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Art. 1 ― Se a alma é corpo.

(III Cont. Gent., cap. LXV; II De Anima, lect.I).
 
O primeiro discute-se assim. Parece que a alma é corpo.

1. Pois, a alma é o motor do corpo. Ora, não há motor não movido. Primeiro, porque, parece só pode mover aquilo que é movido, pois, ninguém dá a outrem o que não tem; assim, o que não é quente não aquece. Segundo, porque o que se move sem ser movido, causaria o movimento sempiterno, sempre atualmente do mesmo modo, como o prova Filósofo; ora, tal não se vê no movimento do animal, proveniente da alma. Logo esta é um motor movido. Mas, como todo motor movido é corpo, a alma, logo também o é.
 
2. Demais. Todo conhecimento se realiza por alguma semelhança. Ora, nenhuma semelhança pode haver entre um corpo e um ser incorpóreo; se, pois, a alma não fosse corpo não poderia conhecer as coisas corpóreas.
 
3. Demais. É preciso haver algum contato do motor com o movido. Ora o contato só há entre corpos. Logo, como a alma move o corpo, resulta que não é corpo.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho, que a alma é dita simples por comparação com o corpo, porque não se difunde pela massa no espaço local.
 
SOLUÇÃO. Para discutir a natureza da alma, é necessário pressupô-la como o primeiro princípio da vida dos seres vivos; assim, dizemos que os seres animados são vivos e as coisas inanimadas carecem de vida. Ora, esta se manifesta maximamente pela dupla operação do conhecimento e do movimento, cujo princípio os antigos filósofos, não podendo transcender a imaginação, consideravam como corpo; pois, diziam, só os corpos são coisas e o que não é corpo nada é. E então, consideravam a alma como um certo corpo. Ora, embora se possa mostrar, de múltiplos modos, a falsidade dessa opinião, empreguemos só um argumento com o qual mais comum e certamente se patenteará que a alma não é corpo. Assim, é manifesto, a alma não é um princípio qualquer da operação vital; pois, se o fosse, então os olhos, princípio da visão, seriam a alma; o mesmo devendo dizer-se dos outros instrumentos desta. Mas, chamamos alma ao princípio primeiro da vida. Pois, embora algum corpo possa ser um certo princípio da vida, como o coração o é, no animal; contudo não pode ser o princípio primeiro da vida de qualquer corpo. Ora, é manifesto, ser princípio da vida ou vivente não cabe ao corpo como tal; do contrário todo corpo seria vivo ou princípio da vida. Logo, só cabe a um certo corpo como tal ser vivo, ou ainda, princípio da vida. Ora, o que torna esse corpo atualmente tal é algum princípio, chamado o seu ato. Por onde, a alma, princípio primeiro da vida, não é corpo, mas o ato dele, assim como o calor, princípio da calefação, não é corpo, mas um ato do corpo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Sendo tudo o que se move movido por outro, e como não se pode continuar assim até o infinito, necessário é dizer-se que nem todo motor é movido. Pois, ser movido sendo o passar da potência para o ato, o motor dá o que tem ao móvel, atualizando-o. Mas, como o demonstra o Filósofo, há um certo motor absolutamente imóvel, não movido nem por si nem por acidente; e tal motor pode mover o movido sempre uniformemente. Há, porém, outro motor movido, não por si, mas por acidente e que, por isso, não move o movido sempre uniformemente; e tal motor é a alma. E há, ainda, outro motor não movido por si, e que é o corpo. E como os antigos filósofos da natureza pensavam que só o corpo existe, ensinavam que todo motor é movido e que a alma, movida por si, é também corpo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Não é necessário que a semelhança da causa conhecida esteja atualmente em a natureza do conhecente; mas, se há algo que conhece, primeiro, em potência e, depois, em ato, não é necessário que a semelhança do conhecido seja atual, senão apenas potencial, em a natureza do conhecente; assim, a cor está na pupila, não atual mas só potencialmente. Por onde, não é necessário que, em a natureza da alma, haja a semelhança atual das coisas corpóreas, mas sim que ela seja potencial em relação a tais semelhanças. Como, porém, os antigos filósofos da natureza não sabiam distinguir entre o ato e a potência, diziam que a alma é corpo para poder conhecer todos os corpos; e que é composta dos princípios de todos os corpos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Há um duplo contacto: o da quantidade e o da virtude. Pelo primeiro, o corpo só pode ser tocado pelo corpo; pelo segundo, pode ser facada por um ser incorpóreo que o mova.

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