que é ínfimo, na superior, como se vê em Dionísio. E, portanto, dessas três potências, a que é sobretudo final, principal e perfeita é a geratriz, como já se disse. Pois, é próprio da coisa já perfeita fazer outra semelhante a si. Ora, as virtudes aumentativa e nutritiva servem à geratriz; porém, à aumentativa, a nutritiva.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Essas virtudes se chamam naturais, quer porque produzem efeito semelhante à natureza, que também dá o ser, a quantidade e a conservação, embora o façam de modo mais alto; quer porque exercem a sua ação instrumentalmente, pelas qualidades ativas e passivas, princípios da ação natural.
Resposta à segunda. ― A geração, nas coisas inanimadas, tem proveniência totalmente extrínseca. Mas, nos seres vivos ela se processa por certo modo mais elevado; por algo do próprio vivente, o sêmen, no qual reside o princípio formador do corpo. Por onde, é necessário existir uma potência no ser vivo que lhe prepare o sêmen; e essa é a virtude geratriz.
Resposta à terceira. ― Realizando-se a geração do ser vivo pelo semen, necessário é que, no princípio, o animal seja gerado pequeno; e, por isso, é preciso que tenha uma potência da alma que o leve ao tamanho devido. Ao passo que o corpo inanimado é gerado de uma determinada matéria, por um agente extrínseco; e, por isso, recebe simultaneamente a espécie e a quantidade, segundo a condição da matéria.
Resposta à quarta. ― Como já se disse, a operação do princípio vegetativo se completa mediante o calor, que consome a umidade. Por onde, para a recuperação da umidade perdida, há necessidade da potência nutritiva, pela qual o alimento se converte na substância do corpo. O que também é necessário para o ato das virtudes aumentativa e geratriz.
(Supra, q. 16, a. 3; De Verit., q. 10, a. 1, ad 2; Qu. De Anima a. 13; I De Anima, lect. XIV; II, lect. III, V).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que não se devem distinguir cinco gêneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo.
1. ― Pois, as potências da alma são consideradas partes da mesma. Ora, em geral, todos lhe admitem só três partes: a alma vegetativa, a sensível e a racional. Logo, só há três gêneros de potências e não cinco.
2. Demais. ― As potências da alma são os princípios das operações vitais. Ora, como ensina o Filósofo, de quatro modos pode-se dizer que um ser vive: Embora os modos de viver sejam múltiplos, dizemos que um ser é vivo quando nele exista um apenas desses modos, a saber, o intelecto e os sentidos, o movimento e o repouso locais; e a estes devendo acrescentar-se o movimento alimentar, o de decrescimento e de aumento. Logo, só há quatro gêneros de potências da alma, excluindo-se o apetitivo.
3. Demais. ― Ao que é comum a todas as potências não se deve atribuir nenhum gênero especial de alma. Ora, desejar convém a qualquer das potências da alma; assim, a visão deseja o visível conveniente, dizendo, por isso, a Escritura: A praça do corpo e a beleza do rosto desejará o teu olho; mas a verdura dos campos semeados leva muita vantagem a ambas as coisas. E, do mesmo modo, qualquer outra potência deseja o seu objeto conveniente. Logo, não se deve admitir o apetitivo como gênero especial das potências da alma.
4. Demais. ― O princípio motor, nos animais, é o sentido ou o intelecto ou o apetite, como já se disse. Logo, não se deve considerar o gênero motivo, como especial da alma, além dos outros gêneros já mencionados.
Mas, em contrário,diz o Filósofo: Consideramos como potências a vegetativa, a sensitiva, a apetitiva, a motiva local e a intelectiva.
Solução. ― Cinco são os gêneros das potências da alma, já enumerados; mas as almas são três; e os modos de viver, quatro.
E a razão desta diversidade está em se distinguirem diversas almas segundo os modos diversos pelos quais a operação da alma sobreexcede a da natureza corpórea. Pois, esta, totalmente, está sujeita à alma, e com ela se compara como matéria e instrumento. ― Ora, há uma operação da alma excedente de tal modo à natureza corpórea, que nem mesmo se exerce por meio de qualquer órgão corpóreo. E tal é a operação da alma racional. ― Há outra inferior a esta, que se realiza pelo órgão, mas não por qualquer qualidade corpórea. E tal é a da alma sensitiva; pois, embora o cálido e o frio, o úmido e o seco, e outras qualidades corpóreas semelhantes sejam necessárias para a operação do sentido, todavia não o são, a ponto tal, que a operação da alma sensível se exerça, mediante a virtude de tais qualidades; sendo elas só necessárias para a devida disposição do órgão. ― Por fim, a operação ínfima da alma é a que exerce pelo órgão corpóreo e em virtude de qualidade corpórea. Mas, ainda assim, sobreexcede a operação da natureza corpórea; pois, ao passo que as moções dos corpos procedem de um princípio exterior, tais operações procedem de um intrínseco, o que é comum a todas as operações da alma, porquanto, todo ser animado move-se, de certo modo, a si mesmo. E tal é a operação da alma vegetativa; assim, a digestão, e tudo o que dela resulta, realiza-se instrumentalmente pela ação do calor, como já se disse.
Quanto aos gêneros das potências da alma, eles se distinguem pelos objetos. Pois, quanto mais elevada for a potência, tanto mais universal será o seu objeto, como já antes se disse. Ora, o objeto da operação da alma pode ser encarado sob tríplice ordem. ― Há uma potência que têm por objeto o corpo somente, unido à alma. E este gênero de potências se chama vegetativo;pois, a potência vegetativa só pode agir no corpo unido à alma. ― Há, porém outro gênero de potências que visa um objeto mais universal, a saber, todo o corpo sensível, e não só o corpo unido à alma. ― Há, por fim, outro gênero, que visa um objeto ainda mais universal e é, não só o corpo sensível, mas todo ente, universalmente. ― Por onde se vê, que estes dois últimos gêneros de potências exercem operação relativa, não só a uma coisa conjunta, mas também a uma coisa extrínseca. Como porém é necessário que o ser ativo esteja ligado, de certo modo, ao seu objeto, em relação ao qual opera, necessário é que a coisa extrínseca, objeto da operação da alma, se compare com esta por dois aspectos da sua natureza. ― De um modo, por lhe ser natural estar unida à alma e nesta estar pela sua semelhança. E, sob este aspecto, há dois gêneros de potências: o sensitivo, relativo ao objeto menos comum, que é o corpo sensível; e o intelectivo, relativo ao objeto comuníssimo, que é o ente universal. ― De outro modo, porém, enquanto a alma mesma se inclina e tende para a coisa exterior. E ainda, a esta luz, há dois gêneros de potências: o apetitivo,pelo qual a alma está para a coisa extrínseca como fim, que é primeiro na intenção; e outro, o motivolocal,enquanto a alma está para a coisa exterior como para o termo da operação e do movimento; assim, todo animal se move para conseguir a coisa desejada intencionada.
Quanto aos modos de viver, eles se distinguem pelos graus dos viventes. ― Assim, há certos viventes, como as plantas, em que só há o modo vegetativo. ― Outros há, porém, nos quais, com o vegetativo existe também o sensitivo, não, porém, o motivo local; assim, os animais imóveis, como as conchas. ― Outros ainda, além disso, têm o motivo local; assim, os animais perfeitos que, precisando de muitas coisas necessárias à vida, precisam por isso do movimento para poderem procurá-las, colocadas que estão à distância. ― Outros viventes há, por fim, como os homens, nos quais, além desses, há o modo intelectivo. Quanto ao apetitivo, esse não constitui nenhum grau de vivência porque todos os que têm sentido também têm apetite, como já se disse.
E, por aqui, se resolvem as duas primeiras objeções.
Resposta à terceira. ― Apetite natural é a inclinação natural de um ser para alguma coisa. Por onde, toda potência deseja, por apetite natural, o que lhe é conveniente. Mas o apetite animal resulta da forma apreendida e supõe uma potência especial da alma, não bastando só a apreensão. Pois, a coisa desejada o é como naturalmente existe; ela não está porém desse modo na virtude apreensiva, mas só por semelhança. Por onde é claro, que a visão deseja naturalmente o visível, só para realizar o seu ato que é ver. O animal, porém, deseja a coisa vista, pela virtude apetitiva, não só para vê-la, mas também para outros usos. Pois, se a alma não precisasse das coisas percebidas pelo sentido senão por causa dos atos dos sentidos, a saber, para que as sentisse, não seria necessário considerar o apetitivo como um gênero especial, entre as potências da alma, porque bastaria o apetite natural das potências.
Resposta à quarta. ― Embora o sentido e o apetite sejam princípios motores, nos animais perfeitos, contudo, como sentidos, não bastam para mover, se não se lhes acrescentar alguma virtude. Pois, embora os animais imóveis tenham sentido e apetite, não têm, contudo, a virtude motora. Ora, esta não só está no apetite e no sentido, como ordenadora do movimento, mas também está nas partes mesmas do corpo, para que sejam aptas a obedecer ao apetite da alma motiva. E a prova está em que, quando os membros são privados da sua disposição natural, não obedecem à tendência para o movimento.
Em seguida devem-se considerar as potências da alma em especial. Ao teólogo pertence indagar, especialmente, só das potências intelectivas e apetitivas, susceptíveis de virtude. Mas, como o conhecimento dessas potências depende, de certo modo, das outras, por isso a nossa consideração sobre as potências da alma, em especial, será tripartida. Pois, primeiro, devem-se considerar coisas que servem de preâmbulo ao intelecto. Segundo, as potências intelectivas. Terceiro, as potências apetitivas.
Sobre a primeira questão, quatro artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. — Parece que não pode haver nos anjos o mal da culpa.
1. — Pois, o mal da culpa só pode existir nos seres potenciais, como diz Aristóteles, por ser o ente potencial o sujeito da privação. Ora, os anjos, sendo formas subsistentes, não têm o ser potencial. Logo, não pode haver neles o mal da culpa.
2. Demais. — Os anjos são mais dignos do que os corpos celestes. Ora, nestes não pode haver mal, como dizem os filósofos. Logo, nem naqueles.
3. Demais. — O natural a um ser neste sempre existe. Ora, é natural aos anjos moverem-se para Deus pelo movimento de dileção. Logo, disto não podem eles ser privados. Mas, como amando a Deus não pecam, os anjos não podem pecar.
4. Demais. — O apetite só pode desejar o bem ou o que tem a aparência de bem. Ora, para os anjos não pode haver bem aparente que não seja verdadeiro, porque neles não pode de nenhum modo haver erro; ou, pelo menos, este não podia preceder à culpa. Logo, os anjos só podem apetir o bem verdadeiro. Mas ninguém que deseje o verdadeiro bem peca. Logo, o anjo, apetindo, não peca.
Mas, em contrário, diz Jó: E entre os seus anjos achou crime.
Solução. — O anjo, como qualquer criatura racional, considerado na sua natureza, pode pecar; e só por dom da graça, não pela condição da natureza, é que pode convir a uma criatura a impecabilidade. E a razão disto é que pecar não é senão o declinar um ato da retidão que deve ter, quer se considere o pecado nos seres naturais, nos artificiais ou nos morais. Ora, só não pode declinar da retidão o ato cuja regra é a virtude do agente. Assim, se a mão do artífice fosse a regra mesma da incisão, ele nunca poderia cortar a madeira senão em linha reta; mas, se a retidão da incisão depender de outra regra a incisão poderá ser reta e não reta. Ora, só a divina vontade é a regra do seu ato, porque não está ordenada para um fim superior. Porém, toda vontade de qualquer criatura não traz, no seu ato, a retidão, senão enquanto regulada pela vontade divina, da qual depende o último fim. Assim, a vontade de um ser inferior deve se regular pela do superior, como a vontade do soldado pela do chefe do exército. Portanto, só na vontade divina não pode haver pecado; ao passo que o pode, segundo a ordem da natureza, na vontade de qualquer criatura.
Donde a resposta à primeira objeção. — Nos anjos não há potência quanto ao ser natural; havendo porém, quanto à parte intelectiva, que pode converter-se para tal coisa ou tal outra, pode quanto a essa parte haver mal neles.
Resposta à segunda. — Os corpos celestes só têm operação natural; por onde, como em a natureza deles não pode existir o mal da corrupção, assim também na ação natural dos mesmos não pode existir o mal da desordem. Mas, além da ação natural, há nos anjos a ação do livre arbítrio, em relação à qual pode haver neles mal.
Resposta à terceira. — É natural ao anjo converter-se para Deus pelo movimento de dileção, enquanto Deus é o princípio do ser natural. Mas, converter-se a Deus como objeto da beatitude sobrenatural, só o é por amor gratuito, do qual podia desviar-se pecando.
Resposta à QUARTA. — De dois modos pode haver pecado moral, no ato do livre arbítrio. — De um, quando se escolhe algum mal; assim, o homem peca escolhendo o adultério que, em si, é mau. E tal pecado sempre procede de alguma ignorância ou erro; do contrário, o mal não seria escolhido como bem. Assim, o adultero erra, em particular, escolhendo a deleitação de um ato desordenado, como um bem a ser atualmente praticado, por causa da inclinação da paixão ou do hábito; embora, em geral, não erre, mas pense, com verdade, nessa matéria. Ora, deste modo não podia haver pecado nos anjos, porque neles nem há paixões que liguem a razão ou o intelecto, como do sobredito resulta: nem, além disso, podia haver um hábito, inclinando ao pecado, e que precedeu o primeiro pecado. — De outro modo pode-se pecar pelo livre arbítrio, escolhendo-se o bem em si, mas sem a ordem devida à medida ou à regra; de maneira que o defeito, inducente ao pecado, só existe por parte da eleição que não observa a ordem devida senão quanto à coisa escolhida. Assim, se alguém escolhesse o orar, sem atender à ordem instituída pela Igreja. E pecado tal não pressupõe a ignorância, mas somente a ausência de consideração das coisas que deviam ser consideradas. E, deste modo, o anjo pecou convertendo-se, pelo livre arbítrio, ao bem próprio, sem se ordenar à regra da divina vontade.
Em seguida, devemos considerar como os anjos se tornaram maus. E primeiro, quanto ao mal da culpa. Segundo, quanto ao mal da pena.
Sobre o primeiro ponto nove artigos se discutem:
(IV Sent., dist. XLIV; q. 3, a. 3, qª 1, 2: dist. I, q. 1, a. 1; II Cont. Gent., cap. LXXXI: De Virtut., q. 5, a. 4, ad 13; Qu. De Anina, a. 19; Quodl. X, q. 4, a. 2).
O oitavo discute-se assim. ― Parece que todas as potências da alma nela permanecem, quando separada do corpo.
1. ― Pois, como foi dito, a alma separa-se do corpo, levando consigo o sentido e a imaginação, a razão e o intelecto e a inteligência, o concupiscível e o irascível.
2. Demais. ― As potências são as propriedades naturais da alma. Mas a propriedade é sempre inerente ao ser ao qual pertence e deste nunca se separa. Logo, as potências da alma nela permanecem, mesmo depois da morte.
3. Demais. ― As potências da alma, mesmo as sensitivas, não se debilitam com a debilitação do corpo; porque, como já se disse, se um velho recebesse os olhos de um moço veria, por certo, como este. Ora, a debilidade é via para a corrupção. Logo, as potências não se corrompem com a corrupção do corpo, mas permanecem na alma separada.
4. Demais. ― A memória é uma potência da alma sensitiva, como o Filósofo o prova. Ora, a memória permanece na alma separada; pois, na Escritura (Lc 16, 25) se diz ao conviva rico, com a alma no inferno: Lembra-te que recebeste os teus bens em tua vida. Logo, a memória permanece na alma separada e, por conseqüência, as outras potências da parte sensitiva também nela permanecem.
5. Demais. ― A alegria e a tristeza permanecem ao concupiscível, potência da parte sensitiva. Ora, é manifesto, as almas separadas contristam-se e alegram-se com os prêmios ou penas que têm. Logo, a virtude concupiscível permanece na alma separada.
6. Demais. ― Agostinho diz, que, assim como a alma vê certas coisas, por visão imaginária, quando o corpo jaz sem sentidos, não ainda completamente morto; assim também quando estiver completamente separada do corpo pela morte. Ora, a imaginação é uma potência da parte sensitiva. Logo, as potências dessa parte permanecem na alma separada e, por conseqüência, todas as outras potências.
Mas, em contrário, foi dito: O homem se compõe só de duas substâncias: a alma e a sua razão, e a carne com os seus sentidos. Logo, destruída a carne, as potências sensitivas não permanecem.
Solução. ― Como já ficou dito (a. 5, 6, 7), todas as potências se comparam com a alma, em separado, como com o princípio. Mas, certas potências se comparam com a alma, em separado, como com o sujeito, e são o intelecto e a vontade; e tais potências necessário é que permaneçam na alma, depois de destruído o corpo. Outras porém, estão no conjunto, como no sujeito próprio; assim, todas as das partes sensitiva e nutritiva. Ora, destruído o sujeito, o acidente não pode permanecer; por onde, corrupto o conjunto, tais potências não permanecem na alma, atualmente, mas só virtualmente, como no princípio ou na raiz. ― E, por isso, é falsa a opinião de alguns, que tais potências permanecem na alma, mesmo depois de corrupto o corpo. E muito mais falsamente dizem; que também os atos dessas potências permanecem na alma separada, o que ainda é mais falso, por não haver nenhum ato delas que se não exerça por órgão corpóreo.
Donde a resposta à primeira objeção. ― A obra citada nenhuma autoridade tem e, por isso, tudo o que nela se acha deve-se desprezar, com a mesma facilidade com que foi escrito. Pode-se, todavia, dizer que a alma arrasta consigo as potências referidas, não atual, mas virtualmente.
Resposta à segunda. ― As potências, de que dizemos não permanecerem em ato na alma separada, não são propriedades só da alma, mas do conjunto.
Resposta à terceira. ― Diz-se que tais potências não se debilitam, com a debilitação do corpo, porque a alma, princípio virtual delas, permanece imutável.
Resposta à quarta. ― Essa lembrança deve-se entender do modo pelo qual Agostinho admite a memória no espírito, e não enquanto a considera parte da alma sensitiva.
Resposta à quinta. ― Há alegria e tristeza na alma separada, não segundo o apetite sensitivo, mas segundo o intelectivo; como também se dá com os anjos.
Resposta à sexta. ― Agostinho, nesse passo, exprime-se inquirindo e não afirmando. E, por isso, retrata certas coisas aí ditas.
(I Sent., dist. III, q. 4, a. 3; dist. XXIV, q. 1, a. 2; Qu. De Anima, a. 13, ad. 7, 8).
O sétimo discute-se assim. ― Parece que uma potência da alma não nasce de outra.
1. ― De coisas que começam a existir simultaneamente, uma não nasce de outra. Ora, todas as potências da alma foram criadas simultaneamente com ela. Logo, uma não nasce de outra.
2. Demais. ― A potência nasce da alma como o acidente do sujeito. Ora, uma potência não pode ser o sujeito de outra, porque não há acidente do acidente. Logo, uma não nasce de outra.
3. Demais. ― O oposto não nasce do oposto; mas cada ser nasce do que lhe é especificamente semelhante. Ora, as potências da alma dividem-se por oposição, constituindo como espécies diversas. Logo, uma não procede de outra.
Mas, em contrário. ― As s potências conhecem-se pelos atos. Ora, o ato de uma é causado pelo de outra; assim, o ato da fantasia, pelo ato do sentido. Logo, uma potência da alma é causada por outra.
Solução. ― Em seres vários que, numa ordem natural, procedem de um só, assim como o primeiro é a causa de todos, assim o que estiver mais próximo dele é, de certo modo, causa dos que do mesmo estiverem mais afastados. Ora, como já ficou demonstrado antes (a. 4), há ordem múltipla entre as potências da alma; portanto, uma potência procede da essência da alma, mediante outra. ― Mas, a essência da alma está para as potências como princípio ativo e final e como princípio receptivo, quer separadamente, por si, ou simultaneamente com o corpo. Ora, sendo o agente e o fim mais perfeito; e o princípio receptivo como tal, menos perfeito, resulta, por conseqüência, que as potências da alma primeiras, quanto à ordem da perfeição e da natureza, são os princípios das outras, como fim e princípio ativo. Pois, vemos que o sentido é para servir ao intelecto e não inversamente; porquanto o sentido é uma como participação deficiente do intelecto e, portanto, é de certo modo, pela sua origem natural, proveniente do intelecto, como o imperfeito, do perfeito. Mas, por via do princípio receptivo dá-se o inverso: as potências mais imperfeitas são princípios em relação às outras. Assim a alma, tendo a potência sensitiva, é considerada sujeito e como algo de material, em relação ao intelecto. E, por isso, as potências mais imperfeitas são anteriores, na via da geração, pois, antes é gerado o animal do que o homem.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Assim como a potência emana da essência da alma, não por transmutação, mas como resultante natural, e existe simultânea mente com a alma; assim o mesmo se dá com uma potência em relação à outra.
Resposta à segunda. ― Um acidente, por si, não pode ser sujeito de outro acidente; mas um acidente pode ser recebido pela substância, antes de outro; assim, a quantidade, antes da qualidade. E, deste modo, se diz que um acidente é sujeito de outro, como a superfície, da cor, porque, mediante um a substância recebe outro. E o mesmo se pode dizer das potências da alma.
Resposta à terceira. ― As potências da alma se opõem entre si como o perfeito se opõe ao imperfeito e também como as espécies dos números e das figuras. Mas essa oposição não impede que uma se origine de outra pois, o imperfeito procede naturalmente do perfeito.
(I Sent., dist. III, q. 4, a. 2).
O sexto discute-se assim. ― Parece que as potências da alma não defluem da essência da mesma.
1. ― Pois, de um ser simples não podem provir seres diversos. Ora, a essência da alma é una e simples. Logo, sendo as suas potências muitas e diversas, não lhe podem proceder da essência.
2. Demais. ― Aquilo de que alguma coisa procede é causa dessa coisa. Ora, não se pode considerar a essência da alma como causa das potências; conforme verá claramente quem discorrer pelos diversos gêneros e causas. Logo, as potências da alma não defluem da essência da mesma.
3. Demais. ― Emanação denomina um certo movimento. Ora, nada se move por si mesmo, como o prova o Filósofo; salvo, levando-se em conta a parte, pois, então, diz-se que o animal se move a si mesmo, por ser uma parte dele a que move e outra, a movida. Ora, a alma nem mesmo é movida, como já se provou. Logo, ela não causa em si as suas potências.
Mas, em contrário. ― As potências da alma são certas propriedades naturais da mesma. Ora, o sujeito é causa dos acidentes próprios, entrando por isso, na definição de acidente, como se vê em Aristóteles. Logo, as potências da alma emanam-lhe da essência, como da causa.
Solução. ― A forma substancial e a acidental em parte convêm entre si e, em parte diferem. Convêm, por serem ambas ato e por atualizarem, de certo modo, as coisas, Diferem, porém, em dois pontos. ― Primeiro, porque a forma substancial causa o ser, absolutamente, e tem como sujeito o ser apenas em potência; ao passo que a forma acidental não causa o ser, absolutamente, mas o que tem natureza ou tal grandeza, ou outra qualquer modalidade, pois, o sujeito dela é o ser atual. Por onde se vê claramente, que a atualidade existe na forma substancial antes de existir no sujeito desta. E como o que é primeiro é, em qualquer gênero, a causa, a forma substancial causa, no sujeito, o ser atual. Mas, inversamente, a atualidade se encontra nesta e, por isso, a atualidade desta forma é causada pela do sujeito; de modo que este, quando ainda em potência, é susceptível daquela; e. quando já em ato, é produtivo da mesma. Isto, porém, digo do acidente próprio e em si; pois, do acidente estranho o sujeito é somente susceptível da forma, sendo, então, o agente extrínseco o produtivo. ― Segundo, as duas formas diferem entre si porque, existindo o que é menos principal por causa do que é mais principal, a matéria existe por causa da forma substancial; mas, inversamente, a forma acidental existe por causa do acabamento do sujeito.
Pois, como, é manifesto, pelo que já foi dito (a. 6), o sujeito das potências da alma é, ou a alma mesma em separado ― que pode ser sujeito do acidente, por ter algo de potencialidade, como antes se disse (a. 1 ad 6; q. 75, a. 5 ad 4) ― ou o composto. Ora, este é atualizado pela alma. Por onde, é claro que todas as potências da alma, quer tenham como sujeito a alma, em separado, ou o composto, emanam da essência da mesma, como do princípio; porque, como já ficou dito, o acidente é causado pelo sujeito, enquanto este é atual, e é recebido no mesmo enquanto este é potencial.
Donde a resposta à primeira objeção. ― De um ser simples podem proceder, naturalmente, muitos outros, por uma certa ordem; e, além disso, por causa da diversidade dos recipientes. Assim, pois, da essência una da alma procedem muitas e diversas potências, quer por causa da ordem delas, quer por causa da diversidade dos órgãos corpóreos.
Resposta à segunda. ― O sujeito é causa do acidente próprio; tanto causa final e de certo modo ativa e também material, enquanto susceptível do acidente. E, por isso, pode-se admitir que a essência da alma é a causa de todas as potências, como fim e como princípio ativo; e de certas, como susceptivo.
Resposta à terceira. ― A emanação dos acidentes próprios, do sujeito, não se dá por qualquer transmutação; mas por um certo e natural resultar; como que, de um naturalmente resultando o outro, do mesmo modo que, da luz resulta a cor.
(De Spirit, Creat., a.4, ad 3; Compend. Theol., cap. LXXXIX, XCII).
O quinto discute-se assim. ― Parece que todas as potências da alma nela estão como em sujeito próprio.
1. ― Pois, assim como as potências do corpo estão para o corpo, assim as da alma, para a alma. Ora, o corpo é o sujeito das potências corpóreas. Logo, a alma o é das da alma.
2. Demais. ― As operações das potências da alma se atribuem ao corpo por causa da alma; pois, como está dito, a alma é o que nos faz, primariamente, sentir e inteligir. Ora, os primeiros princípios das operações da alma são as potências. Logo, estas estão na alma primariamente.
3. Demais. ― Agostinho diz, que a alma sente certas coisas, como o temor e semelhantes, não pelo intermédio do corpo; antes, sem ele; outras, porém, sente pelo corpo. Ora, se a potência não estivesse só na alma, como no sujeito próprio, esta nada poderia sentir sem o corpo. Logo, a alma é o sujeito da potência sensitiva e, por paridade de razão, de todas as outras potências.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, sentir não é próprio da alma nem do corpo, mas do conjunto. Logo, a potência sensitiva está no conjunto, como no sujeito próprio. Por onde, não só a alma é o sujeito de todas as suas potências.
SOLUÇÃO. ― É sujeito da potência operativa aquilo que é capaz de operar; pois, todo acidente denomina o sujeito próprio. Ora, o ser que pode operar é o mesmo que opera. Por onde, a potência pertence, necessariamente ao mesmo sujeito que a operação, como também diz o Filósofo. Ora, é manifesto, pelo que já ficou dito antes (q. 75, a. 2, 3; q. 76, a. 1 ad 1), que certas operações da alma se exercem sem órgão corpóreo, como inteligir e querer. Por onde, as potências, princípios destas operações, estão na alma como no sujeito próprio. Outras operações da alma, porém, se exercem pelos órgãos corpóreos, como, a visão pelos olhos; a audição, pelos ouvidos. E o mesmo se dá com todas as outras operações da parte nutritiva e da sensitiva. Por onde, as potências, princípios de tais operações, estão no conjunto, como no sujeito próprio, e não somente na alma.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Diz-se que todas as potências são da alma, não como sendo esta o sujeito delas, mas como o princípio; pois, é pela alma que o conjunto pode realizar as suas operações.
Resposta à segunda. ― Todas essas potências referidas estão na alma, antes de estarem no conjunto, não como sendo ela o sujeito, mas o princípio.
Resposta à terceira. ― Platão era de opinião, que sentir, como inteligir, é operação própria da alma. E Agostinho, em muitas questões filosóficas, recorre às opiniões de Platão, não defendendo-as mas, citando-as. Contudo, no tocante ao assunto presente, o seu dito, que a alma é capaz de certas sensações mediante o corpo, e de certas, sem ele, pode se entender de duplo modo. De um, as expressões mediante o corpo ou sem o corpo determinam o ato de sentir, enquanto este parte do ser que sente. E, então, a alma nada sente, sem o corpo, pois, o ato de sentir não pode resultar dela senão por um órgão corpóreo. De outro modo, essas expressões podem se estender com determinado o ato de sentir por parte do objeto sentido. E, então, a alma sente certas coisas mediante o corpo, i. é., nele existente; assim, quando sente um ferimento ou coisa semelhante, Certas outras coisas, porém, sente sem o corpo, i. é., sem que existam no corpo, mas só na apreensão da alma; assim quanto esta sente entristecer-se ou alegrar-se com qualquer audição.